Violência Doméstica contra Criança e Adolescente: A Ponta do Iceberg na Rede Municipal de Educação n o Município de Caçapava



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Transcrição:

Violência Doméstica contra Criança e Adolescente: A Ponta do Iceberg na Rede Municipal de Educação n o Município de Caçapava *Maria Teresa Moreira Marcondes **Saile Keler Coelho Leite Relatamos a experiência de intervenção social na área da educação voltada aos alunos e suas famílias com vistas à garantia de direitos preconizados pelo Estatuto da Criança e do Adolescente, especificamente verificando a incidência da Violência Doméstica Contra Criança e Adolescente nos atendimentos efetuados no período de 2005 a 2008. A metodologia baseou-se em um estudo descritivo de análise situacional a partir de demandas das unidades de ensino do município (creches e escolas de educação infantil e ensino fundamental). A coleta se deu a partir do estudo de 226 prontuários dos atendidos no período citado. Os resultados da pesquisa apontam 40% de negligência seguido de 11% de violência física. Concluímos que a desorganização familiar e os maus cuidados parentais levaram à violência infanto juvenil, que prejudicou o desenvolvimento educacional, com percentuais de 7,5% de evasão escolar e 20% de frequência irregular ao ano. Palavras chaves: Violência doméstica, família, negligência * Assistente social da Prefeitura Municipal de Caçapava,especialista em dinâmica familiar e violência domestica, psicodramatista sócioeducacional,e-mail: moreiramarcondes@hotmail.com **Assistente social da Prefeitura Municipal de Caçapava,aperfeiçoamento em violência domestica, e-mail: sailekeler@yahoo.com.br. 1

Introdução A Constituição de 1988 representa um marco inicial para efetivação dos direitos sociais, e preconiza, nos artigos 223 e 227: [ ] a proteção à família, a maternidade, a infância, a adolescência[...] é dever da família, da sociedade e do Estado assegurar a criança e ao adolescente, com absoluta prioridade o direito à vida, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar (grifo nosso) e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão(grifo nosso). Em consonância com essa norma o Estatuto da Criança e do Adolescente representa a conquista da garantia de direitos sob a égide da doutrina de proteção integral, em substituição à condição irregular do antigo Código de Menores, onde a criança e o adolescente são vistos como sujeitos de direitos e em condição peculiar de desenvolvimento. Sob esta perspectiva, muito trabalho há de ser feito para a perfeita implementação da Lei 8069/90, através da elaboração de políticas públicas efetivas. O Estatuto afirma quanto ao pleno desenvolvimento no que se refere à educação que é assegurado o direito ao ensino obrigatório com oferta de vagas nas escolas, e que os pais devem cumprir com a obrigatoriedade de matricular e garantir a frequência escolar de seus pupilos. Os casos de reiteiradas faltas injustificadas, evasão escolar, elevados níveis de repetência e maus-tratos envolvendo alunos devem ser comunicados ao Conselho Tutelar pelos dirigentes de estabelecimentos de ensino fundamental. A Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional reitera aspectos relacionados ao direito à educação mencionados no Estatuto, como a obrigação dos pais em garantir as matrículas dos filhos. As legislações estabelecem assim responsabilidades, no que concerne ao sistema educacional formal, tanto dos educadores de estabelecimentos de ensino quanto dos pais 2

