Variação temporal da fisionomia de um fragmento de cerrado da Estação Experimental de Itirapina - SP



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Transcrição:

1 Variação temporal da fisionomia de um fragmento de cerrado da Estação Experimental de Itirapina - SP MARCEL J. F. PENTEADO 1, SUELY C. A. SOUZA 2 & ANDRÉ V. FLEURI JARDIM 3 Resumo - O Cerrado é um mosaico vegetacional que engloba tipos fitofisionômicos característicos que se desenvolveram tanto na escala temporal quanto na escala espacial. O fogo é um importante fator ecológico para a composição da fisionomia e estrutura dessa vegetação. Acredita-se que o fogo transfira nutrientes do estrato lenhoso para o herbáceo, beneficiando este último. Dessa forma, a ausência do fogo levaria a uma homogeneização na fisionomia do cerrado, induzindo a mudanças graduais na densidade das árvores lenhosas para uma formação mais densa. Portanto, a nossa hipótese é de que áreas protegidas pelo fogo tenderiam, com o tempo, a adquirir características de uma fisionomia florestal, tornando-se mais altas e com maior cobertura florestal. O presente trabalho teve como objetivo avaliar as modificações fisionômicas de um fragmento de cerrado protegido do fogo ao longo do tempo, a partir da análise da altura e da área basal dos indivíduos. Para a amostragem da vegetação, utilizamos uma grade quadrada com 64 parcelas de 5 x 5 m (25m 2 ), lançada em 1993, a 10 m da borda de um fragmento de cerrado em Itirapina, São Paulo. Identificamos em campo todos os indivíduos lenhosos com diâmetro do caule ao nível do solo igual ou superior a 3 cm. Estimamos visualmente a altura dos indivíduos amostrados e calculamos a área basal de cada indivíduo a partir do seu diâmetro. Realizamos tal procedimento para os anos de 1995, 1997, 1999, 2001, 2003 e 2005. De acordo com nossos resultados, tais caracteres não variaram no período estudado, ou seja, a fisionomia da vegetação não mudou ao longo do tempo. Dessa forma, chegamos a duas conclusões: 1) a fisionomia de uma área protegida do fogo não tenderia obrigatoriamente a se tornar mais fechada com o tempo; 2) uma série temporal mais longa poderia indicar essa tendência. 1 Programa de pós-graduação em Ecologia - Depto. de Zoologia - IB - Unicamp - projetopuma@yahoo.com.br 2 Instituto Grande Sertão - Montes Claros - MG - suelyantuness@bol.com.br 3 Programa de pós-graduação em Ecologia e Recursos Naturais - Ufscar - andrevitorbio@yahoo.com.br

2 Introdução No Brasil, o Cerrado ocupava originalmente cerca de 23% do território, localizandose, preferencialmente, no planalto central do país. Esse bioma é um mosaico vegetacional que engloba tipos fitofisionômicos característicos que se desenvolveram tanto na escala temporal (tempo geológico e ecológico) quanto na escala espacial (variação local) (Ribeiro & Walter 1998). Esse bioma tem grande complexidade estrutural e rica composição florística, que seriam determinadas, segundo Eiten (1994), pelo grau de saturação hídrica das camadas superficial e subsuperficial do solo, pela profundidade e fertilidade do solo e por seu teor de alumínio disponível. Dentre as teorias que tentam explicar a origem das formações savânicas, as teorias bióticas consideram que a vegetação do cerrado teve importante influência antrópica, principalmente no que se refere ao uso freqüente do fogo, além da atividade de outros agentes da biota (Rawitscher 1948, Coutinho 1992). Nessa perspectiva, o fogo é um importante fator ecológico para a composição florística, fisionomia e estrutura da vegetação do cerrado. Ele acelera a remineralização da biomassa e a transferência dos nutrientes minerais para a superficie do solo, sob a forma de cinzas. Assim sendo, os nutrientes que se encontravam indisponíveis na palha seca e morta, tornam-se disponíveis, principalmente nas camadas superficiais do solo, facilitando sua reabsorção pelo sistema radicular das plantas herbáceas (Cavalcanti 1978, Coutinho 2002). Embora a maioria das espécies arbóreas esteja protegida do fogo pelo súber espesso, os indivíduos jovens podem não ter produzido uma proteção efetiva entre eventos de fogo, sendo mais suscetíveis (Guedes 1993). Conseqüentemente, incêndios freqüentes reduzem a densidade da vegetação arbórea por meio da mortalidade dos indivíduos mais jovens e da alteração na taxa de regeneração dessas espécies (Frost & Robertson 1987, Hoffmann 1998). Portanto, o fogo transferiria, de certa forma, nutrientes do estrato lenhoso para o herbáceo, beneficiando este último (Coutinho 2002). Em contraposição, durante uma queimada, grande parte dos nutrientes volatiliza-se, por meio da fumaça, provocando perda de nutrientes para a atmosfera (Miranda et al. 2002). Kauffman et al. (1994) estimaram que 33% de nitrogênio, 22% de fósforo e 74% de enxofre sejam perdidos por volatilização durante o fogo no cerrado. Apesar disso, esses

