Registros de capturas acidentais de aves e répteis em armadilhas para mamíferos no estado da Bahia, Brasil



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Transcrição:

ISSN 1981-8874 Registros de capturas acidentais de aves e 9 771981 887003 0 0 1 7 5 répteis em armadilhas para mamíferos no estado da Bahia, Brasil Marco Antonio de Freitas 1, Thiago Filadelfo Miranda 2, Daniella Pereira Fagundes de França 3, Janete Abraão 4, Leandro Oliveira 5, Daniel Capelli da Silva 6, Daniel Araujo 7, Candelária Estavilho 8, Rafael Alves 8, Breno Hamdan 9, Oberdan Coutinho Nunes 10, Mateus Carvalho 11, Daniela Pinto Coelho 6, Rafael Oliveira de Abreu 6 & Thaís Figueiredo Santos Silva 12 A captura de vertebrados terrestres através de levantamento de fauna para compor Estudos de Impacto Ambiental tem crescido de forma ampla no Brasil (Vasconcelos 2006). Com o maior rigor adotado nas atividades de licenciamento ambiental seguindo a normatização proposta pela Política Nacional de Meio Ambiente (TCU 2007), o número de informações biológicas de campo tem aumentado consideravelmente. Infelizmente, poucos são os estudos que se tornam disponíveis como publicações, dados estes que poderiam representar um melhor refinamento do conhecimento sobre a distribuição geográfica, da conservação e mesmo de inúmeras questões ecológicas das espécies (Straube et al. 2010). Uma das metodologias para estudos e inventários de mamíferos terrestres tem sido a captura através de armadilhas do tipo Tomahawk e Shermann, largamente empregadas por sua praticidade e eficiência (Freitas 2012). Capturas de outros vertebrados em armadilhas para mamíferos são uma constante nos levantamentos de mamíferos com armadilhas metálicas (González 1997, Ghizoni-Jr & Graipel 2005). No Brasil, o único estudo conhecido sobre o assunto (Ghizoni-Jr & Graipel 2005) verificou diversas capturas de outros vertebrados que não eram o objetivo do inventário. Este trabalho objetivou relatar informações sobre capturas acidentais de aves e répteis em armadilhas para mamíferos baseados em informações contidas Figura 1. Proporção bruta dos diferentes tipos de iscas utilizadas com sucesso nas armadilhas de captura de mamíferos. Tipos de isca VEG: itens vegetais, ANI: itens animais, ANI+VEG: itens animais e vegetais juntos, DENDÊ: sementes de dendê. em diversos inventários de campo realizados na Bahia através de diversos consultores ambientais. Material e Métodos Este estudo foi baseado na análise de capturas acidentais de espécies de aves e répteis no estado da Bahia entre os anos de 1994 e 2012 em diversos registros de capturas. Foram reunidas informações de 20 inventários faunísticos efetuados pelos autores em trabalhos no estado da Bahia, principalmente de consultorias ambientais (Estudos de Impacto Ambiental - EIA), realizados nos biomas mais abrangentes deste estado: Caatinga, Cerrado e Mata Atlântica. Os dados foram coletados nos seguintes municípios: Caetité, Camamú, Camassandí, Camaçari, Correntina, Ilhéus, Itamarajú, Ituaçú, Mata de São João, Maracás, Maragojipe, Mucugê, Nilo Peçanha, Salvador, São Desidério, Vereda e Xique-Xique. Foram considerados como capturados acidentalmente todas as espécies de vertebrados que não fossem mamíferos, alvo principal nos levantamentos. As armadilhas utilizadas nos diferentes trabalhos com dados aqui reunidos foram do tipo Tomahawk e Shermann, de tamanhos e Atualidades Ornitológicas On-line Nº 175 - Setembro/Outubro 2013 - www.ao.com.br 41

