Invenção Uma reedição necessária Carlos Ávila * Poeta e Jornalista



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Transcrição:

Invenção Uma reedição necessária Carlos Ávila * Poeta e Jornalista Resumo: Apresentação da Revista Invenção (1961-1967), com seus colaboradores, e importância no cenário poético e artístico brasileiro, visando propor sua reedição em fac-símile. Palavras-chave: poesia concreta, vanguarda, poesia moderna. A história da literatura brasileira é marcada por gerações e revistas. Em geral, em torno das revistas formam-se grupos que trabalham dentro de uma mesma direção estética ou de pensamento. Foi assim no modernismo com os grupos reunidos ao redor de Klaxon, A Revista, Verde e Revista de Antropofagia; foi assim também no concretismo, com os poetas que editaram seus trabalhos através da revista-livro Noigandres e, posteriormente, da revista Invenção. Nas revistas sempre se encontra importante material de pesquisa para o estudo de uma determinada fase ou período da literatura: ali se identificam escolas e tendências; ali se acham as primeiras produções de diversos autores; ali aparecem nomes que, mais tarde, desenvolveriam obras importantes, e outros dos quais nunca mais se ouviria falar; enfim, há nessas publicações, muitas vezes, trabalhos jamais republicados ou relançados. *. Carlos Ávila é poeta e jornalista, autor, entre outros, de Bissexto Sentido e Poesia Pensada.

O eixo e a roda: v. 13, 2006 Nesse sentido, a reedição das revistas do modernismo, na sua maior parte, patrocinada pelo bibliófilo e empresário José Mindlin, reveste-se de grande importância. Novas iniciativas de reedição seriam bem-vindas, inclusive de publicações mais recentes como as já citadas Noigandres onde estão os primeiros poemas de Augusto e Haroldo de Campos, Décio Pignatari, José Lino Grünewald e Ronaldo Azeredo e Invenção, esta última com um elenco maior de colaboradores. Invenção, particularmente, pelo seu alcance e abertura estética, merece ser reeditada. Essa revista de arte de vanguarda (o subtítulo vinha logo abaixo do nome, impresso diversas vezes, em várias direções, na capa), nos seus cinco números, saídos entre 1962 e 1967, veiculou o que havia de mais importante e instigante no cenário poético e artístico brasileiro nesse período. Uma possível reedição deveria ser realizada em fac-símile, como aconteceu com as revistas do modernismo, preservando assim o formato e a programação visual originais. Segundo Paulo Leminski (lançado como poeta no número quatro e colaborador do cinco), a revista foi precursora do movimento editorial alternativo a chamada imprensa nanica: Invenção foi a primeira nanica, a supernanica. Ela foi realmente uma publicação que antecipou, de longe, a fase alternativa pela qual passou a imprensa brasileira, nos anos 1970, isto, entenda-se bem, como produção de caráter independente. Evoluindo de uma página no extinto Correio Paulistano, depois de um ano de atividades, para se transformar em revista, Invenção se propunha a ser um órgão aberto à experimentação e ao signo novo, como foi afirmado diretamente no editorial do primeiro número, em 1962, pelo seu diretor responsável, o poeta Décio Pignatari: Como a página, a revista não será filiada a uma tendência determinada. O ponto de encontro da equipe que a dirige na qual se reúnem, sem abrir mão das tendências que especificamente defendem poetas e críticos, alguns alistados no movimento concreto, outros de orientação autônoma é justamente a invenção. Vista como uma gama de tendências, menos e mais radicais, mas todas elas úteis na configuração do perfil de uma civilização em evolução e na produção de obras que contribuam para sua definição artística. Esta proposta antecipa algumas idéias desenvolvidas, na década seguinte, nas publicações culturais alternativas, sejam elas revistas ou jornais. Mais adiante, no mesmo editorial, Pignatari situava a ação da revista no país, nos anos 1960 que nos deram a pop art, o cinema de Godard e a 96

