Planejamento da 3º peça do ciclo Dimensões: contorno e densidade textural
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- Bento Almada Bergler
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1 XXV Congresso da Associação Nacional de Pesquisa e PósGraduação em Música Vitória 15 Planejamento da 3º peça do ciclo Dimensões: contorno e densidade textural MODALIDADE: COMUNICAÇÃO Pedro Miguel de Moraes UFPB pedromiguelmusica@globomail.com José Orlando Alves UFPB jorlandoalves06@gmail.com Resumo: Este trabalho tem por objetivo expor as etapas do planejamento da terceira peça do ciclo Dimensões, para orquestra de câmara, bem como apresentar a ferramenta composicional utilizada para controlar densidades texturais. Esta ferramenta de controle da densidade, Strawberry, é um aplicativo computacional que auxilia o trabalho composicional na manipulação e controle das densidades em diversos tipos de texturas, como, por exemplo, as massas sonoras, as texturas pontilhísticas e micropolifônicas. A ideia do planejamento consiste num contorno (<41302>) que é aplicado em vários níveis estruturais. Concluímos que a utilização do aplicativo e do referido contorno foi efetivo no planejamento e na realização musical da terceira peça do ciclo Dimensões. Palavraschave: Densidade textural. Contorno. Planejamento composicional. Third Workpiece Planning Cycle Dimensions: Contourn and Textural Density Abstract: This work aims to expose the third part of the planning stages of the cycle Dimensões, for chamber orchestra and present the compositional tool used to control textural densities. This density control tool, Strawberry, is a computer application that assists in the handling and working compositional control of the density in various types of textures such as sound masses, pointilhistics and micropolyphonycs textures. The idea of planning is a contour (<41302>) which is used in several structural levels. We conclude that the use of the application and of that contour was effective in planning and carrying out the third musical piece of the cycle Dimensões. Keywords: Compositional Planning. Contour Textural. Density 1. Introdução Este trabalho apresenta as conclusões de uma etapa da pesquisa desenvolvida no curso de mestrado em composição do Programa de PósGraduação em Música da UFPB. Esta pesquisa trata da elaboração do planejamento composicional de um ciclo de três peças para orquestra de câmara. No planejamento está envolvida uma ferramenta composicional (um aplicativo computacional denominado Strawberry) que auxilia o compositor na manipulação e controle das densidades texturais. No presente texto, buscaremos expor as etapas de elaboração do planejamento composicional envolvido na estruturação da 3º peça desse ciclo, denominado Dimensões, bem como demonstraremos o resultado composicional, exemplificando com um trecho da peça composta. O ciclo Dimensões inserese no universo musical das massas sonoras e das texturas pontilhísticas. Schwartz (1993: 181) afirma que:
2 XXV Congresso da Associação Nacional de Pesquisa e PósGraduação em Música Vitória 15 Texturas de massas sonoras (...) são fundamentalmente diferentes das texturas genuinamente contrapontísticas uma vez que as linhas individuais da música, porventura representada por instrumentos individuais ou grupos de instrumentos, não possui nenhuma identidade significante própria, tornandose partes indistinguíveis de uma trama maior (SCHWARTZ, 1993: 181). Já com relação ao pontilhismo, Cope (1993: 372) afirma ser um termo derivado das artes gráficas; aplicado à música, cada som tornase individual em si, separado dos que o antecedem e sucedem pelo espaço (frequência, distância (silêncio), e/ou timbre. De maneira sucinta, podemos afirmar que a proposta composicional, detalhada nesse trabalho, limitase ao uso de texturas musicais que se apresentam ora em forma de massas sonoras (densos agregados sonoros estaticamente sustentados ou em tramas micropolifônicas), ora em forma de texturas pontilhísticas. Antes de iniciar a exposição da elaboração do planejamento da peça, abordaremos nos próximos parágrafos aspectos relacionados ao aplicativo computacional Strawberry. 2. Strawberry O aplicativo computacional Strawberry foi desenvolvido no âmbito da nossa pesquisa de mestrado especificamente para atender às necessidades surgidas no decorrer da elaboração do planejamento composicional da terceira peça do ciclo Dimensões. O que temos na tabela (Tab.1), que sintetiza o planejamento, é o controle da densidade através da manipulação das variáveis envolvidas no seu cálculo, que são a densidadeabsoluta (DA), o âmbito (A), e o tempo (t). A densidadeabsoluta, termo cunhado por Gigue (11: 53) em adaptação ao termo densidadenúmero, de Berry (1986: 9), referese ao número de notas de um dado agregado sonoro. O termo âmbito não é utilizado aqui em sua acepção comum 1, e sim considerandose outra adaptação proposta também por Gigue à teoria de Berry. Ao invés de adotarmos como âmbito a distância entre as notas mais grave e mais aguda de um dado agregado, consideramos o número de sons que eles deveriam possuir para ocupar a totalidade do seu âmbito (esse sendo determinado pelas notas extremas de cada acorde) (GIGUE, 11: 53). Outra referência importante para a elaboração desta ferramenta de medição e controle foi o trabalho de Mickey (1980), que propôs em sua investigação do Estudo Op. 8, de Scriabin, onde as notas articuladas, que pertencessem a uma mesma unidade harmônica (como um acorde em estilo brisè), fossem comprimidas em um único ataque a fim de medir a sua densidade (a razão entre o número de notas e o âmbito que as envolve). Desdobrando essas revisões e reutilizações da teoria de Berry, desenvolvemos a seguinte fórmula:
3 XXV Congresso da Associação Nacional de Pesquisa e PósGraduação em Música Vitória 15 DRH = DA/A*t A ideia básica para a compreensão da fórmula é: se para calcular a densidade de um dado agregado, onde todas as notas são atacadas simultaneamente, devemos dividir o número de notas desse agregado pela quantidade de notas que ele deveria ter para preencher todo o âmbito que as envolve (conforme sugerido por Gigue), como calcular a densidade de um conjunto de notas articuladas separadamente? É dessa maneira que a variável tempo (t) entra no cálculo, pois para calcular a densidade de um conjunto de notas articuladas separadamente acreditamos que podemos dividir sua densidade (considerando a estratégia de Mickey de achatar horizontalmente os componentes articulados) pelo tempo que esse conjunto leva para acontecer. Se dividirmos, então, a fórmula de Gigue (DR = DA / nº máx. de notas comportadas pelo âmbito) pelo tempo (t), chegamos à fórmula mostrada anteriormente, onde usamos a letra A para simbolizar o número máximo de notas comportadas pelo âmbito, e onde DRH significa densidaderelativahorizontal 2. Como resultado da intersecção dessas ideias, desenvolvemos um aplicativo computacional que funciona da seguinte maneira: fornecendo um valor para a Densidaderelativahorizontal (DRH), uma margem de aproximação, e valores mínimos e máximos para DA, A, e t, a ferramenta nos dá os valores de DA, A, e t que satisfazem ao DRH fornecido. Em suma, podemos escolher uma densidade qualquer, e saber quais as maneiras possíveis de se atingir tal densidade. A Figura 1 mostra o aplicativo Strawberry (MORAES&SANTOS, 15). Figura 1: Interface do aplicativo Strawberry, utilizado na medição e controle da densidaderelativahorizontal.
4 XXV Congresso da Associação Nacional de Pesquisa e PósGraduação em Música Vitória 15 A margem de aproximação é útil para que tenhamos sempre números inteiros nos parâmetros de DA, A, e t. Dessa maneira, se fornecermos um valor de DRH de 50 e uma margem 0.3, por exemplo, o aplicativo pode gerar resultados para DRH entre e 50.3, preservando assim valores inteiros para os parâmetros de saída a serem utilizados. Passemos, no próximo tópico, ao plenejamento da peça, onde certamente ficará mais claro de que maneira este aplicativo pode ser utilizado. 3. Planejamento A 3º peça do ciclo Dimensões tem como ideia geradora o contorno <41302>, que será aplicado em vários níveis estruturais da peça. Morris (MORRIS apud SAMPAIO, 08: 6) define contorno como sendo um conjunto ordenado de elementos distintos, com ou sem repetição, numerados de forma ascendente 3. Assim sendo, temos como ponto de partida para construção da nossa peça uma sequência de elementos com valores relativos, valores estes que passarão a ser aplicados em diversos elementos ou parâmetros da composição, tais como densidade textural, dimensão temporal, altura, etc. Primeiramente, definimos o número de seções da peça de acordo com o número de elementos desse contorno. Dessa maneira, temos uma peça estruturalmente dividida em 5 seções, e o tamanho de cada uma dessas seções obedece à proporção sugerida pelo contorno, ou seja, em quantidade de compassos, temos 36, 13, 24, 10, e 17 (total de 100 compassos). Além dessas cinco seções principais, há também uma coda que desempenha a função de concluir de maneira efetiva a composição. A Tabela 1 auxiliará a visualização de todos os níveis de planejamento. Após essa divisão macro, passamos a subdividir cada seção em porções menores, obedecendo à proporção implícita em nosso contorno. Essa divisão ocorre em quantidade de compassos na primeira seção (por ser a maior, a primeira seção permite ser dividida dessa maneira) e em quantidade de colcheias nas demais seções (por serem menores, requerendo assim uma divisão em porções menores). Em seguida, escolhemos os tipos de textura que serão utilizados nas cinco seções. Como é possível ver na 3º linha da Tabela 1, temos na primeira seção uma micropolifonia, seguida de massas estáticas na segunda seção. Na porção central temos uma nova micropolifonia, seguida de uma seção com massas estáticas, e, na 5º seção, um pontilhismo. Encerrando a peça, temos uma coda com uma textura de amálgama 4. Essa textura traz retalhos dos três tipos de textura ocorridas na peça (massas, micropolifonia e pontilhismo). Logo após, escolhemos os valores de DRH para cada um dos cinco momentos dentro das seções. Esses valores também obedecem, dentro de cada seção, à proporção gerada pelo contorno <41302>.
