V COLÓQUIO DE EDUCAÇÃO MATEMÁTICA CONSTRUÇÃO DE PRODUTOS EDUCACIONAIS PARA O ENSINO DE MATEMÁTICA A ESTUDANTES SEM ACUIDADE VISUAL Felipe Almeida de Mello 1 Paula Reis de Miranda 2 Resumo: Este trabalho faz parte de uma pesquisa do Programa Institucional de Bolsas de Iniciação Científica do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Sudeste de Minas Gerais Campus Rio Pomba, intitulada Cálculo para alunos cegos: desafios e possibilidades, realizada em 2016, que teve como objetivo elucidar e analisar o desenvolvimento no processo de ensino e aprendizagem de conteúdos matemáticos para um estudante sem acuidade visual do curso de Bacharel em Administração. Esta pesquisa tem cunho qualitativo e esta coligada à pesquisa-ação conduzida por uma professora do curso de Licenciatura em Matemática e dois de seus alunos futuros professores. Durante o processo de pesquisa foi possível à confecção de dois materiais didáticos tácteis: um para o ensino de relações entre conjuntos o ConjunTáctil e outro para o trabalho com valor numérico de funções afim a Caixa Algébrica. Descreve-se, assim, neste trabalho, as possibilidades da construção e uso de ferramentas tácteis na inclusão do processo de ensino e aprendizagem de matemática por educandos cegos. Palavras-chave: Deficiência visual, Produtos educacionais, Fundamentos de Cálculo. Abstract: This work is part of an search of Institutional Program of Scientific Initiation Scholarships from the Federal Institute of Education, Science and Technology in the Southeast of Minas Gerais Campus Rio Pomba, entitled Calculation for blind students: challenges and possibilities, held in 2016, which aimed to elucidate and analyze the development in the process of teaching and learning of mathematical content for a student with no visual acuity of the course Bachelor of science in Business Administration. This research has qualitative nature and this connected to the action research conducted by a teacher of the course degree in Mathematics and two of his students future teachers. During the research process was possible the making of two learning materials: one for teaching of relationships between sets the ConjunTáctil and another to work with numeric value of affine functions the Algebraic Box. Describes, in this work, the possibilities of the construction and use of tactile tools on inclusion of the teaching and learning process of mathematics for blind learners. Key Words: Visual impairment, Educational products, Fundamentals of Calculation. 1. INCLUSÃO E EDUCAÇÃO MATEMÁTICA A educação é direito de todos os cidadãos garantido pela Constituição Brasileira de 1988, desta forma, o espaço escolar torna-se um local de diversidade e de amplos meios para a construção do conhecimento científico, cultural e social pelos educandos. Sendo assim, estudantes portadores de algum tipo de deficiência sejam elas: intelectual, auditiva, física ou visual integram esta diversidade de educandos nas escolas de ensino regular 1 Licenciando em Matemática do IF Sudeste MG Campus Rio Pomba Bolsista de Iniciação Científica pela FAPEMIG felipemelloifsudeste@gmail.com 2 Doutora em Educação Professora do Departamento Acadêmico de Matemática, Física e Estatística do IF Sudeste MG Campus Rio Pomba paula.reis@ifsudestemg.edu.br 1
