negócio planetário O brasil que fala com o mundo Crescimento da economia e perspectiva de megaeventos no país impulsionam demanda por tradutores e intérpretes, mas profissionais reivindicam valorização TEXTO paulo junior O intérprete e tradutor público Eduardo Castelã: Problemas em licitações refletem desconhecimento do governo quanto à profissão arquivo pessoal
Otradutor e intérprete Douglas Simões dá entrevista por telefone enquanto recupera o fôlego para voltar à cabine no Hotel Windsor, no Flamengo, na Zona Sul do Rio, como intérprete em um evento com empresas do setor privado que se preparam para a Rio+20. Um dia antes, ele estava em Natal, onde fez tradução simultânea em encontro de deputados e senadores brasileiros com legisladores latinos, americanos e canadenses, dessa vez discutindo leis ambientais ao redor do mundo. Paralelamente aos eventos, Douglas traduz para o português relatórios da estatal chinesa Sinopec como consultor na área de petróleo. A rotina dele, que tem ficado mais intensa nos últimos anos, reflete o crescente mercado de tradução e interpretação para o português do Brasil, impulsionado pelo aumento da relevância do país no cenário internacional. A maior demanda de trabalho acontece por vários motivos. As perspectivas trazidas pelos torneios esportivos no país e o crescimento da economia brasileira, com eventos internacionais como a Rio+20, sem dúvida, impulsionam o mercado. Além disso, quanto mais você é reconhecido como um bom profissional, mais oportunidades aparecem, porque este é um ramo que depende muito de networking afirma Douglas. O surgimento de um número expressivo de empresas de tradução, a requisição cada vez maior do governo em editais para viabilizar encontros internacionais e redigir versões de documentos em línguas estrangeiras, além da própria percepção dos profissionais autônomos sobre a demanda de trabalho indicam que o mercado está aquecido tanto local quanto globalmente. A Commom Sense Advisory, empresa americana que faz levantamentos sobre o mercado mundial de serviços linguísticos (os quais, além de tradução e interpretação, incluem dublagem, subtitulação e outros trabalhos), ressalta que o número de fornecedores de serviços linguísticos no país cresceu 40,74% em 2010, quando a economia brasileira avançou 7,5%. A maior parte dos trabalhos prestados foi de tradução (63,31%), interpretação (10,21%) e a customização de sites adequados às culturas locais (6,37%). Apesar da incerteza econômica global, fornecedores nacionais de serviços linguísticos relataram fortes aumentos em suas receitas. Dados da nova pesquisa anual da Commom Sense mostram que a receita média por profissional foi de US$ 85 mil em 2011 contra US$ 66,5 mil em 2010, um aumento de 27,8%. O número é pouco expressivo comparado a países como Dinamarca (média de US$ 256,6 mil em 2011) e Suécia (US$ 248,3 mil), porém mostra que o país está em um ritmo crescente e bem à frente de vizinhos do continente. No passado, a Argentina era o principal país para a tradução na América
Douglas Simões: Quanto mais você é reconhecido como bom profissional, mais oportunidades surgem arquivo pessoal Pérsio Burkinski (à direita): críticas aos modelos de licitação do setor divulgação Latina porque se mantinha como polo de terceirização, gerenciamento de projetos e tradução do espanhol latino. No entanto, atualmente, das dez maiores empresas de tradução na América Latina, cinco estão com sede no Brasil (a Argentina tem quatro) explica Nataly Kelly, diretora de pesquisa da Common Sense Advisory. O crescimento do mercado inclui áreas técnicas e que sempre tiveram demanda cativa, como medicina, direito, engenharia e contabilidade, mas se estende a novos negócios que despontam no Brasil, como sites de redes sociais e jogos eletrônicos. Com a perspectiva dos Jogos Olímpicos, em 2016, e da Copa do Mundo, em 2014, a área esportiva é uma das que mais tem recebido importância. De acordo com tradutores e intérpretes, a língua mais requisitada para ser traduzida para o português é o inglês, reconhecido como idioma internacional. Em menor relevância, estão espanhol, francês, italiano e alemão. O chinês tem ganhado importância, de acordo com Douglas Simões, já que os nativos mais velhos têm dificuldade em dominar o inglês. Se considerado especificamente o ramo da tradução, existem oportunidades para praticamente todos os idiomas, uma vez que há demanda na área literária e na elaboração de versões de relatórios comerciais, entre outros trabalhos, para diversos países. A economista e diretora da De Letra Tradução e Serviços Linguísticos, Ângela Filippon Ficagna, lembra que, no mercado internacional da tradução, o português do Brasil e o de Portugal são, na prática, considerados línguas diferentes. Seja qual for o assunto ou a indústria, a empresa que buscar tradução para um português neutro vai encontrar dificuldades com ambas as variações, e por isso, precisa escolher o seu público-alvo ou então encomendar duas traduções diferentes. Como ninguém quer jogar dinheiro fora, o cliente acaba escolhendo uma variação, e nesse caso é óbvio que o Brasil, que tem uma economia bem maior e que cresce muito mais, acaba sendo a escolha. Um exemplo é o da Fifa, que tem
