PN: Acordam no Tribunal da Relação de Évora

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Transcrição:

PN: 164.94 Acordam no Tribunal da Relação de Évora 1. e, após êxito em intervenção principal provocada, também com a filha e marido (casamento sob o regime de comunhão geral de bens), por serem herdeiros de de que o primeiro é viúvo, residentes na rua de Leiria nº12 r/c esq., em Tomar, intentaram, no Tribunal Judicial da Comarca do Cartaxo, a presente acção de despejo contra os RR., comerciante, e marido, residentes na rua Serpa Pinto, nº21 1ºesq, no Cartaxo. 2. Pediram a resolução judicial do contrato de arrendamento comercial com fundamento no desvio do fim do arrendado porquanto tendo entregue à R., através de escritura pública outorgada em 81/09/17, o primeiro andar composto de um compartimento e sanitários do prédio urbano sito na rua Marcelino Mesquita e largo de São João na freguesia e conselho do Cartaxo, inscrito na matriz respectiva sob o artº3004, para estabelecimento de rendas, bordados, lã em fio e quinquilharias, mediante a retribuição mensal de 3.000$00 (actualmente de 5.240$00), pelo prazo de seis meses renovável automaticamente se não houvesse declaração em contrário da inquilina, esta de há seis meses até à propositura, instalou no dito 1º andar uma "boutique" de pronto a vestir com ateliê de costura. 3. A R. contestou negando que tivesse deixado de exercer no arrendado a actividade de venda a público e a retalho de rendas, bordados, lãs em fio e quinquilharias, não sendo verdadeiro ter nele instalado uma boutique de pronto a vestir com ateliê de costura, tendo tido sim uma proposta de trespasse com este último objectivo de que informou o 1º A. 1

4. Elaborada a especificação e o questionário sem reclamações, depois da discussão da matéria de facto ficou esta fixada da seguinte forma: a) Por escritura pública de 81/06/17 o A. e a mulher deram de arrendamento à R. o primeiro andar composto de um compartimento e sanitários do prédio urbano sito na rua Dr Marcelino Mesquita e largo de São João Baptista, inscrito na matriz predial sob o artº3004, b) o local arrendado destinava-se a comercio de rendas, bordados, lã em fio e quinquilharias; c) a renda então fixada foi de 3.000$00 e é hoje de 5.240$00; d) o estabelecimento comercial tinha a designação de "A Giesta"; e) há cerca de seis meses a R. expôs para venda ao público, no estabelecimento citado blusões, casacos, saias e lenços; f) a designação de "boutique" é bem visível no prédio; g) o A. não concedeu autorização; h) à alguns meses, mantendo-se o comercio referido em b), a R. atribuiu ao estabelecimento a designação de "Pocoloco boutique"; i) no inicio de 1991, a R.teve uma pessoa interessada em montar no arrendado um atelier de costura; j) por isso, enviou ao A. uma carta que juntou [dando-lhe conta do sucedido e perguntando se os AA estavam dispostos a celebrar novo arrendamento com o interessado]; k) a actividade aí referida era para a pessoa interessada. 5.Com base nesta matéria, a sentença recorrida, depois de na justificação se ter optado por um conceito menos rigorista de desvio do fim do ar rendamento, admitindo-se que se se mantiver o inicial serão de permitir outras actividades complementares que em nada prejudiquem o local arrendado, acabou por concluir que "in casu" este ficou mais exposto a maior desgaste pela afectação também ao ramo de pronto a vestir. Consequentemente, julgou procedente a acção e decretou o despejo tanto mais que "o ramo aditado não tem qualquer ligação com o já 2

