Interações de van der Waals: Quem inclue eficientemente? Amaury Melo, Evanildo Gomes Lacerda Júnior, José Maximiano F. Pinheiro Júnior Física At^omica e Molecular, IFUSP, 2009/1 Docente: Prof. Sylvio Canuto. 3 de julho de 2009 1 Introdução 1.1 Interações de van der Waals Para gases reais, van der Waals propôs a seguinte equação de estado: ( ) p + n2 a (V nb) = nrt (1) V 2 Nessa equação, p é a pressão do gás, n é o número de mols do gás, R é a constante universal dos gases, T a temperatura absoluta, V é o volume da região onde o gás está confinado. A constante b é interpretada como sendo o volume líquido ocupado por um mol de moléculas de gás. A constante a, segundo van der Waals, estava associada a uma força atrativa entre duas moléculas do gás. Posteriormente Debye, em 1920, argumentou que a origem das interações de van der Waals estava no fato que as cargas elétricas numa molécula não estão rigidamente presas as suas posições em repouso, podendo se redistribuir de acordo com a interação com o meio. Mas foi Fritz London que, em 1930, utilizou a teoria quântica de perturbações para obter o potencial de interação entre átomos idênticos, escrito como U = 3 ω oα 2 r 6 (2) onde temos a freqüência de transição ω o entre o estado fundamental e o primeiro estado excitado, e a polarizabilidade α. Uma molécula apolar pode ter um momento de dipolo 1
induzido devido à dispersão da nuvem eletrônica provocada pela aproximação de outra molécula. Este dipolo induzido é responsável pela interação atrativa de van der Waals. 1.2 De onde vem os termos da interação de van der Waals? A origem dos termos da interação de vdw vêm de interações multipolares. Sistemas em que exitem dipolos permanentes como clusters de moléculas polares também existem interaçãos do tipo vdw, entretanto, essas interações são muito menos significativas quando comparadas com as primeiras. Já em sistemas que não existem dipolos permanentes como, por exemplo em sitemas de moléculas apolares, as interações de vdw são as que caracterizam as forças entre essas moléculas. Ver referência [1]. Vamos considerar dois sistemas físicos que em princípio não sabemos se possuem ou não interação dipolo permanente, ou seja, se são polares ou apolares, mas que interagem através de interação multipolar. Por questão de simplificação, consideraremos apenas até os termos de dipolo já que os de quadrupolo e ordens superiores da expansão são menos significativos e em geral são desconsiderados. Seja o sistema A com autofunção e autoenergia iguais a Ψ A n e Ξ A n, respectivamente. De forma análoga para o sistema B têm-se Ψ B n e Ξ B n. Quando os sistemas estão isolados, cada um deles está no seu estado fundamental, a saber Ψ A 0 e Ξ A 0 para A e Ψ B 0 e Ξ B 0 para B. Quando os mesmos se aproximam surge a interação dipolar que é dada pelo operador de interação dipolar V = 1 R µ A.µ 3 B θ AB (3) que é tratado como perturbação do sistema composto A+B. A quantidade µ A,B corresponde ao operador momento de dipolo de cada sistema e o parâmetro θ AB é usado para simplificar a orientação entre esses dipolos. Por teoria de perturbação temos que: Ξ = Ξ (0) + λξ (1) + λ 2 Ξ (2) +... (4) Considerando a correção de 1 o ordem temos que Ξ (1) = Ψ (0) 0 V Ψ (0) 0, (5) 2
em que a função do sistema composto A+B para o estado fundamental é definida por Substituindo (1) e (4) em (3) temos o seguinte resultado: Ψ (0) 0 = Ψ A 0 Ψ B 0 (6) Ξ (1) = Ψ A 0 µ A Ψ A 0 Ψ B 0 µ B Ψ B 0 θ AB R 3 (7) e esta correção de primeira ordem na energia devido a interação multipolar é a interação dipolo-dipolo em que cada uma das integrais na equação acima representa o dipolo permanente do respectivo sistema. Vemos que é suficiente que um dos sistemas possua dipolo permanente nulo para que não tenha correção de primeira ordem na energia e consequentemente interação dipolo-dipolo. Em relação ao sistema estudado neste trabalho (Ar+N 2 ), o momento de dipolo de de cada um dos sistemas individuais é nulo, portanto a correção de primeira ordem é nula. Devemos analisar a correção de segunda ordem. A correção de 2 o ordem na energia é dada por: Ξ (2) = n 0 Ψ (0) 0 V Ψ (0) n 2 Ξ (0) 0 Ξ (0) n (8) e essa correção depende de elementos de matriz entre o estado que se deseja corrigir e os outros estados que no caso são os estados excitados. Existe 3 possibilidades de