OS FUNDAMENTOS QUE JUSTIFICAM AS RESTRIÇÕES ÀS IMPORTAÇÕES DE CAMARÃO PELO BRASIL

Documentos relacionados
Natal, 19 de Setembro de 2017

ANÁLISE DA PRODUÇÃO E DO MERCADO INTERNO E EXTERNO DO CAMARÃO CULTIVADO

Convivência com a mancha Branca A experiência do Ceará. Cristiano Peixoto Maia Presidente - ACCC PEC NE Julho de 2017

Riscos das importações de crustáceos para as translocações de doenças virais e bacterianas.

SANIDADE DE ANIMAIS AQUÁTICOS E AS NOVAS ATRIBUIÇÕES DO MINISTÉRIO DA PESCA E AQUICULTURA

Natal (RN), 03 de Fevereiro de 2017.

América Latina: Uma região Produtora e um Mercado Crescente para a Tilápia

A Competitividade da Aquicultura Brasileira. São Paulo, 30 de Maio de 2011

Capa PRODUÇÃO DE CAMARÕES DE ÁGUA DOCE NO ESTADO DE SÃO PAULO

Tabela 1. Importações de camarão dos EUA (toneladas) durante o mês de dezembro e janeirodezembro PAÍS DEZ 2015 DEZ 2016 JAN-DEZ 2015 JAN-DEZ 2016

Oportunidades e Desafios do Cultivo do L. vannamei em Águas Oligohalinas no Brasil

Guilherme H. F. Marques Diretor do Departamento de Saúde Animal/SDA/MAPA

Santa Maria - RS

Situação da Piscicultura no Brasil

A economia agrícola internacional e a questão da expansão agrícola brasileira ABAG. Alexandre Mendonça de Barros

Agronegócio. Internacional. Soja Campeã. Boletim do. Recordistas de vendas no valor exportado total Jan-Mai 2014/2013. Edição 01 - Junho de 2014

Balanço 2016 Perspectivas Aquicultura e Pesca

EMS / AHPNS: Enfermidade Infecciosa Causada por Bactéria.

Carcinicultura no Mundo e no Brasil: Entraves, Oportunidades e Perspectivas para o Estado do Ceará

SOJA TRANSGÊNICA NO ESTADO DO PARANÁ

Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento Secretaria de Aquicultura e Pesca

MERCADO INTERNACIONAL DE MANGA: SITUAÇÃO ATUAL E PERSPECTIVAS

IMPACTOS NAS LAVOURAS

Parceiros Comerciais do RS no período de. janeiro a abril de 2016.

Projeto Nacional de Desenvolvimento da Aquicultura PNDA

"AVANÇOS EM TECNOLOGIA DE PROCESSAMENTO DE PESCADO PARA PEQUENAS INDÚSTRIAS QUE DESENVOLVEM PRODUTOS DE VALOR AGREGADO"

MADEIRA 2016 O Brasil e as negociações internacionais de comércio. Camila Sande Especialista em Negociações CNA

Dá a um homem um peixe e alimentá-lo-ás por um dia. Ensina-o a cultivá-los e alimentá-lo-ás para toda a vida. (provérbio chinês)

ASSOCIAÇÃO NORTE-RIOGRANDENSE DE CRIADORES DE CAMARÃO

23/11/2009 DESENVOLVIMENTO DA PISCICULTURA MARINHA PODE SER UMA ALTERNATIVA PARA A AQUICULTURA BRASILEIRA

A Sardinha como Insumo da Indústria de Conservas de Pescado Brasileira

Avicultura e Suinocultura: Cenário Nacional e Mundial Desafios e Oportunidades

Ano II Nº 1 PESCA E AQUICULTURA DO NORDESTE

Palavras-chave: Abate de animais. Serviço de Inspeção Municipal. SIM. Município.

