A INTERAÇÃO ENTRE DIREITO E ECONOMIA NO SISTEMA FALIMENTAR



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Transcrição:

A INTERAÇÃO ENTRE DIREITO E ECONOMIA NO SISTEMA FALIMENTAR Jean Carlos Fernandes Advogado Doutorando em Direito Privado (PUC/MG) Mestre em Direito Comercial (UFMG) Coordenador e professor do Curso de Direito do Centro Universitário Newton Paiva Professor de Direito Empresarial nos cursos de pós-graduação da Associação Nacional dos Magistrados Estaduais ANAMAGES Professor no curso de especialização em Direito Civil da Faculdade de Direito Milton Campos Professor nos cursos preparatórios às carreiras jurídicas federais do Centro de Estudos da Área Jurídica Federal CEAJUFE O impacto da falência não se restringe apenas às empresas que se tornem insolventes ou aos seus credores particulares, mas afeta diretamente a economia, que sofre os efeitos das crises econômicas, fatores conjunturais, problemas de liquidez, acirramento da concorrência, desenvolvimento de novas tecnologias e até mesmo insolvência de fornecedores ou clientes. Os nefastos efeitos sócio-econômicos da falência demandam uma ordem jurídica mais coerente e adequada, visando diminuir os impactos causados pela insolvência na economia, voltando-se, principalmente, para a função social da empresa. A interação entre economia e direito, principalmente no sistema falimentar, necessita de um Judiciário conscientizado do seu papel determinante no desenvolvimento econômico 1. O desempenho do Judiciário no mundo globalizado 2 do século XXI deve ser avaliado segundo os serviços que ele produz em termos de garantia de acesso, previsibilidade e presteza dos resultados, além de remédios adequados. Deve-se focar a 1 Destacam CASTELLAR e SADDI que A reforma de qualquer processo falimentar, portanto, deve vir acompanhada de e associada a outros fatores, como, por exemplo, o treinamento de juízes, a implantação de mecanismos de governança corporativa depois da escolha do regime do falido e o fortalecimento dos direitos de propriedade ao longo do processo, entre tantas outras prioridades. (PINHEIRO, Armando Castelar; SADDI, Jairo. Direito, Economia e Mercados. Rio de Janeiro: Campus e Elsevier, 2005, p. 208) 2 Segundo Armando Castelar Pinheiro, A globalização é um fenômeno que tem economistas e profissionais do direito como alguns dos seus principais atores, na medida em que é um processo caracterizado pela integração econômica internacional e que, diferentemente do processo de integração do século XIX, é cada vez mais regulamentado e dependente de contratos. Contratos e regulamentações que envolvem essencialmente economistas e profissionais do direito. (PINHEIRO, Armando Castelar. Direito e economia num mundo globalizado: cooperação ou confronto? TIMM, Luciano Benetti (organizador). Direito e Economia. São Paulo: IOB Thomson, 2005, p. 51).

