Risco Hidrológico e grandes hidroélectricas na Africa Austral



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Transcrição:

Risco Hidrológico e grandes hidroélectricas na Africa Austral Avaliando os riscos hidrológicos, incertezas e as suas consequências para os sistemas dependentes de energia hidroélectrica na Bacia do Rio Zambeze (Sumário Executivo) por Dr. Richard Beilfuss O continente africano é altamente vulnerável aos impactos das mudanças climáticas. Numerosos modelos de mudanças climáticas prevêem que os padrões do clima do continente se tornarão mais variáveis, e preve-se que os eventos climáticos extremos se tornem mais frequentes e severos, com um aumento do risco para a saúde e para a vida. Dentro dos próximos 50 anos, estima-se que 60 a 120 milhões de pessoas na África Austral enfrentem escassez de água. Em todo o continente, os líderes africanos encontram-se sob pressão para fazer crescer as suas economias nacionais, e para elevar as condicoes de vida do seu povo, o que se traduz num aumento da demanda de energia. A energia hidroeléctrica está de forma geral a ser promovida para o continente como uma fonte de capacidade energética de grande escala. Várias outras barragens grandes estão a ser construídas ou estão a ser consideradas. No entanto, a África Subsaariana (excluindo a África do Sul) já é dependente em 60% da energia hídrica, e muitos países, individualmente, são ainda muito mais dependentes. O continente tem enfrentado secas recorrentes no último quarto de século, o que se tem tornado num dos principais causadores da escassez de energia em numerosos países dependentes da energia hídrica. A falta de energia causada por secas acarreta um elevado custo para as economias locais. Os grandes sistemas hidroeléctricos também prejudicam a riqueza dos serviços ecológicos oferecidos pelos sistemas fluviais que garantem a subsistência humana e a biodiversidade de água doce. Estes impactos estão a ser agravados pelas mudanças climáticas. Apesar destas preocupações, as grandes barragens estão a ser construídas ou propostas, normalmente sem incluir a análise de riscos da variabilidade hidrológica, tipica dos padrões climáticos africanos, e muito menos os impactos a médio e longo prazo das mudanças climáticas. Da mesma forma, os bens e serviços providenciados pelos ecossistemas raramente têm um peso consideravel no processo de planeamento energético. Este relatório apresenta uma avaliação do risco hidrológico dos sistemas energéticos dependentes da energia hídrica face às mudanças climáticas, usando a Bacia do Zambeze como um caso de estudo. O futuro da Bacia do Zambeze exemplifica os desafios enfrentados pelos os orgãos de tomada de decisão, comparando os potenciais benefícios do 1

desenvolvimento da energia hídrica com os riscos das mudanças hidrológicas. A Bacia do Rio Zambeze é a maior da África Austral, com uma área de drenagem total de aproximadamente 1.4 milhões de km 2. Actualmente, a bacia tem aproximadamente 5,000MW de capacidade de produção de energia hídrica instalada, incluindo as enormes barragens de Cahora Bassa e Kariba (cuja albufeira é a maior do mundo em termos de volume). Foram identificados 13,000MW adicionais de potencial hidroeléctrico. Nenhum destes projectos, actuais ou propostos, incorporou seriamente as considerações sobre mudanças climáticas no desenho e operação do projecto. O relatório discute a variabilidade e a incerteza hidrológica na Bacia do Zambeze, o impacto das mudanças climáticas na hidrologia e na capacidade hidroeléctrica da bacia, e os riscos da implementação dos projectos hidroeléctricos actuais e futuros. A necessidade de incorporar as mudanças climáticas no planeamento energético é destacada e são feitas recomendações para reduzir os riscos. Variabilidade Hidrológica e Energia Hídrica na Bacia do Rio Zambeze É fundamental compreender a variabilidade hidrológica na Bacia do Rio Zambeze para avaliar os riscos, incertezas, e consequências dos sistemas energéticos dependentes da energia hídrica. A Bacia do Rio Zambeze tem um dos climas mais variáveis entre as bacias dos principais rios do mundo, com uma ampla variedade de condições ao longo da bacia e do tempo. A precipitação média anual varia de mais de 1600mm por ano em algumas áreas mais elevadas do norte a menos de 550mm por ano em zonas com escassez de água na porção sul da bacia. O escoamento é bastante variável ao longo da bacia, e de ano para ano. Toda a Bacia do Rio Zambeze é altamente susceptível a secas extremas (que muitas vezes duram anos) e cheias que ocorrem em quase todas as décadas. As secas têm um impacto considerável no fluxo do rio e na produção de energia hídrica da bacia. Por exemplo, durante a grande seca de 1991/92, a redução de produção de energia hídrica resultou numa redução de $102 milhões do PIB, na redução de $36 milhões nas receitas de exportação, e na perda de 3,000 postos de trabalho. As cheias extremas têm resultado num número considerável de perda de vidas, perturbações sociais e grandes prejuízos económicos. Os operadores de energia hídrica e os gestores da bacia do rio enfrentam um desafio crónico para conseguir equilibrar as vantagens entre manter os níveis da reserva altos para uma produção máxima de energia e manter um volume adequado de armazenamento de água para as cheias seguintes. A variabilidade natural do fluxo do Rio Zambeze encontra-se altamente modificada pelas grandes barragens, principalmente pelas barragens de Cahora Bassa e de Kariba no curso principal, e também pelas barragens de Itezhi-Tezhi e Kafue Gorge Superior no afluente Kafue. As barragens hidroeléctricas do Zambeze alteraram profundamente as condições hidrológicas mais importantes para manter a biodiversidade e meios de subsistência a jusante, principalmente o calendário, magnitude, duração e frequência dos picos de inundação sazonais. Mais de 11% do fluxo médio anual do Zambeze evapora das grandes albufeiras e que estão associadas às barragens hidroeléctricas. Estas perdas de água 2

