MULTIMODALIDADE E CONSTRUÇÃO DE IDENTIDADE SOCIAL EM MANCHETES JORNALÍSTICAS Michelle Martins de Mattos Rangel michellemichellinha@hotmail.



Documentos relacionados
Ranking - Posição Participação e Evolução das Publicações - realizado pelo Instituto Verificador de Circulação (IVC) em 23 de abril de 2009.

Gestão da Informação e do Conhecimento

ASSESSORIA DE IMPRENSA 1 Felipe Plá Bastos 2

Análise e Desenvolvimento de Sistemas ADS Programação Orientada a Obejeto POO 3º Semestre AULA 03 - INTRODUÇÃO À PROGRAMAÇÃO ORIENTADA A OBJETO (POO)

QUEM LÊ ALFA É O CARA: AS RELAÇÕES ARGUMENTATIVAS ESTABELECIDAS ENTRE ENUNCIADOR E ENUNCIATÁRIO

Apresentação. Práticas Pedagógicas Língua Portuguesa. Situação 4 HQ. Recomendada para 7a/8a ou EM. Tempo previsto: 4 aulas

AS CONTRIBUIÇÕES DO SUJEITO PESQUISADOR NAS AULAS DE LEITURA: CONSTRUÇÃO DE SENTIDOS ATRAVÉS DAS IMAGENS

A Educação Bilíngüe. » Objetivo do modelo bilíngüe, segundo Skliar:

Sequências Didáticas para o ensino de Língua Portuguesa: objetos de aprendizagem na criação de tirinhas

UNIVERSIDADE PAULISTA CURSO DE LETRAS DIEGO LOPES MACEDO ELIANA ANTUNES DOS SANTOS GILMARA PEREIRA DE ALMEIDA RIBEIRO

25/07 ESBOÇO DE ANÁLISE DE UM TEXTO MIDIÁTICO IMAGÉTICO SOB OS PRESSUPOSTOS DA ANÁLISE DO DISCURSO. Maricília Lopes da Silva (PG-UNIFRAN)

NOTÍCIA INSTITUCIONAL: IMAGEM INSTITUCIONAL

cris Relatório de gerenciamento de mídias sociais Maio e Junho/2015

ESCOLA, LEITURA E A INTERPRETAÇÃO TEXTUAL- PIBID: LETRAS - PORTUGUÊS

QUE ESCOLA QUEREMOS PARA AS NOSSAS CRIANÇAS?

ORIENTAÇÕES PARA PRODUÇÃO DE TEXTOS DO JORNAL REPORTAGEM RESENHA CRÍTICA TEXTO DE OPINIÃO CARTA DE LEITOR EDITORIAL

O E-TEXTO E A CRIAÇÃO DE NOVAS MODALIDADES EXPRESSIVAS. Palavras-chave: texto, , linguagem, oralidade, escrita.

EXTENSÃO UNIVERSITÁRIA E POLÍTICAS PÚBLICAS SOCIAIS

A INSTITUCIONALIZAÇÃO DA AD NOS PROGRAMAS DE PÓS- GRADUAÇÃO DA PUC/RS E DA UFRGS

A REDAÇÃO DO VESTIBULAR E A CONSTRUÇÃO DE UM ETHOS DISCURSIVO APOIADO NO HIPERENUNCIADOR JORNALISTA


SOCIEDADE E TEORIA DA AÇÃO SOCIAL

Universidade de Brasília

ESTATÍSTICA E PROBABILIDADE A PARTIR DO JOGO TRAVESSIA DO RIO. Palavras-chave: resolução de problemas; jogo; problematizações.

OS MECANISMOS DE COESÃO EM CAMPANHAS DE SAÚDE

Mídias sociais como apoio aos negócios B2C

Construção, desconstrução e reconstrução do ídolo: discurso, imaginário e mídia

PROJETO DE LEITURA E ESCRITA LEITURA NA PONTA DA LÍNGUA E ESCRITA NA PONTA DO LÁPIS

Uma perspectiva para compreender os gêneros discursivos: a Escola Norte-Americana

ANÁLISE DE COMPREENSÃO DE TEXTO ESCRITO EM LÍNGUA INGLESA COM BASE EM GÊNEROS (BIOGRAFIA).

