Acórdãos STA Processo: 0247/08 Data do Acordão: 04-06-2008 Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo Tribunal: Relator: Descritores: Sumário: 2 SECÇÃO LÚCIO BARBOSA IRC FUNDAMENTAÇÃO DO ACTO TRIBUTÁRIO TAXA IMPOSTO NOTIFICAÇÃO I O direito à fundamentação do acto tributário constitui garantia específica dos contribuintes art. 77º da LGT. II A fundamentação é um conceito relativo que varia em função do tipo legal do acto. III Deve considerar-se suficientemente fundamentado o acto de liquidação adicional de IRC quando, não tendo o contribuinte apresentado a sua declaração de IRC, a A.F. procedeu à liquidação oficiosa, nos termos do n. 1, b) do art. 83º do CIRC, sendo a liquidação impugnada efectuada com base na matéria colectável do ano anterior (ano de 2000), o que foi levado ao conhecimento do contribuinte. IV Isto apesar de não lhe ser notificada qual a taxa considerada. Nº Convencional: JSTA0009220 Nº do Documento: SA2200806040247 Recorrente: FAZENDA PÚBLICA Recorrido 1: A...
Aditamento: Texto Integral Texto Integral: Acordam, em conferência, na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo: 1. A, com sede na Rua, Trofa, impugnou judicialmente, junto do TAF de Penafiel, a liquidação de IRC do ano de 2001. Alegou falta de fundamentação do acto tributário. O Mm. Juiz daquele Tribunal julgou a impugnação procedente. Inconformada, a FAZENDA PÚBLICA interpôs recurso para o TCA Norte. Formulou as seguintes conclusões nas respectivas alegações de recurso: 1. A douta sentença sob recurso, a impugnação deduzida contra a liquidação de IRC derrama e JC n. 2005 8310031397, referente ao exercício de 2001, no montante total de 3.686,30, procedente, por haver concluído pela insuficiência de fundamentação quanto ao modo de apuramento do "quantum" tributário, o que equivale à falta de fundamentação. 2. Elege o Tribunal como questão essencial a apreciar, a de saber se a liquidação impugnada enferma ou não dos vícios que lhe foram assacados pela impugnante, nomeadamente, do vício de forma por insuficiente fundamentação, considerando ser apenas perceptível o "iter" seguido pela Administração Fiscal até ao momento em que inseriu na nota demonstrativa da liquidação o valor de 10 304,75( relativo ao exercício de 2000). 3. É nossa convicção de que, tendo a liquidação impugnada resultado da aplicação do disposto no art. 83, n. 1, alínea c) do CIRC, - em virtude de a impugnante não ter procedido à entrega da declaração de rendimentos do
exercício no prazo legal - com base na totalidade da matéria colectável do exercício do ano 2000 (ano mais próximo determinado), em estrito cumprimento do principio da auto-vinculação ao determinado no n. 1 do art. 83 do CIRC, constando esta fundamentação expressa na demonstração da liquidação (documento de cobrança) remetido ao sujeito passivo, não existe insuficiência de fundamentação ( no mesmo sentido, cfr. Ac. do STA, n. 077/05, de 27-04-2005). 4. In casu, a actuação da Administração Tributária foi conforme à lei, não se verificando o vício que lhe é imputável. 5. Mostrando-se justificada a liquidação efectuada, esta sendo legal, deverá manter-se. 6. A douta sentença recorrida violou o disposto nos artºs 16, 83, e 112 do CIRC. Não houve contra-alegações. O referido Tribunal, por acórdão de 24/1/2008, julgou-se hierarquicamente incompetente para conhecer do recurso. Subiram os autos a este Supremo Tribunal. Neste STA, o EPGA defende que o recurso merece provimento. Colhidos os vistos legais, cumpre decidir. 2. É a seguinte a matéria de facto fixada na instância: 1. Em 30 de Maio de 2005 a Administração Fiscal emitiu a liquidação n. 20058310031397, dirigida à ora Impugnante, para pagamento do montante de 3 686,30, relativo ao IRC de 2001, com o seguinte teor (por excerto): Fica V. Exª notificado (a) para, no prazo de 30 dias...efectuar o pagamento da importância apurada proveniente de liquidação oficiosa de IRC efectuada nos termos da alínea b) do n. 1 do art. 83. o do CIRC, por falta de entrega da declaração de rendimentos.... 2. A liquidação ora impugnada foi efectuada com base na matéria colectável do exercício de 2000, no valor de 10304,75.