aumentam o risco de insuficiências na produção de energia, e afectam significativamente as funções do ecossistema a jusante. Com as barragens existentes, os picos de inundação por cima dos bancos de areia agora ocorrem apenas durante as maiores inundações da bacia, e são de duração e volume inadequados para sustentar sistemas de planícies saudáveis e funcionais que são de grande importância a nível mundial, tal como as Kafue Flats, Mana Pools, e o Delta do Zambeze. Os picos de inundação elevados, quando ocorrem, são geralmente inoportunos são gerados durante descargas de emergência devido às cheias ou durante uma estação seca tardia em resposta a descargas necessárias devido ao baixo nível de água. A descarga de água durante a estação seca, que é essencial para a agricultura, pesca, e vida selvagem que dependem do rio, é substituída por fluxos constantes de estação seca gerados pelas descargas das turbinas de energia hídrica. O impacto económico da perda destes e de outros serviços providenciados pelos ecossistemas é um factor importante no risco financeiro em termos gerais no desenvolvimento da energia hídrica, especialmente num clima em mudança. Riscos Climáticos na Bacia do Zambeze O Plano Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC) categorizou o Zambeze como sendo a bacia hidrograáfica que exibe os piores potenciais efeitos das mudanças climáticas entre as 11 maiores bacias africanas, devido ao efeito de ressonância do aumento da temperatura e da diminuição da precipitação. O escoamento do Zambeze é bastante sensível às variações do clima, na medida em que pequenas alterações na precipitação produzem grandes mudanças no escoamento. Ao longo do próximo século, espera-se que as mudanças climáticas aumentem esta variabilidade, e a vulnerabilidade da bacia e das suas barragens hidroeléctricas a estas mudanças. O futuro quadro do clima da África Austral é cada vez mais claro, tendo como base as tendências observadas durante o último século e o aumento da confiança na gama de cenários desenvolvidos para as mudanças climáticas. No geral, o Zambeze irá enfrentar períodos de seca mais secos e mais prolongados, e cheias mais graves. Seguem-se os principais riscos previstos para a Bacia do Rio Zambeze para o próximo século: Espera-se que a bacia apresente um aquecimento significativo de 0.3-0.6 o C. O aumento da temperatura ao longo da bacia irá resultar no aumento da evaporação de águas superficiais expostas. Vários estudos citados pelo IPCC estimam que a precipitação ao longo da bacia irá diminuir em cerca de 10-15%. Estão previstas alterações significativas no padrão sazonal de precipitação ao longo da bacia, incluindo inícios tardios dos eventos de precipitação e, também, que estes sejam mais curtos e mais intensos. Todos os países que fazem parte da Bacia do Zambeze vão sofrer uma redução significativa do caudal médio anual. Vários estudos estimam que o escoamento do Zambeze irá diminuir em 26-40% até 2050. 3

