ANÁLISE DA FORÇA DO LIGAMENTO PATELAR A PARTIR DE DUAS PROPOSTAS METODOLÓGICAS Gustavo Portella 1, Caroline Bernardes 2, Daniela Aldabe 1,Luis Felipe Silveira 2, Francisco Araújo 1,2,João Paulo Cañeiro 2,3, Jefferson Fagundes Loss 2 1 Centro Universitário Metodista IPA 2 Escola de Educação Física Universidade Federal do Rio Grande do Sul UFRGS Porto Alegre. 3 Curtin University of Technology - School of Physiotheray - Perth - WA Australia Resumo: Uma diversidade de modelos biomecânicos representativos da articulação do joelho utiliza a dinâmica inversa para obter a força do ligamento patelar. O objetivo deste estudo foi comparar o comportamento e a magnitude da força do ligamento patelar a partir de dois modelos biomecânicos: Cinemetria Externa e Cinemetria Interna. Foi analisado um exercício de extensão de joelho em cadeia cinética aberta, sem carga, a uma velocidade de 45 /s. O modelo pela Cinemetria Interna utiliza a videofluoroscopia para a obtenção dos parâmetros biomecânicos necessários para o cálculo da força do ligamento patelar. Já o modelo pela Cinemetria Externa utiliza dados obtidos a partir de um sistema de análise com marcadores externos e dados obtidos da literatura. A força do ligamento patelar apresentou um comportamento crescente e similar para ambos os modelos. Os resultados mostram que não existem diferenças na determinação da força do ligamento patelar, entre os modelos analisados neste estudo. Palavras Chave: Joelho, Ligamento patelar, Dinâmica Inversa. Abstract: There is a diversity of representative biomechanical models of knee joint using the inverse dynamics to obtain the patella ligament force. The aim of this study was to analyze the behaviour and magnitude of patella ligament force through two biomechanical models: External Kinemetry and Internal Kinemetry. Unload knee extension exercise in open kinetic chain at a 45 /seg, was analyzed an. The Internal Kinemetry model used data obtained from videofluoroscopy to obtain the biomechanics parameters from the patella ligament force calculation. The model of External Kinemetry utilizes data obtained from motion analyses systems that use external skin markes and data from the literature. The patella ligament force showed a crescent and similar behaviour for both models. From presented results, we conclude there aren t differences in determining patella ligament force between proposed models in this study. Key Words: Knee, Patellar ligament force, inverse dynamics. INTRODUÇÃO O conhecimento das forças internas que agem na articulação do joelho durante atividades específicas do treinamento físico e reabilitação, tem sido amplamente descrito na literatura, visto as suas diferentes aplicabilidades para os profissionais da área da saúde. O conhecimento da biomecânica do joelho durante determinados exercícios, como o de extensão de joelho em cadeia cinética aberta, possui grande relevância para que os fisioterapeutas e educadores físicos tracem seus programas de reabilitação e treinamento físico, ajudando a diminuir os índices de lesão na articulação do joelho [1]. As forças internas impostas ao corpo humano podem ser avaliadas de duas formas: a partir da medida direta e da medida indireta. A avaliação das forças a partir da medida direta requer a utilização de métodos invasivos, envolvendo assim aspectos éticos e tecnológicos, que dificultam a realização de estudos in vivo. Por essa razão, grande parte dos estudos apresentados na literatura, utilizando essa forma de quantificação das forças articulares são realizados em cadáveres ou em indivíduos protetizados [2,3]. Já a medida indireta utiliza modelos matemáticos para predição das forças articulares resultantes, 1636
