ESTRATÉGIAS DE EXISTÊNCIA CAMPONESA FRENTE À EXPANSÃO DO AGRONEGÓCIO Douglas Cristian Coelho Mestrando do Programa de Pós-Graduação em Geografia da UNIOESTE/Marechal Cândido Rondon; e-mail: coelho_d@hotmail.com João Edmilson Fabrini Professor dos cursos de Graduação e Pós-Graduação em Geografia da UNIOESTE/Marechal Cândido Rondon; e-mail: joãofabrini@gmail.com Introdução No bojo da expansão das relações capitalistas está inserida a industrialização da agricultura e o agronegócio, processo que direcionou grande parte da produção camponesa a lógica do mercado. Contudo, o sistema econômico não imprimiu ao campo e a todos os camponeses a lógica da mercadoria. Neste contexto, se contrapõe entre si o território da agricultura de negócio (o agronegócio) e o território camponês. Neste, o eixo central da organização produtiva está assentado na reprodução e existência da família, enquanto no outro, está na acumulação de capital. O desenvolvimento do capitalismo no campo e o agronegócio não eliminaram a produção camponesa. Aliás, o agronegócio, sobretudo o empresarial cooperativista, se utiliza da produção camponesa para ampliar a reprodução do capital. Desse modo, temse a relativa subordinação da unidade camponesa, pois, se mesclam no território camponês produções tipicamente capitalistas com produções e relações não-capitalistas. Ao mesmo tempo em que os camponeses de Pato Bragado estão subordinados às empresas do agronegócio, contraditoriamente, as práticas das produções de subsistência na propriedade permite negar a sujeição, mas também garante a reprodução familiar na terra no contexto da expansão do agronegócio. Destaca-se, entre os camponeses as produções de gêneros alimentícios de modo geral, mesmo aquelas atividades atreladas às agroindústrias da região Oeste paranaense (produção de aves, suínos e leite) permitem a existência camponesa, embora estas atividades estejam amplamente subordinadas ao capital. O Oeste do Paraná é caracterizado pela intensa modernização da agricultura e expansão do agronegócio. É neste espaço que se materializam relações contraditórias de negação e manutenção das relações camponesas.
Neste sentido, este trabalho é fruto dos resultados obtidos a partir de Trabalho de Conclusão de Curso (TCC) de Geografia no ano de 2012. Apresenta as estratégias de existência dos camponeses frente à expansão do agronegócio. As estratégias camponesas de existência são materializadas na manutenção de costumes, tradições e, principalmente, na produção de subsistência. A área de estudo tomada como referência foi o município de Pato Bragado no Oeste do Paraná, no qual, aplicou-se 13 (treze) questionários a famílias camponesas. O agronegócio e as estratégias de existência camponesa no município de Pato Bragado/PR Nos últimos cinquenta anos o campo brasileiro passou por grandes mudanças na base técnica/tecnológica, processos produtivos, relações de trabalho, costumes, etc. O campo se modernizou apoiado fortemente pelos incentivos estatais que direcionaram a produção agropecuária do Brasil elegendo como culturas importantes aquelas destinadas às exportações. Nesse contexto, as culturas beneficiadas com os incentivos governamentais foram principalmente soja, trigo, café e cana-de-açúcar, todos tratados como trunfos das exportações. Essa produção devia garantir a entrada de divisas para sustentar o desenvolvimento industrial brasileiro, discurso difundido pelos grupos de capitalistas hegemônicos. Os gêneros alimentícios não estavam contemplados com incentivos do Estado, o que promoveu nova configuração e localização da produção dessas culturas, principalmente no Sul do Brasil. Essa região, juntamente com a região Sudeste, em vista da qualidade dos solos e a capacidade dos agricultores a se adequarem as novas tecnologias foram as mais contempladas com os programas modernizantes. Esse contexto explica a subjugação da produção de alimentos, essencialmente, produzidos pelos camponeses em relação às culturas de exportação. Ademais, como os camponeses não são sujeitos apartados do sistema capitalista, ocorreu à inserção destes na nova dinâmica da agricultura brasileira. Contudo, esse processo não homogeneizou os territórios a condições produtivas exclusivamente capitalistas (trabalho assalariado e produção de mercadorias), mas promoveu a (re) criação da produção camponesa relativamente subordinada ao capitalismo industrial, comercial e financeiro.