LINGUAGEM E ARGUMENTAÇÃO JURÍDICA

A Parceria UNIVIR / UNIGLOBO- Um Case Focado no Capital Intelectual da Maior Rede de TV da América Latina

O guia completo para uma presença. online IMBATÍVEL!

A constituição do sujeito em Michel Foucault: práticas de sujeição e práticas de subjetivação

FORMAÇÃO DOCENTE: ASPECTOS PESSOAIS, PROFISSIONAIS E INSTITUCIONAIS

3 Dicas MATADORAS Para Escrever s Que VENDEM Imóveis

Múltiplos Estágios processo com três estágios Inquérito de Satisfação Fase II

O TEXTO COMO ELEMENTO DE MEDIAÇÃO ENTRE OS SUJEITOS DA AÇÃO EDUCATIVA

Estratégias em Propaganda e Comunicação

Como fazer contato com pessoas importantes para sua carreira?

Os desafios do Bradesco nas redes sociais

Assessoria de Imprensa e Media Training

EXPECTATIVAS DE APRENDIZAGEM PORTUGUESA DE LÍNGUA. Anos Iniciais do Ensino Fundamental (1º ao 5º ano) MARÇO

A Sociologia de Weber


Escola Secundária Dr. João Manuel da Costa Delgado

A LEITURA NA VOZ DO PROFESSOR: O MOVIMENTO DOS SENTIDOS

AFINAL, O QUE É ESSA TAL OUVIDORIA?

ROTEIRO PARA ELABORAÇÃO DE PROJETOS

Curso: Diagnóstico Comunitário Participativo.

Como escrever um bom Relato de Experiência em Implantação de Sistema de Informações de Custos no setor público. Profa. Msc. Leila Márcia Elias

A pauta é o material preparado pelo jornalista que tem como objetivo reunir o maior número de informações a respeito de um tema que deve se tornar

BRITO, Jéssika Pereira Universidade Estadual da Paraíba

Aluno(a) Nº. Série: Turma: Ensino Médio Trimestre [ ] Data: / / Disciplina: Professor: Linguagem e língua

OFICINA BLOG DAS ESCOLAS

DA UNIVERSIDADE AO TRABALHO DOCENTE OU DO MUNDO FICCIONAL AO REAL: EXPECTATIVAS DE FUTUROS PROFISSIONAIS DOCENTES

Elvira Cristina de Azevedo Souza Lima' A Utilização do Jogo na Pré-Escola

ANÁLISE DOS GÊNEROS TEXTUAIS ABORDADOS NA COLEÇÃO PROJETO MULTIDISCIPLINAR BURITI DO 1º AO 5º ANO DO ENSINO FUNDAMENTAL NA EDUCAÇÃO DO CAMPO

FENÔMENOS GRAMATICIAS RELEVANTES PARA O ENSINO DE LÍNGUA PORTUGUESA NO ENSINO MÉDIO PREPARATÓRIO PARA O VESTIBULAR

MANUAL DE ATIVIDADES COMPLEME MENTARES CURSO DE ENFERMAGEM. Belo Horizonte

VARIAÇÃO LINGÜÍSTICA, ORALIDADE E LETRAMENTO EM UMA TURMA DE PRÉ-ESCOLAR (CRECHE), EM TERESINA.

