Gravidez na adolescência: fatores associados e resultados perinatais em uma Maternidade-Escola do Rio de Janeiro

Documentos relacionados
Características da gestante adolescente em estudo prospectivo de 4 anos: realidade em Teresópolis

AVALIAÇÃO DO ESTADO NUTRICIONAL DE GESTANTES ATENDIDAS NOS ESF DO MUNICÍPIO DE SÃO LUDGERO NO ANO DE 2007

Perfil dos nascidos vivos de mães residentes na área programática 2.2 no Município do Rio de Janeiro

10º FÓRUM DE EXTENSÃO E CULTURA DA UEM

IDADE GESTACIONAL, ESTADO NUTRICIONAL E GANHO DE PESO DURANTE A GESTAÇÃO DE PARTURIENTES DO HOSPITAL SANTA CASA DE MISERICÓRDIA DE PELOTAS RS

QUEM É A PACIENTE COM PRÉ-ECLAMPSIA? DADOS DE 5 ANOS DE PESQUISA.

ASPECTOS PSICOSSOCIAIS QUE ACOMPANHARAM UMA SÉRIE DE PARTOS PREMATUROS ACONTECIDOS NO HOSPITAL DAS CLÍNICAS DE TERESÓPOLIS CONSTANTINO OTTAVIANO

Gestação na adolescência: qualidade do pré-natal e fatores sociais

PALAVRAS-CHAVE Morte Fetal. Indicadores de Saúde. Assistência Perinatal. Epidemiologia.

Panorama da Mortalidade Materna no Brasil. Tania Lago Maio 2009

PALAVRAS-CHAVE Obstetrícia. Educação em saúde. Consulta de enfermagem.

FATORES DE RISCO PARA TRABALHO DE PARTO PREMATURO EM PALMAS-TO

CARACTERIZAÇÃO DE ADOLESCENTES NO PRÉ-NATAL E PUERPÉRIO ATENDIDAS NA ATENÇÃO BÁSICA DE SAÚDE DE FOZ DO IGUAÇU

Programa Analítico de Disciplina EFG361 Enfermagem Materna

Maternidade na adolescência: alguns fatores de risco para a mortalidade fetal e infantil em uma maternidade pública de São Luís, Maranhão

Título: Resultados perinatais de nascidos vivos de mães adolescentes e adultas: uma análise exploratória do município de Belo Horizonte

Mortalidade Infantil: Afecções do Período Perinatal

CARATERIZAÇÃO DAS GESTANTES DE UMA UNIDADE DE SAÚDE DE PONTA GROSSA PR

Recém-nascido de termo com baixo peso

AVALIAÇÃO DO MONITORAMENTO DO PROGRAMA DE PRÉ-NATAL NA UBS VILA MUNICIPAL EM PELOTAS

A Importância do Apoio do Pai do. adequado na Gravidez de Adolescentes

ISSN ÁREA TEMÁTICA: (marque uma das opções)

APLICAÇÃO DE UMA CURVA DE GANHO DE PESO PARA GESTANTES

Gravidez na Adolescência

GRAVIDEZ DE RISCO NA ADOLESCÊNCIA E FATORES ASSOCIADOS

O QUE REPRESENTA O ACOMPANHAMENTO DAS CONDICIONALIDADES DE SAÚDE DO PROGRAMA BOLSA FAMÍLIA PARA O SUS?

por apresentarem contração paradoxal do AP no primeiro atendimento fisioterapêutico; duas gestantes, por parto prematuro; duas, pela ocorrência

PERFIL EPIDEMIOLÓGICO DE ANOMALIAS CONGÊNITAS: UM ESTUDO DA MACRORREGIÃO SUL DO ESTADO DE SANTA CATARINA

INSTITUIÇÃO: CENTRO UNIVERSITÁRIO DAS FACULDADES METROPOLITANAS UNIDAS

ANÁLISE DA MORTALIDADE DE NEONATOS EM UMA UTI NEONATAL DE UM HOSPITAL DO VALE DO PARAÍBA

O PROCESSO DO ALEITAMENTO MATERNO EM RECÉM-NASCIDO DE BAIXO PESO

13. CONEX Apresentação Oral Resumo Expandido 1. Perfil epidemiológico da sífilis gestacional em residentes de Ponta Grossa, 2010 a 2014

Agenda de pesquisa em Saúde Materna e Perinatal

PREVALÊNCIA DE ANEMIA EM GESTANTES ATENDIDAS NAS UNIDADES BÁSICAS DE SAÚDE DO MUNICÍPIO DE CABEDELO-PB

Mortalidade Infantil em uma amostra de Recém-nascidos no Município do Rio de Janeiro,

GESTANTES DIABÉTICAS E HIPERTENSAS: QUAIS OS RISCOS PARA O RECÉM-NASCIDO?