existente, não podendo aceitar-se que é acessório dele". Haveria pois de aplicar-se o disposto no artº64/1b RAU. 6. Interpôs recurso a R., de apelação, como foi recebido, tendo-lhe sido fixado efeito segundo a lei. Cumpre dele tomar conhecimento, corridos que são os vistos. 7. Concluiu: a) deve o recurso ser julgado procedente, alterando-se a decisão recorrida, por não haver fundamentação legal para que haja despejo já que não foi excedida a destinação inicial do contrato; b) não há, assim, lugar à aplicação do disposto no artº64/1b RAU; c) caso não se entenda deste modo e porque há nítida contradição entre as respostas dadas aos quesitos e a sentença (donde deriva uma situação de injustiça material) deve esta ser anulada e mandado repetir o julgamento. 8. Os AA. não contra-alegaram. 9. A recorrente defende que a sentença recorrida deve ser anulada, em primeiro lugar, porque a resposta ao quesito 1º - há cerca de seis meses, a R. instalou no estabelecimento citado uma boutique de pronto a vestir com ateliê de costura? proveniente dos artº 6º e 7º da PI [6- acontece que a R. há cerca de seis meses, alterou completamente o fim a que se destinava o arrendamento; 7-onde antes havia rendas, bordados, quinquilharias, hoje a R. instalou uma boutique de pronto a vestir com atelier de costura (...);] é ambígua,"é uma resposta que não tem a ver com o que é quesitado". 10.Ora, ficou provado através da referida resposta -há cerca de seis meses a R. expôs para venda ao público, no citado estabelecimento, blusões, casacos, saias, lenços - e as razões da incompreensão da recorrente dizem respeito à circunstância 3

de conceber como um todo infracionavel o facto alegado pelos AA., isto é, dado que alegam ter a R. instalado no prédio um estabelecimento de pronto a vestir com atelier de costura é isso e nada mais que está em causa. Assim, desde que tudo isso se não comprova não pode dar-se como provado outra coisa, tão diferente, como foi feito na resposta ao quesito. Na verdade, expor para venda blusões, casacos, saias e lenços não é ter instalado uma "boutique", para alem do mais nunca o seria "com um atelier de costura". Mas, vejamos, expor para venda ao público blusões casacos, saias e lenços é exercer um certo tipo de actividade comercial que também cabe na instalação dum estabelecimento de pronto a vestir com atelier de costura. É um menos mas que cabe no todo. O núcleo central da actividade que os AA. dizem ter passado a ser exercida pela R. é isso mesmo, ter para venda ao público peças de roupa já confeccionadas que atraem clientela de roupa feita, sendo o atelier de costura ou meramente instrumental, destinando-se a pequenos acertos, ou destinado a uma actividade conexa tão principal como a outra, isto é, confeccionar os mesmos blusões, casacos, saias e lenços que se oferecem ao mercado. Esta última hipótese está definitivamente posta de parte na resposta que também deve ser entendida como clara quanto ao afastamento até da primeira. Mas subsistirá sempre o problema de saber se no mundo da vida, dos acontecimentos transitórios, houve ou não uma actividade exercida no locado que, de qualquer forma, nos remetesse para uma diferença em relação à utilização contratual e que coubesse ainda na alegação de a R. ter instalado aí um estabelecimento de pronto a vestir. É este o objecto da resposta que a recorrente critica e que, de modo exacto e preciso, fixa os elementos exteriores mínimos apontados, deixando de os qualificar. Trata-se portanto de uma resposta restritiva mas válida, tendo necessário vínculo com o que é perguntado no quesito e sendo inteiramente compreensível. Todavia, uma coisa é a resposta ser válida outra serem aceitáveis as ilações que dela foram tiradas para construção da justificação sentencial. A este tema voltaremos. 11. Ainda no domínio da invalidade da sentença parece-nos que a recorrente - agora virada para a defesa de uma nulidade por omissão de pronúncia - vem depois aduzir 4

