ANATOMO-HISTOPATOLOGIA DE AMOSTRAS DE RATOS WISTAR SUBMETIDAS AO CONSUMO DE IPOMOEA SETIFERA Suellen Bezerra de Sousa 1 ; Ana Kelen Felipe Lima 2 ;Viviane Mayumi Maruo 3 1 Aluna do Curso de Medicina Veterinária; Campus de Araguaína; suuh.medvet@hotmail.com PIVIC/UFT 2 Orientador (a) do Curso de Medicina Veterinária; Campus de Araguaína; anakelen@uft.edu.br 3 Co-orientador (a) do Curso de Medicina Veterinária; Campus de Araguaína; vmmaruo@hotmail.com RESUMO A Ipomoea setifera, popularmente conhecida como retirana, é uma planta da família Convolvulaceae. Existem poucos relatos sobre a toxicidade desta planta, contudo, estudos com plantas do gênero Ipomoea atribuem os efeitos tóxicos ao alcalóide suainsonina. O objetivo deste estudo foi avaliar os efeitos da administração do extrato bruto de I. setifera sobre a reprodução de ratos. O extrato bruto (EB) foi obtido através da percolação das folhas em etanol e concentração em rotaevaporador. Para a avaliação de toxicidade subcrônica e reprodutiva, 16 ratos machos foram divididos em 2 grupos (n=8). O grupo controle recebeu solução fisiológica e o grupo experimental recebeu o EB por gavagem durante 28 dias. A administração do EB provocou redução nos consumo de água e ração e no peso dos animais. Um animal morreu no 26º dia experimental. A hematologia revelou redução no hematócrito, leucócitos e linfócitos e aumento na contagem de neutrófilos e na celularidade de medula óssea. Houve alteração na atividade sérica da enzima fosfatase alcalina e na concentração de bilirrubina direta. A histopatologia revelou presença de neurônios basofílicos, degeneração renal e nos testículos, descamação celular do epitélio dos túbulos em direção ao lúmen. Assim, podemos concluir que o EB de I. setifera provocou toxicidade subcrônica e reprodutiva em ratos machos. Palavras-chave: Convolvulaceae; plantas tóxicas; toxicologia; reprodução. INTRODUÇÃO A Ipomoea setifera, popularmente conhecida como retirana, é uma planta herbácea de hábito rasteiro, nativa das Américas, que tem sido associada ao surgimento de alterações neurológicas e aborto no norte do Estado do Tocantins (COSTA; MARUO, 2008).
Estudos fitoquímicos revelaram a presença de calisteginas β1 e β2 nas folhas de I. setifera (SCHIMMING et al., 2005), as quais são alcaloides nortropânicos poliidroxilados, distribuídos em espécies pertencentes às famílias Solanaceae e Convolvulaceae, que possuem atividade inibitória sobre as enzimas β-glicosidase, α e β- galactosidase e β-xilosidase (DRÄNGER, 2004). Entretanto, estudos realizados com outras espécies do gênero Ipomoea, relataram a presença de suainsonina, um alcaloide indolizidínico, que inibe competitivamente as enzimas α-manosidase lisossomal e α- manosidase II do complexo de golgi (BARBOSA et al., 2006; HARAGUCHI et al., 2003; SCHWARZ et al., 2004). Foi observado que a administração de 5% de I. setifera, por 60 dias para ratos machos, produziu redução de consumo no inicio do tratamento, redução dos níveis séricos de ureia e aumento nos pontos de reabsorção, porcentagens de perdas pré e pósimplantação e redução na taxa de viabilidade fetal e potencial de fertilidade em fêmeas não tratadas acasaladas com os machos tratados, demonstrando que a planta possui propriedades tóxicas sobre a reprodução nesta espécie (FALCÃO; MARUO, 2010). Entretanto, os aspectos clínicos provenientes da intoxicação por I. setifera e seus efeitos sobre a reprodução animal ainda não foram esclarecidos. Assim, objetivou-se com esse trabalho avaliar os efeitos tóxicos de I. setifera sobre a reprodução de ratos machos. MATERIAL E MÉTODOS As folhas de I. setifera foram coletadas, pesadas e