O maior Agronegócio do Mundo

Mercado Internacional

Análisis Prospectivo del Comercio Agroalimentario Internacional. Prof. Dra. Susan E. Martins Cesar de Oliveira (Universidade de Brasília - UnB)

INFORMATIVO. Projeto de Incentivo à Aquariofilia no Brasil. Associação Brasileira de Lojas de Aquariofilia - ABLA

O papel da DGAV na alimentação e na saúde

BOLETIM INTERNACIONAL

AQUACULTURA PISCICULTURA. Perspectivas e entraves na Piscicultura

EXPORTAÇÕES DE AÇÚCAR PARA A ÍNDIA CAEM 18% EM MARÇO

V AVISULAT Porto Alegre/RS

DESAFIOS E EXPECTATIVAS DAS INDUSTRIAS EXPORTADORAS DE CARNES

IMPORTADORES DE CAMARÃO DOS EUA COMANDAM O MERCADO

ZONA LIVRE DE FEBRE AFTOSA COM VACINAÇÃO CONSOLIDAÇÃO EVOLUÇÃO PARA LIVRE SEM VACINAÇÃO SEMINÁRIO INTERNACIONAL PRE- COSALFA XXXVIII

OMC CONDENA INDONÉSIA POR PROIBIR ACESSO DAS EXPORTAÇÕES BRASILEIRAS DE CARNE DE FRANGO

Análise econômica e suporte para as decisões empresariais

Mercado internacional do agro - análise FEVEREIRO/2017

Itamar Paiva Rocha. Panorama da Produção e do Mercado Mundial de Camarão Marinho: Desafios, Oportunidades e Perspectivas para o Brasil.

XXIX CONGRESSO NACIONAL DE MILHO E SORGO - Águas de Lindóia - 26 a 30 de Agosto de 2012

CONSIDERAÇÕES GERAIS SOBRE PATOLOGIA DE ORGANISMOS AQUÁTICOS

Departamento de Sanidade Vegetal DSV. Análise de Risco de Pragas

1. Aspectos gerais da cultura

O cenário econômico internacional e o. comércio exterior dos produtos. transformados de plástico

BREVE ANÁLISE DAS EXPORTAÇÕES BRASILEIRAS DE ROCHAS ORNAMENTAIS EM Informe 08/2013

Itamar de Paiva Rocha

o BRASIL E O COMÉRCIO MUNDIAL DE CARNE BOVINA INTRODUÇÃ

Marco Abreu dos Santos

PERFIL DO AGRONEGÓCIO MUNDIAL

Tabela 1. Importações de camarão pelos EUA (toneladas) durante o mês de maio e o comparativo acumulado de jan-mai 2016 à 2017.

DE CAMARÃO DOS ESTADOS UNIDOS

O Agronegócio e o Sucesso do Brasil no Mercado de Carnes Gedeão Silveira Pereira

Políticas de governo para o setor

Balanço 2016 Perspectivas Suínos

AS RELAÇÕES INTER-ORGANIZACIONAIS E OS ESQUEMAS DE QUALIDADE ASSEGURADA NA PECUÁRIA DE CORTE

Importações no período acumulado de janeiro até dezembro de 2015.

Cadeia Produtiva da Soja e Biodiesel

Palavras-chave: Valor da produção municipal. PIB agropecuário. Produção agropecuária.

O Brasil e o Mercado Internacional de Carnes

PORTARIA MMA Nº 445, DE 17 DE DEZEMBRO DE 2014

Balanço 2016 Perspectivas Aves

HEVEA SUPORTE. FONE: (62) CONSULTORIA TÉCNICA VENDA DE MUDAS PROJETO DE IMPLANTAÇÃO E FINANCIAMENTO HEVEÍCOLA

Perspectivas e Cenários para a Pecuária Bovina. Enio Bergoli Secretário de Estado da Agricultura, Abastecimento, Aquicultura e Pesca

O Papel dos Agentes Integrantes da Cadeia Produtiva da Carne Bovina: uma análise sistêmica

Cadeia Produtiva da Proteína Animal Componente PEIXE. Caracterização

GEOGRAFIA 9 ANO ENSINO FUNDAMENTAL PROF.ª ANDREZA XAVIER PROF. WALACE VINENTE

Figura 1 Destino das exportações do Brasil (acumulado em 12 meses, em bilhões US$ de Maio/2017)

Total das exportações do Rio Grande do Sul. Exportações no período acumulado de janeiro a fevereiro de 2016.

