1 CANTO CORAL NA 3ª IDADE, GERONTOLOGIA E MUSICOTERAPIA: UMA RELAÇÃO NECESSÁRIA * Deila Maria Ferreira Scharra 1 RESUMO Este estudo se propõe a analisar as relações entre a Gerontologia, a Musicoterapia e o coral de 3ª idade que já se delineia como uma modalidade de canto coletivo com características próprias que o distinguem do coral tradicional e do coro terapêutico. Ressalta-se o papel das Universidades de Terceira idade na divulgação do canto coral contribuindo para a velhice bem-sucedida. Avaliam-se aspectos bio-psico-sociais ligados ao envelhecimento e as limitações próprias dessa faixa etária que afetam a atividade coral sugerindo-se formas de atenuá-las. Tecem-se comentários sobre o ambiente físico destinado aos ensaios dos corais como ambientes adaptativos que de algum modo, possam vir a prejudicar a saúde e o bemestar do idoso. Quanto à metodologia utilizou-se o estudo qualitativo de uma pesquisa bibliográfica, relacionando-se a literatura à análise de entrevistas realizadas com 50 coristas idosos sobre sua participação no coral. Os resultados revelam aspectos psicológicos mencionados pelos idosos indicativos do papel que está reservado ao musicoterapeuta na condução desse tipo de coral e a sua contribuição para o envelhecimento bem- sucedido. Apontam também para a necessidade de um aprofundamento maior nos estudos do envelhecimento por parte dos profissionais que lidam com atividades musicais coletivas destinadas aos idosos. As conclusões indicam que a Gerontologia e a Musicoterapia são elementos auxiliares necessários ao coral de 3ª idade. Palavras-chave: Canto coral, Gerontologia, Musicoterapia INTRODUÇÃO Ao ganhar longevidade o ser humano ganhou também patologias próprias do envelhecimento que representam desafios com os quais deve conviver e tentar superar. Passou a viver em busca de um envelhecimento bem-sucedido onde a interdisciplinaridade se apresenta de forma marcante na luta pela promoção da saúde. Assim sendo, encontramos nas * Apresentado no Encontro de Musicoterapia do Rio de Janeiro, VIII Encontro Nacional de Pesquisa em Musicoterapia e VIII Jornada Científica do Rio de Janeiro. 1 Bacharel em Música pela Universidade Estácio de Sá (UNESA), com habilitação em Piano e Canto; especialista em Musicoterapia pelo Conservatório Brasileiro de Música - Centro Universitário - RJ; pós-graduada em Geriatria e Gerontologia pela (UNESA)
2 Universidades de Terceira Idade o canto em grupo que surge como uma nova modalidade de coral com características próprias, diferindo do coral tradicional e até mesmo do coro terapêutico. É o Coral da 3ª idade, objeto de estudo deste trabalho de pesquisa. A música é uma solução criativa empregada com êxito na reabilitação e prevenção de doenças atuando nos aspectos bio-psico-sociais com efeitos terapêuticos satisfatórios. E o canto coral é uma atividade musical acessível, prazerosa e adequada ao idoso. No tocante à saúde física são mencionadas a presbifonia, presbiacusia, presbiopia como distúrbios que comumente afetam os coristas idosos e sugerem-se formas de atenuá-los. Quanto aos aspectos psicológicos são enumerados aqueles ligados às alterações de humor, bem como a ansiedade, desesperança, medo da solidão, falta de autoconfiança, baixa auto-estima e outros, que fazem parte de uma seqüência de sintomas que são motivo de queixa por grande parte dos idosos e merecem ser avaliados pelo musicoterapeuta. Focaliza-se também uma nova problemática relacionada aos corais de 3ª idade, ou seja, o ambiente físico onde ocorrem os ensaios e enumeramse os cuidados a serem tomados para controlar os fatores ambientais que possam causar desconforto aos cantores. O que se propõe neste estudo é verificar a possibilidade da atuação do musicoterapeuta junto ao coral da 3ª idade com vias à promoção da saúde, associada aos estudos gerontológicos na busca do envelhecimento bem-sucedido METODOLOGIA Refere-se à abordagem qualitativa de uma pesquisa bibliográfica relacionando-se a literatura ao que foi observado na prática da regência coral. A coleta de dados foi feita através de entrevistas semi-estruturadas submetidas à análise de conteúdo, com 50 cantores de ambos os sexos, com idade entre 60 e 81 anos, residentes em Niterói, Estado do Rio de Janeiro. Foi perguntado a cada participante os motivos que os levaram a cantar num coral. O trabalho foi realizado com os componentes dos seguintes corais: Coral da Universidade Aberta da Terceira Idade-UNIVERTI (independente), Coral da Igreja São Francisco Xavier (religioso), Coral do
