A IMPLICAÇÃO DA AUSÊNCIA DE DIÁLOGO ENTRE OS PAIS NO EXERCÍCIO DA GUARDA COMPARTILHADA Maria Heloísa Chiaverini de Melo (E-mail: mh_2311@hotmail.com) Leonardo Ariosi de Sousa (E-mail: leonardoariosisousa@gmail.com) Nathalie Carneiro Araújo Menarim (E-mail: nathalie_menarim@hotmail.com) Orientador: Prof. Me. Vitor Hugo Bueno Fogaça Universidade Estadual de Ponta Grossa Resumo: A guarda compartilhada em seus novos moldes passou a ser regida pela Lei 13.058/14, a qual trouxe novos debates a respeito do tema. Levando em consideração as alterações trazidas pela nova legislação, o presente trabalho tem por objetivo geral apresentar o novo delineamento dado ao tema pela referida lei, bem como analisar o posicionamento atual dos tribunais superiores sobre a aplicabilidade da guarda compartilhada. Especificamente, busca-se analisar o binômio possibilidade/viabilidade da incidência da modalidade compartilhada em face de pais que possuem conflitos pessoais ou judiciais e cujo diálogo seja absolutamente limitado ou inexistente. Como procedimentos metodológicos destacam-se a pesquisa bibliográfica e a documental, as quais se debruçaram à análise da doutrina pertinente ao tema e às decisões judiciais dos tribunais superiores que tiveram como objeto demandas envolvendo o tema da guarda compartilhada. Palavras-chaves: Direito de família, guarda compartilhada, diálogo, viabilidade. Introdução Em 22 de dezembro de 2014 foi promulgada a lei 13.058, que visa estabelecer o significado da expressão guarda compartilhada e dispõe sobre sua aplicação no ordenamento jurídico brasileiro. De acordo com o texto, que altera o Código Civil, o juiz deverá conceder a guarda compartilhada mesmo nos casos em que pais não concordem sobre quem permanecerá com a guarda do filho. Esse ponto, tido como o de maior controvérsia trazido pelo novo diploma legal, é contundente ao afirmar que, não havendo acordo entre os pais quanto à guarda do menor, e encontrando-se ambos os genitores aptos a exercer o poder familiar, seria aplicada a guarda compartilhada, fazendo com que tal modalidade passasse a ser a regra geral a ser seguida pelo magistrado no momento da definição da guarda. Tal máxima não encontraria guarida apenas quando um dos genitores declarasse expressamente ao magistrado que não deseja a guarda do filho Se tal normatização já se mostra suficiente para despertar grandes embates quanto a sua eficácia e viabilidade, a adoção da guarda na modalidade compartilhada mostra-se ainda mais controversa nos casos onde há conflitos e dificuldades no diálogo entre os genitores, em especial nos casos que acabam por demandar a tutela jurisdicional. Nesse sentido, o trabalho visa abordar qualitativamente o conteúdo da Lei 13.058/14, que regulamenta a guarda compartilhada, bem como a sua aplicação em casos onde há ausência de diálogo entre os genitores. Objetivos
A pesquisa tem como objetivo geral apresentar o novo delineamento dado ao tema da guarda compartilhada, considerando-se a promulgação da Lei 13.058/14, bem como analisar o posicionamento atual dos tribunais superiores sobre a aplicabilidade da guarda nessa modalidade. Especificamente, busca-se analisar o binômio possibilidade/viabilidade da incidência da modalidade compartilhada em face de pais que possuem conflitos pessoais ou judiciais e cujo diálogo seja absolutamente limitado ou inexistente. Método e Técnicas de pesquisa O método utilizado nesse trabalho foi o dedutivo. Como procedimentos metodológicos destacam-se a pesquisa bibliográfica e a documental, as quais se debruçaram à análise da doutrina pertinente ao tema e às decisões judiciais dos tribunais superiores que tiveram como objeto demandas envolvendo o tema da guarda compartilhada. Resultados Inicialmente cumpre apresentar as modalidades de guarda regulamentadas pelo ordenamento jurídico brasileiro, quais sejam, a compartilhada, a unilateral e a alternada. A guarda unilateral é concedida a um dos genitores, exercendo o outro o regular direito de visitas. Na guarda alternada, por sua vez, os genitores alternam a guarda do menor em longos períodos de tempo, resguardado sempre o direito de visitas. Finalmente, na guarda compartilhada, ocorre uma divisão de tempo e dedicação dos pais para com o menor, sendo que será determinada tão somente uma residência para o mesmo. Sobre a guarda compartilhada, imperiosa é a lição de Waldyr Grisard Filho 1, que trata da relação dos pais como item secundário na efetivação da guarda compartilhada, sempre resguardando o melhor interesse do menor, a saber: Antes da vigência da nova lei, a guarda compartilhada era