A Hermenêutica de Gadamer e a prática de Educação Ambiental The Hermeneutics of Gadamer and the practice of Environmental Education

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Transcrição:

Artigo original DOI: 105902/2236117016372 Revista Eletrônica em Gestão, Educação e Tecnologia Ambiental Santa Maria, v. 19, n. 2, mai - ago. 2015, p. 1055-1059 Revista do Centro de Ciências Naturais e Exatas UFSM ISSN : 22361170 A Hermenêutica de Gadamer e a prática de Educação Ambiental The Hermeneutics of Gadamer and the practice of Environmental Education Lilian Alves Schmitt¹ 1 Bióloga, Mestranda em Educação, Programa de Pós-Graduação em Educação, Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, RS, Brasil Resumo Este artigo tem como objetivo possibilitar reflexões sobre as relações entre a Hermenêutica, enquanto corrente filosófica, e a prática educativa ambientalmente orientada. Para atingir este objetivo, serão abordadas questões sobre a Hermenêutica Filosófica a partir das idéias de Hans-Georg Gadamer, que com a obra intitulada Verdade e Método, considerada um marco no pensamento do século XX, influenciou diferentes áreas científicas modernas. Tendo em vista que o campo da Educação Ambiental, por ser ainda um campo emergente, encontra-se em um momento de consolidação teórica, entende-se que a Hermenêutica pode contribuir tanto como fundamento teórico quanto como abordagem na prática diária do fazer Educação Ambiental. Palavras-chave: Hermenêutica Filosófica.Verdade e Método. Educação Ambiental. Abstract This article aims to enable reflections on relations between the Hermeneutics, as a philosophical branch, and the environmentally oriented educational practice. To achieve this goal, will be addressed on the Philosophical Hermeneutics from Hans-Georg Gadamer's ideas, that with the work entitled Truth and Method, considered a milestone in twentiethcentury thought, influenced different modern scientific areas. Given that the field of Environmental Education, being still an emerging field, is in a moment of theoretical consolidation, it is understood that Hermeneutics can contribute as much as theoretical foundation and as approach in daily practice to environmental education. Keywords: Philosophical Hermeneutics. Truth and Method. Environmental Education. Recebido: 05/12/2014 Aceito: 04/03/2015

1056 Lilian Alves Schmitt - A Hermenêutica de Gadamer e a prática de Educação Ambiental 1 Introdução Traduzida comumente como a técnica ou arte da interpretação acredita-se que a hermenêutica tem a origem de seu nome relacionada à mitologia grega, especificamente ao mito de Hermes, o mensageiro dos deuses gregos que, com suas sandálias aladas, tinha a capacidade de transitar entre lugares longínquos levando mensagens e trazendo consigo a possibilidade de compreendê-las. Nesse sentido, a hermenêutica teria o papel de mediação entre dois mundos e a referência à figura mítica de Hermes reafirma a ideia de associar a hermenêutica à interpretação, veiculação de mensagem oculta. Segundo Palmer, citado por Hermann (2002, p. 22), o sentido da hermenêutica moderna pode ser compreendido a partir da análise das raízes da palavra. Desta forma, hermenêutica é uma palavra derivada do verbo grego hermeneuein, traduzido como interpretar, e do substantivo hermeneia, traduzido como interpretação. Num jogo de sentidos, o verbo hermeneuein ainda liga-se aos significados de dizer, traduzir e explicar, tornando ainda mais evidente a complexidade envolvida no processo interpretativo. A ideia de explicitar o que está nas entrelinhas, de tornar uma mensagem compreensível, envolvendo aí a linguagem, está diretamente ligada à hermenêutica desde a referência ao mito grego. Desta forma a linguagem aparece com papel fundante, pois dela advém os possíveis sentidos. A hermenêutica, por estar inserida então na linguagem, renúncia a uma verdade absoluta e desta forma reconhece que somos feitos através dos discursos e de suas múltiplas interpretações. Segundo Hermann (2002, p.15) a hermenêutica provém de uma longa tradição humanística e usualmente refere-se à arte de extrair sentidos explícitos ou ocultos de textos religiosos, jurídicos ou literários. Nos dicionários, o significado de hermenêutica está associado à interpretação do sentido das palavras, no entanto, extrapolando esta interpretação, a hermenêutica emerge na modernidade contra a pretensão de haver um único caminho de acesso à verdade. Nas palavras de Hermann (2002, p.15): No ambiente