Belo Horizonte, p. 1-232 música dos Beatles, por exemplo, um período rico de experiências e conflitos variados, em que a palavra vanguarda tinha um peso e não apresentava sinais de desgaste: Aqui, em Invenção, tenta-se um campo onde se possa projetar, em termos inteligíveis, a luta da nova arte. Junto da literatura, desejamos que estejam as artes mais ativas de nosso tempo a arquitetura e o cinema e a arte mais atrasada em nosso país: a música. As artes chamadas plásticas ou visuais merecerão as abordagens radicais de que estão necessitando. E solicitamos com interesse a colaboração dos que possam ajudar a situar a arte criativa num país como o nosso, subdesenvolvido e, logo mais, desenvolvido. Embora Pignatari fosse o diretor da revista, Invenção contava com uma equipe cujos integrantes tinham seus nomes assinalados no expediente em todas as edições: os poetas Augusto de Campos, Cassiano Ricardo, o próprio Pignatari, Edgard Braga, Haroldo de Campos, José Lino Grünewald, Mário da Silva Brito, Pedro Xisto e Ronaldo Azeredo. A partir do número três Cassiano e Silva Brito são excluídos (Cassiano, até onde se sabe, por discordâncias teóricas com o diretor); no número quatro a equipe é acrescida por Luiz Ângelo Pinto e, no cinco, por Erthos Albino de Souza. O número um de Invenção saiu no primeiro trimestre de 1962, pelas Edições GDR, do Rio de Janeiro, e tinha feição nitidamente teórica: somente dois textos foram publicados, o estudo de Cassiano Ricardo, 22 e a poesia de hoje, onde eram traçados paralelos entre o movimento modernista e as conquistas da vanguarda da época, e a tese de Décio Pignatari, Situação atual da poesia no Brasil, importante pela nova visão e abordagem crítica até então inédita. Nesta última, Drummond e Cabral eram pensados em profundidade, à luz da melhor teoria estrangeira, de Pound a Sartre, passando por Wiener e Oppenheimer; Oswald de Andrade e a antropofagia eram relidos e atualizados. Esses dois trabalhos de cunho polêmico, publicados no número inaugural de Invenção, foram apresentados anteriormente no II Congresso Brasileiro de Crítica e História Literária realizado na cidade de Assis, em São Paulo, em 1961. Já o segundo número da revista lançado no segundo trimestre de 1962, pela Massao Ohno Editora, de São Paulo se abriria para a criação. O material era composto, na sua maioria, de poemas. Essa seria a constante dos outros três números, lançados pelas Edições Invenção, relativos a junho de 1963, dezembro de 1964 e dezembro de 1966/janeiro de 1967. Pelas páginas de Invenção passaram alguns dos mais importantes poetas do país, exibindo 97