2 justiça enquanto uma entidade que presta serviços para a sociedade, e considerar a qualidade dos serviços ofertados 3, de forma eficiente. Adverte Rafael Bicca Machado que, Infelizmente, ainda não está assimilada por todos a idéia de que julgadores devem sopesar, em suas decisões, os reflexos econômico-sociais das mesmas. Mas para isso, primeiramente, é fundamental que os operadores do Direito, em sua totalidade, deixem de preconceitos e aceitem, antes de mais nada, que a Economia existe como Ciência. Que possui leis e regras próprias, e que estas não são sempre fruto da exploração de uma maioria pobre por uma maioria rica. E, por fim, que estas devem ser minimamente estudadas. 4 Segundo Armando Castelar Pinheiro, O judiciário é uma das instituições mais fundamentais par ao sucesso do novo modelo de desenvolvimento que vem sendo adotado no Brasil e na maior parte da América Latina, pelo seu papel em garantir direitos de propriedade e fazer cumprir contratos. Não é de surpreender, portanto, que há vários anos o Congresso Nacional venha discutindo reformas que possam tornar o Judiciário brasileiro mais ágil e eficiente. O que se verifica, não obstante, é que apenas recentemente se começou a analisar e compreender as relações entre o funcionamento da justiça e o desempenho da economia, seja em termos dos canais através dos quais essa influi no crescimento, seja em relação às magnitudes envolvidas. Nota-se, assim, que até aqui o debate sobre a reforma do Judiciário ficou restrito, essencialmente, aos operadores do direito magistrados, advogados, promotores e procuradores a despeito da importância que essa terá para a economia. 5 Nesse contexto, a legislação falimentar deve ser um mecanismo justo e célere e que preserve, na medida do possível, a entidade econômica, sem prejuízos aos credores legítimos da massa 6. Uma lei de falências deve perseguir objetivos, além de mera 3 PINHEIRO, Armando Castelar. Direito e economia num mundo globalizado: cooperação ou confronto? TIMM, Luciano Benetti (organizador). Direito e Economia. São Paulo: IOB Thomson, 2005, p. 55. 4 MACHADO, Rafael Bicca. Cada um em seu lugar. Cada um com sua função: apontamentos sobre o atual papel do Poder Judiciário brasileiro, em homenagem ao ministro Nelson Jobim. TIMM, Luciano Benetti (organizador). Direito e Economia. São Paulo: IOB Thomson, 2005, p. 47. 5 PINHEIRO, Armando Castelar. Direito e economia num mundo globalizado: cooperação ou confronto? Direito e Economia. São Paulo: IOB Thomson, 2005, p. 53. 6 PINHEIRO, Armando Castelar; SADDI, Jairo. Direito, Economia e Mercados. Rio de Janeiro: Campus e Elsevier, 2005, p. 207-208.

3 redução de capital de custo. Há que se considerar o assunto sob uma perspectiva mais voltada à análise econômica do direito. A teoria formal da falência 7 começou com o reconhecimento de que o sistema falimentar às vezes é necessário para salvar o problema de ação coletiva entre os credores de uma empresa. A angústia ocorre quando a empresa não consegue ter renda suficiente para cobrir seus custos sem incluir os custos financeiros. Tal empresa tem valor economicamente negativo. Credores se interessam mais na existência de bens que satisfaçam suas exigências do que em salvar empresas. Se existem bens, os credores tentarão pegá-los, e isso provavelmente conduzirá, pouco a pouco, a uma liquidação. A teoria moderna da falência relaciona o resultado de um processo falimentar com as fases mais recentes de uma empresa mutuária. Um eficiente sistema falimentar ex post 8 maximizaria o saldo que credores receberiam de empresas insolventes. Uma lei de falências sem poderes anulatórios 9 (declaração de ineficácia e ações revocatórias), onde fornecedores, consumidores e terceiros interessados poderiam contratar com segurança, melhor viabiliza a recuperação das empresas e traz credibilidade ao sistema. Cabe destacar aqui que o sistema americano é mais dirigido ao mercado que os sistemas equivalentes na Europa. Em muitas jurisdições européias, quando uma empresa importante passa por angústia o país aprova um subsídio; o propósito disso é injetar 7 8 PINHEIRO, Armando Castelar; SADDI, Jairo. Direito, Economia e Mercados. Rio de Janeiro: Campus/ Elsevier, 2005, p. 209. 9 No direito brasileiro, os chamados poderes anulatórios são visualizados nas declarações de ineficácia e ações revocatórias, previstas, respectivamente, nos artigos 129 e 130 da Lei n. 11.101/2005. Tais mecanismos importam no retorno à massa falimentar de bens transferidos a terceiro, os quais, em razão disso, não se interessam em participar do procedimento. O risco os afugentam.