ou responsáveis. Nessa ótica destaca-se a afirmação abaixo a respeito das políticas públicas: Tanto as determinações do Estatuto da Criança e do Adolescente quanto as da Leis de Diretrizes e Base apontam para perspectiva de se redesenharem as politicas sociais voltadas para a infância e juventude (SALES;MATOS,LEAL,2006/pg.151). Compreende-se este redesenho como a importância de articular esforços e serviços para legitimar uma educação inclusiva que promova a formação de cidadãos éticos, conscientes de seus direitos e deveres, buscando uma cultura de equidade e paz. A paz vista como a antítese de violência pode e deve ser culturalmente construída nos seios das famílias e nos bancos escolares para que seja possível lutar por uma sociedade justa e igualitária, refutando pensamentos de que esta seria uma possibilidade utópica. Porém como construir este projeto? Para enfrentar a desigualdade de direitos e fazer valer as preconizações legais é preciso criar alternativas de intervenção. Neste contexto, a Secretaria Municipal de Educação de Caçapava implanta em 2005 o Projeto Alô Família com intervenções sociais através de atendimento, acompanhamento, orientação e apoio temporário a crianças, adolescentes e suas famílias em situações de conflito ou risco social, considerando-a enquanto primeiro grupo social que contribui positiva ou negativamente para a formação do indivíduo, porém por desorganização ou conflitos sociais acaba eximindo-se de seu papel formador e sobretudo contribuindo com mazelas físicas e psicológicas no desenvolvimento de crianças e adolescentes, sobretudo quando se constata a Violência Doméstica. A violência doméstica contra criança e adolescente é um fenômeno complexo, de múltiplas causas cuja definição é difícil. Estudos e pesquisas do Laboratório de Estudos da Criança (LACRI USP/SP) tem oferecido importante contribuição para análise deste fenômeno, suas causas e consequencias. 3

As professoras Maria Amélia Azevedo e Viviane Guerra conceituaram-na da seguinte forma: todo ato ou omissão praticado por pais, parentes ou responsáveis contra crianças e/ ou adolescentes que sendo capaz de causar dano físico, sexual e/ou psicológico à vítima implica de um lado numa transgressão do poder / dever de proteção do adulto e, de outro, numa coisificação da infância, isto é numa negação do direito que crianças e adolescentes têm de ser tratados como sujeitos e pessoas em condição peculiar de desenvolvimento ( AZEVEDO,GUERRA, 2005). Quanto a este fenômeno, o Brasil integra um grupo de países onde não há estatísticas confiáveis acerca da INFÂNCIA E VIOLÊNCIA DOMÉSTICA, com dados fragmentados.(azevedo,guerra,2005). Assim sendo o perfil da Violência tem se estruturado a partir desses dados, bem como em relatos de casos, onde se retrata as seguintes facetas:.extenso.grave.desigual.endêmico (AZEVEDO,GUERRA,2005) É um fenômeno extenso cujos dados mantém-se esparsos e representam apenas a Ponta do Iceberg ¹ das violências sofridas pelas crianças e adolescentes; grave pela forma como ocorre porque há a transgressão do poder protetivo; desigual pois aquele que é considerado mais forte e que deveria proteger é quem agride e vitimiza seres indefesos e endêmica² pois atinge crianças e adolescentes em todas as classes sociais, demonstrando a coisificação infantil como ilustra a frase abaixo: _ Ser menos que uma pessoa, uma pessoa sem importância. Qualquer um pode fazer qualquer coisa contra você e o resto do mundo nem vai tomar conhecimento ou fazer qualquer coisa. (AZEVEDO,GUERRA, 2005)³. ¹ A violência denunciada constitui a Ponta do Iceberg de violências domésticas cometidas contra crianças e adolescentes em qualquer idade. A cifra negra número de casos não notificados será maior ou menor conforme seja mais ou menos amplo ou complô do silêncio de que muitas vezes participam os profissionais, os vizinhos, os parentes, familiares e até a própria vítima.( Direitos Negados a violência contra a criança e o adolescente no Brasil, Brasília, UNICEF, 2005). ² Fator mórbido espacialmente localizado, temporalmente ilimitado, presente entre os membros de uma população, cujo nível de 4

