Joseph Harari & César Vianna Werneck de Abreu. Universidade de São Paulo. Programa em Ciência Ambiental PROCAM

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Transcrição:

Texto adaptado do artigo Estudo das relações entre as variabilidades do clima e da pesca desembarcada no Estado de São Paulo Joseph Harari & César Vianna Werneck de Abreu Universidade de São Paulo. Programa em Ciência Ambiental PROCAM 1.1 Aspectos gerais sobre a pesca oceânica Levantamentos oceanográficos e climatológicos de dados de pesca e frota têm sido realizados desde 1995 na Zona Econômica Exclusiva Brasileira. Este levantamento tem como finalidade determinar a distribuição e abundância das espécies e o conhecimento das variáveis ambientais, com o objetivo de orientar a exploração desses recursos de maneira sustentável. Embora tenha participação significativa na economia nacional, a atividade pesqueira atualmente enfrenta dificuldades. Ocorreu redução da pesca extrativa total (marinha mais continental) de 23%, passando de aproximadamente 900.000 ton para 700.000 ton, entre o final dos anos 80 e meados dos anos 90, segundo estatísticas divulgadas pelo IBAMA (1998). No entanto, da década de 90 para a atual verificou-se um aumento da pesca extrativa total para cerca de 750.000 toneladas anuais, além de um grande avanço da aqüicultura (marinha e continental), que atinge o patamar de 250.000 toneladas anuais e responde por 25% da produção de pescado nacional (IBAMA, 2005). Os dados disponíveis demonstram a importância da pesca no país: a pesca extrativa marinha, com uma produção de 500.116 ton em 2004, representa 49,2% da produção total de pescado do Brasil. A região Sudeste registrou uma produção de 108.744,5 ton em 2004, sendo 59.008 ton produzidos no Estado de São Paulo (IBAMA, 2005). Levantamentos sobre as formas de pesca mostram que cerca de 55% do volume da produção pesqueira brasileira é feita através da pesca artesanal (IBAMA, 1998), com limitada utilização de técnicas e metodologias modernas de pesca e processamento do pescado em grande escala. Como conseqüência, há uma 1

grande dependência deste tipo de pesca com as condições meteorológicas e do estado do mar. Estudo relacionado com os problemas que a pesca demonstram o esgotamento dos recursos pesqueiros tradicionais na região Sudeste Sul brasileira, com variações temporais na disponibilidade dos recursos e a relação mercado/renda influenciando diretamente a atividade da frota pesqueira nessa região. 1.2 - Aspectos gerais sobre variações do clima No planeta, aproximadamente 400 milhões de pessoas vivem em áreas até 20 km da linha da costa. Estudos recentes mostram aquecimento em grande parte dos oceanos nos últimos 50 anos, entretanto, para regiões costeiras, uma elevação do nível do mar é vista como a conseqüência mais importante provocada pelas mudanças climáticas. Vários autores identificaram impactos relevantes causados por essas mudanças, como inundação das terras baixas, erosão de regiões costeiras, uma quantidade maior de tempestades mais severas, infiltrações de água salgada em estuários e aqüíferos e diminuição da penetração da luz para os organismos bênticos. Vários estudos indicam que os sistemas litorâneos responderão à elevação do nível do mar de acordo com as condições físicas e geomorfológicas de cada local e clima (IPCC, 2007). Em termos quantitativos, tendências do nível médio do mar têm sido estimadas através de medições em estações costeiras e por altimetria de satélite. A partir de uma cuidadosa seleção de marégrafos costeiros, Prandi et al (2009) investigaram as variações do nível do mar no período de janeiro de 1993 a dezembro de 2007, concluindo que a taxa média de elevação costeira é de +3,3 ± 0,5 mm/ano. Entretanto, os niveis médios baseados em marégrafos costeiros possuem variabilidades interanuais bem maiores que os niveis do oceano profundo, determinados pela altimetria. Segundo as estimativas do IPCC (2007), cerca de metade da elevação do nivel médio do mar em escala global é devida à expansão térmica dos oceanos e metade ao derretimento de gelo (principalmente nas regiões polares). Outra projeção importante em relação aos oceanos é referente a sua área congelada, que em geral pode chegar a 11% da superfície, dependendo 2