SUGESTÕES PARA ARTICULAÇÃO ENTRE O MESTRADO EM DIREITO E A GRADUAÇÃO

Painel 2 O BUSINESS JORNAL E O POSICIONAMENTO MULTIPLATAFORMA

A EXPLORAÇÃO DE SITUAÇÕES -PROBLEMA NA INTRODUÇÃO DO ESTUDO DE FRAÇÕES. GT 01 - Educação Matemática nos Anos Iniciais e Ensino Fundamental

LEITURA E ESCRITA: HABILIDADES SOCIAIS DE TRANSCREVER SENTIDOS

os botões emocionais Rodrigo T. Antonangelo

Manual do Painel Administrativo

Projeto O COLUNIsta. PROJETO DE PESQUISA PIBIC/CNPq. Orientador: Vanessa Lacerda da Silva Rangel

CRIARCONTEXTO: ANÁLISE DO DISCURSO NAS LETRAS DE MÚSICA 1. Faculdade de Letras, Universidade Federal de Goiás, CEP , Brasil

:: aula 3. :: O Cliente: suas necessidades e problemáticas. :: Habilidades a ser desenvolvidas

Referências internas são os artefatos usados para ajudar na elaboração do PT tais como:


A importância do branding

AGENDA ESCOLAR: UMA PROPOSTA DE ENSINO/ APRENDIZAGEM DE INGLÊS POR MEIO DOS GÊNEROS DISCURSIVOS

PROJETO MEIO AMBIENTE NA SALA DE AULA

O consumo de conteúdos noticiosos dos estudantes de Ciências da Comunicação da Faculdade de Letras da Universidade do Porto

PROJETO MEIO AMBIENTE NA SALA DE AULA

SITUAÇÃO DE PRODUÇÃO DA RESENHA NO ENSINO SUPERIOR

Modelo de Planejamento de Projeto orientado pelo Escopo

ÁLBUM DE FOTOGRAFIA: A PRÁTICA DO LETRAMENTO NA EDUCAÇÃO INFANTIL 59. Elaine Leal Fernandes elfleal@ig.com.br. Apresentação

PLANEJAMENTO DE MÍDIA DIGITAL

Define claramente o tema, o seu objectivo e os aspectos a desenvolver. De seguida deves ser capaz de levantar questões sobre o que pretendes

Mídia Kit. Produzido por Luis Daniel da Silva Rodrigo Almeida Tancy Costa Mavignier. Jornalistas

COMO FAZER A TRANSIÇÃO

1.3. Planejamento: concepções

Por uma pedagogia da juventude

A SUBSTITUIÇÃO HIPERONÍMICA: O PAPEL ARTICULADOR NA CONTINUIDADE DO TEXTO

REPRESENTAÇÃO DO MEIO AMBIENTE MAPAS MENTAIS UMA LINGUAGEM NO ENSINO DA GEOGRAFIA

A DESIGNAÇÃO DE TERCEIRIZAÇÃO NA REVISTA CARTA CAPITAL

Feature-Driven Development

O professor faz diferença?

PARANÁ GOVERNO DO ESTADO

QFD: Quality Function Deployment QFD: CASA DA QUALIDADE - PASSO A PASSO

Por que ouvir a sua voz é tão importante?

COMPRE AQUI E MORE BEM : A LINGUAGEM PUBLICITÁRIA E OS DISCURSOS DA PROPAGANDA IMOBILIÁRIA

Esta é uma breve análise de uma peça publicitária impressa que trabalha com o

Transcrição:

MULTIMODALIDADE E CONSTRUÇÃO DE IDENTIDADE SOCIAL EM MANCHETES JORNALÍSTICAS Michelle Martins de Mattos Rangel michellemichellinha@hotmail.com 1. Introdução A manchete jornalística se configura em um gênero multimodal, ou seja, em sua constituição estão envolvidos mais de um código semiótico. Conforme é sabido, toda manifestação semiótica constitui um texto envolvido por um discurso que é orientado dialeticamente por uma prática social. Discurso é considerado por Fairclough (2001) o uso social da linguagem, nas suas palavras: é uma prática, não apenas de representação do mundo, mas de significação do mundo, constituindo e construindo o mundo em significado (p. 91). Essas significações e construções da realidade através da prática discursiva, na concepção de Fairclough (ibidem), é a ideologia, que se constitui em várias dimensões das formas/sentidos. Uma das funções presentes no discurso é a identitária, que diz respeito aos modos pelos quais as identidades sociais são estabelecidas no discurso (FARICLOUGH, 2001, p. 92). A identidade social, adverte Moita Lopes (2003), não tem nada a ver com uma visão de identidade como parte da natureza da pessoa, ou seja, identidade pessoal, mas são as marcas sócio-históricas dos interlocutores. Feita as considerações acima, cabe dizer que a proposta deste trabalho é realizar uma análise que contemple a manchete jornalística em sua multimodalidade, ou seja, nos diferentes códigos semióticos que a constituem buscando perceber as ideologias e construções de identidades sociais que permeiam o texto. Dessa forma compreendemos que não somente o texto verbal, mas As imagens também produzem e reproduzem relações sociais, comunicam eventos ou questões e interagem com o espectador com força semelhante à do texto linear, além de serem dotados de mensagens organizadas e estruturada independentemente deste (KRESS e VAN LEEU- WEN, 2000, p. 200 apud OLIVEIRA, 2006, p. 21).