PERFIL GESTACIONAL DAS MULHERES ATENDIDAS NO PROJETO CEPP EM 2013

A importância do quesito cor na qualificação dos dados epidemiológicos e como instrumento de tomada de decisão em Políticas Públicas de Saúde

EVOLUÇÃO DA GRAVIDEZ EM ADOLESCENTES MATRICULADAS NO SERVIÇO PRÉ-NATAL DO CENTRO DE SAÚDE GERALDO DE PAULA SOUZA, SÃO PAULO (BRASIL)

I ENCONTRO DE CIÊNCIA E TECNOLOGIA. VAGNER VIEIRA DA SILVA 2, Ma. MARLENE GUIMARÃES SANTOS 3 INTRODUÇÃO

5.1 CONDIÇÕES SOCIOECONÔMICAS E DEMOGRÁFICAS MATERNAS

RELAÇÃO ENTRE A IDADE MATERNA E O PESO AO NASCER: UM ESTUDO DA GRAVIDEZ NA ADOLESCENCIA NO MUNICÍPIO DE UMUARAMA, PR, BRASIL EM

B O L E T I M EPIDEMIOLÓGICO SÍFILIS ano I nº 01

REDE BRASILEIRA DE PESQUISAS NEONATAIS

CARACTERISTICAS SOCIODEMOGRÁFICAS E OBSTÉTRICAS DE GESTANTES ASSISTIDAS EM CONSULTA DE ENFERMAGEM 1

AVALIAÇÃO DO ESTILO PARENTAL DE PAIS DE CRIANÇAS PORTADORAS DE SÍNDROMES GENÉTICAS NA TRÍPLICE FRONTEIRA

Mulheres Negras e a Mortalidade Materna no Brasil

GRAVIDEZ NA ADOLESCÊNCIA NA MATERNIDADE NOSSA SENHORA DE LOURDES: CARACTERÍSTICAS DAS PARTURIENTES E DOS RECÉM-NASCIDOS EM 2005

EPIDEMIOLOGIA. Profª Ms. Karla Prado de Souza Cruvinel

DESENVOLVIMENTO MOTOR DE BEBÊS NASCIDOS PRÉ- TERMO DE ACORDO COM O SEXO

4. NATALIDADE E MORTALIDADE INFANTIL

A toda a minha família e amigos que, cada um com a sua particularidade, me foi relevante e importante com todo o seu carinho e apoio emocional.

PERFIL ANTROPOMÉTRICO DOS USUÁRIOS DE CENTROS DE CONVIVÊNCIA PARA IDOSOS NO MUNICÍPIO DE NATAL- RN

Idade materna e fatores associados a resultados perinatais

PERFIL DOS BEBÊS ATENDIDOS NO AMBULATÓRIO CANGURU

Política de atenção integral à saúde da mulher - Rede Cegonha. Balanço da mortalidade materna 2011

Palavras-chave: mortalidade perinatal, risco atribuível, peso e evitabilidade.

TABELA 1. Médias e desvios padrão da média (x±dp) das variáveis clínicas e laboratoriais das mulheres com diabetes gestacional

ULTRASSONOGRAFIA OBSTÉTRICA TRICA E CARDIOPATIAS CONGÊNITAS

Características da gravidez na adolescência em São Luís, Maranhão Characteristics of adolescent pregnancy, Brazil

AVALIAÇÃO E A IMPORTÂNCIA SOBRE O PRÉ-NATAL EM GESTANTES DE UMA UNIDADE BÁSICA DE SAÚDE NO INTERIOR DO ESTADO DE SÃO PAULO

Módulo 1 / Semestre 1 Carga horária total: 390ch Unidade Curricular. Semestral

PRÁ-SABER: Informações de Interesse à Saúde SINASC Porto Alegre Equipe de Vigilância de Eventos Vitais, Doenças e Agravos não Transmissíveis

CLASSIFICAÇÃO DE RISCO GESTACIONAL NA ATENÇÃO BÁSICA

Casos notificados de transmissão vertical por um milhão de mulheres Figura 1

ALEITAMENTO MATERNO DO PREMATURO EM UMA UNIDADE NEONATAL DA REGIÃO NORDESTE

Certificamos que AGNES RAQUEL DA SILVA CORREIA - Relator(a); FRANCISCA ALANA BEZERRA

BAIXO PESO AO NASCER NO DISTRITO FEDERAL EM 2013: PREVALÊNCIA E FATORES ASSOCIADOS

Perfil dos nascimentos dos residentes de cachoeirinha, nos anos de 2013 e 2014

SANARE, Sobral, v.7, n.1, p , jan./jun. 2008

Parto domiciliar na visão do pediatra

Título do Trabalho: Relação entre Tipo de Parto e Complicações Maternas nos Indicadores Neurocomportamentais de Recém-Nascidos Pré-Termo