A partir da expansão das relações capitalistas no campo e com a configuração do agronegócio, tem-se elevado o grau de subordinação da produção do campo, ou seja, está sujeitando pequenas propriedades camponesas pela constituição dos monopólios industriais. Conforme destacado por Oliveira (2010), ocorre a monopolização do território com a apropriação da renda da terra pelo setor industrial, comercial e financeiro, sem necessariamente expropriar os camponeses. A intensificação das relações capitalistas subordinou as pequenas propriedades camponesas à lógica capitalista. Contudo, mesmo amplamente subordinada aos mecanismos que se articulam com configuração dos complexos agroindustriais (CAIs), entendido como a face mais moderna do agronegócio, a produção de subsistência, principalmente, a de gêneros alimentícios não pode ser considerada como marginal do ponto de vista econômico, pois seus atributos garantem a permanência da família camponesa na terra de trabalho. Como afirmam Grisa; Gazola e Schneider (2010): Em diferentes contextos sociais e em distintas dinâmicas da agricultura familiar é possível observar que, malgrado as mudanças tecnológicas advindas a partir das décadas de 1960/1970 e a crescente integração aos mercados, esta produção é uma estratégia recorrente. Todas as formas familiares de produção, sejam elas mais empresariais ou mercantis, sejam menos inseridas no mercado (produtores de subsistência), realizam algum tipo de produção cujo fim é o consumo familiar. Ao contrário de desaparecer ou definhar, assiste-se em muitas regiões rurais um fortalecimento da produção para autoconsumo, cujas razões e significados permanecem ainda, em certa medida, desconhecidos ou mal entendidos (p. 66). Mesmo com a maior integração aos mercados capitalistas e as modificações na organização do trabalho, o que levou a Silva (1996) a afirmar que o campo passou a servir aos comandos do capital e os camponeses se transformaram em trabalhadores assalariados disfarçados, o modelo do agronegócio não tem conseguido eliminar o camponês, muito menos subordiná-lo completamente ou extinguir a produção de subsistência da família camponesa. Oliveira (2001) tem interpretação contrária a de Silva (1996), afirmando que as relações capitalistas na agricultura se desenvolvem desigual e contraditoriamente no campo brasileiro. Aponta que as relações tipicamente capitalistas se nutrem das formas não-capitalistas para a produção do capital, desse modo, na agricultura, em momentos o
capital controla a circulação subordinando a produção, noutros se instala na produção subordinando a circulação. Neste contexto, não se pode negar, logicamente, que existe forte articulação entre a agricultura e a indústria e a expansão do trabalho assalariado no campo, porém não se verifica a ocorrência absoluta da produção associada ao modo industrial e a utilização de trabalho assalariado no campo. É fundamental explicar que o capital não transforma de uma só vez todas as formas de produção em produção ditadas pelo lucro capitalista. O desenvolvimento capitalista se faz de forma desigual e contraditória (OLIVEIRA, 2001, p. 77). Como apresentado por Oliveira (2001), as relações contraditórias do modo capitalista de produção se realizam contraditória e desigualmente, não homogeneizando as produções e as relações de trabalho, o que permite compreender a existência camponesa como uma recriação e como resistência ao próprio capital. Nesse sentido, verifica-se a existência camponesa no contexto de expansão das relações capitalistas no espaço agrário expressas no agronegócio, principalmente. Tomando o exemplo do município de Pato Bragado, onde o agronegócio se faz muito intenso, é possível verificar que existem relações de produções e trabalho que representam estratégias de existência ao modelo de produção hegemônico. As estratégias de existência camponesa no contexto de expansão do agronegócio são verificadas na produção de subsistência, por exemplo. Constatou-se que se produz leite em 92% das pequenas propriedades pesquisadas e em 100 % praticase o cultivo na horta. Além da produção de leite e da horta, outras produções de subsistência são realizadas. A produção de carne está presente em praticamente todas as unidades camponesas e são raros os casos de aquisição de carne bovina, suína ou de frango pelas famílias camponesas no comércio local. A estas produções somam-se outros elementos, como as tradições e costumes dos camponeses. Dentre as tradições que apresentam maior incidência é o fato de cultivar plantas a partir do calendário lunar como é o caso da plantação de mandioca na Lua Minguante e plantação de feijão, soja, alface e repolho na Lua Cheia. Tais tradições, aparentemente superadas na agricultura, estão muito presente entre os pequenos agricultores da região "dominada" pelo agronegócio. Outro costume verificado no campo do município de Pato Bragado é cultivo de ervas para preparo de chás. A finalidade de chás é quase sempre medicinal. As variedades de ervas mais encontradas nas propriedades camponesas são boldo, cidreira,
