VII Colóquio Internacional Marx e Engels. GT 7 Educação, capitalismo e socialismo



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Transcrição:

1 VII Colóquio Internacional Marx e Engels GT 7 Educação, capitalismo e socialismo EDUCAÇÃO E CONHECIMENTO NAS PROPAGANDAS DE CURSOS PRÉ- VESTIBULARES: EFEITOS DE SENTIDO SOB A LÓGICA DO CAPITAL Mercia Sylvianne Rodrigues Pimentel (Doutoranda/UFAL) Helson Flávio da Silva Sobrinho (Professor/Doutor/UFAL) 1. Considerações iniciais Diz-se nos documentos legais que a função social da escola é formar cidadãos, contribuir para a construção do conhecimento, promover atitudes e disseminar valores éticos, além de estimular a reflexão crítica acerca da realidade. No entanto, a prática social vem demonstrando outros caminhos de sentidos, pois as instituições de ensino, voltadas à preparação profissional, reproduzem valores da sociedade capitalista como se fossem valores universais. Diante desse contexto, este trabalho traz uma discussão sobre a questão da educação e do conhecimento, a relação ciência-ideologia e as possibilidades de sentido que o discurso mercadológico produz e faz circular sobre a educação. A proposta que parte da Análise do Discurso (AD), a qual tem no materialismo histórico uma de suas ancoragens teóricas, é perceber como o sentido de conhecimento é significado pela ideologia dominante nas propagandas de uma instituição voltada a estudantes concluintes do Ensino Médio. Para isso, são tomados como materialidades discursivas os anúncios veiculados em outdoors de um curso preparatório para vestibulares de Maceió/AL, cujo slogan da campanha é Tudo muda, mas nenhuma mudança é maior que o conhecimento. Embora a ideia de conhecimento seja ampla e abarque interpretações de cunho teológico, filosófico e/ou científico, a composição do material publicitário parece caminhar para a reprodução do conhecimento espontâneo, popularmente conhecido como senso comum. O anúncio aponta para uma visão utilitária e repete fórmulas consideradas de sucesso, sem preocupação com a efetiva transformação do atual modelo de educação posto socialmente. Sabemos, pois, que o conhecimento pode servir para reproduzir o status quo ou transformar de modo eficaz a realidade, veremos a qual das finalidades as propagandas sobre ensino se adéquam, constataremos que, de modo recorrente, as propagandas de escolas e

2 cursos pré-vestibulares interpelam o sujeito a adentrar num mundo do conhecimento que, na prática, reduz-se ao mercado de trabalho e reproduz os interesses da lógica do capital. 2. Educação e conhecimento Na atual sociabilidade, tudo parece ter se rendido aos encantos do capital. Assim como outras instituições sociais, a educação formal já vem há muito serva desse processo de mercantilização que tem a ideologia dominante como base para a reprodução da lógica capitalista. Segundo Mèszaros: As determinações gerais do capital afetam profundamente cada âmbito particular com alguma influência na educação, e de forma nenhuma apenas as instituições educacionais formais. Estas estão estritamente integradas na totalidade dos processos sociais. Não podem funcionar adequadamente exceto se estiverem em sintonia com as determinações educacionais gerais da sociedade como um todo (2005, p. 43). Por isso, é preciso se deslocar primeiramente da imediaticidade das propagandas sobre educação para compreender melhor as formas vigentes das contradições manifestadas nas práticas educativas. É nesse sentido que se torna necessário recuperar a concepção de educação; o que nos exige, por consequência, compreender a intricada relação entre educação, sociedade e sujeitos histórico-sociais. Para desenvolver esse debate, mesmo que de modo bastante sucinto, vamos nos apoiar em uma reflexão de âmbito filosófico que destaca o processo educativo como inerente às sociedades humanas, justamente porque a necessidade de educação acompanha o ser social desde o seu nascimento até sua morte. Isso se deve ao imperativo de se construir/transmitir conhecimentos para que a própria sociedade e os sujeitos que a compõem continuem a existir. Nesse sentido, a educação tem origem na própria existência humana. O ser social transforma a natureza e estabelece relações sociais; ao fazer isso, vai se construindo historicamente e complexificando cada vez mais seu ser em processo. Tendo sua gênese na relação entre o homem e a natureza e na relação dos homens entre si na produção de sua subsistência através do trabalho 1, a educação ganha uma dimensão que particulariza sua função em determinadas sociedades. É desse modo que a educação, tendo seu fundamento nessa totalidade complexa, também adquire caráter processual e histórico; ela é contínua, já que é parte das práticas sociais e se realiza em todas as esferas da sociedade, seja nas práticas cotidianas realizadas na família ou no âmbito da comunidade. 1 Trabalho, segundo Lukács, é a atividade fundante do Ser Social que transforma a natureza e constrói sua sociabilidade num processo histórico. Cf. Lukács (1997).