O aumento da escassez de água é uma grande preocupação para as zonas semi-áridas da Bacia do Zambeze. Riscos Climáticos da Energia Hídrica Estas previsões abismais das mudanças climáticas, baseadas na média (não nos casos extremos) de muitos modelos climáticos, têm implicações profundas para o futuro da energia hídrica na Bacia do Rio Zambeze. As mudanças climáticas têm a capacidade de afectar as operações das hidroeléctricas de, pelo menos, cinco maneiras: A reduzida entrada de fluxo nas albufeiras, devido à diminuição do escoamento da bacia e condições de seca mais frequentes e mais prolongadas, iráreduzir a produção de energia total. O aumento da quantidade de cheias extremas, devido a uma intensidade mais elevada de precipitação e a ciclones mais frequentes, irá aumentar o risco de impactos mais graves das inundações, causadas pelas descargas descontroladas, e os riscos de segurança das barragens. Um atraso no início da época chuvosa poderá resultar numa previsão de produção de energia menos confiavel e em maiores complicações e incerteza no uso das albufeiras para a gestão de inundações. O aumento da evaporação da água de superfície poderá reduzir a produção de energia. O aumento da quantidade de sedimentos nas albufeiras, resultante de uma maior intensidade da precipitação e da respectiva erosão, levará a uma redução da capacidade das albufeiras e numa maior dificuldade da gestão de inundações. São vários os estudos que indicam que o regime de economia da produção de energia hídrica é sensível às mudanças na precipitação e ao escoamento. A maior parte dos projectos hidroeléctricos são desenhados com base numa história climática recente e na suposição de que os futuros padrões hidrológicos irão seguir os padrões históricos. No entanto, esta noção de que os sistemas hidrológicos se irão manter estacionários no futuro (e por isso previsíveis para a projecção e operação de sistemas de energia hídrica) já não é válida. Tendo em conta os futuros cenários climáticos, é improvável que uma estação de energia hídrica, baseada no registo dos fluxos do último século, forneça os serviços esperados durante o seu tempo de funcionamento esperado. É provável que o projecto da estação seja sobreestimado tendo em conta as futuras secas e os balanços de água esperados, e subprojectada em relação aos eventos extremos de entrada de água. As inundações extremas, uma característica natural do sistema do Rio Zambeze, tornaram-se mais dispendiosas a jusante desde a construção das grandes barragens, e serão agravadas pelas mudanças climáticas. Os impactos sociais e económicos de uma falha numa das grandes barragens da Bacia do Rio Zambeze não seriam nada menos do que catastróficos. O plano e a operação das barragens de Batoka Gorge e Mphanda Nkuwa, que estão neste momento sob consideração para o Zambeze, aumentam estas preocupações. Ambas as 4

barragens se baseiam num arquivo hidrológico histórico e não foram avaliados os riscos associados à redução dos fluxos anuais médios e de ciclos extremos de cheias e de secas. Serviços de Ecossistemas Subvalorizados A riqueza dos bens e serviços ecológicos fornecidos pelos sistemas de rios que sustentam a vida na terra, raramente têm grande peso nos processos de planeamento energético. A situação actual da construção de barragens em África não está a ser avaliada em relação ao impacto das mudanças hidrológicas induzidas pelas barragens na capacidade das populações rurais se adaptarem aos novos regimes de caudais, e muito menos na sua capacidade de se adaptarem aos impactos das mudanças climáticas de um modo mais geral. Os bens e serviços providenciados pelos ecossistemas são de importância fundamental para a adaptação às mudanças climáticas. A Avaliação dos Ecossistemas do Milénio concluiu que os esforços para reduzir a pobreza rural e erradicar a fome estão extremamente dependentes dos bens e serviços providenciados pelos ecossistemas, principalmente na África Subsaariana. A contínua dependência da energia hídrica iraá agravar o impacto económico causado pela redução dos bens e serviços providenciados pelos ecossistemas já associados á`a exploração do rio. O valor dos bens e serviços providenciados pelos ecossistemas ameaçados pela exploração da energia hídrica no sistema do Rio Zambeze é surpreendente. Um estudo recente de analise e valorização económica estima que o valor anual total dos bens e serviços providenciados pelos ecossistemas dependentes do rio no Delta do Zambeze é de US$930 milhões a $1.6 biliões. A agricultura, a pesca, o gado, o turismo e o abastecimento de água são todos afectados. Cumulativamente, o valor económico da água para os bens e serviços providenciados pelos ecossistemas a jusante excede o valor da água utilizada estritamente para a produção de energia hídrica mesmo sem contar com a valorização da biodiversidade e dos usos culturais providenciados pelo sistema do rio. RECOMENDAÇÕES A redução dos riscos económicos das mudanças climáticas nos sistemas hidro-dependentes deve considerar as infra-estruturas actuais e as planeadas. O relatório recomenda o seguinte: *Avaliar a energia hídrica no contexto do plano abrangente a nível da bacia: os responsaveis pela elaboração do plano devem considerar cautelosamente as barragens no contexto do modo como as mudanças climáticas irão moldar o abastecimento de água, e de como o futuro fluxo dos rios deverá satisfazer as concorrentes demandas de energia, conservação, e uso doméstico de água, agricultura, indústria e outros serviços. As abordagens de adaptação baseadas na comunidade e no ecossistema numa estratégia geral que vise capacitar a população na adaptação às mudanças climáticas em qualquer esforço de planeamento abrangente, e que integrem o uso da biodiversidade e dos bens e serviços providenciados pelos ecossistemas, devem ser centrais. 5