Figura 2. Crypturellus parvirostris capturado em São Desidério (Foto: Marco Freitas). Figura 3. Cathartes burrovianus capturado em Mata de São João (Foto: Oberdan Nunes). Figura 4. Rupornis magnirostris capturado em Vereda (Foto: Janete Abrão). Figura 5. Caracara plancus capturado em Mata de São João (Foto: Oberdan Nunes). dimensões variadas oscilando entre 70 X 40 cm as maiores e 10 X 20 cm as menores, e montadas na maioria das vezes no solo. A armadilha tipo Tomahawk é retangular com paredes gradeadas de ferro e uma porta na extremidade que se fecha quando o gatilho iscado na outra extremidade da armadilha é disparado; o tipo Shermann segue a mesma estrutura, com placas de alumínio no lugar das grades vazadas (Fox & Papouchis 2004). Em geral, tais tipos de armadilha eram armadas em igual proporção durante um levantamento, havendo sempre as mesmas chances de captura para o tipo Tomahawk ou Shermann. O ambiente para montagem das armadilhas levou em conta áreas que fossem próximas de passagens de mamíferos ou que possuíssem vestígios destes. As iscas utilizadas nos diferentes trabalhos consistiram principalmente da combinação de itens de forte odor vegetal, como pasta de amendoim, abacaxi e banana; e animal, como bacon, sardinha, calabresa defumada, pasta de carne ou pedaços de frango (Figura 1). O uso da paçoca de amendoim ou fubá de milho era associado à margarina ou emulsão de fígado de bacalhau para formar uma pasta mais consistente antes de ser fixada nas armadilhas. Sementes de dendê foram utilizadas apenas no bioma Mata Atlântica, quando estas eram abundantes na área amostrada. As aves foram listadas através da Lista Primária de Aves do Brasil, publicada pelo Comitê Brasileiro de Registros Ornitológicos (CBRO 2011); a classificação 42 Atualidades Ornitológicas On-line Nº 175 - Setembro/Outubro 2013 - www.ao.com.br

Figura 6. Aramides cajanea capturada em Salvador (Foto: Daniel Araujo). Figura 7. Leptotila sp. capturada em Ilhéus (Foto: Thiago Miranda). Figura 8. Sakesphorus cristatus capturado em Mucugê (Foto: Marco Freitas). taxonômica também seguiu a proposta deste Comitê. A dieta predominante das espécies foi determinada por observações e pelo conhecimento prévio dos autores a partir de observações em campo e por registros em literatura (Sick 1997). Os répteis foram identificados e classificados através da Lista Brasileira de Répteis (Bérnils & Costa 2012). A dieta foi determinada por observação em campo dos autores e por registros em literaturas específicas sobre répteis no Nordeste do Brasil (Freitas 2003, Freitas & Silva 2005, 2007). Figura 9. Cyanocorax cyanopogon capturado em Ituaçu (Foto: Thiago Miranda). Resultados e Discussão Os dados reunidos neste trabalho registraram um total de 73 capturas acidentais de 27 espécies de vertebrados terrestres (Tabela 1). Foram 21 espécies de aves (n = 51 capturas) distribuídas em 10 ordens e 15 famílias; e seis de répteis (n = 22) reunidas em uma única ordem e quatro famílias. O fato da maior parte dos registros ter sido de aves já era esperado, uma vez que esta classe apresenta a maior diversidade entre os vertebrados terrestres do mundo (Sabino & Prado 2006). O Brasil ocupa a segunda posição no ranking de países de maior riqueza de espécies (CBRO 2011) e é esta alta diversidade de aves que garante a ocupação de um maior número de nichos enquanto outros vertebrados terrestres possuem limitações de distribuição quanto a determinados recursos (e.g., anfíbios) ou períodos de atividade Atualidades Ornitológicas On-line Nº 175 - Setembro/Outubro 2013 - www.ao.com.br 43