prescrito pelo art. 208, inciso III que diz atendimento educacional especializado aos portadores de deficiência, preferencialmente na rede regular de ensino (BRASIL, 1988, p. 121). Portanto, para o sucesso da integração de todos ao conhecimento, há necessidade de um atendimento especializado com profissionais capacitados e métodos que auxiliem no processo de ensino e aprendizagem. Para auxiliar no processo de ensino e aprendizagem de estudantes com necessidades educacionais especiais e explorar a potencialidade destes educandos, cabe ao professor utilizar-se de ferramentas que valorizem as habilidades e competências dos estudantes e não suas limitações (FERNANDES e HEALY, 2009; MELLO, CAETANO e MIRANDA, 2017). Corroborando com a proposta de inclusão, podemos refletir sobre os estudos da Educação Matemática, como por exemplo, a visão de D Ambrósio sobre a pesquisa como uma "interface interativa entre teoria e prática (2009, p. 79), que possibilita uma educação emancipatória para todos. Nesse contexto, a pesquisa pode mobilizar teoria e prática, aprimorando os métodos de ensino e de aprendizagem de matemática nas distintas etapas e níveis de conhecimento, buscando, a partir da realidade e da potencialidade dos educandos o desenvolvimento, pelo professor, de ferramentas para mediar à construção do conhecimento matemático. 2. CONTEXTO DA PESQUISA Há quase dois anos, uma professora e dois estudantes do curso de Licenciatura em Matemática do IF Sudeste MG Campus Rio Pomba investigam e acompanham um educando cego do curso de Bacharel em Administração por meio de distintos projetos 3 aliando pesquisa e prática. Neste caminho surgiram dificuldades, novas compreensões sobre saberes e percepções matemáticas e foram sendo construídas ferramentas tácteis para o ensino de conteúdos matemáticos, corroborando, assim, a importância da pesquisa para criação de produtos educacionais que ampliem a integração do conhecimento. Especialmente, neste trabalho, serão apresentados dois produtos educacionais advindos de um projeto científico 4 que analisou e elucidou as possibilidades e desafios do ensino e aprendizagem de matemática por um educando sem acuidade visual. Os materiais foram criados, confeccionados, aplicados e validados no processo de ensino dos conteúdos de relações entre conjuntos e de valor numérico de uma função afim para a disciplina de Fundamentos de Cálculo para um educando cego, no ensino superior do curso de bacharelado em Administração, do IF Sudeste MG Campus Rio Pomba. 3 Acompanhamento do estudante pelo projeto de extensão/ensino Matemática para Além da Visão e pelo projeto de pesquisa Cálculo para alunos cegos: desafios e possibilidades. 4 Projeto de pesquisa Cálculo para alunos cegos: desafios e possibilidades fomentada pela Fundação de Amparo à Pesquisa de Minas Gerais FAPEMIG. 2
A seguir serão apresentadas a construção e as potencialidades de cada ferramenta, assim como, uma breve descrição de sua utilização e os resultados alcançados pelo educando sem acuidade visual. 3. CONSTRUÇÃO DAS FERRAMENTAS TÁCTEIS As ferramentas tácteis são um dos recursos que devem ser adaptados às necessidades específicas dos educandos, pois, no processo ensino e aprendizagem, torna-se essencial a estimulação de um dos principais canais de exploração do aprendiz com deficiência visual o tato ativo ou háptico (FERNANDES e HEALY, 2007). As duas ferramentas tácteis confeccionadas seguem os critérios de eficiência de Cerqueira e Ferreira (2000) que buscam atender algumas características como: tamanho, significação táctil, fidelidade ao modelo original, facilidade de manuseio, resistência e segurança. Além disso, foram também levadas em consideração as orientações dos Parâmetros Curriculares Nacionais: Adaptações Curriculares (1998) que tratam da disseminação do conhecimento por meio da construção de ferramentas educacionais com baixo custo e com facilidade de reprodução, isso para suprir a realidade de inúmeras instituições escolares na aquisição e confecção de seus próprios materiais educativos. Nesta seção, serão apresentados os materiais criados. 