O eixo e a roda: v. 13, 2006 criatividade, técnica e competência. Nomes como Manuel Bandeira, Cassiano Ricardo, Murilo Mendes, Mário da Silva Brito, Edgard Braga e Pedro Xisto realizando experiências de linguagem que os aproximavam do novo e dos então mais novos. Entre estes estavam figuras como Augusto de Campos, Décio Pignatari, José Lino Grünewald, Mário Faustino (homenageado no número três, quando de sua morte), Affonso Ávila, Haroldo de Campos, José Paulo Paes, Ronaldo Azeredo, Luiz Angelo Pinto, Paulo Leminski, Sebastião Uchoa Leite, Silviano Santiago e Maria do Carmo Ferreira. Diversos poetas estrangeiros também colaboraram na revista, como Ian Hamilton Finlay, Edwin Morgan, Eugen Gomringer, E. M. de Mello e Castro, Pierre Garnier, Henri Chopin e Ievtuchenco. Mas não só poesia era encontrada nas páginas de Invenção traduções, ensaios, fragmentos de prosa, música e artes plásticas também tinham espaço na revista. No número dois, por exemplo, há um depoimento de Affonso Ávila sobre sua experiência em Carta do Solo, livro no qual buscava realizar uma poesia referencial ; ali se encontram também textos crítico-criativos do teórico alemão Max Bense e do francês Philippe Jaccottet, este sobre a poesia concreta. No número três foi publicado o hoje histórico Manifesto da nova música brasileira, elaborado por um grupo de jovens músicos da época, que propunha uma renovação musical baseada num compromisso total com o mundo contemporâneo. Subscreveram o texto Damiano Cozzela, Rogério e Régis Duprat, Sandino Hohagen, Júlio Medaglia, Gilberto Mendes, Willy Corrêa de Oliveira e Alexandre Paschoal. Três deles (Duprat, Gilberto e Willy) publicaram nesse número de Invenção artigos sobre temas relacionados ao manifesto e à música contemporânea. Há também um dossiê-homenagem ao poeta Mário Faustino (morto em desastre aéreo em novembro de 1962) com um estudo e uma breve antologia, ambos realizados pelo crítico paraense Benedito Nunes. Foram publicados ainda três poemas de Augusto de Campos A Mário Faustino, aeromorto, Plus Valia e Hiroshima, meu amor não incluídos, posteriormente, no livro que reúne sua obra poética, Viva Vaia, cuja 3ª edição, revista e ampliada, saiu em 2001. Aliás, o poema político-visual Cubagramma, de Augusto, publicado no número anterior de Invenção, também não foi incluído nesse volume. Curiosamente, Ronaldo Azeredo um poeta da síntese e da visualidade, cujas criações mais radicais chegam a eliminar as palavras, tangenciando as artes plásticas, participa do número três de Invenção com 98

Belo Horizonte, p. 1-232 um texto, ou melhor, um fragmento de prosa experimental, de teor crítico, sobre a grande cidade. No número quatro as artes plásticas aparecem com destaque, através de Waldemar Cordeiro que assinou o texto Arte concreta semântica e teve trabalhos seus reproduzidos em fotografias. Sua experiência incluía montagens e colagens, com um viés crítico-poético. Augusto de Campos também apresentou em Invenção trabalhos com caráter plástico, os popcretos (uma tentativa de aproximação da poesia concreta da arte pop). Entre os trabalhos publicados está o conhecido Olho por olho, numa reprodução fotográfica em preto e branco. Só mais tarde, em 1973, esse poema não-verbal seria reproduzido pela primeira vez a cores, na capa do disco Todos os olhos, do compositor tropicalista Tomzé. O cinema uma das mais vivas das artes, no dizer de Pignatari não poderia faltar às páginas de Invenção. Também no número quatro ele surge na palavra inteligente de José Lino Grünewald, poeta e crítico carioca, autor do texto Godard, Cinevida. Neste artigo o autor observa que Viver é uma arte daí porque Godard sempre foi o cineasta essencial do comportamento, do ESTAR, do respirar fenomenológico e, não, das prédefinições, do SER, da estratificação dos conceitos, que isolam o cinema do espectador. Outra colaboração importante no mesmo número: as primeiras amostras de uma nova prosa, as Galáxias, por Haroldo de Campos um texto contínuo, sem pontos e vírgulas, algo barroco, onde se misturam evocações de leituras, viagens e vivências múltiplas do autor. Realmente, naquela altura, depois das obras de Guimarães Rosa, uma experiência inovadora na prosa brasileira. Também de Haroldo era publicado o ensaio A arte no horizonte do provável, onde abordava, pioneiramente, a provisioriedade do estético, levando ao lançamento, em 1969, de um livro com o mesmo título. Pignatari e Luiz Ângelo Pinto escrevem o manifesto Nova linguagem, nova poesia, apoiados na semiótica de Peirce, onde propõem uma linguagem na qual a forma dos signos seja projetada de modo a condicionar a sintaxe, dando margem a novas possibilidades quanto à comunicação. Trata-se de uma abertura criativa que originou os poemas sem palavras, com chave léxica, levando depois ao movimento do poema-processo, cujo principal participante e líder, Wlademir Dias Pino, já havia realizado, anteriormente, experiências de abolição do signo verbal na poesia o que é 99