através da técnica da dinâmica inversa, na qual utiliza parâmetros cinéticos e cinemáticos do indivíduo avaliado. Pela dificuldade de obter-se a força articular pela medida direta, a metodologia mais utilizada para a avaliação das cargas internas do sistema músculo esquelético é o procedimento analítico indireto. Existem na literatura científica diversas propostas metodológicas para predizer a força do ligamento patelar (F LP ) ao longo do movimento de extensão de joelho in vivo utilizando a medida indireta. Alguns destes estudos utilizam a técnica da cinemetria externa (eletrogoniometria e sistema de análise com marcadores externos), em que é permitida a visualização do segmento perna-pé e a análise se faz de uma maneira mais ampla do deslocamento no espaço deste segmento. Esse sistema de análises necessita também de dados extraídos da literatura para determinação dos parâmetros necessários para o cálculo biomecânico da Flp, visto que não permite a visualização das estruturas internas do joelho [4,5]. Outros estudos utilizam a cinemetria interna, (radiografia, videofluoroscopia, ressonância nuclear magnética e tomografia computadorizada) a qual tem como vantagem a visualização das estruturas internas do joelho e a obtenção dos parâmetros necessários para o cálculo biomecânico diretamente do individuo analisado [6,7,8]. Porém este procedimento é oneroso, e existe uma dificuldade de disponibilidade destes equipamentos para pesquisa, o que dificulta este tipo de análise. O objetivo deste estudo é comparar o comportamento e magnitude da F LP a partir de um modelo que utiliza cinemetria interna e um modelo que utiliza a cinemetria externa. MATERIAIS E MÉTODOS Caracterização da amostra A amostra foi composta por 10 indivíduos, 8 do sexo masculino e 2 do sexo feminino, com idade média de 25,0 anos (± 5,5 anos), peso corporal médio 66,0 kg (± 6,6 kg) e altura média 1,72 m (± 0,09 m), sem história de lesão no joelho esquerdo. Procedimento de coleta Os indivíduos foram posicionados sentados, de forma a permitir a exposição sagital da articulação do joelho esquerdo ao videofuoroscópio e à câmera de vídeo simultaneamente. Os indivíduos foram familiarizados ao protocolo de coleta e, em seguida solicitados a executar três repetições do exercício de flexão/extensão de joelho em cadeia cinética aberta, sem utilização de carga externa. O exercício foi realizado a uma velocidade de 45 /s, monitorada por um feedback sonoro, em uma amplitude de 90 (0 a 90 ) de flexão de joelho. Instrumentação As imagens foram gravadas de maneira simultânea, sendo utilizado um sincronismo visual no início da primeira execução (constituído de chumbo no seu interior e de material reflexivo externamente) para posterior sincronismo das imagens. As imagens radiográficas dinâmicas foram gravadas utilizando um videofluoroscopio da marca Axion Simens R100. As imagens externas foram capturadas por uma câmera de vídeo da marca JVC (GR-DVL9800). Foram utilizados o software Adobe Premier 5.1 para captura das 1637
imagens e o software Matlab para análise dos dados. Patelar Determinação da Força do Ligamento Para a determinação da F LP foi utilizado um modelo biomecânico, com base na Dinâmica Inversa [9]. A Figura 1 apresenta um diagrama de corpo livre (DCL) representando as forças atuantes no segmento perna-pé. Figura 1 - Diagrama de corpo livre do segmento perna-pé A partir do modelo utilizado e com base no DCL, obteve-se a equação escalar (1), relativa aos torque envolvidos em torno do eixo de rotação considerado na articulação do joelho: FLP DLP + FP DP = Iα (1) onde: F LP = Força do ligamento patelar D LP = Distância perpendicular do ligamento patelar F P = Peso do segmento perna-pé D = Distância perpendicular do peso do P segmento perna-pé I = Momento de inércia do segmento perna-pé α = aceleração angular do segmento perna-pé A equação (1) foi resolvida para obtenção dos valores de F LP de duas formas: (a) com os dados da cinemetria interna, e (b) com os dados de cinemtria externa. Os parâmetros antropométricos dos segmentos perna-pé utilizados neste estudo, em ambas as soluções (Cinemetria Interna e Cinemetria externa), foram obtidos por meio de tabelas propostas por Clauser (1969) para os parâmetros de massa e centro de massa, e os parâmetros de momento de inércia obtidos de Dempster (1955). Cinemetria Interna (CI) Para a determinação dos parâmetros necessários para o cálculo da F LP pelo modelo que utiliza a cinemetria interna, foram realizadas imagens radiográficas dinâmicas (Videofluoroscopia) da articulação do joelho, durante a execução do exercício de extensão de joelho (Figura 2). Os parâmetros calculados pela CI foram: o centro de rotação tibiofemoral (CRTF), a linha de ação do ligamento patelar (Lp), a distância perpendicular do ligamento patelar (em relação ao CRTF), a