5 12e. 5e. 18e. 8e. 25e. 7e. 3e. 11e. 4e. 16e. 10e. 4e. 15e. 6e. 21e. 9e. 4e. 14e. 5e. e. 7b. 4b. 9b. 5b. 11b. Quantidade de compassos (b.) ou colcheias (e.) XXV Congresso da Associação Nacional de Pesquisa e PósGraduação em Música Vitória 15 A escolha das faixas de variação dos valores de DRH para cada seção obedeceu à inversão retrogradada do contorno original (vide exemplificação da nota de rodapé 3 no fim desse trabalho). Como mostram as quinta e sexta linhas da tabela, temos uma divisão da escala de DRH (de 0 a 100) em cinco porções que obedecem ao contorno <24130>. Após a definição desses valores de DRH, passamos a inserir esses números no Strawberry, para obtermos os parâmetros de DA, A, e t. Como pode ser visto na 7º, 8º, 9º, e 10º linhas da Tabela 1, os valores escolhidos para esses parâmetros também seguem o contorno <41302>, com exceção do âmbito da 5º seção, que obedece a esse contorno invertido e retrogradado, ou seja, <24130>, e da 2º seção. A 11º linha da tabela mostra as peculiaridades ligadas ao timbre, técnicas estendidas, e utilização da percussão. Como fica claro na tabela, a obra iniciase com um tutti sem percussão, seguida, na segunda seção, de madeiras, cordas com trêmolos, metais em frulatto, e prato suspenso com trêmolos. Na seção central temos uma micropolifonia nos graves, com surdina nas cordas e metais, e sem percussão. Essa seção é seguida de massas estáticas com modulação tímbrica nas cordas (ordinário para sul ponticello e sul tasto), flauta e metais (ordinário para frulatto), e madeiras. Finalizando a peça, um pontilhismo apenas com pizzicato ordinário nas cordas mais madeiras. A última linha da Tabela 1 demonstra os procedimentos empregados para se enfatizar o âmbito em cada seção. Na primeira e terceira seções temos a repetição constante das notas extremas que delimitam o âmbito. Na segunda e quarta seção a própria sustentação das massas já é em si uma maneira de definir o âmbito. Na última seção, apenas o reforço da dinâmica é utilizado para marcar as notas extremas de cada aglomerado de notas. SEÇÃO 1 SEÇÃO 2 SEÇÃO 3 SEÇÃO 4 SEÇÃO 5 Contorno <4> <1> <3> <0> <2> Textura micropolifonia massas estáticas micropolifonia massas estáticas pontilhismo D RH Tamanho das faixas de D RH (%) 10 <0> 25 <3> 15 <1> 30 <4> <2>
6 Peculiaridades da seção Ênfase no âmbito XXV Congresso da Associação Nacional de Pesquisa e PósGraduação em Música Vitória 15 Divisão da escala D RH D RH D A A t Tutti em micropolifonia Sem percussão Trêmolo cordas; Frulatto metais; Madeiras; Prato suspenso com trêmolos micropolifonia surda sordina cordas e metais Fagote sem percussão Modulação tímbrica Cordas: ord. sul.pont. Metais:ord. frulatto Madeiras:ord. frulatto Prato com arco Trêmolo bombo sinfônico Harmônico cordas Trêmolos cordas Só pizicatto ordinário + madeiras Percussões secas (Woodblocks, claves etc.) Repetição constante das notas extremas Sustentação das notas extremas Repetição contstante das notas extremas Sustentação das notas extremas Reforço da dinãmica Tabela 1: Planejamento da 3º peça do ciclo Dimensões. Uma vez concluída essa etapa do planejamento, definimos num sistema com dois pentagramas para auxiliar a visualização das notas extremas dos âmbitos sugeridos na 9º linha da Tabela 1. A Figura 2 mostra esse sistema, que traz apenas os âmbitos das três primeiras seções. Figura 2: indicação dos âmbitos das três primeiras seções. Em função da limitação de oito páginas para a exposição do presente trabalho, limitaremos aqui a exemplificação da construção musical a apenas um trecho da peça. Na primeira seção, temos na 1º coluna das linhas 7º, 8º, 9º, e 10º, os parâmetros básicos que nos