3 Essa imbricação entre educação e trabalho é essencial e fundamenta nossa reflexão porque desvela os interesses da educação em determinado momento histórico, permitindo entender a escola e o processo de ensino enquanto produções histórico-sociais. É certo que a educação nasce desde o momento em que surge o homem, mas a escola e cursinhos, não. A instituição escolar e sua sistematização pedagógica são criações posteriores. Nas sociedades tribais elas não existiram; o conhecimento era construído e transmitido por todos e para todos os membros da tribo. Com a complexificação das relações sociais surge a escola e a complexa sistematização das práticas formativas/educativas. Com essas observações é possível pensar como a divisão social do trabalho e o estabelecimento de hierarquias de classe fragmentam a educação e a distribuição de saberes e diferenciam os sujeitos, gerando distintas formações para determinados indivíduos e exigindo uma educação formal centrada na escola cuja tendência hoje é abranger todas as funções educativas. Segundo Saviani (1994, p.155), a escola resulta do antagonismo de classe: as origens da educação [são concomitantes] à origem do próprio homem. Essa origem era inicialmente comum, coletiva. A humanidade se divide em classes. A história da escola começa com a divisão dos homens em classes. Essa divisão da sociedade em classes coloca os homens em antagonismo [...]. Quando a sociedade capitalista tende a generalizar a escola, esta generalização aparece de forma contraditória, porque a sociedade burguesa preconizou a generalização da educação escolar básica. Sobre essa base comum ela reconstituiu a diferença entre as escolas de elite, destinadas predominantemente à formação intelectual, e as escolas para as massas, que ou se limitam à escolaridade básica ou, na medida que têm prosseguimento, ficam restritas a determinadas habilitações profissionais. Pensando na intricada relação entre educação e luta de classes, fica claro que a educação escolar serve hegemonicamente para reforçar as desigualdades sociais, diferenciar sujeitos e reproduzir os interesses dominantes. No entanto, para não cairmos no reducionismo nem em um discurso fatalista sobre educação, é preciso lembrar que a escola também pode ser reinventada para a construção de novos sujeitos, pois ela não é uma instituição dada pela natureza, ela é histórica, é criação humana. Através da relação da escola com as práticas sócio-históricas percebe-se a face contraditória da educação, visto que, simultaneamente, põese como reprodutora dos interesses dominantes, mas também é responsável por mediar um projeto de nova sociedade. Como estamos tratando da educação em uma sociedade capitalista, é preciso levar em consideração que ela é subsumida à lógica do capital, tornada negócio num mundo onde a lógica do lucro prevalece. Aí está a camisa de força que, segundo Meszáros (2005), sufoca a força criadora e crítica da educação. Essa contradição se dá porque a escola dita pelos ideólogos do mundo burguês como universal e democrática não é tão universal e

