A PRÁTICA DO DIMENSIONAMENTO DE RECURSOS HUMANOS DE ENFERMAGEM EM UM HOSPITAL PÚBLICO FEDERAL DE ENSINO, EM CUIABÁ MT 1 Túlio César Monteiro de Mattos 2 Antônio César Ribeiro 3 O trabalho da enfermagem constitui-se num processo, na medida em que, na sua realização é possível identificar os seus elementos constitutivos, a saber, a finalidade, o objeto e o instrumental de trabalho (1). Neste sentido, considera-se que são cinco os processos de trabalho em enfermagem assistir, administrar, ensinar, pesquisar e participar politicamente, sendo que cada um deles atende a finalidades distintas; opera com objetos diferenciados e recorre a instrumentos específicos, podendo ou não ser executados em momentos concomitantes (1). Entre os processos de trabalho considerados, coloca-se em destaque o administrar e sua realização no hospital, onde assume como finalidade a organização e condições do trabalho em torno do cuidado; seu objeto constitui-se do ambiente, dos materiais e equipamentos e dos Recursos Humanos de Enfermagem (RHE); seu instrumental de trabalho são as teorias da administração e os processos gerenciais (1). Como agente do processo de trabalho administrar em enfermagem tem-se o enfermeiro que, por imperativos legais, deve responder, privativamente, pelo planejamento e supervisão da assistência, o que inclui o provisionamento e alocação de RHE por meio do dimensionamento de pessoal (1, 2). A prática do dimensionamento de RHE requer a utilização de metodologias que permitam contemplar as diferentes condições que se inter-relacionam e são determinantes para melhor adequação dos RHE às demandas dos mais variados serviços hospitalares (3, 4, 5 1 Estudo parte integrante do Projeto de Pesquisa intitulado Estudo da composição da força de trabalho de enfermagem de um hospital público federal de ensino, em Cuiabá - MT, na perspectiva da gestão do trabalho e da educação na saúde, financiado pela FAPEMAT. 2 Aluno graduando do Curso de Enfermagem da Faculdade de Enfermagem, Universidade Federal de Mato Grosso, Cuiabá MT. Rua dos Girassóis n 588, Jardim Cuiabá, 78043132 Cuiabá MT. (65) 99882749. Túlio_mattos@hotmail.com. 3 Enfermeiro, Doutor em Ciências, Professor Adjunto da Faculdade de Enfermagem da Universidade Federal de Mato Grosso orientador. Rua das Azaléias, 54 Condomínio Florais Cuiabá, Ribeirão do Lipa 78.048-408, Cuiabá MT. (65) 9981-6672 E-mail: anceri@terra.com.br. 2563
6). Para tanto o Conselho Federal de Enfermagem (COFEN), por meio da Resolução 293/2004 instituiu Norma Técnica (NT) específica que deve orientar este processo, estabelecendo que, para a adequação dos RHE deve-se basear nas características relacionadas à instituição/empresa; ao serviço de enfermagem; e à clientela a ser atendida (5). Normatiza ainda que o referencial mínimo para o estabelecimento RHE para as 24 horas deve observar o Sistema de Classificação de Pacientes (SCP); as horas de assistência de enfermagem, os turnos e a proporção funcionário por leito (5, 6, 8). O presente estudo, como parte de uma pesquisa mais ampla, teve como objetivo a análise qualiquantitativa dos RHE alocado para a Unidade de Terapia Intensiva de Neonatologia (UTI-NEO) de um Hospital Público Federal de ensino no município de Cuiabá-MT, a partir da referida NT/COFEN/2004. Trata-se de um estudo descritivo, com delineamento transversal e abordagem quantitativa. O estudo foi desenvolvido no período de julho/dezembro/2010. Os dados foram coletados por meio de um instrumento contendo questões fechadas que atendeu ao estudo mais amplo. Deste foram selecionadas as variáveis implicadas no processo de dimensionamento. Os dados foram digitalizados e armazenados com os recursos do software