aceleração angular e o torque externo ( F P D ). P O CRTF foi definido a partir de um ponto representativo da menor distância entre o côndilo femoral e o platô tibial [10]. A linha de ação do ligamento patelar foi obtida por um procedimento de digitalização manual, no qual consistia em identificar o pólo inferior da patela e a tuberosidade tibial anterior. Dessa forma, a linha de ação do ligamento patelar seria definida como a união destes pontos. A distância perpendicular do ligamento patelar foi obtida pela medida de menor distância entre o CRTF e a linha de ação do ligamento patelar. Os dados referentes a aceleração angular do segmento perna-pé foram calculados através da dupla derivação da posição angular, obtida da digitalização manual das imagens radiográficas. O torque externo foi obtido pelo 1638
torque do peso do segmento perna-pé acrescido do componente inercial Iα. dados obtidos foram tabulados e analisados estatisticamente utilizando-se o pacote estatístico SPSS versão 13.0. Foram comparados os valores obtidos para F LP, em cada nível (0, 10, 20,... 90 ), entre os dois modelos: cinemetria interna e cinemetria externa, utilizando análise de variância (ANOVA). Para identificar entre quais níveis houve diferenças foi utilizado um teste post-hoc de Bonferoni. O índice de significância adotado foi de 5% (p < 0,05). Figura 2. Cinemetria Interna Cinemetria Externa (CE) Para a determinação dos parâmetros necessários para o cálculo da F LP pelo modelo que utiliza a cinemetria externa, foram realizadas imagens oriundas da câmera digital, durante a execução do exercício de extensão de joelho (Figura 3). Marcadores reflexivos foram colocados na interlinha do joelho e no maléolo medial, ambos na perna esquerda. O centro de rotação articular foi considerado fixo, dado pelo ponto marcado na interlinha articular do joelho. A distância perpendicular do ligamento patelar foi extraída da literatura [11]. A aceleração angular do segmento perna-pé foi calculada através da dupla derivação da posição angular, obtida da digitalização das imagens digitais. O torque externo foi obtido pelo torque do peso do segmento perna-pé acrescido do componente inercial Iα. Análise Estatística Para cada indivíduo, foi calculada a média das forças obtidas por ângulo de 0 a 90 graus, em intervalos de 10 graus, totalizando 10 níveis. Os Figura 3. Cinemetria Externa RESULTADOS Os resultados são referentes a fase concêntrica e excêntrica do exercício de flexão/extensão de joelho em cadeia cinética aberta, sem utilização de carga externa. A Figura 3 apresenta o comportamento da F LP, em função do ângulo de flexão do joelho, obtido através dos modelos analisados neste estudo. Independente do modelo utilizado, conforme o joelho se aproxima da extensão completa, ocorre um aumento da Flp. Os picos máximos de força de ambos os modelos coincidiram em aproximadamente 0 grau de flexão de joelho, e os mínimos em 90 graus. 1639
Não foram encontradas diferenças significativas (p<0,05) entre as forças calculadas nos modelos comparados neste estudo (C.I e C.E). Figura 4. Força do Ligamento Patelar DISCUSSÃO Os resultados obtidos no presente estudo apresentam a F LP com comportamento similar para ambos os modelos, ou seja, a F LP aumenta conforme o joelho é estendido. Este comportamento pode ser explicado pelo torque de resistência empregado neste estudo (peso do segmento perna-pé), que apresenta um comportamento crescente ao longo do exercício de extensão de joelho em cadeia cinética aberta, e é obtido de maneira similar para ambos os métodos. Alguns estudos compararam previamente as técnicas de cinemetria interna e externa, comparando os dados obtidos pela eletrogoniometria aos obtidos pela radiografia, para a mensuração da translação anterior da tíbia, em indivíduos saudáveis e com lesão do ligamento cruzado anterior, sem encontrar diferenças estatísticas entre as técnicas neste tipo de mensuração [12]. Outros compararm os dados obtidos pelo eletrogoniometria e videoflouroscopia para a análise do movimento de flexão-extensão da coluna lombar, demonstrando não haver diferenças entre essas duas técnicas de obtenção da posição angular da coluna lombar [13]. A F LP foi mensurada de forma direta em cadáveres durante simulação de uma extensão