da estação do ano; a extensão desta área afeta o albedo, a salinidade e a troca de calor entre o oceano e a atmosfera. Além das mudanças climáticas, as variações na TSM e no nível do mar pode está associadas às oscilações naturais do clima, como o fenômenos El Niño Southern Oscillaton (ENSO) e Pacific Decadal Oscillation (PDO) e ainda aos ciclos das manchas solares. 1.3 - Aspectos gerais sobre influências do clima na pesca A pesca tem sido fonte de alimento e geradora de recursos desde os primórdios da civilização. Contudo, o desenvolvimento contínuo e crescente da tecnologia permitiu verificar que, embora esses recursos sejam renováveis, não são infinitos e já existem sinais apontando para mudanças importantes nos ecossistemas e queda drástica nos estoques de algumas espécies importantes (Gasalla, 2004). Para continuar a desempenhar um papel de importância social e econômica, é preciso que a atividade pesqueira seja sustentável, apesar das mudanças contínuas nos ecossistemas, os conflitos de interesse comercial e a redução dos estoques (FAO, 2003). Dentre os vários fatores que influenciam a atividade pesqueira, as condições abióticas certamente constituem parte significativa. O entendimento da relação entre os fatores abióticos e a vida dos peixes permite compreender de que maneira a distribuição e a abundância das espécies são influenciadas pelo ambiente oceânico. Como exemplo da interação entre fatores bióticos e abióticos, há modelos matemáticos que demonstram uma clara correlação entre as flutuações da temperatura e a oferta do bacalhau, como no trabalho de Pörtner et al. (2001). McGowan et al (1998) mostram que existem diversas respostas biológicas do oceano às variações climáticas, dando exemplos de peixes com tendências nos estoques induzidas pela temperatura, como o bacalhau do Mar do Norte e o salmão do Pacífico; seus estudos mostram que o sucesso da manutenção dos estoques futuros de peixes dependerá da capacidade de 3

previsão dos impactos das variações climáticas na dinâmica dos ecossistemas marinhos. Deve-se considerar que a temperatura da água também tem relação direta na sobrevivência das espécies na fase larval e juvenil e com a taxa de crescimento de algumas espécies (Beamish & Bouillon, 1995). A discussão sobre as causas das variações da pesca associadas às variações climáticas (naturais ou induzidas pelo homem) ou degradação dos ambientes (por várias atividades, incluindo a própria pesca) é muito complexa. De qualquer forma, como a maior parte da biodiversidade disponível no planeta Terra se encontra nas regiões costeira e oceânica, e grande parte desse sistema vem sofrendo alguma forma de agressão resultante da atividade humana, o resultado final observado nas populações de importantes recursos pesqueiros é uma redução drástica e/ou ameaça de extinção. Adicionalmente, como conseqüência do desequilíbrio dos ecossistemas, se tem o desenvolvimento de espécies menos importantes comercialmente, favorecidas pela liberação de nichos das espécies sobreexplotadas (Freire, 2003). As influências das variações climáticas e oceanográficas sobre a atividade pesqueira não se restringem unicamente às tendências de longo prazo. São também observadas flutuações interanuais, muitas das quais têm o fenômeno climático ENSO como responsável direto. De fato, os efeitos do ENSO também são notados na estrutura das comunidades dos peixes; Garcia et al (2003), analisando as comunidades no estuário da Lagoa dos Patos durante o ENSO em 1997/98, encontraram mudanças significativas na composição de espécies e nos padrões de ocorrência dos principais grupos ecológicos, com reduções severas das espécies residentes do estuário, dos predadores e espécies marinhas visitantes, seguidas por um aumento anormal na abundância de espécies de água doce; estas modificações foram relacionadas a um aumento notável da descarga do rio no estuário, causada por chuva anormal durante o período de estudo. Outra evidência da interação entre o ENSO e as condições oceanográficas na costa sul do Brasil está relacionada com os padrões de produtividade primária e a pesca da sardinha brasileira. Em trabalho pioneiro, Matsuura (1996) sugeriu que 4