FORMULÁRIO DE APRESENTAÇÃO DE DISCIPLINA. Nome da Disciplina: BIOSSEGURANÇA E BIOCONTENÇÃO EM LABORATÓRIO DE MICROBIOLOGIA

SETOR DE CELULOSE E PAPEL

PROJETO DE LEI N.º 6.048, DE 2016 (Do Sr. Afonso Hamm)

DE PRODUÇÃO QUE PODEM AFETAR O FORNECIMENTO DE CAMARÃO PARA OS EUA EM

DECISÃO DE EXECUÇÃO DA COMISSÃO

Agronegócio e o Plano Nacional de Exportações

Avicultura. Zootecnia I Aves e Suínos. Avicultura Histórico da Avicultura Brasileira

Panorama da Produção Mundial e Brasileira de Pescado, com Ênfase para o Segmento da Aqüicultura

Tabela 1. Importações de camarão dos EUA durante o mês de junho e janeiro-junho 2015 e Em toneladas. Fonte: NOOA

REQUISITOS ZOOSANITÁRIOS PARA A IMPORTAÇÃO DE EQUÍDEOS PARA ABATE IMEDIATO DESTINADOS AOS ESTADOS PARTES

INTRODUÇÃO SITUAÇÃO NACIONAL DA PRODUÇÃO LEITEIRA. Profa. Dra. Vanerli Beloti LIPOA UEL

Estatística e Probabilidades

UNIVERSIDADE DE BRASÍLIA METODOLOGIA PARA GESTÃO DO RISCO DA SÍNDROME DE TAURA NO BRASIL DEVIDO À IMPORTAÇÃO DE PÓS-LARVAS DE CAMARÃO

Algodão orgânico no Brasil e no mundo x Combate ao bicudo-do-algodoeiro.

L 213/42 Jornal Oficial da União Europeia

A ECONOMIA MUNDIAL E NA AMÉRICA DO SUL E O AGRONEGÓCIO 3 FORO DE AGRICULTURA DA AMÉRICA DO SUL. Eugenio Stefanelo

RELATÓRIO SOBRE AS EXPORTAÇÕES E IMPORTAÇÕES DO AGRONEGÓCIO GAÚCHO

PRODUÇÃO DE CAMARÃO DO MÉXICO CONTINUA AUMENTANDO COM RECUPERAÇÃO DA EMS

O MERCADO DE SOJA 1. INTRODUÇÃO

Resultados de 2015 Perspectivas para Secretaria de Relações Internacionais do Agronegócio

MINISTÉRIO DA AGRICULTURA, PECUÁRIA E ABASTECIMENTO Secretaria de Relações Internacionais do Agronegócio. Balança Comercial do Agronegócio Agosto/2017

Transcrição:

OS FUNDAMENTOS QUE JUSTIFICAM AS RESTRIÇÕES ÀS IMPORTAÇÕES DE CAMARÃO PELO BRASIL ITAMAR ROCHA O pescado é uma das commodities mais comercializadas no mundo. Segundo a FAO (2017), o valor das importações do setor, em 2016, foi US$ 147,0 bilhões. Todas as outras carnes atingiram, no mesmo período, US$ 46,4 bilhões. A participação brasileira, detentor do maior potencial mundial para a exploração da aquicultura, foi de 0,17% (US$ 260,88 milhões) nos pescados e 30,6% (US$ 14,2 bi) no total. Nesse mesmo contexto se destaca a contribuição dos crustáceos cultivados e capturados, que representa 14 milhões de toneladas e o expressivo valor de primeira venda de US$ 56 bilhões, com hegemonia do camarão cultivado, que já participa com FIGURA 1. PARTICIPAÇÃO BRASILEIRA NAS IMPORTAÇÕES MUNDIAIS DE CARNES/PESCADO EM 2016 CARNES TOTAL US$ 46,4 Bilhões 30,6 % 14,2 Bilhões 31,8 Bilhões FIGURA 2. EVOLUÇÃO DA PRODUÇÃO DE PESCADO: BRASIL X VIETNÃ (1987 2015) EM TONELADA (T) Brasil Vietnã 947.922 869.000 *Incluindo Plantas aquáticas Brasil Mundo DPA - MAPA 1.003.260 PESCADO TOTAL US$ 146 Bilhões 2.530.639 0,17 % 260,88 Milhões 1987 2002 2015 145,74 Bilhões Fonte: FAO, 2017 - AGROSTAT, 2017 SEAP-PR / MPA 1.275.260 6.207.514 Fonte: FAO, 2017 60% do consumo mundial setorial. Vietnã (550.240 t), Índia (500.758 t) e Equador (403.000 t), que exportaram, mente, US$ 3,9 bi; US$ 3,7 bi e US$ 2,46 respectiva- Bi, são os principais ipais expoentes da de, enquanto o Brasil, com todo seu gi- atividagantismo, produziu (60.000 t) e exportou US$ 3,1 milhões em 2016. Em realidade, e, a ineficiência da política brasileira na área da produção e exportação de pescado está bem retratada nos dados comparativos das Figuras 01 e 02, apresentadas a seguir. Da mesma forma, quando se compara o desempenho da carcinicultura brasileira com a equatoriana, no período de 2000 a 2016, fica ainda mais nítida a ineficiência da política brasileira para o desenvolvimento de um dos setores mais estratégicos da aquicultura mundial (Figura 03), tanto pelo brutal diferencial de potencialidades do Brasil, como pela privilegiada posição geográfica em relação a EUA e União Europeia. Notadamente, quando se leva em conta que em 2003 o Brasil, além de ocupar a liderança mundial de produtividade (6.083 kg/ha/ano) no camarão cultivado, produziu e exportou mais do que o Equador, ocupando o primeiro lugar das importações de camarão pequeno/médio para os EUA e também a liderança de embarques do camarão tropical para a UE, mercados em que o camarão do Equador se posicionou em terceiro lugar. A Região Nordeste do Brasil, que possui um potencial de exploração da carcinicultura marinha superior a um milhão de hectares, concentra 99% da área de cultivo de camarões no País, respondendo por 99,7% da produção nacional. No entanto, por falta de incentivos, apenas 25.000 hectares (2,5%) desse potencial são utilizados. Por isso, quando se considera a rentabilidade obtida em áreas pequenas e a independência de chuvas regulares para o cultivo de camarão marinho, fica nítido o descaso e a perda de um mar de oportunidades, não 96 FEEDFOOD.COM.BR

2010 2011 2014 406.334 372.111 2015 60.000 2013 76.000 2012 85.000 300.000 281.100 260.000 69.571 2009 75.000 179.100 2008 85.000 2007 75.000 2006 2005 150.000 2004 70.000 2003 150.000 118.500 2002 75.904 89.600 2001 90.190 77.400 40.000 45.269 2000 65.253 63.600 25.388 50.110 TONELADAS 149.200 EQUADOR: 13 doenças - REO-III-V, IHHNV, TSV-1, WSSV, WSSVc, NHP-B, PVNV, IRIDO, TBP e FstS 223.313 BRASIL: 4 doenças - WSSV, IHHNV, NHP - B e IMNV Brasil Equador 340.000 FIGURA 3. EQUADOR E BRASIL - COMPARATIVO DA EVOLUÇÃO/INVOLUÇÃO DAS RESPECTIVAS PRODUÇÕES DE CAMARÃO MARINHO CULTIVADO, ENTRE OS ANOS 2000 A 2016. 2016 Fonte: FAO. Julho, 2015/ABCC, 2016/ CNA, 2016 só para a geração de empregos, mas, acima de tudo, para a criação de uma nova ordem econômica e social no meio rural nordestino. Notadamente, quando se tem presente que, a despeito da falta de apoios específicos, os micro e pequenos produtores, sem apoios de licenças ambientais e financiamentos, já correspondem a 75% do total de produtores (3.000) de camarão do Brasil, incluindo também médios (20%) e grandes (5%) empreendimentos, que dão sustentação à uma cadeia produtiva, geradora FEEDFOOD.COM.BR 97