2. Destaques da análise multimodal 1167 Segundo Pimenta e Santana (2007), dentro da multimodalidade por causa da multiplicidade de conhecimentos constituídos de estruturas sociais diversas, deve-se levar em conta uma análise de múltiplas categorias, a saber, o design, a produção e a distribuição. O design refere-se aos usos e combinações dos recursos semióticos a partir das convenções e conhecimentos socialmente construídos, sendo modificados somente numa interação social. A produção é a articulação do texto, o modo como foi organizada a expressão do design. A distribuição diz respeito a como será veiculado, se é para ser comercializado ou funcionar apenas como linguagem na interação (VAN LEEUWEN 2001, apud PIMENTA e SANTANA: 2007). 3. O gênero manchete jornalística Visto que neste trabalho nosso foco são as manchetes jornalísticas, teceremos algumas considerações sobre este gênero. Vale dizer que as pontuações aqui apresentadas resultam da nossa percepção a partir da pesquisa e desenvolvimento deste trabalho. Entretanto, antes de nos determos neste gênero especificamente cabe apresentar o conceito de gênero a que estamos atrelados. Compreendemos, segundo Bakhtin ([1979, 1992] 2000: 279), que gêneros discursivos são tipos relativamente estáveis de enunciado (grifos no original), e com Marcuschi (2002, p. 19) que são fenômenos históricos, profundamente vinculados à vida cultural e social, contribuindo para ordenar e estabilizar as atividades comunicativas do dia-a-dia, constituindo-se entidades sócio-discursivas e formas de ação social. Importante evidenciar o posicionamento teórico de Marcuschi (2002, p. 20) quando diz que os gêneros textuais caracterizam-se muito mais por suas funções comunicativas, cognitivas e institucionais do que por suas peculiaridades linguísticas e estruturais. Porém isto não quer dizer que devemos desconsiderar a forma, mas sim que

1168 nem sempre a forma determina um gênero. Na verdade, o suporte ou a função muitas vezes o determinará. Dessa forma, acreditamos que não é apenas o padrão linguístico que vai determinar uma manchete. Se fosse assim acreditamos não poder considerar como tais as manchetes que serão analisadas neste trabalho, uma vez que subvertem o dito padrão linguístico do jornal, a norma culta escrita, além das ditas fundamentações desta linguagem, a objetividade e imparcialidade. O enunciado de um gênero reflete sua condição específica de produção, além de sua finalidade pré-determinando seu conteúdo temático, estilo e construção composicional (BAKHTIN, [1979, 1992] 2000). As manchetes jornalísticas estão na primeira folha dos jornais, tendo como função apresentar as notícias mais importantes do jornal resumidamente colocando-as em destaque. Esse destaque pode vir pela fonte, pelo layout, pelas imagens, pela sua disposição na capa, ou mesmo pela sua construção textual. Dentre todas as manchetes que compõem uma capa de jornal sempre existe a que irá receber um destaque maior, dada a relevância de sua notícia. Ora, essa relevância varia de jornal para jornal, uma vez que cada um tem sua intenção comunicativa, seu público alvo. Todavia, podemos dizer que, para todos os jornais, a manchete funciona como uma espécie de propaganda da publicação. Aproveitando o estudo de Corrêa (2002) sobre a linguagem jornalística e redirecionando-o para o gênero em questão, naquilo que lhe é pertinente, podemos dizer que as manchetes, em sua grande maioria, são constituídas de orações curtas, em ordem direta, sem rebuscamento e inversões sintáticas. Outro dado da construção textual é a falta de ponto final, a manchete funciona como um título que promove a notícia ou reportagem no interior do jornal por isso não é pontuada, a não ser em casos de pergunta. A pontuação final só ocorre nos pequenos textos que compõem algumas manchetes, o lead. É preciso dizer que o título da notícia não precisa ser o mesmo divulgado na manchete.

