ESCOLA DE ENGENHARIA DE LORENA EEL/USP TERMODINÂMICA QUÍMICA PROF. ANTONIO CARLOS DA SILVA EQUILÍBRIO ENTRE FASES CONDENSADAS 1. EQUILÍBRIO ENTRE FASES LÍQUIDAS Líquidos miscíveis a mistura apresenta uma única fase líquida. Exemplo: benzeno e tolueno. Líquidos imiscíveis a mistura apresenta fases líquidas. Exemplo: água e nitrobenzeno. Na mistura de dois líquidos imiscíveis A e B, uma das fases líquidas é constituída do líquido A com traços de B e a outra fase líquida é constituída do líquido B com traços de A. Quando se mistura fenol e água, observa-se que quando pequenas quantidades de fenol são misturadas à água, forma-se uma única fase, mas se uma grande quantidade de fenol for adicionada, obtém-se uma separação de fases. Fenol e água são líquidos parcialmente miscíveis. Para um sistema de líquidos parcialmente miscíveis, vamos considerar o equilíbrio consistindo em duas camadas líquidas, sendo uma das fases o líquido A puro e a outra fase uma solução saturada de A no líquido B. Se as fases estão em equilíbrio, então o potencial químico de A na solução,, é igual ao potencial químico do líquido A puro,. Assim: =0 (1) Para uma solução ideal, como visto em Solução diluída ideal, Eq. 2: =ln (2) Nessa equação, o termo ln nunca é igual a 0, a não ser que seja igual a 1, ou seja, não haja o componente B na mistura líquido A puro. Assim, o equilíbrio de A com a solução de A em B não pode ser comparado ao equilíbrio em uma solução ideal. O valor é sempre negativo, para qualquer que seja a composição da solução ideal. Isso implica que sempre podemos introduzir A na solução ideal com decréscimo da energia de Gibbs. Então, substâncias que formam soluções ideais são completamente miscíveis entre si. 0 -RT 1-2RT -3RT -4RT Figura 1 Potencial químico numa solução não ideal Solução diluída ideal Página 1
No caso de miscibilidade parcial, o valor de deve ser igual a zero para alguma composição intermediária da solução, ou seja, deve seguir alguma curva do tipo reprsentado na Figura 1, com uma linha tracejada. Suponha que a uma temperatura T sejam adicionadas sucessivas quantidades de A no líquido B e a primeira porção se dissolva completamente, o mesmo acontecendo com a segunda e a terceira, mas a quarta adição corresponda ao limite de solubilidade de A em B. Num diagrama T-X, como o da Figura 2(a), cada solução obtida a partir das adições será representada por um ponto, sendo a, b e c os pontos que representam as primeiras adições e l 1 representa a solução que está no limite de solubilidade de A em B. (a) Figura 2 Sistema água-fenol Se for adicionado mais A, forma-se uma segunda camada, de A puro, visto que o limite de solubilidade foi superado. A região à esquerda de l 1 representa uma única fase líquida homogênea e a região à direita de l 1 é formada por duas regiões, solução e líquido A puro. O mesmo pode ser feito do lado direito, adicionando B ao líquido A. A Figura 2.b representa o diagrama T-X para o sistema fenol e água. A temperatura máxima da curva, t c, é denominada temperatura consoluta superior ou temperatura crítica de solução. Acima dessa temperatura, fenol e água são miscíveis em qualquer proporção. Em qualquer ponto a dentro da concavidade, existe um sistema de duas camadas líquidas: L 1 com composição l 1 e L 2 com composição l 2. A massa relativa das duas camadas é dada pela regra da alavanca, ou seja, pela razão inversa dos dois segmentos da linha de correlação: = São conhecidos, também, sistemas nos quais a solubilidade decresce com o aumento da temperatura. Em alguns desses sistemas, observa-se uma temperatura consoluta inferior. Como exemplo, a Figura 3.a mostra o sistema trietilamina-água. Em regra, os pares líquidos cujos diagramas de solubilidade possuem esse aspecto, tendem a formar entre si compostos de ligações fracas, o que aumenta a solubilidade em temperaturas baixas. Com o aumento da temperatura esses compostos se dissociam e a solubilidade mútua diminui. (b) Equilíbrio entre fases condensadas Página 2
(a) Figura 3 (a) Temperatura consoluta inferior; (b) temperaturas consolutas inferior e superior. (b) Existem, ainda, sistemas que apresentam temperaturas consolutas superior e inferior. A Figura 3.b apresenta o diagrama T-X para o sistema nicotina-água, com temperaturas consolutas superior e inferior. 2. DESTILAÇÃO DE LÍQUIDOS PARCIALMENTE MISCÍVEIS E IMISCÍVEIS No Item 1, consideramos que as pressões eram relativamente altas, de modo a não haver formação de vapor no intervalo de temperaturas estudadas. Nas Figuras 2 e 3, foram omitidas as curvas de equilíbrio líquido-vapor. Na Figura 4.a, a pressões mais baixas, aparecem também as curvas líquido-vapor. As partes superior e inferior do diagrama podem ser discutidas de acordo com os princípios já descritos. Miscibilidade parcial a pressões baixas, na maioria das vezes, implica na existência de azeótropos de ponto de ebulição mínimo. (a) (b) Figura 4 Destilação de líquidos parcialmente miscíveis. Equilíbrio entre fases condensadas Página 3