4 liquidez na empresa. Nos EUA, ao contrário, o mercado de crédito decide se aumenta a liquidez para a empresa. Devedores angustiados que não podem persuadir o mercado estão quebrados e liquidados. Um sistema de falência deveria funcionar para maximizar o retorno e rendimentos que credores ganhariam quando empresas quebrassem. Quanto maior for este retorno menor será a taxa de juros que o credor exigirá para emprestar. Uma maior taxa de juros é eficiente por duas razões. Primeiro, o grupo de projetos socialmente e economicamente variáveis que as empresas irão perseguir se tornam maiores quando as taxas de juros diminuem. Segundo, o esforço que as empresas fazem em busca de projetos de fundos de débitos sobe para nível ótimo quando a taxa de juros cai. 10 Segundo Alan Schwartz 11, duas questões se mostram relevantes no contexto da organização do processo de falência: 1. Como a Lei de Falências pode contribuir ex ante na geração de incentivos para que o regime de garantias ajude o sistema de crédito a funcionar com mais eficiência? 2. E como potencializar a eficiência ex post com que se dá a reestruturação ou o fechamento ordenado da empresa, no contexto dos conflitos que se afiguram nessas circunstâncias? Um sistema que promova ex ante maior proteção aos credores, por meio de garantias, responde à primeira indagação. A segunda pergunta encontra resposta na realocação ou maximização ex post, de forma eficiente, de ativos entre os vários agentes econômicos. Nos dizeres de Castellar e Saddi: Primeiro, um procedimento falimentar deveria produzir um resultado eficiente ex post. Quer-se dizer, com isso, que o valor total dos ativos da massa falida deveria ser sempre maximizado, a fim de produzir a maior quantidade de dinheiro possível para os credores, aqui entendidos como todos aqueles que têm algo a prêmio na empresa (não apenas bancos e fornecedores, mas também empregados, fisco etc.). Ou seja, qualquer decisão de venda ou reestruturação deve obedecer à simples regra de que o procedimento será mais eficiente se o 10 11

5 resultado aos credores for maio. É evidente que isso conduz a um estado de eficiência ex ante: quanto maiores as garantias dadas aos credores antes da insolvência ou da iliquidez, menores os custos de transação relacionados ao curso das atividades da empresa (a taxa de juros, por exemplo). 12 É certo que o processo falimentar impõe custos de transação (deterioração dos ativos, inutilização ou subutilização dos recursos produtivos, custas judiciais, perícias, administrador legal, advogados etc.), pois é sempre um processo de distribuição de valor. A insolvência leva os credores a um jogo semelhante ao do dilema do prisioneiro 13. Na tentativa de cada um maximizar o seu resultado, sabendo que os demais também estarão se comportando assim, inviabilizam-se soluções que produzem um resultado agregado mais elevado. É melhor vender o negócio do devedor como um todo (o que tende a valer mais) do que fatiá-lo. 14 Segundo Alan Schwartz 15, o Estado deveria fornecer às partes (pelo menos) dois processos de falência que regulassem a liquidação e reorganização. Cada um destes processos poderia maximizar o retorno/rendimento insolvente líquido, dependendo das circunstâncias das que as partes estão enfrentando. O Estado também deveria permitir que as partes contratassem em acordo de empréstimos/mútuos a respeito de qual procedimento posteriormente seria aplicado a eles. Os contratos ex ante melhor 12 PINHEIRO, Armando Castelar; SADDI, Jairo. Direito, Economia e Mercados. Rio de Janeiro: Campus e Elsevier, 2005, p. 209. 13 CASTELAR e SADDI assim descrevem o dilema do prisioneiro: Dois elementos criminosos são presos e enviados ao distrito policial mais próximo. Cada um dos prisioneiros está numa solitária sem nenhuma chance de comunicar-se com o outro. O delegado de polícia, que preside o inquérito policial, admite que não existem provas conclusivas para indicia-los pelo crime de latrocínio (roubo seguido de homicídio), apenas por roubo (assalto à mão armada). Para que o trabalho da polícia seja facilitado, o delegado propõe um pacto faustiano (Quadro 4.1), o qual depende da confissão de cada um, daí a razão pela qual o delegado estabelece a seguinte regra para um acordo: Se um deles acusar o outro, mas o outro não acusalo, o que acusou será solto, enquanto o outro será indiciado a três anos de reclusão. Se cada um recusar-se a acusar o outro, ambos serão indiciados a um ano de reclusão.se, contudo, ambos se acusarem mutualmente, os dois serão indiciados a dois anos de reclusão. A regra é oferecida a cada criminoso em separado e o delegado informa que ao outro está se propondo exatamente o mesmo acordo. (p. 172). 14 15