3 nutrientes em suspensão na atmosfera acabam por retornar ao solo, seja por gravidade, seja por arraste pelas gotas de chuva (Coutinho 2002). Segundo Moreira (1996), a ausência do fogo levaria a uma homogeneização na fisionomia do cerrado, induzindo a mudanças graduais na densidade das árvores lenhosas para uma formação mais densa. Miranda et al. (2002) observaram uma redução de 4% na cobertura do dossel de um cerradão imediatamente após o fogo. Quinze dias depois, a abscisão das folhas danificadas resultou numa redução de 38% na cobertura do dossel. Bustamante et al. (1998 apud Miranda et al. 2002) mostraram que fogos freqüentes num cerrado sensu stricto reduziram a densidade de plantas lenhosas, favorecendo a recolonização da área por gramíneas. O presente trabalho tem como objetivo avaliar as modificações fisionômicas em um fragmento de cerrado protegido do fogo ao longo do tempo, a partir da análise da altura e da área basal dos indivíduos. Nossa hipótese é de que áreas protegidas pelo fogo tenderiam, com o tempo, a adquirir características de uma fisionomia florestal, tornando-se mais altas e com maior cobertura florestal. Material e métodos A Estação Experimental de Itirapina situa-se entre os municípios de Itirapina e Brotas, no estado de São Paulo, a 226 km da capital, entre as coordenadas geográficas 22 o 15'S e 47 o 49'W (Veiga 1975). Essa unidade possui uma área total de 3212 ha (Delgado et al. 2004), dos quais 1778,5 ha são cobertos por florestas plantadas: 101,4 ha com espécies de Eucaliptus sp e 1677,1 ha com espécies de Pinus sp (Pinheiro et al. 1976). O restante é constituído por vegetação nativa, em sua maior parte representada por cerrado em diversas formas fisionômicas (campo limpo, campo sujo, cerrado sentido restrito e cerradão), além de banhados e matas ciliares ao longo dos cursos d'água (Giannotti 1988). Dos fragmentos de cerrado existentes na unidade, o fragmento selecionado para o estudo, denominado Valério (22º13'S; 47º48'W), está protegido do fogo há aproximadamente 20 anos. O clima da área de estudo, segundo a classificação de Köppen (1948), é Cwa, tipo mesotérmico de inverno seco (Veiga 1975) e o solo é o Neossolo Quartzarênico (Oliveira & Prado 1984).

4 Para a amostragem da vegetação, utilizamos uma grade quadrada com 64 parcelas de 5 x 5 m (25m 2 ), lançada em 1993, a 10 m da borda do fragmento estudado (figura 1). Identificamos em campo todos os indivíduos lenhosos (com crescimento secundário) que apresentaram diâmetro do caule ao nível do solo igual ou superior a 3 cm. Estimamos visualmente a altura (em metros) dos indivíduos amostrados e calculamos a área basal (em cm 2 ) de cada indivíduo a partir do seu diâmetro (cm). A área basal foi calculada pela fórmula: AB = (DAS/2) 2. π. Adotamos a soma das áreas basais de todos os indivíduos amostrados em uma parcela como a representação da cobertura arbórea da mesma, dada em cm 2.m -2. Realizamos tal procedimento para os anos de 1995, 1997, 1999, 2001, 2003 e 2005. Para determinar a fisionomia do fragmento estudado ao longo do tempo, inferida por meio da altura média dos indivíduos amostrados e da cobertura arbórea da área, adotamos a classificação fitofisionômica de Ribeiro & Walter (1998). Para testar se a fisionomia do fragmento estudado tornou-se mais fechada ao longo do tempo, isto é, se a altura e a área basal dos indivíduos aumentaram durante o período do estudo, fizemos análises de regressão linear (Sokal & Rohlf 2000) por meio do programa SYSTAT (2000). Resultados e discussão Tanto a altura quanto a área basal dos indivíduos do fragmento Valério não variaram nos anos estudados, ou seja, a fisionomia da vegetação não mudou ao longo do tempo (figuras 2 e 3). É importante ressaltar que não usamos na análise a altura média dos indivíduos, uma vez que as medidas de altura em todos os anos analisados não seguiam uma distribuição normal (P<0,001). Dessa forma, utilizamos a mediana dos valores de altura dos indivíduos para cada ano como medida representativa da comunidade. Se adotássemos a altura média dos indivíduos, que é o parâmetro empregado na classificação de Ribeiro & Walter (1998), embora determinado de forma distinta, e analisássemos unicamente os valores médios de altura, haveria uma variação na fisionomia do fragmento estudado entre cerrado ralo (em 1995, 1997 e 2001) e cerrado típico (em 1999, 2003 e 2005).