contribuição para a correção de segunda ordem. A primeira é quando o sistema A está no estado fundamental e a somatória é feita sobre os estados excitados do sistema B. Neste caso a função de onda Ψ (0) n é Ψ A 0 Ψ B α em que α enumera os estados excitados de B. A segunda maneira é quando o sistema B está no estado fundamental e a somatória é feita sobre os estados excitados do sistema A, em que temos para a função de onda Ψ A j Ψ (0) B em que j enumera os estados excitados de A. Nesses dois casos, a correção de segunda ordem é dada pelo produto do quadrado do momento de dipolo do sistema que permaneceu no estado fundamental pela poralizabilidade do sistema excitado. Ξ (2) µ2 A,B.α B,A R 6 (9) Vemos que se o sistema A ou B possui dipolo permanente igual a zero, a contribuição do termo que possui momento de dipolo para o respectivo sistema é nula. No caso do sistema estudado nesse trabalho, os dois termos são nulos pois os dois subsistemas são apolares. 3
O terceiro caso é quando a somatória é feita sobre os estados excitados dos dois sistemas e a função de onda Ψ (0) n que aparece na correção de segunda ordem na energia é dada por Ψ A j Ψ α B, em que j e α enumeram os estados excitados. Substituindo essa função na expressão para a correção de segunda ordem chega-se a: Ξ (2) = j 0 α 0 Ψ A 0 µ A Ψ A j 2 Ψ B 0 µ B Ψ B α 2 (Ξ B 0 Ξ B α ) + (Ξ A 0 Ξ A j ) θ AB R 6 (10) Este termo nunca é nulo e é chamado de dispersão de London. O fato de em sistemas apolares só exister esse termo, faz com que ele seja comumente chamado de termo de van der Waals, entretanto, todos os outros também são termos de van der Waals. 1.3 Métodos Quânticos e interações de van der Waals A Teoria do Funcional da Densidade (DFT) é bem sucedida para cálculo de estrutura eletrônica de átomos, moléculas e sólidos. Quando pensamos em interações de van der Waals (vdw) em sistemas que predominam ligações fracas e de longo alcance como, por exemplo, ligações intermoleculares em biomoléculas e polímeros, deve-se levar em conta efeitos de dispersão como as forças de dispersão de London (R 6 ). Desta forma, precisamos conhecer quais funcionais que conseguem descrever bem essas forças e consequentemente as interações de vdw. A contribuição para a energia total dada pelas interações de vdw são pequenas comparadas às energias de um sistema típico e para isso é preciso de maior demanda computacional para contabilizar essas contribuições e descrever efeitos que são tipicamente não locais. Vimos que a interação entre dois sistemas apolares se dá por meio da interação de dispersão. Como esta é obtida por excitação simples nos sistemas A e B descritos no item anterior, a resultante é ma excitação dupla. Assim, dispersão é uma manifestação do efeito de correlação eletrônica. Funcionais baseados em aproximações locais (LDA) ou semi-locais como aproximação de gradiente generalizado (GGA) não tratam bem os efeitos de correlação de longo alcance e consequentemente falham em reproduzir o comportamento atrativo (R 6 ) do potencial entre as camadas fechadas dos átomos em grandes distâncias de separação [2]. Problemas com LDA e GGA para as interações de vdw não surgem apenas na região fora do equilíbrio. Na separação de equilíbrio de ligações de dispersão em complexos de 4
vdw, tais como moléculas diatômicas de gases nobres, existe uma função de onda de overlap fraca devido à considerável repulsão Hartree-Fock entre os monômeros. Diante do que foi exposto acima, o tratamento das interações de vdw via DFT deve levar em conta o comportamento errôneo próximo ao ponto de equilíbrio bem como a atração de longa-distância causada pela dispersão. Muitas aproximações e combinações destas com diferentes funcionais híbridos têm sido reportadas na literatura [3, 4] para tratar corretamente a interação de van der Waals. No presente trabalho, dentre os métodos que foram testados, o que melhor descreve a interação vdw para o sistema Ar + N 2 é o CCSD(T). Os métodos que não possuem termos de correlação tal como HF simplesmente não apresentam mínimo na curva de potencial em função da separação dos subsistemas. DFT+PBE apresenta o segundo melhor resultado. 2 Metodologia Na verificação da inclusão de interações de van der Waals que ocorrem em um sistema de Argônio e Nitrogênio (N 2 ) analisamos os seguintes métodos: HF; MP2; DFT GGA regular com B3LYP e PBE; CCSD//CCSD(T). Para todos os métodos citados acima a base utilizada foi a Aug-cc-pVDZ. Utilizou-se o programa GAUSSIAN 03 para os cálculos. Para obtenção da curva de potencial adotamos o seguinte procedimento: Mantemos a distância Ar N 2 fixa em cada ponto calculado da curva de potencial. A distância de ligação do N 2 foi relaxada em cada ponto da simulação. Tomamos 25 pontos não igualmente espaçados para cálculo, onde uma maior densidade destes pontos se acha na possível região de mínimo. O eixo de ligação do N 2 foi colocado inicialmente perpendicular a reta que liga o centro de massa do N 2 ao Ar. 5