Pesquisa Nacional de Saúde do Escolar PeNSE

Assistência ao Adolescente com Ênfase em Saúde Sexual e Reprodutiva

PROJETO DE EXTENSÃO CEPP: INDICE CONTRASTIVO ENTRE PARTO CESÁREA E PARTO NORMAL

ORIENTAÇÃO PARA APLICAÇÃO DE SAIS DE FERRO, EM GESTANTES, SEGUNDO O USO DE CURVA OPERACIONAL DE HEMOGLOBINA ("CURVA DE UMA GRAMA") *

PERFIL OBSTÉTRICO DE PUÉRPERAS INTERNADAS NO ALOJAMENTO CONJUNTO DE UM HOSPITAL UNIVERSITÁRIO

Diretrizes Clínicas Protocolos Clínicos

PALAVRAS-CHAVE Enfermagem. Educação em Saúde. Período Pós-Parto

EXCESSO DE PESO E FATORES ASSOCIADOS EM IDOSOS ASSISTIDOS PELO NASF DO MUNICÍPIO DE PATOS-PB

Passo 5 O questionário foi criado com 27 questões sendo 35 lacunas para serem preenchidas, utilizando-se uma linha temporal desde o diagnóstico da

AVALIAÇÃO DE DESEMPENHO FUNCIONAL DE IDOSOS INSTITUCIONALIZADOS

AVALIAÇÃO SOCIOECONÔMICA E ANÁLISE DO RELATO VERBAL DE PAIS DE CRIANÇAS PORTADORAS DE SÍNDROMES GENÉTICAS NA REGIÃO DA TRÍPLICE FRONTEIRA

BOLETIM EPIDEMIOLÓGICO SÍFILIS

DIFERENÇAS NO DESENVOLVIMENTO MOTOR DE BEBÊS NASCIDOS PRÉ-TERMO E A TERMO

Rede Nacional de Vigilância de Morbidade Materna Grave. Frederico Vitório Lopes Barroso

Sistemas de informação em saúde aplicados ao monitoramento da mortalidade materna no estado de Pernambuco, 2000 a 2005

Associação de gravidez na adolescência e prematuridade

COMPARAÇÃO DO DESENVOLVIMENTO MOTOR DE BEBÊS PRÉ-TERMO E A TERMO BRASILEIROS DE ACORDO COM PADRÕES NORMATIVOS CANADENSES

CAAE: TITULO:Manejo dos pacientes com doença falciforme pelos enfermeiros da atenção básica em um município do recôncavo baiano.

ISSN ÁREA TEMÁTICA:

PERFIL EPIDEMIOLÓGICO DOS NASCIDOS VIVOS NO MUNICÍPIO DE ARACAJU - SERGIPE, BRASIL

Desigualdades sociais e doenças crônicas de adultos:

Implicações do parto humanizado na redução da mortalidade materna. Maykon dos Santos Marinho Palloma Freitas PET-Saúde da Família IMS-UFBA

PALAVRAS-CHAVE: Cesárea, Parto normal, Período Pós Parto.

PREFERÊNCIA PELA VIA DE PARTO: UMA REVISÃO BIBLIOGRÁFICA

ISSN ÁREA TEMÁTICA:

A taxa ou coeficiente de mortalidade representa a intensidade com que os óbitos por uma determinada doença ocorrem em dada população.

OS FATORES DE RISCOS PARA NÃO REALIZAÇÃO DO PARTO NORMAL

GESTAÇÃO E CÁRIE INTRODUÇÃO

Transcrição:

ARTIGO ORIGINAL 15 Bruno Moura 1, Marcela Saldanha 1, Marcelo Lopes 1 ; Mariana Guaraná 1 ; Nastassja Mendes 1, Rachel Simões 1, Raíssa Carneiro 1, Rafael Amado 1, Thais Aguiar 1, Vera Luz 1, Maria Amélia Sayeg Porto 2 Gravidez na adolescência: fatores associados e resultados perinatais em uma Maternidade-Escola do Rio de Janeiro Teenage pregnancy: associated factors and perinatal outcomes at a teaching Maternity Clinic in Rio de Janeiro RESUMO Objetivo: Identificar fatores associados à gestação na adolescência e verificar a importância da realização do pré-natal em gestantes adolescentes em relação as gestantes adultas. Métodos: Estudo Observacional, Transversal, Analítico, com pesquisa na Maternidade-Escola da UFRJ no período de abril a maio de 2010. A População/Amostra foi constituída por puérperas adolescentes entre 10 e 19 anos e puérperas adultas entre 20 e 35 anos, internadas na Maternidade-Escola através de uma amostra de conveniência de todas as puérperas internadas durante o período de 60 dias do estudo. Resultados: Dos 455 partos, 76 foram de mulheres até 19 anos, 325 entre 20 e 35 anos, e 54 acima de 35 anos. Dessas, 51 adolescentes (Grupo G1) e 100 mulheres entre 20 e 35 anos (Grupo G2) foram incluídas no estudo. Situação conjugal no Grupo 1: Solteiras 21,6% e Casadas 5,9%; União Consensual 72,5%. Situação conjugal no Grupo 2: Solteiras 16,4%, Casadas 29%; União Consensual 55%. Quanto a intercorrências no pré-natal, foi significante no G1 com 52,9% e no G2 com 27% (p = 0,001). Quanto a complicações puerperais no G1, 5/51 e no G2, 5/100 (p=0,000). Quanto a malformações neonatais foram encontradas uma em cada grupo e nenhum tocotraumatismo. Conclusão: Gestantes adolescentes, mesmo que submetidas às mesmas condições de assistência pré-natal, apresentam maior risco em relação à evolução da gestação e aos resultados pós-natais, com maior número de complicações maternas e neonatais. PALAVRAS-CHAVE Adolescente, gestação, complicações maternas e neonatais, assistência pré-natal. ABSTRACT Objective: To identify factors associated with teenage pregnancy and ascertain the importance of pre-natal care for pregnant adolescents compared to pregnant adults. Methods: This observational, analytical and transversal study was conducted at the Teaching Maternity Clinic, Rio de Janeiro Federal University (UFRJ), in April May 2010. The population sample consisted of puerperal girls (10 19 years old), and puerperal women (20 35 years old) in this Clinic, selected through a convenience sample of all puerperal patients admitted during the 60 days of the study. Results: Out of 455 deliveries, 76 cases were mothers aged 19 years old or less, 325 were between 20 and 35 years old and 54 were more than 35 years old. Among them, 51 adolescents (Group 1) and 100 adults between 20 and 35 years old (Group 2) were included in the study. Marital status in (i) Group 1: 21.6% Unmarried, 5.9% Married and 72.5% Consensual Union; and (ii) Group 2: 16.4% Unmarried, 29% Married and 55% Consensual Union. Significant complications were recorded during pre-natal care for Group 1 (52.9%) and Group 2 (27%), (p = 000.1). The findings for puerperal complications were 5/51 in Group 1 and 5/100 in Group 2 (p = 0.000). Only one neonatal malformation was found in each group, with no tocotrauma. Conclusion: Despite similar prenatal care, pregnant adolescents present higher risks than pregnant adults in terms of pregnancy development and post-natal outcomes, with higher maternal and neonatal complication rates. KEY WORDS Adolescent, pregnancy, maternal and neonatal complications, pre-natal care. 1 Graduando em Medicina pela Universidade Estácio de Sá UNESA Rio de Janeiro (RJ), Brasil 2 Profa. de Saúde da Criança da Universidade Estácio de Sá e Profa. Assistente do Departamento de Pediatria da Faculdade de Medicina da UFRJ Thaís Aguiar Nogueira (thais_aguiar@hotmail.com) Rua Amilcar de Castro, 150, 02/804 Barra da Tijuca Rio de Janeiro/RJ - CEP : 22775-053 Recebido em 10/01/2011 - Aprovado em 15/02/2011