de emprego e rendas permanentes e sustentáveis para 100.000 trabalhadores rurais na Região Nordeste, contribuindo para a oferta per capita de camarão marinho, de 125 g em 2003 para 500 g em 2016, promovendo, adicionalmente, a reversão do desafiante e perverso êxodo rural. Por isso, a indagação que não quer calar é como aceitar o fato de o Brasil, com todas as suas potencialidades e vantagens logísticas e edafoclimáticas infinitamente superiores às do Equador e do Vietnã, por exemplo, em um mundo de economia globalizada, contando com uma excepcional produção de farelo de soja e invejáveis predicados naturais, possa se apresentar de forma tão desfavorável num setor que deveria ser líder mundial, de produção e exportação? A explicação, mesmo sem justificativa plausível, está intimamente relacionada a ineficiência da política brasileira no tocante à promoção e valorização do seu importante segmento do agronegócio, que, embora à primeira vista pareça um mar de rosas, em realidade, à luz dos números, notadamente do desempenho das suas exportações, seguindo cegamente o exemplo do minério de ferro, prioriza a matéria prima, vendida como commodity, na maioria das vezes, utilizada como moeda de troca. Basta ver a análise comparativado desempe- nho das exportações do agronegócio brasileiro, em volume (+8,2%) e valor (-15,04%), entre 2013 a 2016 (Figura 04). Esse quadro poderia ser bem diferente se os interesses que movem as prioridades fossem republicanos e não de cunho pessoal, como estamos sendo confrontados pelo próprio Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA), que, ignorando a extraordinária capacidade de agregação de valor da aquicultura e da carcinicultura ao farelo de soja exportado pelo Brasil como commodity, por centavos de dólares, cuja miopia, além de não permitir enxergar, inverte prioridades, ao autorizar importações de camarão cultivado do Equador e Tailândia, trilhando o caminho da operação camarão limpo e ignorando os sábios exemplos do salmão do Chile e do camarão do Equador, em relação ao farelo de soja. Basta ver que, no afã de vender nosso ouro como commodity, o MAPA não mede esforço para viabilizar seu intuito, mesmo com o risco de atrair dezenas de doenças virais, incluindo as devastadoras YHV, EMS (camarão), dentre doze outras (Figura 06), e a terrível TILv (tilápia) da Tailândia, bem como 13 doenças do camarão do Equador. Entre os principais vírus que impactam os camarões cultivados estão o Vírus da Mancha Branca (WSSV), Vírus da Síndrome de Taura (TSV), Vírus da Cabeça Amarela (YHV), Infecção Hipodermal, Necrose Hematopoiética (IHHNV) e Vírus da Mionecrose Infecciosa (IMNV). Os camarões congelados estão implicados como rota de introdução do WSSV da Ásia para as Américas e o Vírus da Síndrome de Taura fez o caminho oposto, a partir de reprodutores infectados das Américas para a Ásia (LIGHTNER, 2011). Nos últimos sete anos, a indústria mundial do camarão nos hemisférios Leste e Oeste vêm sendo afetada por novas enfermidades, tais como: Nodavírus da Mortalidade Encoberta (CMNV), Síndrome da Mortalidade Precoce (EMS/AHPND), Enterocytozoon hepatopenaei (EHP), Doença da Cauda Branca (WTD), Síndrome das Fezes Brancas (WFT). Em realidade, as vibrioses surgiram como epizootias importantes e vêm sendo relatadas para espécies de camarão P. monodon na região Indo-Pacífico, P. japonicus no Japão e L. vannamei no Equador e nas Américas. A nova geração de agentes infecciosos começou a provocar maiores perdas a partir do surgimento da Síndrome da Mortalidade Precoce (EMS), que resultou em perdas significativas na produção, aumento do desemprego e queda das exportações FIGURA 4. DESEMPENHO DAS EXPORTAÇÕES (COMMODITIES) DO AGRONEGÓCIO BRASILEIRO (2013 A 2016) 99.967.783.916 146.863.194.774 0,68 0,69 96.747.880.752 140.883.343.834 88.224.118.308 163.281.353.183 153.906.825.171 84.934.587.248 0,54 0,53 Valor Volume US$/kg 2013 2014 2015 TAXA DE QUEDA OU CRESCIMENTO (2013 a 2016) -15,04% (Valor) +8,20 (Volume) -5,87 (US$/kg) Fonte: AGROSTAT, Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento 98 FEEDFOOD.COM.BR