5 Com relação às medidas de área basal, utilizamos também a mediana, pois os dados não obedeciam a uma distribuição normal. Postulamos que a área basal permitir-nos-ia inferir a respeito da cobertura arbórea, isto é, quanto maior fosse a área basal maior seria a cobertura arbórea e vice-versa. Todavia, tal relação foi estabelecida apenas na avaliação da variação fisionômica ao longo do tempo, sem ser adotada na classificação fisionômica do fragmento. A classificação fitofisionômica de Ribeiro & Walter (1998) baseia-se na altura média dos indivíduos e na cobertura arbórea da área, ambas determinadas visualmente. A estimativa visual dessas variáveis usada nessa classificação não se fundamenta numa amostragem, mas sim numa observação geral, paisagística, da comunidade como um todo. Adotando tal procedimento, classificaríamos o fragmento Valério como cerrado típico, segundo a altura média dos indivíduos (3-6 m), ou como cerradão, de acordo com a cobertura arbórea (50-90%), inferida visualmente na área estudada. Portanto, com a possibilidade de classificação deste fragmento em duas fisionomias distintas, adotando os critérios de Ribeiro & Walter (1998), constatamos que os mesmos são subjetivos e imprecisos, especialmente para fragmentos que estão nos limites de transição de uma fisionomia para outra. Nossos resultados para o período amostrado sugerem duas conclusões distintas: 1) a fisionomia de uma área de cerrado protegida do fogo não tenderia obrigatoriamente a se tornar mais fechada com o tempo; ou 2) uma série temporal mais longa poderia indicar a suposta tendência de um fragmento de cerrado protegido do fogo a uma fisionomia mais fechada. No primeiro caso, a hipótese de Coutinho (1990), segundo a qual a fisionomia de uma área protegida do fogo tenderia a se tornar mais fechada até se transformar numa floresta estacional semidecídua, não foi confirmada. Nesse contexto, Moreira (2000) não encontrou evidências que indicassem que áreas de cerrado protegidas do fogo estariam sendo invadidas por espécies florestais. No caso da segunda alternativa, o período de amostragem pode ter sido insuficiente para detectar tal processo, em face da lenta velocidade de crescimento da vegetação. Uma possível explicação para a não detecção da tendência a uma formação mais fechada no período analisado seria a existência de um Neossolo Quartzarênico na área pesquisada. A

6 fertilidade natural deste tipo de solo é muito baixa, com carência generalizada de nutrientes (Adámoli et al. 1986). Dessa forma, ele não permitiria, pelo menos em curto prazo, que o fragmento Valério se transformasse em uma fisionomia mais fechada, pois haveria a necessidade de mais tempo (em escala geológica) para que o solo se tornasse mais fértil a ponto de permitir que tal tendência se confirmasse. Por fim, podemos considerar a possibilidade de que o fragmento esteja sofrendo perturbações de outra natureza, não contempladas nesse trabalho, que possam estar impedindo a mudança fisionômica da área. Referências bibliográficas ADÁMOLI, J, MACÊDO, J., AZEVEDO, L.G. & NETTO, J.M. 1986. Caracterização da região dos Cerrados. In Solos dos Cerrados: tecnologias e estratégias de manejo (W.J. Goedert ed). EMBRAPA. Brasília, p.33-96. CAVALCANTI, L.H. 1978. Efeito das cinzas resultantes da queimada sobre a produtividade do estrato herbáceo subarbustivo do cerrado de Emas. Tese de Ph.D., Universidade de São Paulo, São Paulo. COUTINHO, L.M. 1990. Fire in the ecology of the Brazilian Cerrado. In Fire in the tropical biota: ecosystem processes and global challengis ( J.G.Goldammer, ed). Springer-Verlag, Berlim, p.82-105. COUTINHO, L.M. 1992. O cerrado e a ecologia do fogo. Ciência Hoje. Volume Especial Eco-Brasil, p.130-138. COUTINHO, L.M. 2002. O bioma do cerrado. In Eugen Warming e o cerrado brasileiro: um século depois (A. L. Klein ed). Editora Unesp, São Paulo, p.77-91. DELGADO, J.M., BARBOSA, A.F.; SILVA, C.E., ZANCHETA, D.; GIANNOTTI, E., PINHEIRO, G. S, DUTRA-LUTGENS, H., FACHIN, H.C., MOTA, I.S., LOBO, M., NEGREIROS, O.C. & ANDRADE, W.J. 2004. Plano de manejo integrado das Unidades de de Conservação de Itirapina - SP. Instituto Florestal, São Paulo. EITEN, G. 1994. Vegetação do cerrado. In Cerrado: caracterização, ocupação e perspectivas (M.N. Pinto ed). UnB / SEMATEC, Brasília, p.9-65.