16 INTRODUÇÃO Entende-se por adolescente o indivíduo com idade entre 10 e 19 anos. É nessa faixa etária que se tem observado um aumento na incidência da gravidez, condição considerada em alguns países um problema de saúde pública importante, com implicações sociais e biológicas 1. Estima-se que 15 milhões de adolescentes no mundo ficam grávidas por ano 1. No Brasil, as mães adolescentes responderam por 22% de cerca de 668 mil partos ocorridos em 2003. As mães com idade entre 10 a 14 anos foram cerca de 28 mil em todo o País. Observou-se também, entre 2002 e 2004, uma pequena tendência de queda da gravidez na adolescência nas Regiões Centro-Oeste, Sul e Sudeste; e uma relati va estabilidade no Norte e no Nordeste 2. Ao lado das potenciais repercussões, no plano existencial, associadas à gravidez na adolescência, há indícios, no plano biológico-social, de maior concentração de agravos à saúde materna, bem como de complicações perinatais 3. Esse fato é coerente com o momento de vida peculiar da adolescente, que geralmente não tem uma gravidez planejada e muitas vezes não tem o apoio da família. O parto em idade precoce, sobretudo abaixo dos 16 anos, tem sido associado ao aumento de parto pré-termo, baixo peso, restrição de crescimento intrauterino e recém-nascidos pequenos para a idade gestacional, amniorrexe prematura, anemia, pré-eclampsia, sofrimento fetal agudo e aumento na incidência de cesáreas. É dito ainda que a incidência de baixo peso ao nascer é duplicada no grupo de adolescentes e que a mortalidade neonatal chega a ser quase duas vezes maior entre 15 e 19 anos e cinco vezes maior em menores de 15 anos 3,4. Compreendendo-se a importância de avaliação da cobertura do acompanhamento prénatal, foi introduzido no Sistema de Informações sobre Nascidos Vivos (SINASC), a partir de 1995, um campo referente ao número de consultas de pré-natal realizadas durante a gestação. Para o ano de 1996, mais de 90% das gestantes do Município do Rio de Janeiro receberam assistência pré-natal. Entretanto, apenas 59% das mulheres tiveram o número de consultas maior ou igual a seis, quantidade mínima preconizada pelo Ministério da Saúde para assegurar uma adequada atenção pré-natal 5,6,7,8. Mathias e col. 6 indicam que o ideal é que se iniciem as consultas no primeiro trimestre da gestação, o que possibilitaria diagnóstico e tratamento precoces de doenças e de outras intercorrências clínicas que trariam consequências adversas à gestante e ao bebê. Além disso, sabe-se que os efeitos protetores do pré-natal podem se estender para além do período neonatal. Donovan e col. 7 chegam a afirmar que a realização de um número mínimo de consultas de pré-natal está associada ao acesso posterior de bebês aos serviços de saúde, mostrando-se como fator relevante para a prevenção de resultados adversos tanto na gestação quanto no primeiro ano de vida. Portanto, a grande maioria dos estudos demonstra a importância do pré-natal, destacando o seu efeito protetor sobre a grávida e o recém-nato 8,9. É um dado importante, considerando este novo cenário de aumento de gestantes adolescentes. Estes resultados nos motivaram a avaliar os resultados perinatais neste grupo, para conhecer a possibilidade dos riscos em nosso meio. OBJETIVO Os objetivos foram identificar fatores associados à gestação na adolescência e verificar a importância da realização do pré-natal em gestantes adolescentes em relação às gestantes adultas na Maternidade-Escola da UFRJ, no período de abril e maio de 2010, comparando as seguintes variáveis entre os dois grupos: situação socioeconômica, antecedentes mórbidos pessoais, hábitos de vida, antecedentes ginecológico e obstétrico e dados referente à gravidez, ao pré-natal e ao parto.

17 MÉTODOS Em relação à metodologia, o tipo de estudo foi observacional, transversal e analítico, com realização na Maternidade-Escola da UFRJ, Instituição Universitária Federal da UFRJ, unidade terciária de referência para atendimento a gestantes de risco e a seus recém-nascidos. A população de estudo abrangeu puérperas adolescentes entre 10 e 19 anos 10 e puérperas adultas entre 20 e 35 anos internadas na Maternidade-Escola no período de abril a maio de 2010, e desta população uma amostra de conveniência foi retirada e dividida em dois grupos: Grupo 1 de mães adolescentes e Grupo 2 de mães entre 20 e 35 anos. Os critérios de inclusão foram: mães cujo parto tivesse sido realizado na Maternidade- Escola e cujo recém-nascido tivesse idade gestacional acima de 22 semanas, com gestação única e que concordaram em participar do estudo mediante assinatura do Termo de Consentimento Livre Esclarecido (TCLE). Foram excluídas deste estudo puérperas com idade inferior a 10 anos e superior a 35 anos, com doenças crônicas como LES, diabetes, hipertensão arterial crônica, cardiopatias, nefropatias e neuropatias, com alteração em seu estado mental ou com instabilidade clínica que dificultassem a obtenção do questionário e/ou que não apresentassem o consentimento para participar do estudo. Os questionários são os instrumentos de tomadas de informações mais comumente utilizados nos estudos transversais 11. Após delineamento bibliográfico e escolha de variáveis, utilizamos questionário validado em nosso meio 6. As seguintes variáveis foram analisadas: Idade em anos, cor, profissão, situação conjugal, renda familiar, escolaridade, idade e profissão do companheiro, tabagismo, etilismo, uso de drogas ilícitas, idade da menarca, início da atividade sexual, paridade, idade na primeira gravidez, tipos de parto anteriores, como nasceram os outros filhos, gravidez atual (se planejada, desejada e se houve tentativa de aborto), pré-natal (número de consultas, local de realização, intercorrências na gravidez), histórico do parto (tipo, sexo, IG, peso ao nascer, índice de APGAR, presença de malformação e tocotraumatismo, destino do RN alojamento conjunto, UTI e UI e complicações puerperais nas primeiras 24 horas de vida). O questionário foi aplicado pelos próprios pesquisadores. As entrevistadas foram previamente informadas e esclarecidas sobre o estudo e seus objetivos. E o TCLE foi lido pelo entrevistador e pela entrevistada e, em seguida, realizadas as perguntas. Para os cálculos estatísticos foi utilizado o programa SPSS. RESULTADOS Durante o período da coleta de dados (abril a maio de 2010), pariram 455 mulheres, 76 com idade até 19 anos, 325 entre 20 e 35 anos e 54 acima de 35 anos. O percentual de parto em mães adolescentes foi de 19%. Foram incluídas 51 adolescentes e 100 mulheres com idade entre 20 e 35 anos. A idade das adolescentes variou entre 14 e 19 anos, com média de 17,57 ± 1,4 anos, ao passo que a média dos controles foi de 26,88 ± 4,0 anos. Não houve diferença da cor branca ou não branca, com 51% versus 57%, respectivamente. As adolescentes eram, em sua maioria, do lar (45%); 39% se declararam estudante e entre as adultas 31% eram do lar e 17% domésticas (p=0,000). Situação Conjugal no Grupo 1: Solteira 21,6%, Casada 5,9% (p=0,002); União consensual 72,5%. Situação Conjugal no Grupo 2: Solteira 16,4%, Casada 29%; União consensual 55%. Não foi encontrada diferença entre as rendas familiares, ficando ambos os grupos entre a faixa de até 2 SM: G1 = 65% e G2 = 52%. Quanto à escolaridade, as adolescentes estudaram mais de 8 a 11 anos (G1 = 63%) e entre as adultas 31% estudaram de 8 a 11 anos e 50% mais de 12 anos.