de joelho sem carga externa [14]. Os resultados de ambos modelos utilizados neste estudo indicaram que a F LP apresenta um comportamento e magnitude crescente à medida que o joelho é estendido. Ao comparar estatisticamente a F LP, entre os modelos CI e CE, não se observaram diferenças entre os dois métodos. Isto se deve a semelhança entre os dados de distância perpendicular obtidos pela Cinemetria Interna (através da digitalização manual de imagens radiográficas de cada indivíduo), quando comparados aos dados obtidos da literatura [11], do modelo que utilizou a Cinemetria Externa. Outro fator relevante, é que esta força (F LP ) obtida pela CE pode ser considerada como sendo igual à força que o quadríceps faz para tracionar a patela, isto porque esta técnica considera a patela como sendo uma roldana simétrica. Já a técnica que utiliza a CI necessita de outros parâmetros (patela e F LP ) para a predição da força do músculo quadríceps, pois considera a patela como uma roldana assimétrica, alterando, durante o movimento de extensão de joelho em cadeia cinética aberta, as forças do ligamento patelar e quadríceps. Para este tipo de medida, a CI e CE parecem ser similares, podendo outros estudos utilizarem a CE para analisar a F LP em diferentes gestos, porém se o propósito do estudo for analisar ou comparar a F LP com a força do músculo quadríceps, a análise 1640
pela CI permite considerar o efeito da patela na transmissão da força. Novos estudos deverão ser realizados, no intuito de comparar a força do músculo quadríceps utilizando a CI e CE, levando em consideração as diferenças existentes entre a força do tendão patelar e a força do tendão quadriceptal. CONCLUSÃO O comportamento e magnitude da F LP foi similar para ambos os modelos, não havendo diferenças estatisticamente significativas entre as suas magnitudes. REFERÊNCIAS [1] Zheng, N; Fleisig, GS; Escamilla, RF; Barrentine, SW. An analytical model of the knee for estimation of internal forces during exercise. Journal of Biomechanics.1998; 31: 963-967. [2] Hehne, HJ. Biomechanics of the patellfemoral joint and its clinical relevance. Clinical Orthopaedics and Related Research. 1989; 258:73-85. [3] Bergmann, g; Graichen, f; Rohlmann, A. Hip joint loading during walking and running, measured in two patients. Journal of Biomechanics. 1993; 24: 969-990. [4] Nissel, R; Ericson, MO; Nemeth, G. Tibiofemoral joint forces during isokinetic knee extension. The American Journal of Sports Medicine. 1989; 17 (1): 49-54. [5] Escamilla, RF; Fleisig, GS; Zheng, N; Barrentine, SW. Biomechanics of knee during closed kinetic chain and open kinetic chain exercises. Medicine and Science in Sports and Exercise. 1998; 556-569. [6] Chow, JW. Knee joint forces during isokinetic knee extensions: a case study. Clinical Biomechanics. 1999; 14: 329-338. [7] Baltzopoulos, V. Muscular and tibiofemoral joint forces during isokinetic concentric knee extension. Clinical Biomechanics. 1995; 2 (10): 85-92. [8] Ward, S; Powers, C. The influence of patella alta on patellofemoral joint stress during normal and fast walking. Clinical Biomechanics. 2004; 19: 1040-1047. [9] Loss J, Soares D, Cañeiro JP, Aldabe D, Ribeiro D, Gandolfi L. O uso da dinâmica inversa em situações envolvendo cadeia cinética aberta (no prelo). Revista brasileira de biomecânica.2006. [10] Baltzopoulos, V. A videofluoroscopy method for optical distortion correction and measurement of knee-joint kinematics. Clinical Biomechanics. 1995; 2 (10): 85-92. [11] Herzog, W; Read, LJ. Lines of action and moment arms of the major force-carrying structures crossing the human knee joint. Journal of Anatomy. 1993; (182):213-230. [12] Vergis, A; Hammarby, S; Gillquist, J. Fluoroscopy validation of electrogoniometrically measured translation in healthy and ACL deficient subjects. Scandinavian Journal of medicine and Science Sports. 2002; (12): 223-229. [13] Lee, SW; Wong, KW; Chan, MK; Yeung, HM. Development and validation of a new technique for assessing lumbar spine motion. Spine. 2002; 27(8): 215-220. [14] Buff, HR; Hungerford, DS. Experimental determination of forces transmitted through patello-femoral joint. Journal of Biomechanics. 1988; 21(1), 17-23. e-mail: portellagustavo@yahoo.com.br jefferson.loss@ufrgs.br 1641