EPIDATA 30.2. Constituído o banco de dados estes foram estratificados a partir da variável lotação e analisados com os seus valores absolutos considerando o cargo, a função e o turno de trabalho, conforme a escala de serviço do mês de setembro/2010. Construído o quadro de distribuição dos RHE, foi feita a comparação com o quadro de referência, conforme a NT/COFEN/2004 (6). O projeto matricial do estudo foi submetido ao CEP do Hospital Universitário Júlio Muller/UFMT e foi aprovado com o Processo Nº 760/2010. Os procedimentos de análise tomaram por referência os três aspectos centrais normatizadores do dimensionamento de pessoal de enfermagem (5) : 1) Sistema de Classificação de Pacientes - o SCP tem sido adotado como importante recurso no planejamento do quantitativo e qualitativo do quadro de RHE na medida em que possibilita definir a categorização do cuidado, no que se refere ao seu grau de complexidade e o tipo de intervenção a ser implementada, na perspectiva do atendimento das necessidades do cliente/ paciente, quer no sentido de supri-las ou antecipá-las (3, 4, 5, 6, 8). Segundo a conceituação do Ministério da Saúde, as Unidades de Terapia Intensiva (UTI) são unidades hospitalares destinadas ao atendimento de pacientes graves ou de risco, que dispõem de assistência médica e de enfermagem 2564
ininterruptas, com equipamentos específicos próprios, recursos humanos especializados e que tenham acesso a outras tecnologias destinadas ao diagnóstico e a terapêutica (7). Todavia, observou-se que a referência utilizada esta relacionada ao conteúdo definido pela Portaria nº 3.432/MS/SVS, de 12/08/98 (7) que não menciona o SCP na definição do quadro de pessoal, limitando-se à da proporcionalidade entre RHE e número de leitos. 2) Horas de assistência de enfermagem para sua definição a NT/COFEN/2004 utiliza a classificação que deve ser definida pelo SCP, estabelecendo 3,8 horas para a assistência mínima; 5,6 horas para intermediária; 9,4 horas para semi-intensiva; e 17,9 horas para intensiva (6). Dadas as características da unidade optou-se pela consideração da totalidade dos leitos como sendo para cuidados intensivos (5) e, neste caso, o serviço deveria obedecer à definição das 17,9 horas de enfermagem, por leito, nas 24 horas. Conforme já descrito no item anterior, não houve atendimento ao critério tempo de assistência na definição do quadro de pessoal. 3) Distribuição proporcional do quadro de pessoal por leito - a UTI-NEO, no mês de setembro de 2010, contava com 29 trabalhadores de enfermagem distribuídos entre nível superior, com 20,7% (6), e nível médio, com 79,3% (23). Entre os trabalhadores de nível médio, 52,1% (12) são auxiliares de enfermagem. Segundo a NT/COFEN/2004, para a assistência intensiva, o quadro de pessoal deveria ser composto por 33 profissionais, sendo 17 enfermeiros, que representaria a média de 54%, e por 16 técnicos de enfermagem, que corresponderia aos 46% restantes. Dada a complexidade dos cuidados de enfermagem no setor de UTIU- NEO, não deveria haver a participação do auxiliar de enfermagem nos processos de assistência direta aos neonatos (2, 5). Reitera-se aqui que, na composição do quadro de pessoal, do ponto de vista qualitativo, observa-se o atendimento às disposições contidas na Portaria nº 3.432/MS/SVS, de 12/08/98 (7), em detrimento ao estabelecido pela NT/COFEN/2004 (5). Neste mesmo sentido, quando considerado o conteúdo da lei que regulamenta o exercício da enfermagem brasileira (2) a assistência ao paciente conforme definição do próprio Ministério da Saúde (7) para uma UTI-NEO é de competência do enfermeiro, tendo o técnico de enfermagem como seu apoio direto. Percebeu-se ainda que não há previsão relativa ao Índice de Segurança Técnica (IST) ou outra reserva para atender aos aspectos relacionados ao absenteísmo e à educação continuada (4, 6). Sendo a UTI-NEO definida como espaço de cura e cuidado, destinado à pacientes graves e em risco de morte, cabe aqui à observação de que tanto o dimensionamento do quadro de 2565