de camarão, cujos primeiros surtos tiveram início no sudeste da China em 2009, atingindo o Vietnã e a Malásia em 2011, Tailândia em 2012, México em 2013 e, em 2016, Guatemala, Honduras, Nicarágua e Belize. Mais recentemente (2017) o Equador. Na Tailândia, por exemplo, a produção de camarões marinhos cultivados entre 2011 e 2015 teve uma queda de 50,85%, passando de 600.000 t para 294.896 t. O tema doenças virais e bacterianas é de tal importância que, no levantamento anual realizado pela Aliança Global de Aquicultura, o mesmo foi apontado como o maior desafio confrontado pelos produtores de camarão de todo o mundo, com destaque para o fato de que, no passado, as principais doenças e seus agentes etiológicos eram restritos a um dos hemisférios, Oeste ou Leste, contudo, as movimentações internacionais de organismos vivos ou congelados para reprocessamento foram responsáveis pela transferência e estabelecimento dos vários patógenos em regiões distintas. Nesse mesmo contexto, se destacam as perdas anuais de camarões cultivados por enfermidades virais e bacterianas, atualmente, superando US$ 3 bilhões, sem contabilizar, ainda, as perdas dos crustáceos selvagens, que causam prejuízos para os milhões de pescadores dependentes da pesca extrativa. Fato este, associado à segurança alimentar, tanto nos países produtores como nos países consumidores, e combinado à pressão crescente dos consumidores por produtos seguros, inócuos e sadios, está provocando um aumento das exigências legais e de práticas de governança mais eficazes para o setor. Por isso, um artigo elaborado por 15 renomados cientistas especializados em doenças de invertebrados, de universidades e centros de pesquisa do Reino Unido, Austrália, Tailândia e Estados Unidos, publicado na edição 110 da revista científica Journal of Invertebrate Pathology, da Sociedade Internacional para Patologias de Invertebrados, deu um importante alerta: As doenças limitarão a oferta futura de camarões para consumo, tanto oriundos da pesca como da aquicultura. A importância está relacionada ao fato de que o camarão marinho cultivado é um dos segmentos mais importantes da aquicultura, a indústria de produção animal com o maior crescimento (8% ao ano) no mundo, comparado a 0,6% da pesca e 2,6% da pecuária (FAO, 2017). O processamento de camarões é uma rota de contaminação comprovada para a Mancha Branca e os processos de cozimento e congelamento nas condições realizadas pelas indústrias não se mostraram eficazes em inativar os vírus, o que, segundo Lightner, 1997, torna os produtos congelados, os efluentes e resíduos não tratados das indústrias de processamento e os estabelecimentos de varejo de camarões, como fontes reais de contaminação para as populações naturais (camarão, caranguejos e lagostas) e cultivadas de crustáceos. Em 2016, o Equador, por meio do Acordo Ministerial nº 68, proibiu por dois anos a importação de produtos e subprodutos de aquicultura provenientes de países com a presença da EMS. Em 2017, a Austrália, após surtos de WSSV serem associados às importações de camarões processados, proibiu a entrada de camarões provenientes da Ásia (Anon, 2017). No Brasil, as importações de crustáceos foram suspensas através da IN n 39/1999 e mantidas pela IN 14/2010, medidas que evitaram a entrada de novos agentes etiológicos até a presente data, mas que, sem uma razão plausível, o MAPA decidiu, sem realizar a necessária análise de risco de importação (ARI), autorizar as importações de camarão do Equador, o que levou a ABCC a recorrer à Justiça Federal de Brasília. Nesse contexto, Dr. Donald Lightner, principal especialista mundial em patologias de camarão, na época diretor do Laboratório de Patologia de Aquicultura, laboratório de referência da Organização Mundial da Saúde Animal (OIE) da Uni- 100 FEEDFOOD.COM.BR