4 democrática assim 2. No caso aqui em estudo, dependendo de como a educação escolar é conduzida, ela poderá reproduzir o consenso ou instigar um pensar crítico, uma contrainternalização 3 que ajude, como afirma Sader (2005, p.17) prefaciando o livro de Mészáros, a decifrar os enigmas do mundo, sobretudo o do estranhamento de um mundo produzido pelos próprios homens. Voltemos a ressaltar: a educação é uma prática inerentemente humana e não há como escapar desse processo que socializa os sujeitos e atua na construção de suas subjetividades. O processo de aprendizagem faz parte da própria vida e é produzido pelas e nas práticas sociais. Desse modo, as ideias, discursos e produção de sentidos sobre educação e conhecimento têm como base fundante as determinações histórico-sociais. Mas é preciso enfatizar que não se trata de ato mecânico, mas de uma relação dialética entre o fazer e o pensar. As representações construídas socialmente são produzidas e geridas pelas práticas sociais as quais respondem. Segundo Lukács (1997), o homem é um ser que responde; nessa medida, suas respostas são avaliações da realidade e, também, possibilidades de intervir nela. Desse modo, a educação pode reproduzir os valores dominantes da sociedade ao naturalizar a história, enfatizando, por exemplo, determinados acontecimentos que velam as questões fundantes da atividade humana; por isso, Mészáros (2005, p. 45) afirma que uma das funções principais da educação formal nas sociedades é produzir tanta conformidade ou consenso quanto for capaz, a partir de dentro e por meio dos seus próprios limites institucionalizados e legalmente sancionados. Nesta perspectiva, podemos dizer junto com Freire (1996) e Mészáros (2005) que é certo que a educação tem limites, pois ela não pode por si só revolucionar o mundo, mas é um erro concebê-la como somente reprodução. A educação permite possibilidades de encaminhar, direcionar e redirecionar subjetividades para outra perspectiva de sociedade. Segundo Freire (1996, p.98), a educação possui essas duas faces, pois se trata de um modo de intervenção no mundo: Intervenção que além do conhecimento dos conteúdos bem ou mal ensinados e/ou aprendidos implica tanto o esforço de reprodução da ideologia dominante quanto o seu desmascaramento. Dialética e contraditória, não poderia ser a educação só uma ou só a 2 Cf. Maceno (2005), que aponta os limites e as impossibilidades da universalização da educação formal dentro do sistema capitalista. 3 Mészaros (2005) cita o historiador e pensador político filipino Renato Constantino, que escreveu um livro intitulado A identidade neocolonial e a contraconsciência. Com este livro o autor nos revelava o impacto da internalização colonial operada pela religião, educação e instituições culturais e a necessidade de uma postura crítica diante dessa realidade.

5 outra dessas coisas. Nem apenas reprodutora nem apenas desmascaradora da ideologia dominante. De modo semelhante, as contradições que constituem os processos educativos, com raiz nas lutas sociais, afetam a produção de conhecimento, devido aos interesses sociais em jogo em uma conjuntura histórica determinada. Segundo Aranha e Martins (1993), o conhecimento pode ser compreendido como o pensamento resultante da relação estabelecida entre o sujeito e o objeto. Refere-se à relação consciência-mundo, além de também ser visto enquanto produto, resultado, forma de saber adquirido e acumulado. Dentre os modos de compreensão da realidade, podemos encontrar o conhecimento popular, o religioso, o filosófico e o científico, podendo mais de uma forma coexistir. As autoras dão destaque aos conhecimentos popular (também chamado de espontâneo ou senso comum) e científico, fazendo a distinção entre eles. São características do conhecimento popular o saber resultante de experiências, daí o seu caráter empírico; o fato de ser particular e a ausência de reflexão crítica, método e sistematização. Já o conhecimento científico resulta da utilização de instrumentos e métodos para compreensão de objetos e fenômenos que circundam a realidade social. No tocante ao conhecimento científico, é preciso ressaltar que, embora a ciência se proponha neutra, ela não está isenta de ideologia; aliás, como afirma Pêcheux (1997), não existe discurso científico que seja puro. Desde suas primeiras publicações, sob o pseudônimo de Thomas Herbert, Pêcheux manifestava sua visão crítica em relação ao fato de colocarem a prática científica numa espécie de prolongamento de práticas técnicas, como se a ideologia não atravessasse a produção do conhecimento. Dizia ele que toda ciência é, antes de tudo, a ciência da ideologia com a qual rompe. Logo, o objeto de uma ciência não é um objeto empírico, mas uma construção (HERBERT apud HENRY, 2010, p. 15). A crítica deste filósofo marxista-leninista estava direcionada ao campo das ciências sociais, que, segundo ele, necessitava de uma transformação e não poderia se apoiar na perspectiva da produção de um conhecimento desinteressado. Noutra fase de sua produção acadêmica, Pêcheux volta a criticar a ideia de que a lógica deva reger as práticas científicas: A idéia de que a produção dos conhecimentos consistiria no puro e simples desenvolvimento (empírico-dedutivo) das propriedades dos objetos é, pois, um mito idealista, que identifica ciência e lógica e, ao colocar esta última como princípio de toda ciência, concebe inelutavelmente a prática científica como uma atividade de triagem entre enunciados verdadeiros e enunciados falsos, repelindo tudo o que diz respeito às condições próprias de aparição desses enunciados, isto é, às questões que lhes são correspondentes no interior de uma problemática historicamente determinada (PÊCHEUX, 1997, p. 197).