estabilizadas (55ºC por 72 horas) em estufa ventilada. Em seguida, foram trituradas com etanol 97º GL em liquidificador, maceradas por 72 horas e filtradas. O filtrado foi submetido à concentração em rotaevaporador (Fisatom Mod. 801), à temperatura de 45 0 C resultando no extrato bruto (EB). Ratos Wistar machos (n=16) foram divididos de forma inteiramente casualizada em dois grupos. O grupo controle recebeu solução fisiológica e o grupo experimental recebeu 1g do EB, ambos por gavagem, por 28 dias. Durante o período experimental o peso corporal e os consumos de água e ração foram avaliados diariamente. Ao final do
experimento os animais foram eutanasiados e procedeu-se a coleta de sangue e as avaliações anatomo-histopatológicos. A determinação da celularidade da medula óssea foi realizada de acordo com metodologia descrita por Raissuddin et al. (1990). Para a análise estatística foi utilizado o teste t de Student para os dados paramétricos. Os dados não paramétricos foram analisados pelo teste de Mann-Whitney. O nível de significância crítico para todas as análises estatísticas foi de p<0,05. RESULTADOS E DISCUSSÃO A análise estatística revelou diminuição significativa no consumo de ração e água e no peso diário dos animais experimentais. O peso corporal é um parâmetro importante em avaliações toxicológicas, utilizado para demonstrar o início precoce da ação de determinadas substâncias (STEVENS; GALO apud SCHUMAHER- HENRIQUE et al., 2003). Essas alterações se assemelham as observadas em ratos alimentados por 21 dias com dietas contendo 2 e 10% de inclusão das folhas de I. carnea (AMNA; ABDELGADIR; ADAM, 2011). Adicionalmente, a redução na ingestão de alimento e perda peso é um achado comum nas intoxicações por plantas do gênero Ipomoea que contenham a suainsonina como princípio tóxico (AMNA; ABDELGADIR; ADAM, 2011; HUEZA et al., 2005). A hematologia revelou diminuição significante no hematócrito, na contagem diferencial de leucócitos e linfócitos e celularidade de medula óssea e aumento de neutrófilos. O perfil bioquímico dos animais demonstrou aumento na atividade sérica da enzima fosfatase alcalina e na concentração sérica de bilirrubina direta. A razão para esta supressão no sistema hematopoiético não é conhecida, mas possivelmente a redução na ingestão de alimento tenha promovido à diminuição no leucograma e na celularidade da medula óssea, configurando uma ação indireta do extrato de I. setifera sobre a medula óssea (PÍPOLE, 2010). Nesse contexto, a redução na concentração sérica de bilirrubina direta pode indicar diminuição da eritropoeise, uma vez que a hipobilirrubinemia pode ocorrer durante uma produção insatisfatória de eritrócitos (UDEM; ASOGWA, 2011). Observou-se que houve aumento do peso relativo do encéfalo, dos rins, testículos, epidídimo, próstata e vesícula seminal e, diminuição no peso relativo do timo
e coração. Através da avaliação histopatológica, foi possível identificar degeneração tubular renal, presença de núcleos picnóticos nos túbulos renais e descamação celular nos túbulos seminíferos dos testículos. A degeneração tubular renal é uma lesão recorrente em animais tratados com plantas do gênero Ipomoea que contenham suainsonina e calisteginas (AMNA; ABDELAGDIR; ADAM, 2011; HUEZA et al., 2005; STEGELMEIER et al., 2008). Nos animais tratados, não foram observadas lesões sugestivas de doença neuronal. Entretanto, estudos anteriores sugerem que o rato não é o modelo animal adequado para reproduzir as alterações neurológicas determinadas pela doença do acúmulo lisossomal (HUEZA et al., 2005). Plantas que contém suainsonina são apontadas como responsáveis por efeitos