que não foi tomada em conta um dado de facto relevante e fixado após a inspecção judicial ao local que terminou pela consignação na acta do julgamento do seguinte: "verifico que o estabelecimento locado tem uma janela virada para a rua Serpa Pinto e que do lado oposto desta rua (de frente para a dita janela) se vê o seu interior. Junto à porta de entrada do estabelecimento existe uma placa bem visível com a designação 'pocoloco boutique'. O local onde está instalado o estabelecimento mede cerca de 6.30m por 2.20m". Ora tal inciso que versa sobre a materialidade do objecto da discussão foi ditado pelo julgador por o reputar de interesse para a discussão da causa. A inspecção judicial é um meio de prova e foram cumpridas todas as especificações legais referentes à validade do mesmo que aliás nem é posta em causa. Aquilo que ficou consignado na acta não é uma resposta sobre matéria de facto mas deve ser levado em conta ou recusado na fundamentação das respostas ao questionário. Foi o que sucedeu vendo-se da peça pertinente que o julgador se baseou também no resultado da inspecção para firmar as respostas dadas tal como elas foram dadas. Não houve assim a pretendida omissão de pronúncia já que a sentença tomou em conta todos os dados positivos respeitantes à fixação da matéria de facto comprovada. E não se impõe alterar qualquer das respostas aos quesitos já que não foi apenas o resultado da inspecção a determiná-las mas também a prova oral produzida em audiência. 12. Em face das conclusões a que chegámos até aqui fácil nos é também aceitar como definitivamente fixada a matéria de facto constante da sentença recorrida, não havendo também que determinar a elaboração de outros quesitos mais tanto quanto aqueles que foram formulados se ajustam perfeitamente às alegações das partes. 13. Resta portanto a questão de fundo - saber se terem sido expostos para venda ao público no arrendado blusões, casacos, saias, lenços, seis meses antes (aproximadamente) da Audiência, autoriza o pedido de resolução do contrato sendo certo não se terem comprovado inteiramente os elementos de facto alegados pelos 5

autores e que integram a causa de pedir, o menos apurado não deixando de poder servir à pretensão destes tal como a configuraram. 14. A sentença recorrida tece judiciosas considerações acerca da validade do entendimento pelo qual a simples adição de um mero complemento não previsto, em certas circunstâncias, não autoriza a resolução do arrendamento, refugiando-se todavia no argumento dos efeitos perversos da solução oposta, tendo-se em conta critérios de justiça material. Adivinha-se a perplexidade que advém da crescente disciplina social da relação locativa pela qual o convénio tem vindo progressivamente a ser subtraído à liberdade de estipulação das partes, diminuindo a força coagente das iniciativas dos particulares (vr. Manuel Henrique Mesquita, Obrigações e ónus Reais, p.176 nota 87). De todo o modo, não sendo hoje possível atribuir ao arrendamento uma natureza jurídica unitária, aqueles aspectos que nos remetem para uma caracterização personalística do vínculo, dizem respeito à necessidade (estabelecida por lei) de certas autorizações do senhorio que revelam ficar permanentemente ligada ao contrato originário a posição jurídica do arrendatário, "nunca adquirindo, em relação à fonte negocial, a autonomia que caracteriza os direitos reais" (idem, idem,p.171). Há neste domínio, no qual se inclui a relação jurídica controvertida, uma necessária intersubjectividade ou cooperatividade que ligam senhorio e inquilino. Partindo-se portanto do ponto de vista pelo qual a resolução só se torna operante se o fim - outro do arrendamento ou o ramo do comércio diferente, assumidos pelo inquilino, não tiverem sido previamente autorizados pelo senhorio, teremos, em primeiro lugar, de interpretar a vontade contratual expressa na cláusula que destinou o arrendado (visto ter ficado provado que não houve tal autorização) para passarmos a questionar se ela era necessária. Da redacção da clausula 2ª do contrato ajuizado - o primeiro andar arrendado destina-se ao exercício do comercio de rendas, bordados, lãs em fio e quinquilharias - vê-se que o fim do arrendamento é o exercício do comercio e dentro deste um ramo específico que admite complementaridade apenas no que diz respeito às rendas e bordados se incrustadas em peças de roupa ou outros utensílios da vida quotidiana, nomeadamente panos 6