Figura 10. Lagarto Salvator merianae capturado em restinga em Camaçari (Foto: Marco Freitas). Figura 11. Lagarto Ameiva ameiva capturado em restinga em Camaçari (Foto: Marco Freitas). Figura 12. Lagarto Tropidurus hispidus capturado em Xique-Xique (Foto: Marco Freitas). ao longo do ano (e.g., répteis) (Ghizoni-Jr. & Graipel 2005, Freitas & Silva 2007). A maioria dos espécimes de aves capturados era adulta (apenas dois jovens); o sexo só pôde ser aferido em Sakesphorus cristatus (choca- -do-nordeste), que apresentou uma razão sexual equilibrada (10 fêmeas e 12 machos). A família Thamnophilidae foi a mais abundante com um indivíduo de Myrmorchilus strigilatus (piu-piu) e 22 de S. cristatus, ambas espécies comuns na Caatinga e com hábitos de forrageio no estrato baixo, por vezes terrícolas (Sick 1997), o que poderia justificar tal frequência de captura. Entre os demais registros, cada espécie encontrada nas armadilhas foi registrada no máximo três vezes, o que confirma a casualidade dos mesmos. A maioria das capturas foi pela armadilha tipo Tomahawk (98%) que, ao contrário da Shermann, apresenta paredes vazadas com grades que permitem ver o ambiente externo. É possível que as aves tenham se sentido mais seguras para tentar alcançar as iscas neste tipo de armadilha atraídas visualmente e não pelo olfato. Um Crypturellus parvirostris (inhambú-chororó) adulto foi capturado em um pasto sujo, sob domínio da Mata Atlântica, em abril de 2011, juntamente com seus dois filhotes de poucas semanas de vida - um deles estava dentro da armadilha e o outro aguardava do lado de fora. O período de atividade reprodutiva desta espécie no Cerrado do Brasil Central se inicia em setembro e se estende até o início de dezembro (Marini et al. 2012), e na Mata Atlântica esta espécie parece estender sua reprodução acompanhando a estação chuvosa (observação pessoal dos autores). Algumas capturas podem ser inteiramente justificadas pelo tipo de isca utilizada. As aves pertencentes à família Cathartidae possuem predominância do hábito necrófago e, Falconidae e Accipitridae, hábitos carnívoros, podendo ocasionalmen- 44 Atualidades Ornitológicas On-line Nº 175 - Setembro/Outubro 2013 - www.ao.com.br

te comer restos de animais mortos (Sick 1997); é possível que estas tenham sido atraídas pelo forte odor dos itens de origem animal (pedaços de frango, calabresa defumada e bacon) que foram distribuídos entre as armadilhas em que esses indivíduos foram capturados (Tabela 2). As iscas só com itens vegetais, e principalmente as que incluíam pasta de amendoim, foram imensamente atrativas para a maioria dos animais, tão quanto às iscas mistas que combinaram itens vegetais e animais - estas foram as que atraíram uma maior diversidade de espécies. É possível que aves mais generalistas tenham sido atraídas pelos artrópodes que se alimentavam da isca (Ghizoni-Jr. & Graipel 2005). Os artrópodes estão presentes normalmente na dieta de lagartos teiídeos (Silva & Araújo 2008) e na de aves das famílias Thamnophilidae, Furnariidae, Corvidae e Thraupidae (Sick 1997). As iscas do tipo frutos de dendê foram atrativas para Leptotila sp. e para Turdus amaurochalinus (Tabela 2), espécies que forrageiam muito no solo e incluem frutos em suas dietas. Lima et al. (2007), em trabalho realizado na Bahia sobre as aves consumidoras de dendê, registraram 18 espécies, incluindo um Columbidae (Columbina squammata) e dois Turdidae (T. rufiventris e T. leucomelas) se alimentando de dendê, corroborando nossas observações que incluem mais duas espécies de aves não antes registradas utilizando este recurso alimentar. Apesar de determinadas espécies exigirem certos tipos específicos de iscas para sua captura, o uso das mesmas como atrativos olfativos permitiu a captura de várias espécies de aves e até mesmo répteis, incluindo algumas de dieta oportunista, como também observado por Ghizoni-Jr. & Graipel (2005). Tanto espécies que forrageiam em estrato alto quanto baixo podem ser capturadas, sendo as iscas que mesclaram itens de origem animal e vegetal de forte odor as que obtêm o maior número de capturas. Referências Bibliográficas Bérnils, R.S & H.C. Costa (org.) (2012) Répteis brasileiros: Lista de espécies. Versão 2012.2. Disponível em <http://www. sbherpetologia.org.br>. Sociedade Brasileira de Herpetologia. Acesso em: 20 de fevereiro de 2013. CBRO - Comitê Brasileiro de Registros Ornitológicos (2011) Listas das aves do Brasil. 