versidade do Arizona, respondendo uma consulta da ABCC, em setembro de 2015, escreveu o texto a seguir, que não deixa a menor dúvida sobre a gravidade que as importações de crustáceos, notadamente de áreas contaminadas, como Equador, Tailândia e Vietnã, pode representar para as populações naturais e cultivadas de crustáceos: A movimentação internacional de animais vivos (para aquicultura) e mortos (camarão como produto para reprocessamento e também para o comércio varejista direto ou para uso como isca na pesca esportiva) se provou responsável pela transferência e estabelecimento de certos patógenos da Ásia para as Américas e entre os países das Américas (Latina e do Norte). Enquanto o camarão congelado foi implicado na rota pela qual o WSSV passou da Ásia para as Américas, o TSV se movimentou na direção oposta a partir de plantéis de reprodutores vivos infectados da América Central. É muito difícil controlar a disseminação do patógeno, depois que estes se estabelecem em uma zona, região ou país. Muitos destes agen- tes etiológicos não são patógenos exclusivos dos camarões peneídeos. Alguns deles dispõem de vários hospedeiros. A EMS, por exemplo, tem mais de um hospedeiro. No caso do WSSV, a lista de hospedeiros naturais e experimentais conhecida é de cerca de 104 espécies (todas decápodes), incluindo-se camarões peneídeos, camarões de água doce, caranguejos (diversos gêneros), lagostas e lagostins de água doce, espécies estas sabidamente suscetíveis ao WSSV. A pandemia pelos vírus WSSV e TSV que afetam os peneídeos e em menor grau pelos vírus: IHHNV, IMNV e YHV, custaram coletivamente bilhões de dólares à indústria mundial de camarões peneídeos em perdas relativas à produção, empregos e receitas de exportação. No mundo moderno é também aconselhável considerar a patobiologia adversa de cepas variáveis exóticas assim como sua gravidade para o segmento local de crustáceos. Por último, Dr. Lightner ressaltou que, quando há uma deficiência de dados (i.e. inexistência de certeza científica), bem como ineficiente controle de fronteiras ou inexistência de áreas biosseguras para controle sanitário, a recomendação mais segura é a Adoção do Princípio da Precaução, de forma que especialmente no caso do Brasil, considerando seu imensurável potencial natural e a dimensão social e econômica da carcinicultura e da exploração extrativa de seus crustáceos, a recomendação em termos de biossegurança é a de que o País deveria recusar a importação de qualquer forma ou tipo de crustáceo, pelo iminente risco de introdução de doenças virais e bacterianas associadas, cujas negativas consequências seriam irreversíveis. Para os falsos profetas ou espertos em sanidades, que costumam falar que a Mancha Branca já está no Brasil, bem como que a importação do camarão descascado não traz perigo para os crustáceos brasileiros, primeiro se esclarece que, além do fato do camarão cultivado do Equador possuir pelo menos três cepas do vírus WSSV diferentes das cepas (02) do Brasil, estudos científicos demonstram que a concentração do vírus desta en- FEEDFOOD.COM.BR 101