apenas quatro idiomas oficiais (inglês, francês, alemão e espanhol), mas que resolveu disponibilizar o seu site fifa.com também em árabe e em português. Na hora de decidir a variação do português, naturalmente o brasileiro foi escolhido, não só pelas razões já expostas, mas também pelo simples fato de que o Brasil será a sede da Copa do Mundo e das Olimpíadas detalha a diretora. Sediada em Canoas, no Rio Grande do Sul, a De Letra foi criada no fim do ano passado justamente para suprir a demanda crescente de tradução e interpretação na área esportiva em face dos megeventos dos anos 2014 e 2016 no Brasil. Além de revisar e traduzir textos de cinco idiomas do site da Fifa para o português do Brasil, a De Letra também redigiu o manual de tradução e estilo do site Fifa.com. Outros clientes da empresa são a Federação Internacional de Voleibol e a Football Association, da Inglaterra. Apesar das perspectivas otimistas para os profissionais qualificados, ainda existem muitos empresários que caem nas propagandas enganosas de tradutores automáticos, até por uma questão de redução de custos. O resultado é uma apresentação desleixada do português brasileiro em documentos e eventos, o que compromete o próprio negócio e a imagem do país. A tradução é importante para o que se chama de soft power, que é a influência cultural de um país sobre o outro. Traduzir a cultura e a identidade brasileira a outras línguas é fundamental para esse soft power enfatiza Ângela. As gafes, no entanto, não são exclusivas dos tradutores automáticos. No dia 14 de abril, uma interpretação de má qualidade prejudicou a palestra do poeta nigeriano Wole Soyinka, ganhador do Prêmio Nobel de Literatura de 1986 e que foi homenageado na 1 a Bienal Brasil do Livro e da Leitura, em Brasília. Parte da plateia chegou a se retirar após o intérprete não conseguir expressar as explicações do convidado sobre o grupo étnico dos iorubás, conforme noticiou o Correio Braziliense. Em junho do ano passado, a má tradução para o russo de um relatório do Ministério da Agricultura prejudicou as relações diplomáticas do país na época do embargo à exportação da carne brasileira. Em 2007, a decisão de extraditar ou não o ex-banqueiro Salvatore Cacciola foi adiada por conta de erros na tradução de textos enviados pelo Ministério da Justiça a Mônaco. O problema é que, muitas vezes, as licitações de tradução e interpretação não exigem nenhum tipo de qualificação técnica. Então, acabam vencendo empresas que oferecem serviços de má qualidade, a preços baixos afirma Pérsio Burkinski, diretor da empresa de tradução Millennium Traduções e Interpretações e que trabalha como intérprete para o governo de São Paulo.
Depois, eventos e parcerias ficam comprometidos. Essas questões refletem um desconhecimento do governo quanto à profissão complementa o administrador, intérprete e tradutor público Eduardo Castelã, que presta serviços para a mesma empresa. No Brasil, há duas entidades proeminentes cujo objetivo é conferir unidade e valorizar os tradutores e intérpretes. O Sindicato Nacional dos Tradutores (Sintra), que foi o responsável pelo reconhecimento da profissão de tradutor, em 1988, publica uma tabela de preços para equiparar a remuneração de profissionais, embora muitos deles considerem os valores sugeridos altos demais e cobrem, na prática, uma tabela em off. Já a Associação Brasileira de Tradutores (Abrates), criada a partir do Sintra, credencia os profissionais em diferentes áreas técnicas por meio de avaliações anuais, além de atuar na capacitação e valorização da classe, em frentes como a promoção de cursos e congressos. Muitas pessoas fazem da tradução um bico, o que nivela os salários por baixo. As pessoas acham que, pra ser um bom tradutor, é só dominar o idioma estrangeiro, o que não é verdade. É preciso muita pesquisa. Se você faz legenda de um filme sobre corrida de cavalos, é preciso ir a um jóquei clube e entender que termos são usados nesse meio. Por isso, o credenciamento é importante reforça Elizabeth Mattos, vice-presidente da Abrates, entidade que tem credenciados cerca de 800 profissionais, entre tradutores e intérpretes. A Abrates trava, há anos, a batalha dos créditos : o direito de tradutores e intérpretes terem seus nomes destacados com mais visibilidade nos créditos de filmes e livros. Mas, segundo Elizabeth, a resistência do mercado editorial é grande e não há previsão de quando o cenário vai melhorar. Ela também chama atenção para a lentidão dos trabalhos relacionados à Copa e às Olimpíadas: Há pouquíssima movimentação não só para começarem a ser traduzidos cartazes, fôlderes e cartilhas, mas como para tornar bilíngues referências de pontos turísticos, galerias e parques. Preparar o país para receber essa quantidade enorme de estrangeiros nos próximos anos é um trabalho que já deveria ter começado há muito tempo. paulo.junior@oglobo.com.br mapa dos provedores de serviços linguísticos no país (common sense advisory)