10ª Edição. Disponível em <http:// www.cbro.org.br>. Acesso em: 20 de fevereiro de 2013. Freitas, M.A. (2003) Serpentes Brasileiras. Lauro de Freitas: Malha-de-Sapo Publicações e Consultoria Ambiental. Freitas, M.A. (2012) Mamíferos no Nordeste Brasileiro. Pelotas: Ed USEB. Freitas, M.A. & T.F.S. Silva (2005) Guia Ilustrado: a Herpetofauna da Mata Atlântica Nordestina. Pelotas: Ed USEB. Freitas, M.A & T.F.S. Silva (2007) Guia Ilustrado, Herpetofauna das Caatingas e áreas de altitude do Nordeste Brasileiro. Pelotas: Ed USEB. Fox, C.H. & C.M. Papouchis (2004) Cull of the wild: a contemporary analysis of Wildlife Trapping in the United States. Sacramento, Califórnia. Animal Protection Institute. Ghizoni-Jr, I.R & M.E. Graipel (2005) Capturas acidentais de vertebrados em estudos com pequenos mamíferos no estado de Santa Catarina, sul do Brasil. Biotemas 18(1): 163-180.González, E.M (1997) Vertebrados (Aves, Reptilia y Amphibia) capturados accidentalmente en trampas para micromamíferos en Uruguay. Comunicaciones zoologicas del museo de historia natural de Montevideo 12(188): 1-6. Lima, D.M., E.L. Neves & C.G. Machado (2007) Frugivoria por aves em Elaeis guineensis Jacq. (Arecaceae) na Costa do Dendê, Valença, Bahia, Brasil. Sitientibus Série Ciências Biológicas 7(4): 354-359. Marini, M.A, F.J.A. Borges, F.J.A., L.E. Lopes., N.O.M. Sousa., D.T. Gressler., L.V. Paiva., C. Duca., L.T. Manica., S.S Rodrigues., L.F. França., P.M. Costa., L.C. França., N.M. Heming., M.B. Silveira., Z.P. Pereira., Y. Lobo., R.C.S. Medeiros & J.J. Roper (2012) Breeding biology of birds in the Cerrado of Central Brazil. Ornitologia Neotropical 23: 385-405. Sabino, J. & P.I.K.L. Prado (2006) Vertebrados. In: Lewinsohn, T.M. (org.). Avaliação do Conhecimento da Biodiversidade Brasileira. Brasília, Ed. MMA: Série Biodiversidade 15 21-108. Sick, H. (1997) Ornitologia brasileira. Rio de Janeiro: Nova Fronteira. Silva, V.N. & A.F.B. Araújo (2008) Ecologia dos Lagartos Brasileiros. Rio de Janeiro: Technical Books. Straube, F.C., M.F Vasconcelos, A. Urben-Filho & J.F. Cândido-Jr (2010) Protocolo mínimo para levantamentos de avifauna em Estudos de Impacto Ambiental, p. 1-16. In: Von Matter, S., F.C. Straube, I.A. Accordi, V.Q. Piacentini & J.F. Cândido-Jr. (eds.). Ornitologia e conservação: ciência aplicada, técnicas de pesquisa e levantamento. Rio de Janeiro: Technical Books. TCU Tribunal de Contas da União (2007) Cartilha de Licenciamento Ambiental 2. ed. Brasília: 4ª Secretaria de Controle Externo. Vasconcelos, M.F. (2006) Uma opinião crítica sobre a qualidade e a utilidade dos trabalhos de consultoria ambiental sobre avifauna. Atualidades Ornitológicas 131: 10-12. 1 Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio). BR 222, KM 12, Pequiá. Açailândia, MA. CEP-65930000. E-mail philodryas@hotmail.com 2 Programa de Pós-Graduação em Ecologia, Universidade de Brasília, Brasília, DF. 3 Programa de Pós-Graduação em Ecologia e Manejo de Recursos Naturais, Universidade Federal do Acre, Rio Branco, AC. 4 Centro de Pesquisa e Conservação de Ecossistemas Aquáticos, Salvador, BA. 5 Programa de Pós-graduação em Zoologia, Universidade Estadual de Santa Cruz, Ilhéus, BA. 6 Programa de Pós-Graduação em Diversidade Animal, Universidade Federal da Bahia, Salvador, BA. 7 Naturam Consultoria, Salvador, BA. 8 Programa de Pós-Graduação em Ecologia, Universidade Federal da Bahia, Salvador, BA. 9 Programa de Pós-Graduação em Zoologia, Museu Nacional de Zoologia, Rio de Janeiro, RJ. 10 Instituto de Medicina Veterinária, Universidade Federal da Bahia, Salvador, BA. 11 Programa de Pós-Graduação em Zoologia, Universidade Estadual de Feira de Santana, Feira de Santana, BA. 12 Ecologic Consultoria Ambiental Ltda., Lauro de Freias, BA. Atualidades Ornitológicas On-line Nº 175 - Setembro/Outubro 2013 - www.ao.com.br 45