1169 Como o jornal trata de assuntos da atualidade, via de regra os verbos das manchetes estão no presente. Para a informação ser precisa, as manchetes, geralmente, apresentam os elementos que contextualizam os fatos respondendo a perguntas: como? o quê? onde? quem? quando? por quê?. Como as manchetes apresentam as notícias do interior do jornal, elas sempre apresentam a numeração da página onde o leitor poderá encontrá-la na íntegra. Cabe dizer, finalmente, que a partir da nossa reflexão sobre este gênero compreendemos que a manchete é constituída pela chamada, pelo lead e as imagens associadas. 4. Análise Duas manchetes constituirão nosso corpus de análise neste trabalho, ambas de jornais do Rio de Janeiro, Meia Hora de Notícias e Expresso da Informação, respectivamente.

1170 Estamos diante de uma manchete em que a imagem reflete o momento da operação policial, fazendo parecer que o leitor está presente testemunhando o acontecimento. Nota-se nitidamente o nome da instituição Polícia identificando o agente da ação. O texto Tráfico pede penico em Manguinhos ao final da imagem vem dialogar com a mesma mostrando que a atitude de repressão do policial faz o provável marginal recuar e render-se levantando suas mãos. Deste modo, a polícia está sendo apresentada aos leitores, através da imagem e do texto mencionado, como aquela que age com intrepidez reprimindo as forças contrárias à lei, de tal forma que aqueles que estão à margem se amedrontam e pedem penico. 1 1 Manchete publicada no jornal Meia Hora de Notícias no dia 13 de maio de 2009, ano 4, n 1.315.

1171 Na parte direita vemos uma lista de dados que correspondem aos resultados da operação seguida da expressão em destaque É muita pressão!. Essa expressão vem a ser uma voz anônima que resignifica a lista anterior. A lista deixa de ser apenas uma exposição dos resultados da ação policial em Manguinhos, para vir a ser sinônimo de eficiência policial e(m) ameaça ao tráfico local, reforçando a construção de uma imagem positiva da polícia. A maneira como o discurso foi construído faz com que a leitura que se fará seja direcionada, o leitor é levado a assimilar o discurso ideológico ali veiculado. Ou seja, a polícia está agindo competentemente, conseguindo controlar o tráfico. Podemos perguntar por que se faz necessário veicular esse tipo de discurso. Ora, se através do discurso construímos os sistemas de conhecimento e crença de uma sociedade, (FAIRCLOUGH, 2001, p. 91) construímos então um fato social 2. Consequentemente, se esses discursos tornam-se fato social, mantém-se a mesma prática social, política e ideológica. Além disto, tal construção discursiva tem a função de resgatar a confiança da população na instituição policial, já que estamos falando de uma cidade, Rio de Janeiro, assolada pela violência e repleta de declarações acerca de policiais corruptos. 2 Compartilhamos da definição de fato social apresentada por Charles Bazerman (2005), fatos sociais são as coisas que as pessoas acreditam que sejam verdadeiras e, assim, afetam o modo como elas definem uma situação. As pessoas, então, agem como se esses fatos fossem verdades (p. 23).