decorativos. Já a complementaridade lãs em fio/ camisolas ou outras peças de vestuário tricotadas está para além do querer das partes, senão não teriam dito lãs em fio; e qualquer complementaridade com as quinquilharias do mesmo modo, neste caso porque não é concebível com facilidade uma relação fixa entre, por exemplo, adornos que sejam quinquilharia e peças de roupa onde possam ser usados. Tem de admitir-se, na verdade, que a acessoriedade do mesmo ramo de comércio autorizado desde inicio se integre sem esforço na vontade contratual muito menos que objectivamente determine ou não prejuízo ou gravame ao senhorio ou ao prédio. 15. Posto isto que concluir, segundo o provado? Em primeiro lugar, com a exposição à venda ao público de blusões, casacos, saias e lenços não foi obviamente alterado o fim do contrato. Trata-se em todo o caso do exercício do comércio. Mas terá sido adicionado um ramo do comércio não autorizado (já que o inicial continuou a ser exercido)? Esta questão segunda traz consigo, desde logo, a dificuldade de caracterização do que se deva entender por exercício de um ramo do comércio. Bastará a episódica exposição à venda de mercadorias r espeitantes ao exercício de um determinado ramo de comércio diferente para já estar a ser exercido, em si mesmo, esse ramo do comércio? É que há actividades comerciais, por exemplo de promoção, de simples solidariedade etc... que impõem o exercício de actos próprios de um ramo do comercio sem que sejam esse exercício em si mesmo o qual poderá portanto exigir uma certa permanência, renovação. Que pensaríamos se a R. tivesse tido exposto para venda os blusões, casacos, saias e lenços no âmbito de uma campanha de angariação de fundos para uma actividade humanitária; que dizer se aquelas mercadorias levavam todas dísticos de propaganda do estabelecimento? A solução parece simples tratando-se neste caso de matéria de defesa por excepção de que a recorrente não lançou mão. Na verdade, estando-se no domínio das infracções contratuais releva a culpa, portanto a intenção com que foram cometidos os actos que contrariam as estipulações do convénio e expor para venda mercadorias que não se integram no ramo do comércio autorizado pelos contratantes é já em si uma violação da estipulação contratual se não for 7

justificada. Vimos porém que a vontade contratual das partes pode ser concretizada, ainda assim, com a exposição para venda ao público de certas mercadorias funcionalmente soldadas ao exercício do ramo do comércio autorizado. No caso dos bordados e rendas, as peças de roupa ou decorativas em que aquelas fiquem originariamente aplicadas. Ora, não se fez prova de que nos blusões, casacos, saias e lenços expostos para venda ao público pela R. não houvesse rendas e bordados fixos. E esta matéria poderá não ser já de defesa por excepção mas de alegação especificada pelos AA que terão prescindido dela quando optaram pela radical afirmação de uma alteração total e definitiva do ramo do comercio exercido pela recorrida. Não lhes aproveitaria portanto a resposta restritiva dada ao quesito 1º porque ela não bastaria para concluirmos que houve uma violação contratual. 16. Não parece no entanto adaptado às exigências do caso seguir-se caminho tão radical, impressionando dever exigir-se aos AA. tamanho cuidado. É que a solução será a mesma se a enquadrarmos no que dispõe o artº802/2 CC. Na verdade, o que se verifica segundo o provado, é que a exposição para venda ao público das roupas, levada a cabo pala R. se localizou num instante temporal, é de concluir que não teve renovação nem permanência, sendo insignificante desde logo se atendermos às características físicas do locado. Nestes termos não pode também deixar de ser qualificada de muito leve a culpa para que remete a possível violação contratual. Há por isso que ter em conta o princípio geral da resolução dos contratos que segundo a doutrina está encerrado na norma legal citada (Lobo Xavier, RLJ 116/180, nota 30). Concluímos portanto que seria inequitativo, perante as circunstâncias do caso e a posição das partes relativamente ao locado aceitar como motivo lícito de resolução do contrato tão breve e potencialmente indemne comportamento da inquilina. 17. Assim sendo, porque se tem de valorar diferentemente a matéria comprovada, procedendo neste sentido as conclusões da recorrente, revogam a sentença recorrida e por não se verificar a existência da autorização legal para resolução do contrato 8

ajuizado prevista no artº64/1b RAU julgam improcedente o pedido dos AA., negando em consequência o despejo do arrendado. Custas pelos recorridos. Reg. Not. 9