XXVI Congresso da Associação Nacional de Pesquisa e Pós-Graduação em Música B. Horizonte 2016

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Transcrição:

A teoria dos contornos aplicada na ordenação de elementos extraídos de um frevo de rua pernambucano no planejamento composicional da peça Criação nº 3 para quinteto para metais MODALIDADE: COMUNICAÇÃO SUBÁREA: COMPOSIÇÃO Flávio Fernandes de Lima IFPE campus Recife quartetoide@gmail.com José Orlando Alves UFPB jorlandoalves2006@gmail.com Resumo: Aplicação de aspectos da Teoria dos Contornos com a finalidade de organização de diversos elementos musicais na composição de um quinteto para metais, tomando como ponto de partida uma melodia de um frevo de rua pernambucano, composto por um dos autores deste artigo. Estabelecemos procedimentos a partir do qual elementos paramétricos foram tabelados, fornecendo subsídios para a construção de parte de um planejamento composicional ou sua totalidade (alturas, timbres, forma e fórmulas de compasso). Palavras-chave: Planejamento composicional. Teoria do contorno. Ordenação paramétrica. Frevo de Rua. The Application of Theory of Contour Used on Order of Elements Extracted from Street Frevo from Pernambuco in the Compositional Planning of a Brass Quintet Abstract: Application of aspects of Theory of Contour in order to implement the organization of many musical elements in the composition for a brass quintet, taking as a starting point a melody of a street frevo Pernambuco, composed by one of the authors of this article. We established procedures from which parametric elements were tabulated, providing subsidies for the construction of part of a compositional planning or its entirety (Pitches, Timbres, Form and Time Signatures). Keywords: Compositional Planning. Contour Theory. Parametric Order. Street Frevo. 1. Introdução A questão que impulsionou a elaboração do presente trabalho partiu da proposta de utilizar aspectos melódicos presentes na música popular, em especial no frevo de rua pernambucano, de forma não explícita, em uma composição atonal para quinteto de metais. A Teoria dos Contornos 1 (MORRIS, 1987: 27 e 283; MORRIS, 1993: 205 a 228; SAMPAIO, 2012: 9 a 13) foi utilizada como referencial e elemento essencial para efetuar essa transformação, gerando diversas ordenações de classes de alturas. O planejamento composicional da peça atonal Criação nº 3 para quinteto de metais (dois trompetes, trompa, trombone e tuba) foi em parte construído a partir de recursos advindos de frevos de rua pernambucanos obtidos: a) com o estabelecimento de um contorno, a partir da redução da melodia dos cinco primeiros compassos de Nuneziando, frevo de rua composto pelo primeiro autor desse artigo (Fig. 1), orquestrado para um grupo convencional

do gênero musical, comum nos carnavais pernambucanos (dois saxofones alto, dois saxofones tenor, um saxofone barítono, quatro trompetes e quatro trombones); b) com o timbre, a forma e a fórmula de compasso definidos com o auxílio do contorno obtido no item anterior. Em seguida, a Fig. 2 apresenta a melodia do frevo da Fig. 1. Figura 1: Orquestração de cinco compassos do frevo Nuneziando, com orquestra de sopros. Figura 2: A melodia existente no frevo orquestrado e reproduzido na Figura 1. Reduzimos a melodia do frevo em uma sequência com as alturas mais importantes (Fig. 3), objeto de nosso interesse, possibilitando numerá-las de acordo com o princípio da Teoria dos Contornos. O conceito de Contorno Musical é estabelecido por Morris como [...] um dos aspectos mais gerais da percepção da altura, anterior ao conceito da altura ou classe de altura, por ser fundamentado apenas numa habilidade do ouvinte de escutar alturas como mais agudas, iguais ou mais graves, sem discernir as diferenças exatas entre elas (MORRIS, 1993: 205; tradução nossa) 2. O contorno que obtivemos forneceu possibilidades várias de geração de sequências de alturas e de gestos horizontais necessários para a composição, como explicaremos adiante. Figura 3: Melodia reduzida do frevo e a sequência numérica correspondente ao contorno (<3 5 4 2 5 3 1>).