3.1. CONJUNTÁCTIL A confecção da ferramenta é de simples execução, mas deve-se ter cuidado na escolha dos materiais, pois estes precisam ser sentidos pelo tato do educando. Por isso, optou-se por materiais em alto relevo ou que apresentem algum tipo de atrito, a fim de que o educando sem acuidade visual faça a leitura dessa ferramenta educativa intitulada ConjunTáctil, como papéis ondulados, lixas, tecidos, etc. Este material táctil potencializa o ensino de relações entre conjuntos, funções e tipos de funções. O modelo para a construção do material é baseado no Diagrama de Venn (IEZZI e MURAKAMI, 2004) e para a construção da ferramenta foram utilizados: papel cartão, folha emborrachada (EVA) e ondulada de texturas distintas, palitos de fósforos e cola branca. Na construção desta ferramenta há um cuidado especial, pois os elementos dos conjuntos devem ser cortados de forma padronizada para que o estudante possa reconhecer e compreender a quantidade de elementos de cada conjunto, sua relação de correspondência com outros conjuntos e a definição dos conjuntos Domínio, Contradomínio e Imagem de uma função. A montagem da ferramenta pode ser feita em uma base em papel cartão cortados no tamanho 10x12 cm, depois em uma folha emborrachada risque e corte quadrados de 2 cm e faça o mesmo com a folha ondulada, veja o material utilizado na Figura 1. 3
Figura 1 - Material para a construção da ferramenta Com todo o material cortado e organizado, foi realizada a construção de diferentes relações entre conjuntos, como apresentado na Figura 2. Figura 2 Relações que representam ou não funções Ao apresentar o material, é aconselhável que o educando tateie a ferramenta para reconhecer sua formação e composição. Após este momento de descoberta, inicia-se o trabalho com o aprendiz, introduzindo o conceito de relação entre conjuntos com o apoio da ferramenta. No acompanhamento do educando foi realizada uma aula oral sobre conjuntos e a relação entre eles, em seguida, com o auxílio da ferramenta, foram questionados sobre as relações que não representavam funções, relações que são funções, identificação do conjunto Domínio, Contradomínio e Imagem de funções. A partir da resposta e das perguntas elaboradas pelo 4
estudante percebeu-se que a ferramenta contribuiu para uma aprendizagem significativa do conteúdo (AUSUBEL, 1982). 3.2. CAIXA ALGÉBRICA Para a manipulação algébrica de funções afim foi confeccionada a ferramenta táctil intitulada Caixa Algébrica. Sua confecção também é simples, pois demanda de materiais acessíveis como: papel cartão, folha emborrachada (EVA), isopor, caixas e palitos de fósforos e dois tipos de pinos ou grãos para que o educando possa contar, de maneira diferenciada, números inteiros negativos e positivos. A Figura 3 mostra o produto em sua montagem parcial sobre uma base, onde cada caixa representa os termos da lei de formação da função afim. Figura 3 - Montagem parcial da ferramenta Para atender às necessidades e explorar o conhecimento do educando foi utilizada a escrita Braille para a leitura dos termos matemáticos que representam a lei de formação de uma função afim (seus respectivos termos literais, coeficientes e operações). Nesta ferramenta, a primeira caixa de fósforos corresponde a f, a segunda caixa a x, onde a variável pode ser substituída por uma quantidade qualquer de pinos (distinguindo em inteiros positivos e negativos), permitindo ao professor trabalhar os valores numéricos de uma função afim. Na terceira caixa de fósforos se encontra o sinal de =, em seguida é representado o coeficiente angular (a) da função, permitindo o professor fixar com pinos o coeficiente. Na caixa a seguir o sinal de é representado em Braille. Na sexta caixa é representado a variável (x), cabendo ao educando preenche-lo com a mesma quantidade de pinos utilizada na segunda caixa, ou seja, o valor do Domínio, em seguida é representado à operação de soma, e por último, o professor pode fixar o valor do coeficiente linear (b) da função. Após o preenchimento das caixinhas com os pinos, o educando tem a tarefa de verificar a função e calcular o valor numérico de acordo com o Domínio. Na Figura 04, a ferramenta táctil está finalizada e acompanhada de pinos que descrevem a função f(x) = 4x + 2. 5