3 Gugu para Terceira idade (Municipal), Coro Lírico Heloiza Fidalgo (Coral misto da Escola Espaço das Músicas). DESENVOLVIMENTO Segundo dados fornecidos pela Organização Mundial de Saúde (OMS), até 2025 o Brasil será o 6º país do mundo em maior número de idosos. Este fato vem preocupando as instituições de ensino superior (IES) e cerca de 200 faculdades e universidades em todo o país já possuem cursos destinados aos idosos através das Universidades de Terceira Idade (NATALI, 2006). A música se situa entre os cursos oferecidos pois está entre as atividades que reabilitam e desse modo o canto coral vem sendo incentivado e divulgado junto aos idosos. Ao comentar sobre o canto coral, Behlau e Rehder (1997), nos informam que o canto em grupo além do aprendizado de harmonia, exige equilíbrio, autodomínio, trabalho em equipe e respeito mútuo. É um dos maiores exercícios de convívio social e envolve fatores orgânicos, psicológicos e técnicos. Albinati (1999) nos fala que a música é capaz de atingir o homem englobando sensações, sentimentos, percepções e intuições, idéias, desejos, ações e comportamentos. É uma forma de linguagem não verbal acessível ao idoso, e o exercício de canto é a prática da expressão e da memória. A voz é um dos fatores de destaque no canto coral, e ao estudar a voz do idoso, Behlau, Azevedo e Pontes (2001) ressaltam que as alterações mais freqüentes decorrentes do envelhecimento da voz (presbifonia) são relativos à acurácia, velocidade, resistência, estabilidade, força e coordenação. Na senilidade vocal há perda de potência, diminuição dos harmônicos e dos extremos (graves e agudos) da extensão vocal. A qualidade da voz tem tendência à instabilidade; surge o tremor vocal; a voz feminina tende para o grave e a voz masculina tende para o agudo; há redução da intensidade e da estabilidade vocal; a voz torna-se soprosa e há tendência à incoordenação por falta de suporte respiratório. No que concerne à formação psicológica da pessoa, a voz constitui-se uma das mais fortes extensões da personalidade.
4 A musicoterapia vem sendo grande aliada na busca do envelhecer com saúde, atuando de forma benéfica na recuperação e na reabilitação. Segundo França Passarini (2007) as energias sonoras são trabalhadas terapeuticamente graças aos canais de comunicação abertos pela musicoterapia que busca melhorar e fortalecer a saúde do idoso. O corpo e a voz são instrumentos musicais importantes no processo musicoterapêutico. Bright (1991) aconselha o trabalho grupal em musicoterapia no tratamento geriátrico. Sugere que os idosos organizem grupos de música, formem coros para cantar em cerimônias religiosas e criem grupos para audição e discussão musical. Ainda tecendo comentários sobre o cantar em grupo, Zanini (2003) informa que esta atividade traz para o idoso a auto-expressão, o autoconhecimento e a auto-realização. A autora cria o novo conceito de Coro terapêutico, conduzido por musicoterapeuta, onde se desenvolvem atividades variadas entre as quais destacamos aquelas que estimulam o conhecimento do corpo através de exercícios de relaxamento e respiração; a melhora nas relações inter e intrapessoais, a amplificação da voz, a revigoração do aparelho fonador e a prevenção de problemas de saúde mental, demência e distúrbios da memória. A voz é utilizada como recurso para comunicação, expressão, satisfação e interação social. RESULTADOS Os resultados encontrados podem ser resumidos nos seguintes tópicos: 1. O coral de 3ª idade deve ser encarado como uma nova modalidade de coral com características próprias descritas no quadro que se segue. Características Coral de 3ª idade Coral tradicional Da voz Não exige técnica vocal Pede-se boa técnica vocal Da seleção das Não há. Exige-se afinação
5 vozes Da harmonia das vozes Da escuta do regente Do domínio do solfejo Do acompanhamento Uníssono ou 2 vozes Valoriza a forma de expressão Não importa Teclado/Piano é o ideal Canto em 4 vozes Valoriza o cantar É necessário Canta-se a capela 2. As entrevistas revelaram vários aspectos envolvidos nesta atividade musical incluindo aqueles ligados à arte musical propriamente dita e aspectos psicológicos, biológicos e sociais. A presença do idoso no coral está ligada principalmente ao fato dele gostar de cantar e por apreciar a beleza do coral. Foram também mencionados: a melhora da auto-estima, auto-realização, auto-expressão; o alívio para os sintomas relativos ao humor ( tristeza, desesperança); o sentimento de bem-estar, alegria, felicidade; a necessidade de fazer amigos e o medo da solidão e isolamento; a busca de entretenimento; a religiosidade e ainda a busca de benefícios para a voz e a respiração. A revelação por parte dos idosos das necessidades mentais, emocionais e sociais direcionam no sentido de se compreender a importância do papel do musicoterapeuta na condução desse tipo de coral. 3. A literatura consultada revelou também que as limitações próprias do envelhecimento ( presbifonia, presbiacusia, presbiopia, distúrbios da memória e da concentração ) são inconvenientes que podem vir a prejudicar a performance do idoso, porém condutas adequadas nos permitem atenuá-los. Assim sugerimos: escolha de repertório adequado ao gosto musical do grupo, à extensão vocal dos cantores, à seleção de peças com nível de dificuldade que possa ser superado pelos idosos; o uso de partituras ampliadas para facilitar a visualização; a confecção de arranjos próprios para o grupo tornando-o singular e original; cuidados com a postura, realização de exercícios para a memória, concentração e também técnicas de relaxamento, respiração e vocalises.