6 Para Pêcheux, as ciências humanas e sociais possuem objeto histórico e caráter intrinsecamente ideológico, por isso sua prática não inclui procedimentos de manipulação exata da realidade, mas responde aos interesses sociais em jogo. Ao afirmarmos que o objeto das ciências sociais é histórico, estamos também levando em consideração o conceito de consciência histórica de que fala Lukács (1974). Os homens fazem história em condições determinadas pela conjuntura social; respondem às demandas postas, sendo as realidades materiais manipuladas por eles. Assim, se o fazer histórico determina a prática científica, não há como desconsiderar o papel que a ideologia exerce nas atividades ligadas ao campo da ciência. Reconhecidos os diversos meandros que envolvem o conceito de ideologia, faz-se imprescindível destacar que estamos compreendendo-a sob o viés marxista. Ideologia não como falseamento da realidade, mas como complexo de ideias e representações que atravessam e circundam a realidade social, ordenadas para fins específicos. Apesar de a ideologia não ser falsa consciência, pode apresentar-se sob o modo de evidência, funcionando de maneira a reproduzir interesses dominantes. A importância da ciência reside no fato de que a pesquisa possibilita que o sujeito ultrapasse o nível fenomênico, aproximando-se da compreensão da essência e, consequentemente, da totalidade social dos fenômenos em seu processo dialético, pois a aparência não é igual a essência, se assim fosse não haveria necessidade de se produzir conhecimento científico, já afirmava Marx: toda ciência seria supérflua se a aparência, a forma das coisas fosse totalmente idêntica à sua natureza (1894, p. 951). Ora, a totalidade compreende o fenomênico e o essencial; muitas vezes só enxergamos o mundo pela lupa da aparência, o que provoca distorção da realidade que tem implicações determinantes nas práticas sociais. Nesse sentido, Demo (2008, p. 23) contribui, afirmando que é a partir da atividade científica da pesquisa que a realidade é descoberta. Partimos do pressuposto de que a realidade não se desvenda na superfície. Não é o que aparenta à primeira vista. Ademais, nossos esquemas explicativos nunca esgotam a realidade, porque esta é mais exuberante que aqueles. Como os campos passíveis de investigação são inesgotáveis, também a ciência assume esse caráter de inesgotabilidade. Assim, construir ciência é cultivar uma atitude de dúvida, de crítica, de indagação diante dos fenômenos sociais que estão sempre em processo de transformação (DEMO, 2008).