as principais quedas na captura da sardinha brasileira, em 1976 e 1988, poderiam ser relacionadas a deficiências no mecanismo de ressurgência do litoral sul brasileiro. Verificou-se que as principais quedas nas capturas de sardinha aconteceram um ou dois anos depois de "eventos de ENSO mais fracos", enquanto que os rendimentos mais altos foram registrados aproximadamente um ano após intensos eventos de ENSO. Por outro lado, não são encontrados na literatura estudos relacionando atividades de pesca no Brasil com a PDO ou variações de manchas solares. Os trabalhos acima citados demonstram a relação entre variações climáticas e a pesca; evidentemente, esta relação pode ser abordada de várias maneiras e metodologias; o presente trabalho focaliza as relações entre variações dos recursos pesqueiros desembarcados e do clima, através da aplicação de técnicas estatísticas. Detalhes do estudo realizado podem ser encontrados na dissertação de mestrado de Abreu (2007). 1.4 Objetivos da pesquisa Os objetivos específicos deste trabalho constituem: 1. Determinar a evolução temporal de parâmetros ambientais (ventos, nível médio do mar, temperaturas do ar e do mar, etc.) na região costeira do Estado de São Paulo, de modo a obter informações no que se refere às variações abióticas nesta área. 2. Determinar a variabilidade temporal dos recursos pesqueiros desembarcados no Estado de São Paulo. 3. Verificar as relações entre as variabilidades temporais de parâmetros abióticos e da pesca desembarcada no Estado de São Paulo em escala mensal e anual. 5

2. Metodologia Dados utilizados Dados de recursos pesqueiros desembarcados foram coletados junto ao Instituto de Pesca do Estado de São Paulo (http://www.pesca.sp.gov.br/estatistica.php). Foram considerados dados de médias mensais e anuais das espécies de recursos pesqueiros desembarcados. Essas especíes foram: a sardinha, a pescada foguete, o camarão rosa, a mistura, a corvina, o camarão sete barbas, a manjuba, o goete, os cações agrupados, a castanha e Pesca Total. Dados coletados na Base de Cananéia do Instituto Oceanográfico da Universidade de São Paulo, localizada no Estado de São Paulo, em 25 01,0 S 047 55,5 W, são resultados de observações realizadas três vezes ao dia, às 09, 15 e 21 horas (hora local); estas observações são leituras instrumentais diretas da pressão atmosférica, temperatura do ar, temperatura da água do mar, precipitação e umidade relativa do ar (Boletim Climatológico,1989); estas medições foram utilizadas para a estimativa de suas respectivas médias mensais e anuais. Adicionalmente, medidas contínuas de nível do mar em Cananéia (desde 1954) foram utilizadas no presente trabalho; de fato, medições de nível do mar regularmente realizadas ao longo da costa brasileira têm fornecido informações de grande relevância sobre variabilidades de longo período em dois aspectos principais: o nível médio do mar e as ondas de maré. Completando o conjunto de informações processadas no presente trabalho, foram analisadas séries temporais representativas de sistemas meteorológicos em grande escala, como o ENSO e o PDO, bem como as relativas às manchas solares; essas séries também foram consideradas em bases mensal e anual, nos mesmos períodos dos referentes aos dados de pesca e demais variáveis abióticas. 6

3 - Resultados 3.1 Análises estatística do dados Os dados abióticos mensais mostraram tendência positiva na temperatura, nos ventos zonais e meridionais. Enquanto que os dados de umidade relativa do ar e precipitação possui tendência negativa. No entanto, em relação ao nível médio do mar observou-se uma tendência fortemente positiva de 8,30e-04 m/mês e de 5,17e-03 m/ano. As séries mensais de pesca desembarcada no Estado de São Paulo, no período de janeiro de 1998 a dezembro de 2004, num total de 84 meses, em sua maioria, apresentam tendência negativa, sendo as mais importantes: sardinha com -8402 kg/mês e goete -954 kg/mês. Por outro lado, os desembarques com tendência positiva foram muito menores, destacando-se a corvina e a manjuba, com 761 kg/mês e 676 kg/mês, respectivamente; conseqüentemente, resulta uma forte tendência negativa para a pesca total, com -7270 kg/mês. A séries anuais de pesca desembarcada em Cananéia, no período de 1967 a 1999, num total de 33 anos mostram tendência positiva para várias espécies, como por exemplo, a pescada foguete (6015 kg/ano), corvina (3400 kg/ano) e a mistura (1956 kg/ano), enquanto que algumas espécies possuem tendência negativa (camarão-sete-barbas e sardinha, com respectivamente, -2330 e -1944 kg/ano). No geral, resultou para a pesca total uma tendência positiva de 13290 kg/ano. 3.2 Correlações cruzadas das séries temporais Nas correlações referentes às séries mensais originais, se verifica uma forte correlação da pesca total com todas as variáveis abióticas; chega-se a ter todos os valores de correlação acima de 90%, com exceção do vento E-W. Na verdade, todas as espécies possuem esta característica de correlação significativa (com 7