pessoal alocado pela instituição, quanto à própria regulamentação do Ministério da Saúde, são definidos ao arrepio das normas próprias da categoria enfermagem. Observase que a contradição entre a prática institucional e os atos normativos da enfermagem supera o simples descumprimento de uma NT. Para além do objetivo inicialmente proposto no presente estudo, seguramente pode-se inferir que a modos operandis do hospital/serviço de enfermagem, no que diz respeito à alocação de RHE e o próprio processo do cuidado, fere frontalmente a Lei do Exercício Profissional da Enfermagem (LEPE) (2). Considera-se ainda que as NT s do COFEN compõem o conjunto de normas infra-legais, que orientam o exercício da enfermagem brasileira, já a LEPE trata-se do instituto legal que institucionaliza e legitima a profissão no país. Neste sentido, pode-se considerar que a enfermagem brasileira, em que pese o reconhecimento da centralidade do seu trabalho no contexto das práticas que constitui os diversos níveis de atenção à saúde, ainda não conseguiu garantir a institucionalidade das suas prerrogativas legais. Retomando os aspectos relativos aos processos de trabalho do enfermeiro, evocamos o sentido do processo de trabalho participar politicamente para considerar que a baixa institucionalidade dos dispositivos legais que orientam o trabalho e a organização dos serviços de enfermagem pode estar relacionada à fragilidade política do enfermeiro no sentido de garantir a aplicação dos aspectos jurídico-legais do seu trabalho. Neste sentido, pode-se inferir ainda que não bastam os institutos legais reguladores de uma prática, sendo imperativa uma efetiva participação política dos seus sujeitos. PALAVRAS-CHAVE: Recursos Humanos de Enfermagem; Hospital; Dimensionamento. 1. Sanna, MC. Os processos de trabalho em enfermagem. Revista Brasileira de Enfermagem, Brasília, 2007 mar - abr; 60(2): 221-4. 2. Brasil. Lei 7.498, de 25 de junho de 1986. Dispõe sobre a Regulamentação do Exercício da Enfermagem e dá outras providências. Brasília: Ministério da Saúde; 1986. [citado em 05 mai 2008]. Disponível em: http://www2.camara.gov.br/internet/legislacao/legin.htm. 3. Gaidzinski, RR; Fugulin, FMT; Castilho, V. Dimensionamento de pessoal de enfermagem em instituições de saúde. In: Kurcgant P., coordenadora. Gerenciamento em enfermagem. Rio de Janeiro (RJ): Guanabara Koogan; 2005. p.125-137. 2566
4. Nicola, AL; Anselmi, ML. Dimensionamento de pessoal de enfermagem em um hospital universitário. Rev. Brasileira de Enfermagem 2005; 58(2): 186-90. 5. Brasil. Conselho Federal de Enfermagem [Internet]. Brasília: Conselho Federal de Enfermagem (BR) [cited 2009 feb 12]. Resolução COFEN nº 293/2004. Available from:http://www.portalcofen.com.br/2007/materias.asp?articleid=7121§ioni D=34. 6. Inoue, KC; Matsuda, LM. Dimensionamento da equipe de enfermagem da UTI - adulto de um hospital ensino. Rev. Eletr. Enf. [Internet]. 2009; 11(1): 55-63. 7. Brasil. Ministério da Saúde [Internet]. Brasília: Ministério da Saúde (BR) [update 1998 aug 12, cited 2009 feb 12]. Portaria MS nº 3.432. Available from: http://www.saude.mg.gov.br/atos_normativos/legislacao-anitaria/estabelecimentosdesaude/ UTI/Portaria_3432B.pdf. 8. Perroca, MG; Gaidzinski, RR. Sistema de classificação de pacientes: construção e validade de um instrumento. Rev. Esc. Enfermagem USP. 1998; 32(2): 153-68. 2567