Se a pressão sobre o sistema representado na Figura 4.a é reduzida, os pontos de ebulição se deslocarão para baixo. Em pressões suficientemente baixas, as curvas de pontos de ebulição interceptarão as curvas de solubilidade líquido-líquido, como visto na Figura 4.b, para o sistema butanol-água à pressão de 1 atm. Na Figura 4.b: Se a temperatura de um líquido de composição a for elevada até a temperatura t A, formase vapor de composição b. Se o vapor for resfriado, condensado e levado à mesma temperatura inicial, obtém-se uma mistura de duas fases, líquidos L 1 e L 2. Assim, o primeiro destilado produzido pela destilação do líquido homogêneo a separa-se em duas camadas líquidas de composições d e e. Semelhante comportamento é exibido pelas misturas cujas composições situam-se na região L 1. Quando se aumenta a temperatura do sistema formado pelos dois líquidos de composição total c, as composições das soluções conjugadas variam ligeiramente. Na temperatura t, as soluções conjugadas apresentam as composições f e g e aparece vapor com composição h. Enquanto permanecem presentes essas três fases, as composições e a temperatura permanecem constantes. Ou seja, se calor continuar sendo fornecido, os dois líquidos f e g desaparecem e forma-se mais vapor h. O vapor que se forma é mais rico em água que a mistura inicial c, portanto, a camada mais rica em água vaporiza-se preferencialmente. Após o desaparecimento dessa camada, a temperatura aumenta e a composição do vapor varia ao longo da curva hb. A última composição de líquido, cuja composição é a, desaparece em t A. Se um sistema de duas fases no intervalo de composições limitado por f e h é aquecido, então a t estarão presentes os líquidos f e g e vapor com composição h. Como o vapor é mais rico em butanol que a composição global original, a camada rica em butanol evapora-se primeiro, restando o líquido f e o vapor h. à medida que a temperatura sobe, a fase líquida vai perdendo butanol, o que faz com que no final exista apenas vapor. O ponto h possui propriedades azeotrópicas; um sistema com essa composição destila sem variação de composição, não podendo ser separado em seus componentes puros mediante destilação. A destilação de substâncias imiscíveis é mais facilmente discutida a partir de um ponto de vista diferente. Consideremos dois líquidos imiscíveis em equilíbrio com o vapor a uma temperatura qualquer, como na Figura 5, onde uma barreira separa os dois líquidos. Sendo os líquidos imiscíveis, se a barreira for removida, a situação permanece inalterada. Vapor = + A B Figura 5 Líquidos imiscíveis em equilíbrio com vapor. A pressão de vapor total é a soma das pressões de vapor dos líquidos puros: = +. As frações molares y A e y B no vapor são: = e = (3) Equilíbrio entre fases condensadas Página 4
Se os números de moles de A e B no vapor forem n A e n B, então: = = = (4) 3. EQUILÍBRIO SÓLIDO-LÍQUIDO DIAGRAMA EUTÉTICO SIMPLES Quando se resfria uma solução líquida de duas substâncias A e B, a uma temperatura suficientemente baixa aparece um sólido. Esta é a temperatura de solidificação da solução, a qual depende da composição. Na discussão do abaixamento do ponto de solidificação (propriedade coligativa das soluções), verificamos a equação: ln =, (5) admitindo que o sólido puro A esteja em equilíbrio com uma solução líquida ideal. A equação 5 relaciona o ponto de solidificação da solução com a fração molar de A na solução. Essa função está representada no diagrama da Figura 6.a. Acima da curva, os pontos representam estados líquidos do sistema; abaixo da curva, os pontos representam estados nos quais o sólido puro A coexiste em equilíbrio com a solução. Esta curva é chamada de liquidus. (a) Equilíbrio entre fases condensadas Página 5 (b) Figura 6 Líquidos imiscíveis em equilíbrio com vapor. É valida a regra da alavanca na região de equilíbrio entre sólido A e líquido. Essa curva não pode representar a situação no intervalo completo de composições. Para x B 1, esperaríamos a solidificação de B bem acima das temperaturas indicadas pela curva nesta região próxima de x B = 1. Se a solução é ideal, a mesma lei vale para a substância B: ln =, (6) A Figura 6.b mostra as curvas de solidificação de A e B. As duas curvas se interceptam na temperatura T e denominada temperatura eutética e a composição x e é denominada composição eutética. Eutético do grego: facilmente fundível A solução de composição eutética está em equilíbrio com os sólidos puros A e B.