Figura 4 - Caixa Algébrica com uma função definida A opção para construção desta ferramenta foi dar ao educando um ponto de referência para que explorasse as leis de formação das diferentes funções estudadas durante o curso e a linguagem matemática, muito próxima dos alunos videntes e das aulas expositivas. Na aplicação de atividades com a utilização da ferramenta percebeu-se a facilidade do estudante em entender o significado de f(x), compreender Domínio, a formação de pares ordenados para construção de gráficos e determinar a Imagem de uma função. Todavia, vale destacar que o educando apresentava certa dificuldade em operar com valores negativos. 4. O CAMINHO PELA FRENTE Durante esses quase dois anos acompanhando e vivenciando o ensino de Matemática para um estudante cego no curso superior de Administração, foi possível observar um pouco de como se dá o processo de ensino e aprendizagem por um educando cego e as dificuldades encontradas nessa trajetória. Um das dificuldades encontradas está relacionada aos materiais para se trabalhar com educandos cegos, sendo necessário a confecção de alguns deles que gerou este trabalho. Neste trabalho, viu-se algumas possibilidades de criação e confecção do material de baixo custo e adaptado às necessidades do estudante para o seu desenvolvimento, especialmente quando se utiliza o tato como canal de aprendizado. Vale destacar ainda que essas ferramentas têm suas limitações e restrições, mas, ao mesmo tempo, percebe-se que, por meio de pequenas ações de estudo e diálogo, torna-se possível iniciar a constituição de um ambiente pedagógico propício para a estruturação de novas práticas 6
educativas e para a construção de ferramentas tácteis que possibilitem aos educandos cegos aprender os conhecimentos matemáticos. Assim, almeja-se que a educação matemática inclusiva (RODRIGUES, 2010) seja difundida em todos os níveis de ensino, permitindo a ampliação dos conhecimentos matemáticos dos estudantes e a ampliação de seus caminhos ao longo de um horizonte da inclusão social e educacional. 5. REFERÊNCIAS AUSUBEL, D. P. A aprendizagem significativa: a teoria de David Ausubel. São Paulo: Hucitec, 1982. BRASIL. Casa Civil. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Brasília, 1988. Disponível em: <https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm>. Acesso em: 30 jul. 2017.. Ministério da Educação. Secretaria de Educação Fundamental. Secretaria de Educação Especial. Parâmetros Curriculares Nacionais: Adaptações Curriculares. Brasília, 1998. CERQUEIRA, J. B.; FERREIRA, E. de M. B. Recursos didáticos na educação especial. Benjamin Constant. 5. ed. Rio de Janeiro: IBCENTRO, p. 24-29, 2000. D AMBRÓSIO, U. Etnomatemática: elo entre as tradições e a modernidade. 2. ed. Belo Horizonte: Autêntica, 2007. FERNANDES, S. H.A A.; HEALY, L. Desafios associados à inclusão de alunos cegos e com baixa visão nas avaliações escolares. In: Escritos Pedagógicos, v. 4, p. 119-139, 2009.. Ensaio sobre a inclusão na educação matemática. Revista Iberoamericana de Educação Matemática, n. 10, p. 59-76, jun. 2007. IEZZI, G., MURAKAMI, C. Fundamentos da Matemática Elementar, v. 1, 8. ed. São Paulo: Atual, 2004. MELLO, F. A., CAETANO, J. L. P, MIRANDA, P. R. Ferramentas tácteis no ensino de Matemática para um estudante cego: uma experiência no IF Sudeste MG. Revista Eletrônica de Matemática, v. 3, n. 1, p. 11-25, jun. 2017. Disponível em: <https://periodicos.ifrs.edu.br/index.php/remat/article/view/2209>. Acesso em: 10 ago. 2017. RODRIGUES, T. D. Educação Matemática Inclusiva. Interfaces da Educação, v. 1, n. 3, p. 84-92, 2010. Disponível em: <https://periodicosonline.uems.br/index.php/interfaces/article/view/620/584>. Acesso em: 10 ago. 2017. 7