cientificista da modernidade, se estabeleceu o predomínio do positivismo, que se apoia em dados objetivos como procedimento válido para produzir conhecimento. Contra isso, a hermenêutica quer demonstrar que não há mais condições de manter o monismo metodológico, uma forma exclusiva para determinar o espaço de produção de conhecimento. Além do método científico, há outras formas de conhecer a realidade. O filósofo Hans-Georg Gadamer, considerado um dos intelectuais mais expressivos da segunda metade do século XX é considerado o principal representante da hermenêutica filosófica. Autor de Verdade e Método: elementos fundamentais de uma hermenêutica moderna, livro publicado originalmente em 1960, na Alemanha, que influenciou diferentes campos do saber, Gadamer preconizou a ideia de que o homem vive na linguagem e nela realiza a própria experiência existencial. A hermenêutica filosófica de Gadamer é antecedida por intelectuais ilustres tais como Shleirmacher, Dilthey, Heidegger, entre outros. Nas pistas de Heidegger, seu mestre, Hans-Georg Gadamer investigou a estrutura que inscreve o ser humano na linguagem (FLICKINGER, 2014). A hermenêutica filosófica é considerada a teoria da compreensão e dos sentidos, um tipo de racionalidade que se contrapõe à racionalidade moderna, marcada pela dicotomia sujeito-objeto e na codificação do conhecimento. Assim, a hermenêutica se coloca então num lugar de interpretação e renúncia a uma verdade absoluta, dizendo o mundo a partir de sua finitude e historicidade (HERMANN, 2002).

1057 2 A Hermenêutica filosófica Gadameriana: destaques acerca da obra Verdade e Método- Elementos fundamentais de uma hermenêutica moderna A aproximação ao significado da hermenêutica filosófica exige um entendimento sobre a contribuição do filósofo Hans-Georg Gadamer a esta abordagem. Sua obra capital, Verdade e Método: Elementos fundamentais de uma hermenêutica moderna discute outras questões a partir da ontologia de Heidegger, indicando uma interpretação radicalmente vinculada à facticidade, enraizada nos aspectos culturais e históricos. Desse modo, Gadamer entende que a história nos precede e antecipa nossa reflexão e que o homem não vive em um estado contemplativo, mas abre horizontes, sendo responsável no desvelamento do ser e da verdade (HERMANN, 2002, p.25). Negando a objetificação característica da ciência moderna - o escopo da ciência moderna é objetivar a experiência até que fique livre de qualquer momento histórico (GADAMER, 1999, p.513) - Gadamer procura recuperar o sentimento de pertença a uma tradição que nos constitui e predetermina nossa compreensão, questionando o método como a única via de acesso à verdade. Verdade e Método é uma obra dividida em três partes. Na primeira, cujo título é A liberação da questão da verdade desde a experiência da arte, apresenta como argumento o poder desvelador da obra de arte. Gadamer desenvolve a ideia de que o contato com a obra de arte nos desafia, amplia horizontes, dessa forma a arte surge como um campo que permite compreender aquilo que não é dito, mas que ainda assim pode expor uma verdade. Nas palavras de Gadamer (1999, p.33): O fato de sentirmos a verdade numa obra de arte, o que não seria alcançável por nenhum outro meio, é o que dá importância filosófica à arte, que se afirma contra todo e qualquer raciocínio. Assim, ao lado da experiência da filosofia, a experiência da arte é a mais peremptória advertência à consciência científica, no sentido de reconhecer seus limites. Na segunda parte de Verdade e método, intitulada A extensão da questão da verdade na compreensão das ciências do espírito, Gadamer critica o entendimento da consciência histórica como algo imóvel e externo a nós mesmos, argumentando que a história é sempre compreendida em referência ao presente O horizonte do presente não se forma pois à margem do passado (GADAMER, 1999, p. 457). Na última parte do livro, A virada ontológica da hermenêutica no fio condutor da linguagem, o autor apresenta sua contribuição à hermenêutica filosófica, enfatizando o papel da linguagem no processo de compreensão a linguagem é o medium universal em que se realiza a própria compreensão. A forma de realização da compreensão é a interpretação (GADAMER, 1999, p. 566). A partir de Verdade e Método, Gadamer realiza a superação da filosofia da subjetividade, relacionando o sujeito que compreende à historicidade. A crítica à consciência estética e à consciência histórica conduz à negação de uma ideia de objetividade e do fundamento cartesiano da ciência moderna, para deixar revelar a verdade na linguagem (HERMANN, 2002, p.43). 