No contorno obtido, <3 5 4 2 5 3 1>, o cardinal 1 indica a altura mais grave, e o cardinal 5, a mais aguda (MORRIS, 1987: 27 e 283; 1993: 206). São essas sete alturas ordenadas o contorno que formaram a unidade básica estrutural da composição. Esse contorno foi utilizado na composição não só em sua totalidade, como também segmentado e, em algumas ocasiões, de forma cíclica onde, após atingir a última altura volta-se a utilizar a primeira. Com base no contorno obtido, construímos uma tabela com as respectivas alturas para a construção dos gestos horizontais (Tab. 1). As linhas dessa tabela são sequências com o contorno <3 5 4 2 5 3 1>, no entanto, com alturas diferentes das mostradas na Fig. 3, pois desejamos um máximo distanciamento tonal possível. Tabela 1: Cinco ordenamentos de alturas que possuem o contorno < 3 5 4 2 5 3 1 >. 2. Elaborações timbrísticas na composição. Utilizamos também o contorno para definirmos os timbres em cada compasso da composição. Para isso, consideramos que cada numeral da sequência <3 5 4 2 5 3 1> corresponde à quantidade de timbres por compasso. Exemplificando, o numeral 3 corresponde a três timbres diferentes, o numeral 5, subsequente ao numeral 3 no contorno, representa a utilização de cinco timbres diferentes, etc. Dispusemos de um total de nove timbres diferenciados (o trompete com campânula aberta; o trompete com as surdinas plunger, straight, harmon e cup; a trompa; o trombone com campânula aberta; o trombone com o uso da surdina straight; a tuba) a serem distribuídos de acordo com as necessidades apresentadas pelos numerais existentes na representação do contorno. 3. Definições da forma e o estabelecimento das características texturais. Segundo Lester, a forma [...] se refere às seções em uma peça: sua organização, o(s) tipo(s) de música que elas contêm, e sua relação uma com as outras

(LESTER, 1989: 56; tradução nossa) e fornece continuidade do movimento (COOPER, 1963: 151). Zamacois (1985: 3) a define como a organização de um conjunto de ideias musicais enquanto Wennerstrom (1975: 2) aponta, no entanto, que existem vários tipos de forma utilizadas no Séc. XX, muitas sem qualquer relação com o que se fazia até o Séc. XIX. O frevo de rua tem por tradição forma fixa binária e é composto de duas partes unidas por uma passagem ou ponte da qual participam todos os instrumentos, conforme descrito em Cárdenas (1981: 55-56) 3. Optamos por utilizar na composição para quinteto de metais, o que Wennerstrom (1975: 5) denominou de Forma Seccional, modalidade de construção musical referente ao procedimento de usar vários arranjos de seções [ou partes ] bem definidas de música. Projetamos o quinteto para metais com sete partes, como veremos adiante (nomeamos A, B, C, D, E, F, G). No entanto, procuramos manter uma correspondência das partes com o contorno <3 5 4 2 5 3 1>. Para isso definimos que a parte A teria uma relação com o numeral 3 do contorno, a parte B com o numeral 5, a parte C com o numeral 4, etc. O contorno foi utilizado na concepção dos diversos elementos paramétricos da composição. Entretanto, para o caso do cálculo do número de compassos para cada parte, propusemos que o contorno participasse de forma indireta nesse dimensionamento. Ou seja, ao invés de elaborarmos os procedimentos para esse propósito, utilizando o próprio contorno, optamos por extrair seus componentes e ordená-los de forma descendente e sem repetições. Assim, para efeito de nossos cálculos, a sequência de numerais [5 4 3 2 1] foi utilizada, como componentes do contorno <3 5 4 2 5 3 1>. Uma proposição matemática foi então estabelecida como segue: o quadrado de um numeral índice n, subtraindo-se o quadrado do numeral índice n-1, resultará no quadrado do numeral índice n-2. A sequência resultante dessas operações formou portanto uma nova sucessão numérica, isto é, [9 25 16 7 25 9 5], e cada elemento desse novo ordenamento define o número de compassos para cada parte da composição 4. A Tab. 2 apresenta as partes com suas respectivas dimensões, dinâmicas, articulações, texturas (as três últimas determinadas levando-se em consideração contrastes sonoros entre as partes) e fórmulas de compasso.