fermidade no músculo da cauda do camarão é duas vezes maior do que na carapaça, colocando por terra o falso e leviano argumento da SDA/MAPA de que a importação do camarão limpo não ofereceria riscos aos crustáceos brasileiros. Nesse sentido, é bom lembrar que as espécies invasoras de difícil erradicação são a segunda maior causa da perda de biodiversidade do planeta, especialmente os micro-organismos patogênicos, pela sua capacidade de se disseminar rapidamente nos diversos ambientes, em especial o aquático, causando prejuízos irreparáveis à biodiversidade. A introdução voluntária de uma espécie exótica, independente do fim, pode levar à introdução acidental de outras espécies a ela associadas, como é o caso de patógenos. No caso da aquicultura, tais patógenos introduzidos acidentalmente podem comprometer a sanidade ambiental aquícola e disseminar novas enfermidades em ecossistemas naturais (Leão et al., 2011). Dessa forma, tendo presente que os vírus IHHNV, TSV, YHV, MrNV, IMNV e WSSV foram todos transferidas por camarões vivos ou congelados de país a país e de um continente para outro, bem antes de suas etiologias serem conhecidas e métodos de diagnóstico estarem disponíveis, a introdução dos respectivos patógenos encontrou hospedeiros totalmente desprotegidos com pouca ou nenhuma resistência inata, de forma que: Não pode haver liberação de importação sem ARI, o único instrumento para definir mecanismos de controle e/ou restrições, caso sejam detectadas enfermidades, notificadas ou não pela OIE, e que possam trazer riscos ao meio ambiente e à indústria do camarão no Brasil. As teses que baseiam esse ponto central são: Camarões, em qualquer forma de comercialização, estão sujeitos a disseminar doenças, mesmo que não reconhecidas e notificadas pela OIE, de potencial viral reconhecido e de conhecimento pelos setores como é o caso da EMS no Equador; O instrumento mais apropriado e legalmente reconhecido por todos os países que utilizam os mecanismos do Acordo SPS para a verificação dessa potencialidade de impacto é a ARI; Medidas de prevenção, como certificação, e reação, no caos, proibição, contra o transporte de produtos de origem animal podem ser executados, caso essa análise aponte riscos sanitários, em qualquer escala de alcance (país de destino), de acordo com a legislação vigente são legítimas e já reconhecidas pela OMC e todos os seus países signatários. Portanto, a liberação das importações de A VISITA DO EMBAIXADOR FOI PARA TRATARMOS DAS RELAÇÕES COMERCIAIS ENTRE OS DOIS PAÍSES. ELE SOLICITOU A LIBERAÇÃO BRASILEIRA PARA IMPORTARMOS CAMARÕES E FALEI QUE ATÉ PODEMOS LIBERAR, DESDE QUE ELES ABRAM O MERCADO TAILANDÊS PARA NOSSOS PRODUTOS. NOS PRÓXIMOS MESES, BRASIL E TAILÂNDIA ASSINARÃO UM MEMORANDO DE ENTENDIMENTO, ESTABELECENDO UMA VERDADEIRA COOPERAÇÃO ENTRE OS DOIS PAÍSES BLAIRO MAGGI MINISTRO DA AGRICULTURA, EM UM TRECHO RETIRADO DO SEU FACEBOOK NO DIA 23.08.17 camarões do Equador, da Tailândia (como quer o MAPA) ou de qualquer outro país com registro de doenças não existentes no Brasil, sem uma contemporânea ARI, representa uma enorme ameaça à biodiversidade dos crustáceos naturais (caranguejos, camarões e lagostas) e cultivados do Brasil, notadamente aos 250.000 postos de trabalho e dezenas de milhares de micros, pequenos, médios e grandes empreendimentos, sem falar nas centenas de cursos de técnicos, superior e de pós-graduação em aquicultura, pesca e áreas afins. Por isso, causou muita estranheza ao setor o pleito da ABRASEL, a Associação Brasileira de Bares e Restaurantes, com pleno e suspeito apoio da SDA/MAPA, junto ao ministro Blairo Maggi, solicitando a conclusão da ARI para definição dos requisitos sanitários condicionantes à importação de cama- rões sem cabeça, descascados e congelados originários da aquicultura proveniente do Equador para consumo humano. Notadamente, pelo fato de que logo adiante da sua carta justificativa ao ministro, as reais intenções do pleito ficam desnudadas, como bem demonstra a milagrosa afirmação: A importação faria com que matizes genéticas mais fortes ingressassem no Brasil, o que apenas auxiliaria os produtores locais a retomarem, na maior brevidade possível, a produção estagnada há mais de uma década, ou seja, nem Lavoisier conseguiria essa proeza, transformar filés de camarões em matrizes reprodutoras. Mesmo assim, a ABRASEL conseguiu a autorização da SDA/MAPA para importação do camarão cultivado do Equador, sem a necessária ARI, razão pela qual a ABCC recorreu à Justiça, por meio de uma Ação Civil Pública, obtendo a seguinte Decisão Liminar do juiz federal Itagiba Catta Preta Neto: Ante o exposto, defiro, em parte, o pedido de liminar para determinar a suspensão do procedimento de autorização relativo à importação do camarão marinho da espécie Litopenaeus vannamei, originário da atividade de cultivo no Equador, que deverá, obrigatoriamente, ser precedido da ARI, nos termos definidos pela Instrução Normativa n 14, de 9 de dezembro de 2010. No entanto, para surpresa geral e atendendo a um precaríssimo Agravo de Instrumento da ABRASEL, o relator, desembargador federal Kassio Nunes Marques (Mesma Turma que concedeu por unanimidade a liminar contra a importação do camarão da Argentina) sentenciou deferindo o pleito vindicado para suspender os efeitos da decisão agravada e restabelecer a importação dos camarões equatorianos, mediante o regular cumprimento dos requisitos estabelecidos pela IN 14/2010 e em conformidade com os estudos zoosanitários periciados pelo corpo técnico do MAPA. Claro que foram feitas as devidas contestações e, como a ABCC acredita na justiça brasileira, a exemplo do que ocorreu com o camarão da Argentina, certamente que muita água ainda vai passar por baixo da ponte, incluindo uma operação camarão limpo, antes que esse crime de lesa à pátria seja perpetrado contra a carcinicultura e os crustáceos nativos brasileiros. ITAMAR ROCHA é engenheiro de Pesca, Presidente da ABCC, Diretor/Conselheiro do DEAGRO/COSAG-FIESP e, Presidente da MCR Aquacultura 102 FEEDFOOD.COM.BR