7 XXV Congresso da Associação Nacional de Pesquisa e PósGraduação em Música Vitória 15 servirão de guia para compor. Temos, conforme indicado na tabela, 1980 notas que devem acontecer dentro de um âmbito de 45 notas cromáticas (e não 45 semitons, como já mencionado anteriormente), num intervalo de tempo de 44 colcheias. Todos os instrumentos são utilizados, como sugere a 11º linha da tabela, e as notas extremas do âmbito são destacadas através de uma constante repetição distribuída entre os instrumentos. Parte dessa seção inicial da obra é mostrada na Figura 3. Figura 3: Trecho da seção inicial da peça. 3. Conclusão A partir do planejamento proposto, foi possível estruturar uma composição partindo basicamente de um contorno, que foi aplicado em diversos parâmetros da composição, desde a proporção temporal das suas seções até valores relacionados à densidade
8 XXV Congresso da Associação Nacional de Pesquisa e PósGraduação em Música Vitória 15 textural. O aplicativo computacional Strawberry mostrouse muito útil no auxílio à atividade composicional, fornecendo com rapidez e praticidade inúmeras opções de parâmetros possíveis para satisfazer os valores de densidaderelativahorizontal desejados, permitindo assim a construção de estruturas bem projetadas e planejadas. A partir da elaboração deste trabalho, podemos observar que a proposta composicional mais ampla se mostra bastante prolífera. Essa proposta mais ampla pode ser definida, genericamente, como a criação de planos composicionais tomandose como materiais básicos três tipos de textura e as manipulações do teor quantitativo de tais texturas. Referências BERRY, Wallace. Structural Functions in Music. Engliwood Cliffs: Dover, COPE, David. New Directions in Music. 6º ed. Dubuque: Wm. C. Brown Communications, Inc GUIGUE, D. Estética da Sonoridade. São Paulo: Editora Perspectiva S.A, 11. MICKEY, Daniel Dewitt. An Analysis of Texture in Selected Piano Etudes of Chopin and Scriabin. Tese de Mestrado. Ohio State University, , São Paulo. Anais do XXIV Congresso da Anppom. 14. MORAES, Pedro; SANTOS, Raphael. Strawberry. 15. SAMPAIO, Marcos da Silva. 08. Em Torno da Romã: Aplicações de operações com contornos na composição. Salvador. 79f. Dissertação (Mestrado em Composição), Universidade Federal da Bahia, Salvador, 08. SCHWARTZ, Elliott; Godfrey, Daniel. Music since New York: Schirmer, c1993. SADIE, Stanley. Range [compass]. The New Grove Dictionary of Music and Musician. London: Macmillan Publishers Limited WENNERSTROM, Mary. Form in Twentieth Century Music. In: WITTLICH, Gary (Ed.). Aspects of TwentiethCentury Music. Englewood Cliffs, NJ: PrenticeHall, p Notas 1 Stanley Sadie define o âmbito ( range ) como A extensão de um instrumento ou de uma voz da nota mais grave à mais aguda; o intervalo entre essas notas.(...) (SADIE, 1988) 2 A proposta composicional de lidar com a distribuição da densidade em função do tempo, apresentada nesse trabalho, difere da proposta analítica das ferramentas disponíveis na biblioteca SOAL (Sonic Objet Analysis Library), que possibilita a análise a partir de um arquivo MIDI. 3 Para exemplificar na prática a implicação desta definição, vejamos como funcionaria a representação gráfica e o modelo de terminologia associados a um contorno qualquer. Se tivermos, por exemplo, a sequência de alturas, podemos representálos como, ou seja, <41302>. E, a partir daí, podemos aplicar operações de inversão, que nos daria (<03142>), seguida de retrogradação: (<24130>), etc. Nesse exemplo, partimos de alturas para chegar a contornos genéricos. É interessante observar que esses contornos representam relações não exatas entre parâmetros. Dessa maneira, podemos partir, por exemplo, do contorno <41302> extraído das alturas mostradas anteriormente, e escrever uma proporção com figuras rítmicas que obedeça a esse contorno:. Nesse caso, consideramos o menor elemento do contorno <0> como sendo correspondente à menor figura (semicolcheia), e o maior elemento (<4>) como sendo correspondente à maior figura. 4 Wennestrom (1975: 5) define amálgama como a síntese de eventos sonoros em uma unidade interparamétrica onde os parâmetros atuam juntos
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