Tabela 2: Dinâmicas, números e fórmulas de compassos de cada uma das sete partes Como último detalhe composicional a ser considerado, fizemos o uso da célula rítmica original do frevo, como uma estrutura que de forma intermitente perpassa por todo o quinteto de metais. Essa célula é comum a todos os frevos pernambucanos e é executada original e basicamente por uma caixa e pelo bombo ou surdo (doze semicolcheias com acentos específicos seguidos por um rullo, conforme a Fig. 4). Utilizamos essa célula não só

como se apresenta na figura abaixo, bem como empregando as seguintes variações: seccionamentos (prolongamentos sonoros ou interrupções com o uso de pausas), aumentações, diminuições ou inversões (iniciar com o trinado e executar a célula em sentido contrário, de frente para trás). Figura 4: Célula básica característica do frevo. 4. A composição. Podemos mencionar alguns elementos paramétricos construídos a partir da Teoria dos Contornos, presentes na composição Criação nº 3 : o ordenamento melódico, o número de compassos em casa parte da peça, a escolha do número de timbres e a definição do compasso. A rítmica utilizada não foi contemplada por essa técnica e não é descrita aqui para não ultrapassarmos o limite de folhas exigido para essa comunicação. As dinâmicas e articulações foram determinadas buscando-se contrastes entre as partes da composição. A Fig. 5 apresenta os dois primeiros compassos da composição, e nos possibilita observar alguns aspectos da utilização da Teoria dos Contornos, mostrada no presente artigo. O primeiro trompete utiliza de forma cíclica o contorno da primeira linha da Fig. 1, iniciando pelo segundo som do ordenamento A. A mesma metodologia de construção melódica no segundo trompete acontece com o uso do mesmo ordenamento A, entretanto, com outras células rítmicas. A trompa, da mesma forma, utiliza a mesma sequência sonora dos trompetes, no entanto, ritmicamente participa expondo a célula básica característica do frevo, mostrada na Fig. 4. Essa participação da trompa tem como continuidade a entrada do trombone, simulando o rullo da caixa lentificado com a utilização de duas tercinas, célula repetida pela trompa após a execução do trombone. Podemos observar que o primeiro compasso foi projetado para conter três timbres, e isso foi obtido com o uso da surdina plunger no segundo trompete.

Figura 5: Exemplos de dois compassos adjacentes da composição Figura 6: Parte F da composição Na Fig. 6 temos outro trecho da peça Criação nº 3, a parte F, com nove compassos, ilustrando como essa parte foi construída (vide Tab. 2). Podemos observar a

aplicação da célula rítmica do frevo como um elo de ligação, em diversos graus de inteligibilidade e inserida dentro de um rico contexto rítmico, recordando o gênero pernambucano. Assim sendo, a célula da Fig. 4 é executada inicialmente pela tuba, seguida pela trompa (compassos 84 e 85), ambos realizando essa citação de forma integral. Em sequência, os compassos 86 e 87 contêm a tuba executando a mesma célula, e nos dois seguintes (88 e 89) o ritmo de frevo foi dividido entre o trombone e a trompa. Finalizando, nos compassos 90 e 91 a mesma célula inicia-se com o segundo trompete e é concluída por um trinado pela tuba, lembrando o rullo da batida da caixa. Toda essa evolução do ritmo de frevo entre os instrumentos se encontra dentro de um contexto rítmico proveniente de células advindas de frevos de rua, e como já mencionamos anteriormente, não será explicado no presente artigo por não envolver a Teoria de Contornos. Confrontando-se assim a penúltima linha da Tab. 2 com a Fig. 6, e observando-se o número de timbres em cada compasso desta figura, veremos como o contorno <3 5 4 2 5 3 1> foi utilizado na construção dos elementos paramétricos mencionados anteriormente. 5. Considerações finais. Propusemos o ordenamento das classes de alturas em função da aplicação da Teoria dos Contornos e, para que isso ocorresse, obtivemos uma sequência numérica a partir da redução melódica de uma frase musical existente no início do frevo Nuneziando, composto por um dos autores desse trabalho. Esse contorno obtido, que se tornou a gênese da elaboração dos elementos musicais para a nova composição, determinou os gestos horizontais, a forma, o timbre e as fórmulas de compasso. Organizamos, portanto, um planejamento (Tab. 2) que contém as alturas, as dinâmicas, as articulações, os timbres e as fórmulas de compasso. Além do que expusemos, outras variantes destes procedimentos poderão ser utilizados em futuros planejamentos. Podemos exemplificar esta proposição com as possibilidades de emprego de outros contornos provenientes de outros frevos (ou de outros gêneros musicais, populares ou não), revelando novos gestos horizontais, uso de outras formações instrumentais (novos timbres), novas texturas com maior ou menor grau de contrastes, novas maneira de estruturar a forma e os tipos de compassos utilizados a partir do contorno inicial, etc. A utilização da Teoria dos Contornos no ordenamento timbrístico na peça, no entanto, pode ser nossa contribuição à literatura composicional, já que são escassos textos recentes a respeito dessa questão. O gráfico abaixo demonstra a evolução temporal dos timbres, possuindo uma conformação semelhante à curva do contorno <3 5 4 2 5 3 1>.