exceção da espécie Castanha com a componente meridional do vento). Nas correlações de pesca com PDO, ENSO e manchas solares, constatou-se que as manchas solares apresentam a correlação mais importante, seja mantendo ou excluindo as componentes anuais e tendências. Nas séries anuais, foi observada uma correlação da pesca total com as demais variáveis abióticas ainda forte, acima de 80%. Exceto a variável componente meridional do vento, a qual, mesmo tendo obtido valor significativo, não atendeu aos limites estabelecidos no teste aplicado. Os resultados apresentaram, para a maioria das espécies consideradas, valores de correlação ainda altos, acima de 70%, sendo as exceções os valores relativos a sardinha, manjuba, goete e camarão rosa, este último atingindo valores pouco cima de 50%. Com a remoção das tendências, os resultados de correlações das séries anuais já não apresentam o mesmo padrão de correlações altas, ainda que esses resultados, em grande parte, satisfaçam o teste aplicado. Entretanto, ao serem removidas as tendências, o maior número de correlações é verificado na análise pesca / ENSO, dentre as quais se pode citar a pesca total com 28,0%. Portanto, também no caso das séries anuais, se observa que a remoção das tendências acarretou uma diminuição significativa e heterogênea das correlações em relação às das séries originais. 4 - Discussão dos resultados das análises e conclusões finais. Muitos são os fatores que interferem na atividade de pesca, tais como econômicos, climáticos, etc. Também se sabe que grande parte dos estoques está sendo sobre explorada, sendo difícil determinar quais são os efeitos provocados pela sobrepesca e quais são os efeitos provocados por alterações ambientais. Nesse estudo, foram evidenciadas variabilidades tanto nas séries de dados abióticos como também nas séries de recursos pesqueiros desembarcados. Estas variabilidades permitem inferir que mudanças futuras na temperatura, ventos, precipitação, etc., acarretarão variações na distribuição e abundância das populações. É importante ressaltar que a existência de estoques de tamanho 8

adequado não está somente relacionada às condições ambientais, mas também a uma exploração adequada. É necessário lembrar que os dados de desembarque de pescado de 1967 a 1999 são relativos apenas ao Município de Cananéia, enquanto que os dados de pesca desembarcada referentes ao período de 1998 a 2004 são, de fato, relativos ao Estado de São Paulo. Ao fazer uma avaliação global do estudo realizado, é importante ressaltar dois aspectos. Em primeiro lugar, há no Brasil uma grande deficiência de informações sobre a pesca e seria muito benéfica ao país a organização de um Banco de Dados eficiente em relação a esta atividade econômica; além da organização dos dados, evidentemente sua qualidade também deveria ser monitorada; certamente, uma parte do pescado, principalmente o procedente da pesca artesanal, não é comunicada às instituições competentes e não pode ser incluída nas estatísticas (IBAMA, 1998, 2005). O segundo aspecto, além da ausência de informações completas de pesca, encontra-se na dificuldade de comparar os dados de recursos pesqueiros desembarcados com eventos (oceanográficos e meteorológicos) totalmente interdependentes; por exemplo, o nível do mar depende dos ventos de superfície, que dependem da temperatura do ar, etc. Entretanto, apesar dos dois aspectos de dificuldades citados, o estudo realizado pode ser considerado bem sucedido, considerando que: as séries de recursos pesqueiros desembarcados analisadas foram cuidadosamente editadas pelo Instituto de Pesca; os resultados das análises envolvendo os dados de recursos pesqueiros desembarcados foram coerentes. O estudo de correlações entre as variabilidades do clima e de recursos pesqueiros desembarcados no Estado de São Paulo pode ser sumarizado nos seguintes tópicos: 1. ao manter as séries originais mensais, as correlações verificadas são muito elevadas, visto que os ciclos sazonais são preponderantes, em todas as séries. 2. ao remover os sinais anuais das séries mensais, várias espécies deixam de ter correlação significativa, embora o total de recursos pesqueiros desembarcados 9