6 resolveriam os problemas de apresentação que surgiriam entre uma empresa insolvente e seus credores. A empresa pode não devidamente atrasar a entrada em um processo, e pode escolher o procedimento que maximize benefícios. 16 Assim, a interação entre Direito e Economia torna-se essencial para o desenvolvimento e funcionamento de um sistema seguro e eficiente para a preservação da empresa e dos interesses de todos aqueles que dela dependem, inclusive o Estado, o que foi inaugurado no direito brasileiro pela edição da Lei 11.101/2005 (Lei de Recuperação e Falência de Empresas) Advirta-se, contudo, que a norma falimentar por si só não é capaz de mudar o sistema, necessitando da conjunção de outros fatores institucionais, principalmente um Judiciário mais ágil e eficiente, com juízes devidamente preparados para enfrentar a nova realidade do direito concursal, atento principalmente ao desenvolvimento econômico. Somente assim a nova Lei de Recuperação e Falência de Empresas poderá alcançar os seus objetivos. 16 Tais soluções muito contribuiriam para a preservação e recuperação das empresas em crise econômicofinanceiras, principalmente aquelas de grande porte, propulsoras da economia moderna. Douglas G. Baird e Robert K. Rasmussen, em The End of Bankrupcty, disponível em http://ssrn.com/abstract=359241, apresentam os seguintes questionamentos por que são as grandes empresas tão necessárias? O que impediu o acontecimento da produção através de transações entre empresas arbitrariamente pequenas no mercado? De fato, qual era a diferença entre atividade dentro de uma empresa e fora dela? Alguém poderia fazer algum progresso em sua questão inicial ou qualquer um dos outros sem primeiro lucrar alguma compra na natureza da empresa. Ronald Coase questionou se uma transação seria localizada em empresa ou no mercado. No mesmo espírito, a lei de reorganização deveria começar averiguando o valor para manter bens particulares juntos, dentro de uma dada empresa. (A alternativa é para estes bens serem retomados ao mercado, onde eles devem ser reunidos em todos ou em partes na empresa). Nós temos um excedente (a coisa que a lei de reorganizações sociais existe para preservar) apenas para a extensão há bens que valem mais se situados em uma empresa que está existindo. Se todos os bens podem ser usados também, em qualquer lugar, à empresa não tem valor. As empresas também têm bens intangíveis. A questão para nós, não é quanto valor é trancado dentro da empresa que prospera, mas quanto é trancado naquela que fali. Os engenhos/moinhos que fracassaram, devem ter fracassado, precisamente, porque seu Know-How era de segunda categoria. Em um texto célebre de 1937, The Nature of the Firm (A Natureza da Empresa), o economista Ronald Coase afirmava que empresas aparecem na produção econômica sempre que o custo das transações nos mercados é alto demais para tornar viável algum tipo de produção. Sempre que os custos de transação são baixos, dizia ele, os mercados acabam sendo mais eficientes.

7 REFERÊNCIAS BAIRD, Douglas G.; RASMUSSEN, Robert K. The End of Bankrupcty, disponível em http://ssrn.com/abstract=359241. COOTER, Robert; ULEN, Thomas. Law & Economics. 4th ed. Boston. 2004. FERNANDES, Jean Carlos. Direito empresarial aplicado. Belo Horizonte, Del Rey, no prelo. MACHADO, Rafael Bicca. Cada um em seu lugar. Cada um com sua função: apontamentos sobre o atual papel do Poder Judiciário brasileiro, em homenagem ao ministro Nelson Jobim. TIMM, Luciano Benetti (organizador). Direito e Economia. São Paulo: IOB Thomson, 2005. PINHEIRO, Armando Castelar; SADDI, Jairo. Direito, Economia e Mercados. Rio de Janeiro: Campus e Elsevier, 2005. PINHEIRO, Armando Castelar. Direito e economia num mundo globalizado: cooperação ou confronto? TIMM, Luciano Benetti (organizador). Direito e Economia. São Paulo: IOB Thomson, 2005. MERCURO, Nicholas. MEDEMA, Steven G. Economics and the law: from Posner to post-modernism. Princeton, New Jersey, 1997.