praticada em maior medida por via de acordo entre os pais e, mais raramente, por determinação do juiz. Com a nova lei, essas opções não desaparecem, mas, de reconhecido valor superior, a guarda compartilhada terá aplicação preferencial pelo juiz quando não houver acordo entre o pai e mãe. Nessa perspectiva, a guarda compartilhada passa a ser a regra e a exceção à guarda exclusiva. Essa priorização da lei não conta com a aprovação de parte da doutrina nem da jurisprudência em diferentes situações: relação conflitiva entre os pais, ausência de estabilidade emocional da criança, diversidade de critérios educativos, inconveniência de ter dois lares. Esses argumentos não resistem ao melhor exame; [...] O mais importante para a nova lei ao instituir e disciplinar a guarda compartilhada como modelo preferencial é promover o rompimento da cultura adversarial pela posse do filho (na guarda compartilhada é privilegiada a ideia de estar com ) eliminando a possibilidade de existir ganhadores e perdedores, logrando proclamar um único vencedor : o filho. Essa principal alternativa de cuidados e atenções aos filhos menores não é uma utopia, mas uma ferramenta eficaz na preservação do bem estar da criança. 1 GRISARD FILHO, Waldyr. Guarda Compartilhada: um novo modelo de responsabilidade parental. 7 ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, pp. 187-188.
Nesse mesmo sentido, continua o jurista a defender a plena e total aplicabilidade da guarda compartilhada, inclusive em casos onde não há qualquer espécie de diálogo ou convivência entre os genitores: A guarda compartilhada, conforme parágrafo primeiro do art. 1.583, na redação da lei 11.698/2008, consiste na responsabilização conjunta e o exercício de direitos e deveres do pai e da mãe que não vivam sob o mesmo teto. A regra não limitou a possibilidade de compartilhamento da guarda às hipóteses de separação, divórcio ou dissolução de união estável, é mais abrangente, favorecendo todos os pais que nunca mantiveram relacionamento familiar, a exemplo dos que assim se tornam por conta de uma única e episódica relação sexual de que resultou o nascimento de um filho comum, e desejam participar ativamente de sua vida. A jurisprudência do Colendo Superior Tribunal de Justiça também já está pacificada no sentido de que a modalidade compartilhada deverá ser aplicada como regra, conforme se denota a partir da análise da seguinte decisão: CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. DIREITO CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. FAMÍLIA. GUARDA COMPARTILHADA. CONSENSO. NECESSIDADE. ALTERNÂNCIA DE RESIDÊNCIA DO MENOR. POSSIBILIDADE. 1. A guarda compartilhada busca a plena proteção do melhor interesse dos filhos, pois reflete, com muito mais acuidade, a realidade da organização social atual que caminha para o fim das rígidas divisões de papéis sociais definidas pelo gênero dos pais. 2. A guarda compartilhada é o ideal a ser buscado no exercício do Poder Familiar entre pais separados, mesmo que demandem deles reestruturações, concessões e adequações diversas, para que seus filhos possam usufruir, durante sua formação, do ideal psicológico de duplo referencial. 3. Apesar de a separação ou do divórcio usualmente coincidirem com o ápice do distanciamento do antigo casal e com a maior evidenciação das diferenças existentes, o melhor interesse do menor, ainda assim, dita a aplicação da guarda compartilhada como regra, mesmo na hipótese de ausência de consenso. 4. A inviabilidade da guarda compartilhada, por ausência de consenso, faria prevalecer o exercício de uma potestade inexistente por um dos pais. E diz-se inexistente, porque contrária ao escopo do Poder Familiar que existe para a proteção da prole. 5. A imposição judicial das atribuições de cada um dos pais, e o período de convivência da criança sob guarda compartilhada, quando não houver consenso, é medida extrema, porém necessária à implementação dessa nova visão, para que não se faça do texto legal, letra morta. 6. A guarda compartilhada deve ser tida como regra, e a custódia física conjunta sempre que possível como sua efetiva expressão. 7. Recurso especial provido. Nesse sentido, seguindo o movimento jurisprudencial, o artigo 1.584, parágrafo segundo, II, do Código Civil Brasileiro, foi modificado pela Lei 13.058/14 e passou a prescrever que: 2º - Quando não houver acordo entre a mãe e o pai quanto à guarda do filho, encontrando-se ambos os genitores aptos a exercer o poder familiar, será aplicada a guarda compartilhada, salvo se um dos genitores declarar ao magistrado que não deseja a guarda do menor.