mantenha significância, com exceção da correlação com a componente zonal do vento. 3. as análises indicam que em base mensal há correlação de recursos pesqueiros desembarcados com as variáveis abióticas. 5. ao analisar as séries anuais originais, resulta novamente correlação muito elevada entre as variáveis de recursos pesqueiros desembarcados e as abióticas, embora mais fracas nos casos de sardinha, manjuba e goete (abaixo de 50%), mas muito alta no total de recursos pesqueiros desembarcados (praticamente acima de 80%). 6. para o total de recursos pesqueiros desembarcados há significância de correlação para nível médio do mar, precipitação, umidade, temperatura do ar e componente zonal do vento. 7. ao correlacionar as séries anuais de recursos pesqueiros com os índices de sistemas meteorológicos, as maiores correlações se encontram com as manchas solares e o ENSO. Dentre as variações significativas determinadas, o fato de o nível médio do mar ser o mais importante demonstra que a humanidade como um todo deverá fazer um grande esforço para o controle das variações climáticas do planeta, de modo a minimizar o degelo e as variações da temperatura da água do mar (e conseqüente aumento de seu volume). Por outro lado, a alta correlação e dependência de recursos pesqueiros desembarcados com precipitação e umidade indicam a importância da renovação da tecnologia da frota pesqueira do Estado de São Paulo (costeira e de alto mar), com a adoção de técnicas mais avançadas, de modo a diminuir a dependência das saídas das embarcações com condições favoráveis de tempo. 10

Referências bibliográficas Abreu, C. V. W. 2007. Estudo das relações entre as variabilidades do clima e da pesca desembarcada no Estado de São Paulo. Dissertação de mestrado - Programa de Pós- Graduação em Ciência Ambiental PROCAM da Universidade de São Paulo, 87 p. Beamish, R. J. ; Bouillon, D. R. 1995. Marine fish production trends off the Pacific coast of Canada and the United States. In R. J. Beamish, Climate change and northern fish populations (pp. 585 591). Canadian Special Publication in Fisheries and Aquatic Sciences, 121. FAO, 2003. Technical guidelines for responsible fisheries 4, suppl.2, Fisheries Management.2. The ecosystem approach to fisheries. Rome, 112p. Freire, K.M.F. 2003. A database of landings data on Brazilian marine fisheries, 1980-2000.Fisheries Centre Research Report, Vol 11(6):181-190. Garcia, A. M. et al 2003. Effects of 1997-1998 El Niño on the dynamics of shallow-water fish assemblage of Patos lagoon Estuary (Brasil). Estuarine, Costal and Shelf Science, 57(3), 489-500. Gasalla, M. L. A. 2004. Impactos da pesca industrial no ecossistema da plataforma continental interna de Sudeste do Brasil: a abordagem ecossistêmica e a integração do conhecimento. Tese de doutorado, Instituto Oceanográfico da Universidade de São Paulo. IBAMA. 1998. Estatística da pesca 1997. Brasil grandes regiões e unidades da federação. Brasília: IBAMA. 84 p. IBAMA, 2005. Estatística da Pesca Brasil, 2004. IBAMA, 136 p. IPCC, 2001. Climate Change 2001: Impacts, Adaptation, and Vulnerability - Contribution of Working Group II to the IPCC Third Assessment Report 2001. IPCC, 2007. Climate Change 2007: Impacts, Adaptation and Vulnerability. Contribution of Working Group II to the Third Assessment Report of the Intergovernmental Panel on Climate Change. Cambridge University Press, Cambridge, United Kingdom, 1000 pp. 11

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