1172 Esta manchete apresenta novamente uma operação policial desta vez realizada pelo Bope, considerado o grupo de elite da polícia militar, no combate a um assalto em um prédio residencial. As imagens divulgadas narram a sequência dos fatos, apresentam em maior destaque o Bope equipado, chegando ao local, já que estão seguindo em direção ao que identificamos como a portaria do prédio. A próxima imagem apresenta a vítima que acreditamos já socorrida, pois está acenando da janela do apartamento com uma expressão de tranquilidade. Depois, a imagem dos assaltantes detidos na delegacia. Apenas pela leitura das imagens, dada as suas disposições, se faz possível compreender que se trata de uma ação policial em que a vítima foi protegida e os marginais punidos. O propósito discursivo 3 3 Manchete publica no jornal Expresso da Informação no dia 6 de junho de 2009, ano IV, n 990.

1173 desta sequência de imagens é contribuir para a construção de uma crença e uma identidade sobre o Bope enquanto uma polícia bem e- quipada, como bem podem ser vistas as armas, e altamente preparada para as operações mais melindrosas, salvaram três senhoras e mandaram os fanfarrões para o xadrez. O texto da manchete, posto em evidência pela cor amarela no fundo preto e pelo tamanho da letra, tem por função apresentar o Bope como aquele grupo da força policial que chega para impor ordem e o respeito, para fazer valer a lei, visto que acaba com a farra 4 dos bandidos, ou seja, com uma festa indisciplinada. Desta forma, enaltece a imagem destes militares. A frase que abre a manchete Tropa de Elite, osso duro de roer é uma intertextualidade com o refrão da música tema do filme Tropa de Elite e se faz presente para trazer a lembrança do leitor quem é o Bope. Ou seja, vai retomar a formação e o treinamento desta equipe focado na obra cinematográfica. A intenção discursiva é promover grandemente os policias reforçando a identidade confiável que vem sendo construída na mídia sobre os mesmos. Como podemos perceber, nesta manchete também há uma manipulação discursiva que visa contribuir para a construção de um sistema de crença em que a polícia militar volte a ter a credibilidade atualmente questionada pelos rumores de corrupção, despreparo e falta de recursos. 5. Considerações finais A construção multimodal das manchetes dos jornais Meia Hora de Notícias e Expresso da Informação acima analisadas veiculam um discurso manipulador, dado que impõem ao leitor uma leitura pronta, direcionada, monitorada não permitindo o mesmo refletir, questionar, criar as suas próprias opiniões como pôde ser observado. 4 Segundo o dicionário Aurélio, farra significa festa licenciosa.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 1174 BAKTIN, Mikhail. Estética da criação verbal. São Paulo: Martins Fontes, 1992. BAZERMAN, N. C. Gêneros textuais, tipificação e interação. São Paulo: Cortez, 2005. CORRÊA, Manoel Luiz Gonçalves. Linguagem e comunicação social: visões da linguística moderna. São Paulo: Parábola, 2002. FAIRCLOURGH, Norman. Discurso e mudança social. Brasília: Universidade de Brasília, 2001. FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Miniaurélio século XXI Escolar: O minidicionário da língua portuguesa. 4. ed. ver. ampl. Rio de janeiro: Nova Fronteira, 2001. MARCUSCHI, Luiz Antônio. Gêneros textuais: definição e funcionalidade. In: DIONÍSIO, A. P.; MACHADO, A.R; BEZERRA, M. A. (Orgs.). Gêneros textuais e Ensino. Rio de Janeiro: Lucerna, 2002. p. 19-36. MOITA LOPES, Luís Paulo da. Socioconstrucionismo: Discurso e Identidades Sociais. In:. (Org.). Discursos de identidades. Campinas: Mercado de Letras, 2003, p. 13-38. OLIVEIRA, Sara. Texto visual e leitura crítica: o dito, o omitido, o sugerido. Linguagem & Ensino. Pelotas, v. 9. n 1, jan./jun. 2006, p. 15-39. PIMENTA, Sônia M. O. & SANTANA, Carolina D. A. Multimodalidade e semiótica social: o estado da arte. In: MATTE, Ana Cristina Fricke. (Org.). Lingua(gem), texto, discurso: entre a reflexão e a prática. Rio de Janeiro: Lucerna; Belo Horizonte: FALE/UFMG, 2007, p. 153-173.