adversos sobre a reprodução animal (PANTER et al., 2002). A ação de I. setifera sobre a reprodução foi caracterizada histopatologicamente pela descamação celular nos túbulos seminíferos e alterações no peso relativo dos testículos, epidídimo, próstata e vesícula seminal. De fato, animais tratados com plantas que contém suainsonina, apresentaram função testicular anormal (ORTIZ et al., 1997). Desse modo, podemos concluir que o EB de I. setifera provocou toxicidade subcrônica e reprodutiva em ratos machos. LITERATURA CITADA AMNA, A.A.; ABDELGADIR, E.H.; ADAM, S.E.I. Toxic effect of Ipomoea carnea leaves on Wistar rats. Journal of Pharmacology and Toxicology, v. 6, p. 18-23, 2010. COSTA, A.M.D.; MARUO, V.M. Investigação das plantas tóxicas para ruminantes na microrregião de Araguaína, Norte do Tocantins: Resultados Preliminares. In: IV SEMINÁRIO DE INICIAÇÃO CIENTÍFICA DA UFT, Palmas. IV Seminário de Iniciação Científica da UFT, 2008. CD-ROM 2008. DRÄGER, B. Chemistry and biology of calystegines. Natural Products Report, v. 21, p. 211-223, 2004. FALCÃO, A.A.B.A; MARUO, V.M. Toxicidade de Ipomoea setifera Poiret. In: VI SEMINÁRIO DE INICIAÇÃO CIENTÍFICA DA UFT, Palmas. VI Seminário de Iniciação Científica da UFT, 2010. CD-ROM. 2010. HARAGUCHI, M.; GORNIAK, S.L.; IKEDA, K.; MINAMI, H.; KATO, A.; WATSON A.A.; NASH, R.; MOLYNEUX, R.J.; ASANO, N. Alkaloidal components
in the poisonous plant Ipomoea carnea (Convolvulaceae). Journal of Agricultural Food Chemical, 51: 4995-5000, 2003. HUEZA, I.M.; GUERRA, J.L.; HARAGUCHI, M.; ASANO, N.; GÓRNIAK, S. The role of alkaloids in Ipomoea carnea toxicosis: A study in rats. Experimental and Toxicology Pathology, v. 57, p.53-58, 2005. ORTIZ, A.R.; HALLFORD, D.M.; GALYEAN, F.A.; SCHNEIDER, F.A.; KRIDLI,R.T. Effects of locoweed (Oxytropis sericea) on growth, reproduction, and serum hormone profiles in young rams. Journal Animal Science, v. 75, p. 3229-3234, 1997. PANTER. K.E.; KELLER, R.F.; JAMES, L.F.; BUNCH, T.D. Impact of plant toxins on fetal and neonatal development: a review. Journal of Range Mansgement, v. 45, p. 52-57, 2002. PÍPOLE, F. Avaliação dos efeitos imunotóxicos de Ipomoea carnea e de seu principio ativo, a suainsonina, em ratos jovens e adultos. 2010. Dissertação de Mestrado - Universidade de São Paulo, Faculdade de Medicina Veterinária e Zootecnia, 2010. 109p. SCHIMMING, T.; JENETT-SIEMS, K.; MANN, P.; TOFERN-REBLIN, B.; MILSON, J.; JOHNSONS, R.W.; DEORIN, T.; AUSTIN, D.F.; EICH, E. Calystegines as chemotaxonomic markers in the Convolvulaceae. Phytochemistry, v. 66, p. 469-480, 2005. SCHUMAHER-HENRIQUE, B.; GÓRNIAK, S.L.; DAGLI, M.L.Z.; SPINOSA, H.S. The clinical, biochemical, hematological and pathological effects of long-term administration of Ipomoea carnea to growing goats. Veterinary Research Communications, p. 311-319, 2003. SCHWARZ, A., HOSOMI, R.Z.; HENRIQUE, B.S.; HUEZA, I. M.; GARDNER, D.; HARAGUCHI, M.; GÓRNIAK, S.L.; BERNARDI, M.M.; SPINOSA, H.S. Identificação dos princípios ativos presentes na Ipomoea carnea brasileira. Revista Brasileira de Ciências Farmacêuticas, v. 04, p. 181-187, 2004. STEGELMEIER, B.L.; MOLYNEUX, R.J., ASANO, N.; WATSON, A.A.; NASH, R. The Comparative Pathology of the Glycosidase Inhibitors Swainsonine, Castanospermine, and Calystegines A3, B2, and C1 in Mice. Toxicology Pathology, v. 36, p. 651-659, 2008. UDEM, S.C.; ASOGWA, O. Effects on hematological and biochemical parameters in albino mice fed Ipomoea batatas leaf aqueous extract. Comparative Clinical Pathology, v. 20, p.475-479, 2011. AGRADECIMENTOS Agradecemos ao Laboratório de Patologia Animal da Pós Graduação em Ciência Animal Tropical da UFT Araguaína.