3 A Hermenêutica como fundamento na prática de Educação Ambiental 3.1 Estabelecendo pontes entre Hermenêutica e Educação Ao reconhecer o potencial criador da compreensão, a abordagem hermenêutica amplia o sentido da educação para além da racionalidade moderno-instrumental, descolando do entendimento de um processo educativo pautado pela cientifização, que anula o outro, e indo na direção da educação enquanto uma experiência do próprio aluno, que se realiza pela linguagem. Nas palavras de Hermann as diferentes versões do olhar objetivador (...) deixam

1058 escapar a experiência dos atores envolvidos no processo, com seus inevitáveis preconceitos e danos, e, por consequência, empobrecem a experiência formativa (HERMANN, 2002, p.84). O processo educativo, enquanto hermenêutica, requer abertura ao novo, às situações inesperadas, o que não combina com práticas educativas muito rígidas e estruturadas. Segundo Hermann(2002 p.87), a abordagem hermenêutica no campo educativo precisa legitimar o estranhamento, o embate com o novo, pela necessidade de ruptura em relação ao habitual como requisito ao processo compreensivo. Essa quebra, no entanto, poderá se constituir em pr odução de sentido e ampliação de horizontes. Outra questão importante, presente no argumento de Gadamer e que se relaciona diretamente ao processo educativo, é o papel do diálogo enquanto espaço de compreensão e de negociação de sentido. Para Gadamer, a experiência hermenêutica dá-se de forma plena quando a linguagem acontece pelo diálogo, assim: Faz parte de toda verdadeira conversação o atender realmente ao outro, deixar valer os seus pontos de vista e pôr-se em seu lugar, e talvez não no sentido de que se queira entendê-lo como esta individualidade, mas sim no de que se procura entender o que diz. O que importa que se acolha é o direito de sua opinião, pautado na coisa, através da qual podemos ambos chegar a nos pôr de acordo com relação à coisa (GADAMER, 1999, p.561). Em Verdade e Método Gadamer reconhece vários tipos de diálogo e entre eles cita o diálogo pedagógico, que ocorre entre educador e aluno no processo educativo. Tradicionalmente, o diálogo é constitutivo da relação pedagógica, mesmo que nem sempre os professores mantenham essa capacidade pedagógica, já que tem a tendência,muitas vezes, de se colocarem enquanto autoridades científicas, rompendo assim com uma das condições necessárias à prática do diálogo a relação de simetria. Para Hermann, a experiência educativa originária se alimenta da linguagem vivida no diálogo, que dá possibilidade para o homem constituir-se a si mesmo (2002, p.92). 3.2 A abordagem hermenêutica na Educação Ambiental A hermenêutica filosófica situa o ser humano no mundo, na história e na linguagem e não como um sujeito separado dos objetos, o modelo epistemológico que aparta os seres humanos do ambiente em que vivem é colocado à prova por esta abordagem filosófica (GRÜN, 2005). Se no cartesianismo a palavra de ordem era dominação, na hermenêutica a palavra é compreensão. Segundo Grün, em uma postura compreensiva hermenêutica não há dominação, nem de objetos, nem da natureza; a postura hermenêutica é uma postura de entrega do sujeito aos horizontes do problema (2005, p.102). Para Grün, o currículo escolar, pensado a partir da epistemologia cartesiana, é repleto de áreas de silêncio, as quais se originaram na consolidação da modernidade, que, para afirmar o cartesianismo como único modo de percepção da realidade, objetivou a experiência até livrar-se da tradição. A negação do horizonte histórico que abrange as relações natureza e sociedade é resultante destas áreas de silêncio, neste sentido a contribuição da Hermenêutica para o processo educativo, e especificamente para o processo educativo ambientalmente orientado: traz a possibilidade de perguntar por aquilo que o cartesianismo não deixou que viesse à tona, o não dito. E é justamente o não dito que representa, talvez, umas das melhores possibilidades de encontrarmos práticas e saberes ecologicamente sustentados. A perspectiva metodológica que a abordagem hermenêutica instaura possibilita a abordagem do não dito (GRÜN, 2005, p.107) Grün (2004) propõe a tematização da crise ambiental atual a partir da remontagem de seu horizonte histórico, assim se dá voz a tradição ultrapassando as dificuldades encontradas no espaço de educação moderno.