*Incorporar cenários de mudanças climáticas nos projectos de barragens: A maior implicação das mudanças climáticas nas barragens e albufeiras é o futuro incerto, não se pode assumir que este seja igual ao passado. Até que uma série de dados fiáveis estejam disponíveis para o desenho e operação de novas hidroeléctricas, os projectos a elaborar devem de ser abordados com extrema cautela. A incerteza climática deve ser incorporada no projecto das barragens, de modo a evitar os riscos de uma infra-estructura desenhada acima ou abaixo do adequado assim como para evitar riscos financeiros. *Diversificar o grupo regional fornecedor de energia de modo a reduzir a dependência da energia hídrica: a criação de um fornecimento de energia diversificado é fundamental para a adaptação às mudanças climáticas nas regiões com escassez de água. O Grupo de Energia da África Austral (SAPP) fornece uma excelente estrutura para diversificar a produção de energia e reduzir a dependência da energia hídrica. Na prática, porém, a SAPP já enfatizou o desenvolvimento da energia hídrica e do carvão para alimentar a rede regional, sem que tenha havido uma reflexão séria sobre os impactos e riscos das mudanças climáticas. A SAPP pode ter um papel chave de liderança na adaptação da rede energética regional às realidades da variabilidade climática e da escassez de água através da promoção de tecnologias energéticas descentralizadas, padrões de eficiência energética, gestão do lado da demanda, e tarifas que alimentam a rede eléctrica nacional tarifas feed-in que apoiem as tecnologias renováveis. *Melhorar a capacidade hidroeléctrica existente, em vez investir em novas infraestruturas: As estruturas hidroeléctricas existentes devem ser reabilitadas, renovadas, e actualizadas antes de se construírem novas instalações. Adicionar turbinas novas ou mais eficientes tem, quase sempre, menores impactos do que construir novas barragens. *Priorizar investimentos que aumentam a resistência ao clima: os modelos climáticos alertam para os impactos das alterações dos padrões de precipitação e de escoamento da bacia na produção de cereais, na disponibilidade de água, e na sobrevivência de espécies. No entanto, as grandes barragens hidroeléctricas ameaçam diminuir, em vez de aumentar, a resiliência climática especialmente para a população pobre rural dando maior prioridade à produção de energia do que ao abastecimento de água, eliminando os picos de inundação naturais que auxiliam a produção alimentar, e aumentando a perda de água por evaporação. Os investimentos devem ter como objectivo aumentar a resiliência ao clima, ajudando as comunidades pobres e vulneráveis a se preparar para resistir e recuperar dos efeitos negativos das mudanças climáticas. *Implementar caudais ambientais para a adaptação climática: Os caudais ambientais constituem uma ferramenta importante de gestão e de política para restaurar os sistemas fluviais. Os caudais ambientais serão fundamentais para ajudar as comunidades que vivem a jusante das barragens a adaptarem-se a um clima em alteração, e devem ser incorporados nas operações das hidroeléctricas já existentes, assim como em futuros projectos de barragens. Os caudais ambientais têm um papel vital na manutenção e restauração de importantes bens e serviços providenciados pelos ecossistemas, especialmente para as zonas baixas de Kafue, Lagoas Mana, e para as Terras Húmidas do Delta do Zambeze de Importância Internacional. Esforços colaborativos entre as autoridades das águas, operadores de barragens, companhias 6