18 A idade do companheiro foi menor nas adolescentes. Grupo 1: 23,33 (16 a 45) ± 6,7 e Grupo 2: 30,61 (19 a 55) ± 7,2 (p = 0,000). A maioria negava uso de drogas ilícitas, álcool e tabaco. A menarca foi de até 12 anos de G1 = 62,7% e G2 = 41,8%; e de 13 a 15 anos, G1 = 35,3% e G2 = 55,1% (p = 0,027). A idade de início de atividade sexual, p = 0,000, no Grupo 1 foi 14,76 ± 1,69 e no Grupo 2 foi 17,1 ± 3. As adolescentes em 90% eram primigestas e as adultas em 58% (p = 0,000). A primeira gestação no Grupo 1 apresentou maior índice entre 17 e 20 anos, e acima de 25 anos no Grupo 2. Quanto aos índices de parto normal, ambos os grupos se equipararam: G1, 61% e G2, 61,5%. Quanto à gravidez atual: Gravidez planejada Grupo 1: 15,7% (p = 0,01) e Grupo 2: 43%. Gravidez não planejada Grupo 1: 84,3% (p = 0,01) e Grupo 2: 57%. Gravidez desejada Grupo 1: 74,5% (p = 0,000), Grupo 2: 96%. Gravidez não desejada Grupo 1: 25,5% (p = 0,000) e Grupo 2: 4%. Tentativa de aborto uma de cada grupo. Apenas 1 mãe do Grupo 2 não fez pré-natal. O número de consultas foi igual em ambos os grupos. G1: 7,29 ± 2,5 e G2: 8,46 ± 3 consultas (p = 0,1). A maioria do pré-natal foi fora da Maternidade-Escola: G1 = 74,5% e G2 = 51%. Quanto a Intercorrências no pré-natal, foi significante no G1 (p = 0,001): Grupo 1: 52,9% e Grupo 2: 27%. O tipo de parto foi cesáreo: Grupo 1: 39,2% e Grupo 2: 53,5% ± 0,04. A idade gestacional não variou entre os grupos: menos de 37 semanas foi G1 = 9,8% e G2 = 9%; mais de 37 semanas G1 = 90,2% e G2 = 91%. O peso ao nascer foi de: Grupo 1: 3149,8 ± 486,3 e Grupo 2: 3153,55 ± 472. O Peso / IG foi PIG Grupo 1: 13,7%, Grupo 2: 22%; AIG Grupo 1: 76,5% e Grupo 2: 69,2%; e GIG Grupo 1: 9,8% e Grupo 2: 9%. Apgar no 5º minuto 7: Grupo 1: 1 (p = 0,4) e Grupo 2: 4. Foi encontrado um RN com malformação em cada grupo, e nenhum tocotraumatismo. Quanto ao destino do RN após o parto, desfecho no CTI Grupo 1: 4 e Grupo 2: 5. Complicações puerperais: Grupo 1: 5 e Grupo 2: 5/51, p = 0,000. Complicações do RN: Grupo 1: 7 e Grupo 2: 1/100 (p = 0,005). DISCUSSÃO No presente estudo (desenvolvido entre abril e maio de 2010), os principais fatores de risco foram: início precoce da atividade sexual (menos de 15 anos) e idade da avó indicativa que teve gravidez na adolescência. Foram selecionadas puérperas com idade entre 20 e 35 anos, atendidas na mesma maternidade, como escolha do Grupo Controle neste estudo em detrimento de adolescentes não grávidas, pois era objetivo do estudo comparar os desfechos gestacionais entre adolescentes e não adolescentes. Destacamos, igualmente, que constitui exigência do Comitê de Ética que as pesquisas realizadas com adolescentes necessitam da presença e autorização de um responsável, e assim foi feito. A frequência de partos de adolescentes observada foi de 19%, semelhante à média nacional de 22%. Este achado está de acordo com os dados do Ministério da Saúde 2. Nos Estados Unidos, observa-se um panorama semelhante, com uma frequência de 22% de gravidez entre as adolescentes. Entretanto, prevalências bem mais baixas são observadas em outros países desenvolvidos: 15% na Grã-Bretanha, 11% no Canadá, 6% na França e 4% na Suécia 10. Dentre os fatores de risco para a gravidez na adolescência ainda não há consenso se o baixo nível de escolaridade, com altas proporções de evasão e de abandono escolar seria uma das causas ou uma consequência da gravidez na adolescência. Em um estudo transversal envolvendo 562 mulheres, os autores observaram associação