7 FROST, P.H.G. & ROBERTSON, F. 1987. The ecological effects of fire in savannas. In Determinants of tropical savannas (B. H.Walker, ed). IRL Press Limited, Oxford, p.93-141. GIANNOTTI, E. 1988. Composição florística e estrutura fitossociologica da vegetação de cerrado e de transição entre cerrado e mata ciliar da Estação Experimental de Itirapina (SP). Dissertação de mestrado. Universidade Estadual de Campinas, Campinas - SP. GUEDES, D.M.1993. Resistência das árvores do cerrado ao fogo: papel da casca como isolante térmico. Dissertação de Mestrado, Universidade de Brasília, Brasília. HOFFMANN, W. 1998. Post-burn reproduction of woody plants in a neotropical savanna: the relative importance of sexual and vegetative reproduction. Journal of Applied Ecology 35: 422-433. KAUFFMAN, J.B., CUMMINGS, D.L. & WARD, D.E. 1994. Relationship of fire, biomass and nutrient dynamics along a vegetation gradient in the Brazilian cerrado. Journal of Ecology 82: 519-531. KÖPPEN, W. 1948. Climatología. Fondo de Cultura Económica, Mexico. MIRANDA, H.S., BUSTAMANTE, M.M.C & MIRANDA, A.C. 2002. The fire factor. In The cerrados of Brazil: ecology and natural history of a neotropical savanna (P.S. Oliveira & R.J. Marquis eds). Columbia University Press, New York, p.51-68. MOREIRA, A.G. 1996. Proteção contra o fogo e seu efeito na distribuição e composição de espécies de cinco fisionomias de cerrado. In Impactos de queimadas em áreas de cerrado e restinga (H.S. Miranda, C.H. Saito & B.F.S. Dias eds). UnB/ECL, Brasília, p.102-111. MOREIRA, A.G. 2000. Effect of fire protection on savanna structure in Central Brazil. Journal of Biogeography 27: 1021-1029. OLIVEIRA, J.B. & PRADO, H. 1984. Levantamento pedológico semidetalhado do Estado de São Paulo: quadrícula de São Carlos II. Boletim Técnico do Instituto Agronômico de Campinas, v. 98. PINHEIRO, G.S., LIMA, O.S. & MORAES, J.L. 1976. Inventário florestal das estações experimentais do Instituto Florestal - Fase 1a: Cadastramento dos plantios. Boletim Técnico IF, 23: 1-80.

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9 40m Y8 Y7 cerrado Y6 Y5 40m cerrado Y4 Y3 Y2 Y1 X1 X2 X3 X4 X5 X6 X7 X8 cerrado aceiro Figura 1: Grade amostral de parcelas de 25 m 2 (5x5), num total de 0,16 ha do fragmento "Valério".

10 ANO X ALTURA y = 0,0014x + 0,0262 R 2 = 0,0001 4 3,5 3 2,5 ALTURA 2 1,5 1 0,5 0 1994 1996 1998 2000 2002 2004 2006 ANO Figura 2: Regressão linear referente à mediana da altura dos indivíduos em função do tempo do fragmento "Valério", Itirapina, São Paulo.

11 ÁREA BASAL X ANO 35 30 25 ÁREA BASAL 20 15 y = 0,1286x - 229,64 R 2 = 0,1218 10 5 0 1994 1996 1998 2000 2002 2004 2006 ANO Figura 3: Regressão linear referente à mediana da área basal dos indivíduos em função do tempo do fragmento "Valério", Itirapina, São Paulo.