losna, guaco, malva, sabugueiro, pronto alívio, babosa, melissa, hortelã, figatil, arruda dentre outros. A produção de frutas representa alternativa de garantir a permanência no campo e continuar a reprodução da família no lote. O cultivo de fruteiras pelos camponeses é fundamental para reduzir a compra destes gêneros no mercado. Conforme apontado pelos camponeses, a produção de frutas em todas as propriedades remete ao consumo próprio, não existindo a comercialização de produtos do gênero. A maior parte das frutas é consumida diretamente do pé. Outra parte é destinada a produção de doces, geleias e sucos. Os camponeses não estão ausentes da compra de certas frutas para o consumo, pois, as condições microclimáticas não permitem a produção de frutas o ano todo. Nesse contexto, não se pode interpretar a produção da horta ou pomar como produções residuais no campo. São de grande relevância para a permanência do camponês na terra, como também, a autoprodução pode garantir a qualidade de parte dos alimentos consumidos no dia a dia das famílias. Na produção camponesa também são muito comuns as relações de trabalho que não são mediadas pelo mercado (de trabalho). Foi verificada neste "território do agronegócio" a presença forte de trocas de serviços e ajudas mútuas entre camponeses, sobretudo quando os serviços na propriedade exigem maior força de trabalho. A produção camponesa não está dissociada da lógica capitalista, porém, os cultivos de verduras, legumes, temperos, frutas, como também de carnes, ovos, leite, mandioca, dentre outros, não são produzidos apenas como valor de troca, mas também como valor de uso. Nesse sentido, a manutenção destas práticas garante maior autonomia e independência às famílias, permitindo sua reprodução e existência no contexto de expansão do agronegócio, neste caso, no município de Pato Bragado/PR. Considerações Finais Constatou-se que as relações de produção camponesa no município de Pato Bragado não são mediadas unicamente pela via mercadológica. O modelo capitalista na agricultura na sua face mais moderna representada pelo agronegócio, não consegue homogeneizar todos os espaços. No território camponês o ambiente não é homogêneo. Existe a diversidade de produtos e nos modos de se garantir a subsistência dos indivíduos, isto é, a reprodução camponesa não esta atrelada apenas a comercialização de mercadorias, relação típica do agronegócio.
As estratégias de existência dos camponeses como a produção de subsistência, por exemplo, não negam por completo as leis do "sistema" capitalista. Como os camponeses são sujeitos criados e (re) criados no contexto de expansão do capitalismo na agricultura, em momentos as práticas camponesas estão em sintonia com as relações capitalistas, em outros, estão à paralela e à margem contraditória, o que lhe garante sua existência no campo. Essa produção à margem e paralela atende a parte importante da subsistência dos camponeses. Dessa forma, os camponeses estabelecem uma relação contraditória no modo de produção capitalista, pois, ora produzem mercadorias, ora produzem gêneros de subsistência, o que lhes garante sua existência num contexto adverso, no caso, no contexto de expansão do agronegócio. Referências Bibliográficas SILVA, José Graziano da. A nova dinâmica da agricultura brasileira. Campinas, SP: UNICAMP. IE, 1996. GRISA, Catia; GAZOLLA, Marcio; SCHNEIDER, Sergio. A "Produção Invisível" na Agricultura Familiar: autoconsumo, Segurança Alimentar e Políticas Públicas de Desenvolvimento Rural. Agroalimentaria, Venezuea. Vol. 16, Nº 31, p. 65-79, juliodiciembre. 2010. OLIVEIRA, Ariovaldo Umbelino de. Modo capitalista de produção e agricultura. São Paulo: Editora Ática. 1990.. A Geografia Agrária e as transformações territoriais recentes no campo brasileiro. In: Ana Fani Alessandri Carlos (org). Novos caminhos da Geografia. São Paulo: Contexto. 2001.