3. Vejamos o direito. Está em causa a fundamentação do acto tributário. Para conceder provimento ao recurso, o Mm. Juiz a quo utilizou a seguinte argumentação: É verdade que a fundamentação do acto tributário deve ser sucinta (cfr. art. 125, n. 1, do CPA), mas não pode deixar de levar ao conhecimento do contribuinte os elementos básicos tidos em conta no cálculo de um imposto, como sejam, por exemplo, a operação de multiplicação e a taxa concretamente aplicada. A particularidade do acto administrativo no contencioso tributário é que, em última instância, obriga o administrado ao pagamento de um imposto, expresso numericamente, e aos contribuintes devem ser facultados todos os elementos que lhes permitam sindicar o "iter' seguido peja Administração Fiscal, designadamente a correcção do cálculo para a colecta. Ora, isso não aconteceu no caso vertente, mostrando-se, com efeito, uma insuficiência de fundamentação quanto ao modo de apuramento do "quantum" tributário, o que equivale a falta de fundamentação, atento o previsto no art. 125, n. 2, do CPA, procedendo, assim, o invocado vício de forma. Ou seja, olhando o probatório, auscultando o processo e vendo as observações feitas pelo Mm. Juiz a quo, sabemos agora que: - O contribuinte não apresentou a sua declaração de IRC; - A A.F. procedeu à liquidação oficiosa, nos termos do n. 1, b) do art. 83º do CIRC; - A liquidação impugnada foi efectuada com base na matéria colectável do ano anterior (ano de 2000), ou seja, tomando por base a totalidade da matéria colectável
do exercício mais próximo que se encontre determinado (art. 83º, 1, b), in fine, do CIRC. Mas não foi indicada a taxa. E é contra isso que a impugnante se insurge, dizendo-se impossibilitada de conhecer com exactidão o iter seguido pela AF para lhe fixar a colecta. É este entendimento que o Mm. Juiz a quo sufragou. Quid juris? Vejamos a lei. Dispõe o art. 77º da LGT: 1. A decisão de procedimento é sempre fundamentada por meio de sucinta exposição das razões de facto e de direito que a motivaram, podendo a fundamentação consistir em mera declaração de concordância com os fundamentos de anteriores pareceres, informações ou propostas, incluindo os que integrem o relatório da fiscalização tributária. 2. A fundamentação dos actos tributários pode ser efectuada de forma sumária, devendo sempre conter as disposições legais aplicáveis, a qualificação e quantificação dos factos tributários e as operações de apuramento da matéria tributável e do tributo.. Isto reconduz-nos ao art. 125º do CPA, sendo que a decisão do procedimento tributário deve obedecer aos requisitos gerais enunciados neste normativo Lei Geral Tributária, comentada e anotada, 3ª Edição, de Diogo Leite Campos e Outros, pág.381. É certo que um dos momentos-chave do procedimento da liquidação diz respeito à indicação da taxa, inserida na fase
constitutiva do procedimento Casalta Nabais, Direito Fiscal, 2ª Edição, pág. 301. Elemento que se dirá obrigatório no procedimento. E já vimos que, na hipótese concreta, tal indicação não foi feita. Daí que o recorrente reclame que não é capaz de determinar o quantum da colecta, por falta dessa indicação. Ora, uma circunstância desse tipo (ou seja, a existência de uma falta que gera uma tal deficiência na fundamentação) seria virtualmente capaz de gerar a alegada falta de fundamentação, com implicações na liquidação, por potencial geradora de uma anulabilidade da mesma. Porém, e na hipótese concreta, a solução, a nosso ver, não pode ser essa. É que há que não esquecê-lo estamos perante um contribuinte relapso, que não entregou, como devia, a sua declaração no momento próprio, obrigando a administração a realizar operações que incumbiam por lei ao contribuinte. E um contribuinte relapso não pode estar na mesma situação do contribuinte cumpridor. É verdade que isto só não chega. Dito de outro modo: o contribuinte relapso há-de ver a sua situação fiscal definida e pautada por regras e procedimentos legais, que incumbem à Administração. Mas, no caso concreto, a Administração fez o mínimo indispensável.
Indicou a razão pela qual procedeu à liquidação oficiosa (o contribuinte não entregou no tempo próprio a declaração a que estava obrigado), e tal liquidação foi efectuada com base na matéria colectável do ano anterior (ano de 2000), ou seja a totalidade da matéria colectável do exercício mais próximo que se encontre determinada (art. 83º, 1, b), in fine, do CIRC). E indicou-lhe o valor da colecta. A partir daqui, e socorrendo-se até do ano anterior, o contribuinte estava em condições de saber qual a taxa (que lhe não foi indicada) e obviamente a exactidão do quantum a liquidar. Mas podemos dizer mais. Como sabemos a fundamentação há-de ser expressa, clara, suficiente e congruente, sendo equivalente à falta de fundamentação a adopção de fundamentos que, por obscuridade, contradição ou insuficiência, não esclareça concretamente a motivação do acto, sendo que a violação destes requisitos da decisão implica a respectiva ilegalidade, fundamento de subsequente anulação, em sede de impugnação judicial da correspondente liquidação Alfredo Sousa e José Paixão, CPT, Anotado, 2ª Edição, pág. 165. Assim, a fundamentação é um conceito relativo que varia em função do tipo legal de acto, visando responder às necessidades de esclarecimento do administrado, pelo
que se deve, através dela, informá-lo do itinerário cognoscitivo e valorativo do acto, permitindo-lhe conhecer as razões, de facto e de direito, que determinaram a sua prática e por que motivo se decidiu num sentido e não noutro. Pelo que um acto está fundamentado sempre que o administrado, como destinatário normal, ficar devidamente esclarecido acerca das razões que o determinaram estando, consequentemente, habilitado a impugná-lo convenientemente, não tendo, todavia, a fundamentação de ser exaustiva mas acessível Acórdão do STA de 2/2/2006, rec. n. 1114/05. Cfr., por todos, o Ac. do STA de 26/05/2004 rec. 742/03. Dito isto, logo concluímos, como atrás dissemos, que, em função do circunstancialismo concreto, já descrito, a fundamentação do acto é expressa, clara, suficiente e congruente. Vale isto por dizer que a Fazenda Pública há-de ver lograr êxito no seu recurso. 4. Face ao exposto, acorda-se em conceder provimento ao recurso, revogar a sentença recorrida e julgar improcedente a impugnação. Custas pela recorrente, mas apenas na 1ª instância. Lisboa, 04 de Junho de 2008. Lúcio Barbosa (relator) Jorge Lino Brandão
de Pinho.