1059 Tomando a abordagem hermenêutica como via de condução do fazer em educação ambiental, uma maneira possível de se compreender a experiência do educador ambiental é entendê-lo como intérprete do contexto em que se insere (CARVALHO e GRÜN, 2005). Desta maneira, a interpretação é sempre limitada pelo contexto, asssim, o sujeito educador e os sentidos do vivido se constituem de maneira mútua. Na Educação Ambiental orientada pelo olhar hermenêutico, diferentemente do caso da educação ambiental biologizante e cientificista, não há lugar para o sujeito apartado da realidade, que apenas observa. Na fazer da Educação Ambiental é preciso abrir espaço para a dialogicidade onde, nas palavras dos autores, o sujeito-intérprete estaria diante de um mundo-texto, mergulhado na polissemia e na aventura de produzir sentidos, a partir de seu horizonte histórico (CARVALHO e GRÜN, 2005, p. 175). 4 Considerações finais Num contexto onde ainda predominam práticas biologizantes de Educação Ambiental, cabe aos educadores tencionarem o movimento do fazer em direção a uma ruptura com o cientificismo herdado da modernidade, assumindo o papel de agentes que problematizam e apontam as fragilidades da razão instrumental. Faz-se necessário apostar em práticas dialógicas que garantam condições de possibilidade para uma compreensão da complexa rede de interações que compõem o ambiente. A abordagem hermenêutica pode ajudar nesta tarefa, pois permite compreender a importância das questões sócio-históricas na composição do ideário ambiental e na composição das ações em Educação Ambiental. Deslocar as práticas em educação ambiental de uma perspectiva explicativa para uma perspectiva interpretativa e compreensiva, como propõem Carvalho e Grün (2005), é uma necessidade. O papel do educador ambiental, desde que este entenda o meio ambiente como uma realidade passível a infinitas formas de leitura, seria interpretar os diferentes sentidos empregados ao ambiental em nossa sociedade e a partir disso contribuir para a formação de novos horizontes compreensivos, pautados sempre pela valorização da vida. Este artigo buscou discutir as contribuições da hermenêutica na fundamentação teórica e metodológica da educação ambiental na tentativa de possibilitar reflexões que levem a identificar outros modos de pensar e fazer a educação ambiental. Referências CARVALHO, I.C. de M.; GRÜN, M. Hermenêutica e educação ambiental: o educador como intérprete. In: Encontros e Caminhos: Formação de Educadoras(es) Ambientais e Coletivos Educadores/ Ministério do Meio Ambiente. Diretoria de Educação Ambiental; Luiz Antonio Ferraro Júnior (org.). - Brasília: MMA, Diretoria de Educação Ambiental, 2005. FLICKINGER, H.G. Gadamer e a Educação. Belo Horizonte: Autêntica, 2014. GADAMER, H. G. Verdade e Método: Traços fundamentais de uma hermenêutica filosófica. 3.ed. Petrópolis: Vozes, 1999. GRÜN, M. Ética e Educação Ambiental: a conexão necessária. 9.ed. Campinas: Papirus editora, 2005. HERMANN, N. Hermenêutica e educação. Rio de Janeiro: DP&A editora, 2002.