O eixo e a roda: v. 13, 2006 assinalado pelos autores. Ao manifesto seguem-se os poemas criados dentro dessa nova perspectiva por Pignatari, Luiz Ângelo e Ronaldo Azeredo, publicados em seqüência na revista. O número quatro de Invenção continha também uma homenagem a Oswald de Andrade com fotomontagem, traduções para o francês por Pierre Furter do Cântico dos cânticos para flauta e violão e, ainda, uma antologia e excertos do Diário Confessional. Foram incluídas ainda as partituras de Movimento, composição de Willy Corrêa de Oliveira sobre poema de Pignatari, e Nascemorre, composição de Gilberto Mendes para vozes, percussão e fita gravada sobre poema de Haroldo de Campos. O número cinco foi o último de Invenção, lançado no tumultuado ano de 1967 de agitações político-culturais, ano da eclosão do movimento tropicalista, ao qual Décio Pignatari e os irmãos Campos se associariam, aproximando a vanguarda erudita da música popular renovadora de Caetano e Gil. Nesse número encontra-se o famoso texto introdutório de Pignatari, um encadeamento de idéias estéticas e ideológicas provocantes, que termina com a conhecida frase: na geléia geral brasileira alguém tem de exercer as funções de medula e osso. A expressão geléia geral seria apropriada, em seguida, pelo poeta tropicalista Torquato Neto tanto na sua letra de mesmo título para uma canção de Gilberto Gil, quanto na sua coluna no jornal Última Hora, do Rio de Janeiro homenageando assim a inquietude criativa do editor de Invenção. Esse ousado e provocativo número cinco traz poemas verbais e visuais de diversos poetas brasileiros, concretos ou não, um poema-carimbo de Oswald de Andrade, inéditos de Murilo Mendes (então vivendo na Itália e pouco lembrado por aqui, num momento de renovação de sua poética) e a partitura da composição de Gilberto Mendes Cidade-Cité-City sobre poema de Augusto de Campos. Afora isso, a seção Móbile (presente em Invenção desde o número dois) com informações sobre os colaboradores e farto noticiário, inclusive internacional, sobre eventos poéticos, lançamento de livros e outras publicações, concertos, exposições etc. A revista Invenção certamente abriu caminho para que outras publicações de perfil editorial semelhante (embora pouco ou quase nada teóricas, privilegiando mais a produção poética) viessem a aparecer nas décadas de 1970 e 80: Navilouca, Pólem, Código, Poesia em Greve, Qorpo Estranho etc. todas elas, em geral, com colaborações de Augusto e Haroldo 100

Belo Horizonte, p. 1-232 de Campos e de Décio Pignatari. Este último chegou a criar uma nova revista, Através, uma espécie de continuidade de Invenção, que durou apenas quatro números (três deles editados pela Livraria Duas Cidades, no final da década de 70; um último número, remodelado graficamente, saiu pela Editora Martins Fontes, em 1983). Invenção precisa ser relida e reavaliada. A revista é pouco conhecida, inclusive por estudiosos e pesquisadores do meio acadêmico, já que teve circulação restrita. Hoje seus exemplares são raridades bibliográficas. Impossível negar sua importância, histórica e cultural. Daí a necessidade de uma reedição, ou melhor, uma reinvenção, quando se comemoram os 50 anos de lançamento do concretismo. Abstract: This is a presentation of the magazine Invenção (Invention, 1961-1967) with its collaborators, and its importance in the Brazilian poetic and artistic scenery, with the purpose of suggesting its reedition in fac-simile. Key words: concrete poetry, vanguard, modern poetry. 101