7 3. Dilema histórico: Nenhuma mudança é maior que o conhecimento Foi com o slogan que intitula este tópico que um colégio e curso pré-vestibular de Maceió/AL iniciou campanha em 2011 com vista à matrícula de novos alunos para o preparatório. Fotografamos três outdoors situados em avenidas de bairros nobres da capital. Todos eles continham o mesmo enunciado, sendo modificadas as imagens dos sujeitos. Para efeitos de análise, denominamos tais materialidades discursivas de MD 1, MD 2 e MD 3. MD 1 MD 2 MD 3 De início, tomemos o enunciado principal, que chamaremos de sequência discursiva: SD 1: TUDO MUDA MAS NENHUMA MUDANÇA É MAIOR QUE O CONHECIMENTO

8 De antemão, podemos extrair dessa sequência discursiva, no mínimo, duas possibilidades de sentido para a ideia de conhecimento. O conhecimento aparece como possibilidade de mudança e ferramenta de ascensão social e, conforme o enunciado, nada se iguala às mudanças que esse conhecimento pode proporcionar. Trata-se do conhecimento cumulativo que apenas faz passar no vestibular. Aqui, ele é reduzido a acúmulo de informações, o que demonstra ser essa uma forma determinada de reprodução dos interesses na manutenção da ordem social. Essa visão de conhecimento, encontrada nas propagandas, reproduz a máxima utilitária do conhecimento que serve para algo, no caso a inserção profissional. Isso pode ser comprovado a partir da leitura das imagens. Nas três materialidades discursivas, ao lado das imagens das pessoas, aparecem, respectivamente, as seguintes informações: Mariana Machado (fera Medicina UFAL, 1996); Hugo Pestana (fera Direito UFAL, 2011); César Souza (fera Medicina UFAL, 2008). Notemos também que dos três sujeitos do anúncio, dois aparecem de jaleco, o que remete à atuação de profissionais da saúde, ou seja, há uma sugestão de que a posição-sujeito médico fora ocupada por aqueles que passaram pelo cursinho. Outro aspecto a ser ressaltado é a valorização de cursos considerados de boa aceitação mercadológica, como Direito e Medicina, em detrimento dos demais. O site do colégio e curso de onde partiram esses anúncios corrobora na reprodução desse discurso: Em 16 anos de história, foram aprovados mais de 5800 feras em cursos como: medicina, direito, arquitetura, odontologia, engenharia, marketing, jornalismo, formação de oficiais, entre outros 4. 4 www.contatomaceio.com.br/index.php/colegio

9 O elenco dos nomes dos cursos seguido da construção entre outros sugere uma hierarquia de importância na qual cursos que lidam com arte, como música e teatro, e que formam professores, por exemplo, não ganham espaço, pois não dão respostas mais rápidas ao mercado. Os chamados mais concorridos, por outro lado, são os que movimentam o chamado mercado de trabalho e assim movimentam a sociedade e os interesses de reprodução do capital. Há, ainda, no anúncio uma referência às modalidades de avaliação já realizadas (PSS Processo Seletivo Seriado, com questões V/F, PSS com questões de múltipla escolha, Duas fases com questões V/F, ENEM), numa demonstração de que o curso prepara o aluno para quaisquer modelos avaliativos. O preparatório se coloca na condição de fazer com que o aluno obtenha o conhecimento necessário para passar no vestibular. O conhecimento, então, apresenta-se reducionista, como continuidade de uma prática técnica. Ou seja, a prática pedagógica seria a de não requerer reflexão crítica, mas simplesmente acúmulo de informações suficientes para atingir determinado fim. Vemos no discurso do preparatório pré-vestibular como a educação, enquanto instância de possibilidade da crítica, apresenta-se sufocada pela camisa de força do capital de que fala Mèszaros (2005). O funcionamento ideológico via propaganda cria mecanismos de sedução, para que os sujeitos visualizem os casos considerados de sucesso (imagens dos alunos que atualmente estão inseridos no mercado), matriculem-se no cursinho e garantam o posto de bem-sucedidos, ou seja, consigam passar no vestibular e consequentemente se estabeleçam profissionalmente. No entanto, há um silenciamento manifesto: o de que não há espaço para todos no mercado de trabalho. E a educação, que poderia ser um projeto de emancipação humana, permanece subsumida às leis de manutenção e reprodução da lógica capitalista. 4. Considerações finais Ao retomar Henry (2010, p. 38), podemos afirmar que os instrumentos científicos não são feitos para dar respostas, mas para colocar questões. O conhecimento destacado pelo curso pré-vestibular vai na contramão dessa reflexão, pois é reduzido a um bloco homogêneo e sistematizado de conteúdos programados para determinado fim, no caso apenas adentrar numa faculdade e, consequentemente, garantir espaço bem-sucedido no mercado de trabalho. Vimos que a educação seja ela voltada para reproduzir os valores da classe dominante, seja comprometida a instigar um pensar crítico sobre as relações sociais