3.1 Sistema Chumbo-Antimônio O sistema chumbo-antimônio tem um diagrama de fases do tipo eutético simples. As regiões são rotuladas: L significa líquido, Sb e Pb significam antimônio sólido puro e chumbo sólido puro. A temperatura eutética é 246ºC e a composição eutética é 87% em massa de chumbo. Valores calculados pelas equações 5 e 6 concordam satisfatoriamente com valores medidos experimentalmente, demonstrando que o líquido é uma solução ideal. Figura 7 Sistema chumbo-antimônio A linha vertical hijk ao longo da qual a composição é constante, é denominada isopleta. 3.2 Outros sistemas eutéticos simples Solução Solução + gelo Solução + NaCl Gelo + NaCl % em massa de NaCl Figura 8 Pontos de solidificação no sistema água-nacl Equilíbrio entre fases condensadas Página 6
Sal Temperatura eutética, ºC Porcentagem em massa de sal anidro no eutético Cloreto de sódio -21,1 23,3 Brometo de sódio -28,0 40,3 Sulfato de sódio -1,1 3,84 Cloreto de potássio -10,7 19,7 Cloreto de amônio -15,4 19,7 Diagrama benzeno-naftaleno Figura 9 4. DIAGRAMAS DOS PONTOS DE SOLIDIFICAÇÃO COM FORMAÇÃO DE COMPOSTOS Quando duas substâncias formam um ou mais compostos, o diagrama dos pontos de solidificação possui, muitas vezes, a aparência de dois ou mais diagramas eutéticos simples justapostos. Figura 10 Equilíbrio entre fases condensadas Página 7
A Figura 10 é o diagrama dos pontos de solidificação-composição para o sistema em que um composto AB 2 é formado. O composto AB 2 tem ponto de fusão maior que os das duas substâncias puras. A Figura 11 mostra o diagrama do sistema cloreto férrico-água, em que se formam várias substâncias. Solução Gelo Figura 11 5. COMPOSTOS QUE POSSUEM PONTOS DE FUSÃO INCONGRUENTES No exemplo da Figura 10, o composto AB 2 tem ponto de fusão maior que os das substâncias puras. Nesse caso, o diagrama apresenta dois eutéticos. Se o ponto de fusão do composto formado estiver abaixo do ponto de fusão de uma das substâncias puras, podem ocorrer dois casos. O primeiro caso é semelhante ao apresentado na Figura 11, com vários eutéticos simples. A segunda possibilidade é ilustrada pelo sistema sódio-potássio, apresentado na Figura 12, em que a curva de solubilidade do sódio não cai com velocidade suficiente para interceptar a curva entre Na 2 K e Na puro. Em lugar disso, ela avança para a esquerda da composição Na 2 K e intercepta a outra curva no ponto c, denominado ponto peritético. Figura 12 Comportamento do composto Na 2 K puro: se aumentarmos a temperatura a partir do ponto a até o ponto b, ocorrerá a formação de líquido de composição c; uma parte de sódio puro permanece sem se fundir, no ponto d; durante a fusão o composto sofre a reação: Equilíbrio entre fases condensadas Página 8
() () + () Esta reação é chamada reação peritética ou reação de fase. O composto funde incongruentemente, pois o líquido funde com composição diferente do composto. Durante a fusão, a temperatura permanece constante; em seguida começa a ascensão da temperatura. O estado do sistema desloca-se ao longo da linha bef, constituído por sódio sólido e líquido. Em f fundem-se os últimos traços de sódio e acima, como no ponto g, todo o sistema está no estado líquido. Resfriando-se o sistema a partir do ponto g, as mudanças repetem-se em ordem inversa. Se resfriarmos um sistema de composição i, os primeiros cristais de sódio formam-se em j. Ao longo de jc, formam-se cada vez mais cristais de sódio. Em k, ocorre a reação peritética, mantida a temperatura constante: () + () () Quando os cristais de sódio forem totalmente consumidos, a temperatura volta a cair. Quando atingir a temperatura em o, formam-se cristais de potássio. O líquido tem a composição eutética p. Quando se resfria um líquido de composição q, os primeiros cristais de sódio são formados em r. Em s forma-se Na 2 K sólido através da reação peritética. Em t o sistema consiste em uma mistura de Na 2 K e Na sólidos puros. A mistura final contém núcleos de cristais de sódio envolvidos pelo composto. Os estágios da reação estão ilustrados na Figura 13. Na 2K Excesso de Na Na Na Na Na Líquido Na 2K Figura 13 Cristalização peritética com excesso de Na Sistema Sulfato de Sódio-Água Sulfato de sódio e água formam um composto de fusão incongruente: diagrama está representado na Figura 14(a). Na 2 SO 4 10H 2 O. O Solução + Na 2 SO 4 7H 2 O Figura 14 Sistema sulfato de sódio-água Equilíbrio entre fases condensadas Página 9