19 positiva entre a gravidez na adolescência e o nível de escolaridade, associação também observada em nosso estudo, com 39,2% das adolescentes frequentando a escola. Em nosso meio, é muito comum adolescentes grávidas interromperem seus estudos, uma vez que a gravidez funciona como uma passagem para a idade adulta, sua emancipação, e que os próprios familiares desencorajam a adolescente a continuar na escola 5, fato que justifica a presença em nosso estudo de 45% de adolescentes do lar. Também não houve diferença quanto à renda familiar e a situação conjugal. Mas a idade dos pais no G1 foi 61% abaixo de 23 anos versus 14% no G2. Quanto às variáveis reprodutivas, a idade de início da atividade sexual foi significativamente inferior entre as adolescentes, com 14,7 anos contra 17,1 anos das adultas. Uma justificativa seria a exploração da sexualidade, pela mídia, associada a uma redução na idade da menarca. Além disso, destaca-se a imaturidade própria da idade, quando o adolescente não pensa nos riscos e em prevenção 8, o que muitas vezes resulta no início da atividade sexual com gestações não planejadas, que em nosso estudo foram 84,3%, não desejadas 25,5%. Quanto à variável tentativa de aborto, não obtivemos resposta significativa, mas a consideramos subestimada pois deveria ser respondida na frente de sua mãe ou de seu companheiro. Outra variável que mostrou associação significativa com a gravidez na adolescência foi a idade da avó materna, que no G1 foi em média de 43 anos, sendo 47% entre 30 e 40 anos e no G2 de 52 anos, levando-nos a concluir que seria possível a história familiar de gestação na adolescência, corroborando outros estudos realizados no Brasil. Um estudo realizado nos Estados Unidos envolvendo gestantes adolescentes latinas e negras verificou achados semelhantes aos do presente estudo, observando maior chance de gravidez na adolescência quando existia história familiar de mãe e irmã(s) 12. Há controvérsias na literatura sobre os fatores responsáveis pela maior frequência de resultados obstétricos adversos em adolescentes. Fatores socioeconômicos, tais como assistência pré-natal inadequada, pobreza, baixo nível educacional, gravidez não desejada, estresse psicológico e uso de drogas ilícitas, são geralmente apontados como importantes determinantes dos piores índices de complicações nestas pacientes 6 Comparamos nossos dois grupos quanto à assistência pré-natal (acesso e número de consultas), uso de tabaco e de drogas ilícitas e eles se mostraram estatisticamente semelhantes, eliminando, portanto, esses importantes fatores complicadores na comparação entre as duas populações. Mas nossos resultados podem refletir exatamente o maior tempo de vida do grupo, e não apenas diferenças estatísticas entre eles. Observamos que os dois grupos apresentaram resultados obstétricos diferentes. Houve diferença quanto à ocorrência de intercorrências no pré-natal e complicações pós-natais maternas e neonatais. A prematuridade, o índice de Apgar de 5º minuto, anomalias congênitas ou tocotraumatismo foram semelhantes. A i ncidência de cesárea no nosso estudo foi bastante elevada em ambos os grupos (39,2% nas adolescentes e 53,5%% nas adultas), frequência esta superior à encontrada por outros autores. Em nosso estudo, não houve diferença entre o peso ao nascer; no entanto, a incidência de prematuridade (16,7% da população total) e de RN pequenos para a idade gestacional (G1 de 13,7% e G2 de 22%) foi relativamente maior que em outros estudos, geralmente em torno de 10%. O Comitê de Adolescência da Academia Americana de Pediatria destaca a importância da participação do pediatra neste processo, instruindo a adolescente quanto às consequências emocionais, físicas e econômicas da atividade sexual, aconselhando-as a retardar o início da vida sexual e a fazer uso regular de contraceptivo 12. No Brasil, a cobertura do Programa Saúde da Família, principalmente em regiões menos favorecidas, com o aumento de políticas públicas voltadas para esta população, como o uso de preservativos e contraceptivos, objetiva reduzir