Discorrendo sobre esta nova lei, Maria Berenice Dias (2015) expressa que ao contrário do que todos proclamam esta não foi uma vitória dos pais, mas uma grande conquista dos filhos. Nesse sentido, parece correta a conclusão de que a guarda compartilhada seja um direito assegurado ao menor, e não aos seus pais. Sendo assim, a sua aplicabilidade não deve ficar condicionada à aceitação recíproca, bem como a qualquer tipo de afetuosidade inexistente entre os genitores, de modo que torne a prática de tal garantia absolutamente inaplicável. Ademais, a adoção da guarda compartilhada pode servir como um instrumento de promoção do diálogo do ex-casal, que até então era inexistente em decorrência da animosidade resultante de uma separação. Assim, visando superar a problemática da ausência de diálogo entre os genitores, bem como para dirimir eventual litígio entre o casal, faz-se absolutamente relevante a adoção de mecanismos auxiliares do qual dispõe o magistrado por ocasião da resolução do conflito, como estudos sociais juntos aos pais e acompanhamento psicológico do menor.. Discussão A nova lei da guarda compartilhada trouxe uma possível solução para o impasse do desacordo entre os pais diante da modalidade de guarda a ser adotada, apontando a modalidade compartilhada como regra geral. Essa lei foi uma conquista para o Direito de Família, visto que buscou tutelar, sobretudo, os interesses do infante. Embora pareça em um primeiro momento que a guarda na modalidade compartilhada deva ser precedida de um convívio amistoso entre os genitores, uma análise mais profunda da temática permite apontar que a nova lei poderá ser utilizada justamente como instrumento de solução de tais dilemas, possibilitando o retorno do diálogo entre os genitores no que concerne às decisões da vida da criança, como a educação, saúde e no desenvolvimento do senso crítico. Sendo assim, essa lei veio para orientar as decisões judiciais em relação ao melhor caminho para o bom relacionamento entre os pais, destacando sempre o interesse da criança, foco central da lei, que necessita do amparo de ambos os genitores para sua formação. No que diz respeito às desavenças dos pais, cabe ao magistrado valer-se, para resolução dos conflitos, de apoio de estudos sociais e psicológicos entre os pais e o infante, e não apenas a designação da guarda na modalidade unilateral, em total descompasso com a nova legislação. Com isso, para crianças com idades adequadas, é importante utilizar-se do artigo 28 do ECA que leva em conta a vontade da criança, que deverá ser ouvida em juízo antes da sentença. Considerações finais A guarda na modalidade compartilhada foi construída com vistas ao desenvolvimento sadio do infante, deixando em segundo plano os interesses ou a qualidade do relacionamento e diálogo existentes entre os pais, levando em conta que a melhor evolução do senso crítico e da educação da criança se dá com a presença efetiva e o relacionamento amistoso de ambos. Dado as peculiaridades de cada caso concreto, existem indivíduos cuja relação não se adequam ao proposto pela norma, fazendo com que o objetivo almejado pela lei seja dificultado e a criança sofra com as barreiras impostas pelas divergências dos
genitores. Para tais casos, como mencionado, o magistrado dispõe de instrumentos eficientes com vistas à solução do litígio do modo menos gravoso para todos os envolvidos, como acompanhamentos psicológicos e estudos sociais. Dessa forma, parece correta a conclusão de que o magistrado, por ocasião da solução da demanda, não afaste a aplicabilidade da guarda compartilhada em decorrência tão somente da ausência de diálogo entre os pais, devendo o mesmo utilizar da nova normatização como instrumento de aproximação dos genitores com vistas à tomada de decisões acerca da vida do filho. Referências BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. DIREITO CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. FAMÍLIA. GUARDA COMPARTILHADA. CONSENSO. NECESSIDADE. ALTERNÂNCIA DE RESIDÊNCIA DO MENOR. POSSIBILIDADE. (REsp: 1428596 RS 2013/0376172-9. Relator: Ministra NANCY ANDRIGHI. Brasília, 25 de junho de 2014. DIAS, M. B.. Guarda Compartilhada, uma novidade bem vinda!; Disponível em: http://www.mariaberenice.com.br/uploads/1_- _guarda_compartilhada%2c_uma_novidade_bem-vinda.pdf. Acesso em: 10 jul. 2015. GRISARD FILHO, Waldyr. Guarda Compartilhada: um novo modelo de responsabilidade parental. 7 ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, pp. 187-188.