incidência se situe nos limites de uma faixa que foi previamente convencionada a uma população, existindo sempre novos casos. ³ Depoimento de uma vítima de violência domestica, portadora de necessidades especiais. A violência sofrida durante o crescimento e desenvolvimento de um ser humano traz comprometimentos que depende de fatores como o tipo de violência cometida, a duração dos fatos e a relação entre vítima e agressor. Com o objetivo de compreender as imbricações entre a violência intrafamiliar e o desenvolvimento educacional é preciso considerar que as sequelas do ambiente familiar repercutem no universo extra-domiciliar estendendo a vitimização. Destaca-se a análise sobre jovens no texto: Constatou-se que adolescentes que sofreram maus tratos familiares sofrem mais episódios de violência na escola, vivenciam mais agressões na comunidade, transgridem mais as normas sociais, fechando assim um círculo de violência (ASSIS, PESCE,AVANCE, 2004). A baixa auto estima, a auto depreciação, a pouca confiança que tem em si próprios são aspectos que contribuem para que esses jovens sejam menos resilientes, vivenciem um processo de angústia existencial e não tenham projetos de vida incorrendo em grandes chances de marginalidade (MARCONDES,2004). Ao propor este estudo busca-se uma iniciativa inovadora no município quanto ao registro de dados de um fenômeno existente, porém não verificado estatisticamente. Com a análise dos dados é possível orientar-se acerca do estabelecimento de políticas de atendimento compatíveis com a necessidade de garantia de direitos preconizada pelas legislações. Metodologia A pesquisa desenvolve-se a partir de um estudo dos prontuários das famílias atendidas por duas assistentes sociais no período de 2005 a 2008, cuja demanda foi oriunda de escolas e creches da rede municipal de educação. A inclusão da família no Projeto se dá inicialmente por um período de seis meses, 5

prorrogando-se o atendimento continuado quando necessário. As queixas das unidades de ensino, como: frequência escolar irregular, baixo rendimento, evasão escolar, ausência dos pais na vida escolar constituem um eixo norteador do trabalho. Para o planejamento da pesquisa, as proposições a serem investigadas referem-se às evidências ou sinais da violência doméstica no cotidiano escolar ou seja, as imbricações entre as queixas dos educadores e a incidência do fenômeno a ser estudado. Para tanto a pesquisa documental utiliza como fonte 226 prontuários dos atendimentos dos quatro anos do Projeto como base de investigação. A análise se dá em dois momentos: 1º momento: recolher e sistematizar os dados de todos os prontuários em cada ano específico considerando a queixa da escola, o diagnóstico e a intervenção social, investigando as incidências de violência doméstica. 2º momento: a documentação organizada foi sujeita à análise em busca de clarificar o perfil da violência doméstica na rede municipal de ensino. Resultados Os prontuários pesquisados referem-se ao número de 226 famílias onde consideram-se um total de 308 alunos investigados. Quadro1: Ponta do Iceberg Perfil da Violência Doméstica contra Criança e Adolescente na Rede de Educação no Município de Caçapava Ano Violência Física Casos Confirmados por Modalidades Violência Sexual Violência Psicológica Casos Confirmados Negligência Qtd % N.R % N.R % N.R % N.R % N.R % 2005 8 25,8 1 3,2 4 13 18 58 31 100 2006 3 13 * * * * 20 87 23 100 2007 5 14 * * 3 8,3 28 77,7 36 100 6

2008 19 21,6 * * 10 11,36 59 67,04 88 100 Total 35 19 1 0,8 17 8,2 125 72 178 100 Do universo total confirmou-se a violência em 178 casos, o que garante um percentual de 57,7 % no período. Esses dados compreendem a Ponta do Iceberg porque não significam a totalidade das vítimas do município, mas sim os que foram atendidos no Projeto, conforme quadro 1 acima demonstrado. Escala referente ao quadro 1: Casos Confirmados por Modalidades 100 90 87% 80 78% 70 67% 60 50 40 30 20 10 0 26% 58% 22% 13% 13% 14% 11% 8% 3% 2005 2006 2007 2008 V.Física V.Sexual V.Psicológica Negligência Na demonstração da escala visualiza-se os percentuais de Violência Doméstica anualmente por modalidades. Quadro 2: Modalidades de Maior Incidência no Período Casos Investigados Confirmados* 308 178 Modalidades Negligência Violência Física N.R % N.R % 125 40 35 11 7