de energia, ONGs, e universidades regionais para se implementar caudais ambientais devem de ser apoiados. *Garantir que os sistemas de monitoria e avaliação apoiam uma gestão adaptativa: Estes sistemas são essenciais para qualquer estratégia que vise a adaptação da energia hídrica às mudanças climáticas. Estes devem auxiliar a sociedade a entender claramente se as práticas actuais de gestão de água estão a cumprir com os resultados prometidos, e capacitar os orgãos de tomada de decisão de modo a que estes possam aplicar as lições apreendidas na melhoria da gestão actual e da futura. *Repensar nas estratégias de gestão de cheias: Muitos projectos hidroeléctricos são justificados com base no facto de controlarem as inundações para além de produzirem energia. No entanto, para que ao armazenamento de águadas inundações seja permitido, significa que a albufeira deve ser esvaziada para que haja espaço para a captação da água das inundações, sendo ao mesmo tempo esta águanecessária para produzir energia. Devem ser adoptados cenários alternativos de operação nas barragens já existentes e abordagens melhores para a gestão de inundações, incluindo o uso da capacidade de armazenamento natural ou melhorado das planícies de inundação na bacia em conjunto com o funcionamento run-of-river das grandes barragens hidroeléctricas. *Alocar receitas provenientes da energia hídrica para compensar os impactos das barragens: a regulação dos rios para a estricta geração de energia hídrica está associada a impactos adversos nos sistemas fluviais e nos bens e serviços que estes ecossistemas oferecem. São necessários novos mecanismos financeiros para realocar as receitas das vendas de energia hídrica de modo a compensar directamente os usuários da água a jusante pelos danos causados pela operação das barragens na agricultura, pastagem e pesca. As receitas da energia hídrica a nível da bacia, poderiam ser usadas para reduzir as pressões exercidas sob os sistemas fluviais, incluindo a remoção de espécies exóticas invasivas e os impactos negativos das alterações no uso de terras, como por exemplo o derrubamento de florestas ripícolas, que ameaçam directamente a viabilidade dos projectos hidroeléctricos. *Garantir as melhores práticas sociais e ambientais: as barragens na Bacia do Zambeze estão a ser planeadas sob uma variedade de padrões, com muito pouca participação pública, e com muito pouca, se alguma, atenção aos amplos impactos sociais e ambientais que estes projectos podem acarretar. Dada a importância de sistemas fluviais que funcionam bem nos esforços de adaptação às mudancas climáticas em África, os padrões devem ser melhorados e tornarem-se obrigatórios de modo a minimizar estes riscos e avaliar adequadamente todas as alternativas. *Desenvolver uma capacidade institucional forte para a gestão dos recursos hídricos: Este pode ser o factor com maior importâancia na adaptação bem-sucedida dos sistemas hidroeléctricos existentes para lidar com as mudanças climáticas, visto que muitas das recomendações anteriores seriam impossíveis de se implementar sem uma capacidade institucional forte. É necessário uma capacidade técnica, financeira e social significativa em todo o leque de agências que lidam com a gestão de água. Os responsáveis a todos os níveis pela gestão das hidroeléctricas devem ser capacitados em novos tipos de operação de barragens e equipados demodelos e ferramentas de implementação. 7

Os bens e serviços ecológicos prestados pelas bacias fluviais, que são fundamentais para permitir que as sociedades se adaptem às mudanças climáticas, estão a ser gravemente ameaçados por estas mesmas mudanças climáticas e, também, pelos esquemas de exploração de hidroeléctricas existentes e planeadas. A adaptação bem-sucedida numa região altamente vulnerável como a Bacia do Rio Zambeze, exige uma grande mudança de pensamento, planeamento e na projecção de investimentos hídricos para o futuro. Muitos dos grandes responsáveis pelo desenvolvimento, serviços e financiamentos da energia hídrica, reconhecem estas preocupações, mas continuam a recomendar grandes investimentos no desenvolvimento do sector hidroeléctrico, em detrimento dos sistemas de energia alternativa que teriam menos riscos climáticos e que seriam mais adequados para as necessidades de adaptação às mudanças climáticas. É urgentemente necessário um caminho alternativo centrado em investimentos inteligentes em termos climáticos que incluam explicitamente os riscos financeiros e as funções ecológicas e o valor dos sistemas fluviais. Espera-se que este relatório ajude os Países da Bbacia a tomar decisões informadas sobre como incorporar a variabilidade hidrológica e as estratégias de adaptação nas decisões de planeamentos e investimentos a longo prazo na Bacia do Rio Zambeze e não só. 8