6 4. Finalmente nos reportamos aos locais de ensaio do coral. Hoje, diante dos estudos gerontológicos lembramos a importância dos ambientes adaptativos com a finalidade de trazer conforto ao idoso. As salas devem ser amplas, ventiladas, bem-iluminadas, de fácil acesso e com pé direito adequado ao trabalho sonoro que ali vai se realizar, visando-se a acústica condizente para o canto em grupo. As escadas devem ter corrimões e devem ser observadas as dimensões adequadas dos degraus. O piso deve ser plano sem desnível e não escorregadio. As cadeiras devem estar dentro dos princípios da ergonomia, levando-se em conta os problemas musculares e ósteo-articulares próprios dessa faixa etária. Próximos à sala de ensaio devem estar os banheiros e bebedouros. Ainda em relação aos ensaios lembramos a sua duração que não deve exceder 1h30 e deve-se evitar a repetitividade e a monotonia pois são situações causadoras de estresse físico ou psíquico. Evitar também as pastas das músicas muito pesadas pois causam problemas de postura inadequada. CONCLUSÃO O coral de 3ª idade deve ser encarado como uma variação do coral tradicional e deve ser conduzido de forma diferenciada. É uma atividade musical apropriada à promoção da saúde física e mental do idoso e o musicoterapeuta é o profissional indicado para realizar este tipo de trabalho. Quando ele define sua ação: na busca da preservação das habilidades, no estimulo à inserção social, no desenvolvimento das potencialidades, no incentivo à criatividade, nas mudanças de comportamento necessárias, no respeito à dignidade do idoso e outras ações que conduzam ao envelhecimento bem-sucedido através da música, está atendendo ao pedido silencioso de ajuda que muitos idosos fazem ao procurar um coral de 3ª idade. A longevidade do homem está dando um lugar de destaque ao desenvolvimento da ciência do envelhecimento: a Gerontologia, que busca parceiros para uma velhice saudável. Que o canto coral na terceira idade possa mediatizar o encontro necessário entre a Musicoterapia e a Gerontologia. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
ALBINATI, Maria Eugênia. C. B. Recursos musicoterápicos na Terceira Idade. In: Seminário de Educação e Terceira Idade. O envelhecer como processo de aprendizagem e experiência de vida. 1999, Belo Horizonte: Faculdade de Ciências Humanas - FUMEC, 1999. p.31-42. BEHLAU, Mara; AZEVEDO, Renata & PONTES, Paulo. Conceito de voz normal e classificação das disfonias. In: BEHLAU, Mara (Org.) Voz-O livro do especialista. Rio de Janeiro: Revinter, vol I. 2001. p.53-84. BEHLAU, Mara & REHDER, Maria Inês. Higiene vocal para o canto coral. Rio de Janeiro: Revinter, 1997. 44 p. BRIGHT, Ruth. La musicoterapia en el tratamiento geriátrico. Buenos Aires: Bonum, 1991. 86p. FRANÇA PASSARINI, Luisiana. B. A musicoterapia e o idoso- Possibilidades de prevenção e tratamento musico-terapêutico. Disponível em: http://www.portaldoenvelhecimento.net/pforum/apvt15.htm. Acesso em:7/11/2007. NATALI, Adriana. Tempo de Aprender. IES criam programas para público da terceira idade. Revista Ensino Superior. Edição nº 89. Disponível em: http://revistaensinosuperior.uol.com.br/textos.asp?codigo=11220 Acesso em 10/10/2007. ZANINI, Cláudia R. O. L. Envelhecimento saudável - o cantar e a gerontologia social. Revista da UFG, v.5, n.2, dez. 2003. Disponível em: <http://www.proec.ufg.br/revista_ufg.br/idoso/saudavel. Acesso em: 4/1/2006. 7