Do total de casos confirmados, 17 foram de violência psicológica e 1 de violência sexual. O percentual de 57,7% refere-se ao total geral de violência registrada. Desse universo 40% foi de negligência seguido de 11% de violência física. Escala referente ao quadro 2: Modalidades de Maior Incidência no Período 350 300 250 200 150 100 40% C.Investigados C.Confirmados Negligência V. Física 50 11% 0 308 178 125 35 Estes dados coincidem com as Estatísticas Brasileiras 4 levantadas pelos telealunos do LACRI, pois também observa-se como violência mais frequente a negligência e a violência física. 8

4 Banco de dados disponível na home page: www.usp.br/ip/laboratorios/lacri link Estatísticas Brasileiras Quadro 3: Consequências da Violência Doméstica contra Criança e Adolescente na Educação Queixas Escolares Frequência Ano Freq. Escolar Escolar Total de Casos Irregular Evasão Regular Pesquisados N.R % N.R % N.R % N.R % 2005 12 21,5 3 5,3 41 73,2 56 100 2006 6 14 * * 36 85 42 100 2007 11 15 9 12,4 53 72,6 73 100 2008 38 27,8 6 4,4 93 67,8 137 100 Total 67 20 18 5,5 223 74,5 308 100 Consequências da Violência Doméstica contra Criança e Adolescente na Educação 90 86% 80 73% 73% 70 68% 60 50 40 Freq.Irregular Evasão Freq.Regular 30 28% 20 22% 14% 15% 12% 10 5% 4% 0 2005 2006 2007 2008 As imbricações do fenômeno no desenvolvimento dos alunos observa-se no quadro 3 onde constatou-se um percentual de 20% de frequência escolar irregular e 5,5% de evasão escolar no período, evidenciando as consequências da violência doméstica na vida escolar de crianças e adolescentes. 9

Avaliação Em relação a violência doméstica contra criança e adolescente observa-se que a área da educação constitui espaço privilegiado de estudo acerca do fenômeno porque estão inseridos intrinsecamente neste contexto. Este trabalho oportunizou a reflexão de técnicos responsáveis pela garantia de direitos e a socialização dos dados com outros membros da equipe, chefia e demais atores da rede de serviços. Os dados comprovam que maus cuidados parentais levam a doença familiar e social, o que reflete em primeira instância nos bancos escolares, e ratifica a necessidade de profissionais técnicos (assistentes sociais e psicólogos) na educação. Conclui-se ainda que a integração dos serviços nas diversas áreas como educação, saúde, justiça, assistência social, órgãos de proteção é fundamental para a efetivação de políticas públicas para dirimir as mazelas da coisificação infantil. REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA BRASIL.Constituição da República Federativa, Lei de 05 de Outubro de 1988.Brasília/DF. BRASIL. Estatuto da Criança e do Adolescente. Lei nº 8069 de 13 de Julho de 1990. LDB, Lei nº 9394 de 20/12/1996. SALES, M.A;MATOS,M.C;LEAL M.C (organizadoras) Política Social, Família e Juventude: Uma questão de direitos Cortez Editora 2ª edição AZEVEDO,M.A.; GUERRA,V.N.A. Infância e Violência Doméstica: módulo 1A/B do Telecurso de especialização em Violência Doméstica contra Criança e Adolescentes. São Paulo:LACRI/IPUSP/USP;2005. ASSIS,S.G.; PESCE, P.P.;AVANCI, J.Q. Adolescentes resilientes. Rio de Janeiro:claves/Fiocruz/Unicef. Relatório Final de Pesquisa;2004. MARCONDES,M.T.M. Adolescentes infratores Conflitos emergentes e uma 10

proposta de reflexão transformadora. São Paulo: Animus Psicodrama e Educação/FEBRAP. Monografia; 2004. MILANI,A.;AZEVEDO; SOUZA J.R.; MARCONDES, M.T.M;RODRIGUES M.U.F;CABRAL S.D.Projeto Rede Criança Proposta de Formação de uma Rede de Proteção à criança e ao Adolescente no Município de Caçapava. São Paulo: LACRI/IPUSP/USP; 2005. TAVARES, Antônio;Endemia, in Enciclopédia Verbo Luso-Brasileira da Cultura, Edição Século XXI, volume X, Editorial Verbo,Braga, Junho.1990. 11