A linha eb é a curva de solubilidade do composto (decaidrato) e a linha ba é a curva de solubilidade do sal anidro. A solubilidade do decaidrato aumenta com o aumento da temperatura e a solubilidade do sal anidro diminui com o aumento da temperatura. O ponto peritético é b. Sobre a linha bc coexistem três fases: Na 2 SO 4, Na 2 SO 4 10H 2 O e solução saturada e a temperatura peritética é 32,383ºC (mantida constante). Essa temperatura é usada para calibração de termômetros. Se adicionarmos uma pequena quantidade água ao sal anidro, Na 2 SO 4, em um recipiente isolado a temperatura ambiente, o sal e a água reagem para formar o decaidrato; a reação é exotérmica e a temperatura se eleva a 32,383ºC e permanece constante enquanto existirem as três fases. Ao se aquecer uma solução de composição g, o sal anidro cristalizará em f; se a solução for resfriada, o decaidrato cristalizar-se-á em h. É possível super-resfriar a solução até uma temperatura abaixo de h, então, em i, irá se cristalizar um outro composto, o heptaidrato Na 2 SO 4 7H 2 O, conforme Figura 14(b). Nesse diagrama, a curva e b é a curva de solubilidade do heptaidrato. A temperatura peritética para o sal anidro em presença do composto heptaidrato é 24,2ºC. As curvas tracejadas são as curvas do decaidrato. A curva de solubilidade para o heptaidrato localiza-se na região em que o decaidrato sólido e sua solução saturada permanecem em equilíbrio estável. Portanto, o equilíbrio entre o heptaidrato sólido e sua solução saturada é um equilíbrio metaestável e pode ocorrer a precipitação do decaidrato menos solúvel, espontaneamente. 6. MISCIBILIDADE NO ESTADO SÓLIDO Muitos sólidos são capazes de dissolver outros materiais, formando soluções sólidas. Cobre e níquel, por exemplo, são solúveis em todas as proporções no estado sólido, conforme diagrama da Figura 15. Figura 15 - Sistema Cobre-Níquel A curva superior é a curva liquidus e a curva inferior é a curva solidus. Se o material for resfriado muito rapidamente de a até e, não haverá tempo suficiente para os elementos se distribuírem corretamente. O resfriamento deverá ser feito de forma lenta. Equilíbrio entre fases condensadas Página 10
7. MISCIBILIDADE PARCIAL NO ESTADO SÓLIDO Encontram-se comumente substâncias que não são completamente miscíveis nem completamente imiscíveis no estado sólido. As substâncias apresentam solubilidades limitadas. O tipo de diagrama de fases mais comum é o da Figura 16. Figura 16 Miscibilidade parcial no estado sólido Região α solução sólida de B em A Região β solução sólida de A em B Região α + β equilíbrio entre duas soluções sólidas (duas fases) Resfriando um sistema descrito em a, no ponto b aparecem os cristais da solução α, com composição c. Com o abaixamento da temperatura, a composição do sólido e do líquido variam; em d, estão em equilíbrio com as composições dadas por f e g. Em h o líquido apresenta composição eutética e; o sólido β aparece; α, β e o líquido coexistem. Resfriando até i coexistem duas soluções sólidas: α de composição j e β de composição k. Um sistema de tipo diferente é mostrado na Figura 17. Nesse sistema aparece um ponto de transição, em vez do ponto eutético. Figura 17 Sistema com ponto de transição Em qualquer ponto na linha abc, existem três fases, α, β e solução de composição c. A temperatura na linha abc é a temperatura de transição. Para um ponto entre a e b, o resfriamento Equilíbrio entre fases condensadas Página 11
provocará o desaparecimento da solução restando α e β. Para um ponto entre b e c, o resfriamento provocará o desaparecimento inicial de α, restando β e solução líquida; continuando o resfriamento, desaparecerá também a solução líquida e restará somente β. Com aumento de temperatura para qualquer composição entre a e c, ao atingir a temperatura de transição, desaparecerá β e restarão α e solução líquida. Alguns sistemas formam diversas soluções sólidas. Como exemplo, na Figura 18 é apresentado o diagrama do sistema Cobre-Zinco, que apresenta as fases α, β, γ, δ, ϵ e η. Nesse diagrama existem diversas temperaturas de transição, mas não aparece nenhuma temperatura eutética. Figura 18 O diagrama do latão Equilíbrio entre fases condensadas Página 12