10 estabelecidas está sempre cumprindo funções sociais. Em seu princípio, a sociedade capitalista encontra mecanismos que dificultam o acesso aos bens produzidos socialmente, selecionando certos sujeitos que vão ter acesso à educação, alguns outros que darão continuidade e aqueles que ficarão pelo caminho. A escola acaba então sendo espaço de lutas, embates político-ideológicos fundados nos antagonismos de classes. Gostaríamos de concluir retomando Marx e Engels que afirmam: a produção das idéias, das representações e da consciência está, a princípio, direta e intimamente ligada à atividade material e ao comércio material dos homens; ela é a linguagem da vida real (MARX E ENGELS,1998, p.18). Aqui, vimos que o conhecimento que muda, também emudece (cala) as possibilidades de transformações sociais, pois não visa intervir nas relações de produção para transformá-las. O discurso que analisamos repete as fórmulas consideradas de sucesso e, como consequência, garante a reprodução dos valores dominantes, da classe que detém o poder material e espiritual. Nesse sentido, o conhecimento oferecido pelo curso é aquele que sugere atender às demandas postas pela sociedade governada sob a ótica do capital, uma vez que se quer moldado, pronto e útil para se restringir à reprodução das relações sociais estabelecidas pelo sistema mercantil, onde se qualifica para o trabalho em uma educação tida como lugar de negócios. Referências ARANHA, Maria Lúcia de Arruda e MARTINS, Maria Helena Pires. Filosofando: introdução à filosofia. 2ª ed. São Paulo; Moderna, 1993. DEMO, Pedro. Introdução à metodologia da ciência. São Paulo: Atlas, 2008. FREIRE, Paulo. Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática educativa. São Paulo: Paz e Terra, 1996. HENRY, Paul. Os fundamentos teóricos da análise automática do discurso de Michel Pêcheux (1969). In: GADET, Françoise; HAK, Tony (orgs.). Por uma análise automática do discurso. Trad. Bethania Mariani. 4ª ed. Campinas, SP: Editora da Unicamp, 2010. LUKÁCS, George. As Bases Ontológicas do Pensamento e da Atividade do Homem. In Temas de Ciências Humanas. vol 4, São Paulo, 1978. MACENO, Talvanes Eugênio. (Im) possibilidades e limites da universalização da educação sob o capital. Dissertação de mestrado, Centro de Educação-UFAL, Maceió, 2005. MARX, Karl & ENGELS, Friedrich. A ideologia Alemã. São Paulo: Martins Fontes, 1998. MARX, Karl. Manuscritos econômico-filosóficos. São Paulo: Boitempo, 2004.. O capital. Vol. III. Col. Os Economistas. São Paulo: Abril Cultural, 1894. MÉSZÁROS, István. Educação para além do capital. São Paulo: Boitempo, 2005. PÊCHEUX, Michel. Semântica e Discurso: uma crítica à afirmação do óbvio. Trad. Eni Orlandi et al. 3ª ed.campinas, SP: Edunicamp, 1997.