20 a prevalência de gravidez na adolescência levando em consideração não apenas o início precoce da vida sexual, mas também a dificuldade do acesso aos serviços de saúde. CONCLUSÃO Conclui-se que gestantes adolescentes submetidas às mesmas condições de assistência pré-natal, em relação às não adolescentes, mostraram resultados satisfatórios no que diz respeito a uma menor proporção de fetos PIG, além de manter uma maioria de partos a termo. Porém, observou-se que as grávidas adolescentes apresentam maior risco em relação a intercorrências gestacionais e puerperais, mesmo com realização do pré-natal adequado, em relação às mulheres adultas. Com isso, percebemos maior necessidade de as adolescentes terem um acompanhamento pré-natal eficiente e de caráter multidisciplinar, capaz de minimizar as intercorrências desse grupo de risco. Outro ponto importante foi a baixa taxa de partos pré-maturos, tocotraumatismo e altas taxas de APGAR no 5º minuto maiores que 7 em ambos os grupos. Se considerarmos que a maioria dessas mulheres teve acompanhamento prénatal ideal, mostra como esse cuidado é protetor para uma evolução tranquila da gestação, do parto e do puerpério. REFERÊNCIAS 1. Amaya J, Borrero C, Ucrós S. Estudio analítico Del resultado Del embarazo em adolescentes y mujeres de 20 a 29 años en Bogotá. Rev Colomb Obstet Ginecol. 2005; 6(3):216-24. 2. Ministério da Saúde. DATASUS. Indicadores e dados básicos do Brasil - IDB 2007 [documento da Internet]. Brasília; 2008 [citado 10 jan 2009]. Disponível em: http://tabnet.datasus.gov.br/cgi/idb2007/matriz.htm 3. Aquino-Cunha M, Queiroz-Andrade M, Tavares-Neto J, Andrade T. Gestação na adolescência: relação com o baixo peso ao nascer. Rev Bras Ginecol Obstet. 2002; 24(8):513-9. 4. Goldemberg R, Figueiredo MCT, Silva RS. Gravidez na adolescência: pré-natal e resultados Peri-natais em Montes Claros, Minas Gerais, Brasil. Cad. Saúde Pública. 2005; 21(4):1077-86. 5. Carniel EF, Zanolli ML, Almeida CAA, Morcillo AM. Características das mães adolescentes e seus RN e fatores de risco para a gravidez na adolescência em Campinas, SP, Brasil.Rev. Brás. Saúde Matern. Infant. 2006; 6(4):419-26. 6. Amorim MMR, Lima LA, Lopes CV, Araújo DKL e col. Fatores de risco para a gravidez na adolescência em uma maternidade-escola da Paraíba: estudo caso-controle. Rev. Bras. Ginecol. Obstet. [online]. 2009, vol.31, n.8, pp. 404-410. ISSN 0100-7203. 7. Gama SGN e col. Fatores associados à assistência pré-natal precária em uma amostra de puérperas adolescentes em maternidades do Município do Rio de Janeiro, 1999-2000. Cad. Saúde Pública [online]. 2004, vol.20, suppl.1, pp. S101-S111. ISSN 0102-311X. 8. Carvacho IE, Mello MB, Morais SS, Silva JLP. Fatores associados ao acesso anterior à gestação a serviços de saúde por adolescentes gestantes. Rev Saúde Pública. 2008; 42(5):886-94. 9. Salles IN, Santos MM dos. Revista de Pesquisa on line: Cuidado é Fundamental. ISSN 2175-5361. 10. World Health Organization. International classification of diseases. 9th revision. Geneva: WHO; 1975. 11. Mc Dowell I, Claire N. Measurimg Health, a Guide to Rating Scales and Questionnaires. Ed 2ª. Oxford University Press, 1996. New York. 12. Donovan EF, Peristein PH, Atherton HD, Kotagai UR. Prenatal care and infant emergency department. Pediatr Emerg Care. 2000; 16:156-9.