No caso específico dos métodos Coupled Cluster, otimizamos a geometria do sistema Ar N 2 em cada ponto da curva de potencial com o método CCSD. Em seguida, calculamos a energia do sistema otimizado incluindo perturbações triplas no método CCSD, o que corresponde ao método CCSD(T) do programa gaussian. 3 Resultados As curvas de energia potencial normalizadas obtidas com os métodos HF, MP2, B3LYP e PBE podem ser vistas na figura 1. Primeiramente, vemos que a inclusão de correlação eletrônica até o nível MP2 é insuficiente para descrever a interação de van der Waals entre o argônio e N 2. Entre os diferentes funcionais analisados com o método DFT, constatamos que apenas o método PBE apresenta uma curva característica de um sistema ligado. Entretanto, a energia de ligação estimada com o funcional PBE é muito pequena comparada aos valores da literatura, cerca de 8 mev (ver tabela 1). Figura 1: Curvas de pontencial normalizadas obtidas com os métodos HF, MP2, B3LYP e PBE. A interação de van der Waals aparece de maneira significativa quando utilizamos o método CCSD(T) (veja figura 2). O valor obtido para a energia de ligação do sistema é E lig = 12.65 mev, com uma distância de 3.88 Å. Esses valores são bastante similares aos obtidos por Zhu e colaboladores [5] (E lig = 12.40 mev, d = 3.70 Å). Entretanto, estes autores realizaram os cálculos para 6
Método d eq (Å) E lig (mev) ε 0 (mev) DFT/PBE 3,955-7,59 3,307 CCSD 3,88-12,65 3,523 Tabela 1: Valores da distância de equilíbrio, energia de ligação e energia vibracional de ponto zero de aproximação entre Ar e N 2. Figura 2: Curva de potencial obtida com o método CCSD(T). uma distância N 2 fixa, incluindo a correção de counterpoise. Isto justifica a diferença encontrada entre os nossos valores e os resultados de Zhu et al., visto que o comprimento da ligação N 2 foi relaxado em nosso procedimento computacional. Nossos cálculos de frequência mostram que (ver figura 3), como esperado, três modos vibracionais estão presentes no espectro Infra-Vermelho (IR) do complexo Ar-N 2, embora apenas dois destes modos vribracionais tenham intensidade expressiva. É importante ressaltar também que o termo de energia vibracional de ponto zero correspondente à aproximação entre o Ar e o N 2 tem frequência aproximadamente nula, como pode ser visto (figura 3) no espectro de infra-vermelho obtidos com métodos DFT. Deste modo a correção de ponto zero para o mínimo da curva de energia potencial é desprezível sendo, portanto, possível a formação de um estado loigado via interação de van der Waals. 7
Figura 3: Espectro infra-vermelho para o sistema Ar+N 2 ilustrando os modos vibracionais correspondentes aos dois máximos de absorção. 4 Conclusões A inclusão de correlação eletrônica até o nível MP2 não é suficiente para descrever a interação de van der Waals. DFT PBE descreve melhor vdw em relação ao funcional B3LYP. CCSD(T) é o melhor dentre os métodos usados para descrever vdw. Devemos considerar a relaxação da ligação N-N pois esta é afetada durante a aproximação do Ar ao N2. De acordo com os resultados dos métodos DFT e CCSD(T), o complexo Ar-N 2 deve formar um estado ligado, pois a energia de ponto zero é inferior a energia de ligação calculada. Referências [1] J. D. Vianna, A. Fazzio, S. Canuto Teoria Quântica de Moléculas e Sólidos-Simulação Computacional. Ed. Livraria da Física, São Paulo, Brasil, (2004). [2] F. O. Kannemann e A. D. Becke. J. Chem. Theory Comput. 5, 719-727, (2009). 8
[3] G. Yan, M. Yang e D. Xie. Chem. Phys. Lett. 275, 494-498, (1997). [4] Y. Lu e D. Xie, M. Yang e G. Yan. Chem. Phys. Lett. 327, 305-313, (2000). [5] J. Zhu, Y.P. Lu, X.R. Chen, e Y. Cheng. Eur Phys. J. D. 33, 43-48, (2005). 9