Gráfico 1: Evolução temporal timbrística repetindo-se ciclicamente por toda a composição Assim sendo, concluímos que a proposta foi bem sucedida e o objetivo foi alcançado, por ter resultado em uma peça, o quinteto para metais Criação nº 3, cuja construção seguiu todos os procedimentos propostos. Finalizando, acreditamos que o presente artigo será útil e inspirador na formulação de novos planejamentos composicionais e novas peças musicais, a partir da ideia da fusão entre gêneros populares e eruditos. Referências: ALVES, José Orlando. Aspectos do planejamento macro-estrutural da peça Intervenções II para Orquestra Sinfônica. In: CONGRESSO DA ASSOCIAÇÃO NACIONAL DE PESQUISA E PÓS-GRADUAÇÃO EM MÚSICA (ANPPOM), 20., 2010, Florianópolis. Anais... Florianópolis: UDESC, 2014. 156-161. CÁRDENAS, Carmela Oscanoa de. O uso do Folclore na Educação: o Frevo na Didática Pré-escolar. Recife: Editora Massangana, 1981. COOPER, Grosvenor; MEYER, Leonard B. The Rhythmic of Structure of Music. Chicago: The University of Chicago Press, 1963. LESTER, Joel. Analytic Approaches to Twentieth-Century Music. New York: W. W. Norton & Company, Inc, 1989. MORRIS, Robert D. Composition with pitch-classes: A theory of compositional design. New Haven: Yale University Press, 1987.. New Directions in the theory and analysis of musical contour. Music Theory Spectrum. California, xv: 205-28, 1993. OLIVEIRA, Valdemar de. Frevo, Capoeira e Passo. Recife: CEPE, 1971. SAMPAIO, Marcos da Silva. A Teoria de Relações de Contornos Musicais: Inconsistências, Soluções e Ferramentas. Salvador, 2012. 211f. Tese (Doutorado em Música, área de concentração: Composição). Escola de Música, Universidade Federal da Bahia, Salvador, 2012. WENNERSTROM, Mary. Form in Twentieth-Century Music. In: WITTLICH, G.E. (Ed.) Aspects of 20 th Century Music. New Jersey: Prentice-Hall, Inc, 1975. 1-65. ZAMACOIS, Joaquín. Curso de Formas Musicales. Spain: Labor, 1985.

1 [...] um conjunto ordenado de n alturas distintas, com ou sem repetições, numeradas (não necessariamente adjacentes) em forma ascendente de x a y (x<y) [...] pode ser escrito como sucessão de inteiros ou como gráfico (MORRIS, 1993: 206, tradução nossa). 2 Morris (1987: 27 e 283; 1993: 206) estabelece a forma normalizada no mapeamento do contorno numerando-o de 0 a n 1, de maneira análoga ao cálculo da forma normal dos conjuntos de classes de notas ou alturas. Os trechos onde o autor estabelece tal convenção tomam por base a definição das alturas a serem empregadas e seu ordenamento nos gestos horizontais em composições. O presente artigo, entretanto, toma a Teoria dos Contornos como norteador no ordenamento de outros elementos além das alturas: timbres, fórmulas de compassos, dimensão de cada seção da peça, demandando com isso algumas manipulações matemáticas. Assim sendo, considerando que a presença do numeral 0 como dificultador dessas manipulações matemáticas (zero multiplicado ou dividido por qualquer valor é zero e qualquer valor dividido por zero torna-se uma grandeza indefinida ou infinita), julgamos conveniente a substituição da numeração do contorno fornecido por Morris (0 a n 1) para 1 a n, facilitando o estabelecimento dos procedimentos composicionais e a visualização analítica da peça. 3 Complementando a descrição desse perfil, Oliveira (1971: 36) afirma que o frevo é bem semelhante a outras formas binárias, como o passo doble, o shimmy, a polca, o can-can. 4 Desta forma, mantemos os dois primeiros numerais da sequência [5 4 3 2 1], cujos quadrados são 25 e 16 respectivamente. A diferença entre os dois resultou no terceiro, 9 (isto é, 5 2 4 2 ). Utilizando o mesmo procedimento, os dois numerais seguintes tornaram-se 7 (4 2 3 2 ou 16 9) e 5 (3 2 2 2 ou 9 4). Assim sendo, com a proposição matemática estabelecida, transformamos a sucessão numérica [5 4 3 2 1] em outra: [25 16 9 7 5].