Tabela 1. Distribuição das ordens, famílias e espécies, nomes populares, quantidades de capturas, dieta dos vertebrados capturados e tipo de isca utilizado nas armadilhas. Dieta ONI: onívora, INS: insetívora, CAR: carnívora, NEC: necrófaga, FRU: frugívora; Isca VEG: itens vegetais, ANI: itens animais, ANI+VEG: itens animais e vegetais juntos, DENDÊ: sementes de dendê. TINAMIFORMES: TINAMIDAE AVES Táxon Nome Popular Capturas Dieta Isca Crypturellus tataupa inhambu-chintã 1 ONI ANI+VEG Crypturellus parvirostris (Figura 2) inhambu-chororó 1 ONI VEG GALLIFORMES: CRACIDAE Ortalis guttata aracuã 1 ONI ANI+VEG PELECANIFORMES: ARDEIDAE Butorides striata socozinho 1 ONI VEG CATHARTIFORMES: CATHARTIDAE Coragyps atratus urubu-comum 1 NEC ANI+VEG Cathartes aura urubu-de-cabeça-vermelha 3 NEC ANI Cathartes burrovianus (Figura 3) urubu-de-cabeça-amarela 2 NEC ANI e ANI+VEG ACCIPITRIFORMES: ACCIPITRIDAE Rupornis magnirostris (Figura 4) gavião-carijó 3 CAR ANI e ANI+VEG FALCONIFORMES: FALCONIDAE Caracara plancus (Figura 5) carcará 1 ONI ANI+VEG GRUIFORMES: RALLIDAE Aramides cajanea (Figura 6) saracura-três-potes 1 ONI ANI+VEG Laterallus viridis sanã-castanha 2 ONI VEG e ANI+VEG COLUMBIFORMES: COLUMBIDAE Leptotila sp. (Figura 7) juriti 2 FRU DENDÊ CUCULIFORMES: CUCULIDAE Crotophaga ani anu-preto 1 INS VEG Tapera naevia saci 1 INS VEG PASSERIFORMES: THAMNOPHILIDAE Sakesphorus cristatus (Figura 8) choca-do-nordeste 22 INS ANI+VEG Myrmorchilus strigilatus piu-piu 1 INS ANI+VEG FORMICARIIDAE Formicarius colma galinha-do-mato 1 INS VEG FURNARIIDAE Furnarius rufus joão-de-barro 1 INS ANI+VEG CORVIDAE Cyanocorax cyanopogon (Figura 9) gralha-cancã 2 ONI ANI+VEG TURDIDAE Turdus amaurochalinus sabiá-bico-de-osso 1 ONI DENDÊ THRAUPIDAE Saltator similis trinca-ferro 2 FRU VEG e ANI+VEG 46 Atualidades Ornitológicas On-line Nº 175 - Setembro/Outubro 2013 - www.ao.com.br

RÉPTEIS Táxon Nome Popular Capturas Dieta Isca SQUAMATA: TEIIDAE Salvator merianae (Figura 10) teiú 7 ONI ANI e ANI+VEG Ameiva ameiva (Figura 11) calango-verde 9 INS VEG e ANI+VEG Ameivula sp. calanguinho 1 INS ANI+VEG TROPIDURIDAE Tropidurus hispidus (Figura 12) lagartixa 3 INS ANI+VEG MABUYIDAE Copeoglossum nigropunctatum bibra-brilhante 1 INS ANI+VEG BOIDAE Eunectes murinus sucuri 1 CAR ANI+VEG Tabela 2. Animais capturados de acordo com tipos de iscas. ESPÉCIE Crypturellus tataupa Furnarius rufus Cyanocorax cyanopogon Myrmorchilus strigilatus Leptotila sp. Caracara plancus Cathartes burrovianus Rupornis magnirostris Sakesphorus cristatus Butorides striata Saltator similis Laterallus viridis Aramides cajanea Tapera naevia Crotophaga ani Formicarius colma Turdus amaurochalinus Aramides cajanea Laterallus viridis Ortalis guttata Crypturellus parvirostris Cathartes aura Coragyps atratus Salvator merianae Salvator merianae Ameiva ameiva Ameivula sp. Tropidurus hispidus Copeoglossum nigropunctatum Eunectes murinus ISCA Pasta de amendoim, bacon, abacaxi e sardinha Pasta de amendoim, bacon, abacaxi e sardinha Frutos de dendê Calabresa defumada, bacon e abacaxi Calabresa defumada, bacon e abacaxi Pasta de amendoim, pedaços de frango, sardinha, banana, emulsão de fígado de bacalhau Mistura de paçoca, sardinha, Emulsão Scott e Banana Dendê Pasta de carne, banana e pasta de amendoim Pasta de carne, banana e pasta de amendoim Pasta de carne, banana e pasta de amendoim Pasta de amendoim, fubá, óleo de soja Pedaços de frango Pedaços de frango Pedaços de frango Atualidades Ornitológicas On-line Nº 175 - Setembro/Outubro 2013 - www.ao.com.br 47