Título do trabalho: Paradigma Interpretativista e Etnografia nos Estudos Organizacionais

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Transcrição:

Área Temática: Ensino e pesquisa em Administração Título do trabalho: Paradigma Interpretativista e Etnografia nos Estudos Organizacionais THAÍS ROBERTA CORREA VIEIRA UNIVERSIDADE FEDERAL DO ESPIRITO SANTO thais_admufes@yahoo.com.br LUANA PAULA PEIXOTO AGLIO DOS PASSOS Universidade Federal do Espírito Santo luanappassos@gmail.com Resumo O objetivo deste estudo, que apenas se inicia neste ensaio, é inventariar a produção brasileira na área de estudos organizacionais que se inserem dentro do paradigma interpretativista, verificando quais utilizam o método etnográfico e de que forma tal método é abordado e ou utilizado. Como forma de iniciar uma pesquisa que se pretende mais ampla, foram analisados artigos encontrados em periódicos com classificação B1 na Qualis-CAPES, entre os anos de 2000 a 2010, que trouxessem como pressuposto teórico os estudos interpretativistas e abordasse de alguma forma o método etnográfico. Na pesquisa, constatou-se que todos os artigos analisados tiveram como pretensão plausível, incentivar ou disseminar os estudos orientados pelo paradigma interpretativista e sua metodologia peculiar: a etnografia. A metade se apresentou na forma de ensaio teórico, o que pode indicar que o método tem sido pouco aplicado no campo, ou sua aplicação não tem sido bem aceita no administração, ou os pesquisadores não a empregam de forma correta e, por isso, não são publicados. Ainda verificou-se a utilização do paradigma interpretativista e do método etnográfico em pesquisas que visam gerar conhecimento útil em gestão, isto é, a pesquisa é delineada de acordo com a etnografia e alguns pressupostos interpretativistas, mas seus objetivos estão compatíveis com o paradigma funcionalista. Esse cenário apresenta um paradoxo e ainda pode levar ao questionamento da incomensurabilidade paradigmática, uma vez que há a conjugação de metodologia inspirada em um paradigma, mas com finalidades de paradigma alocado em eixo oposto.

Abstract This study, which only begins this essay is to identify the Brazilian production in the area of organizational studies that fall within the interpretive paradigm, checking which use the ethnographic method and how such a method is discussed and or used. As a way to start a search which aims to wide, we analyzed articles found in journals classified in the B1-Qualis CAPES, between the years 2000 to 2010, as a condition to bring the theoretical and interpretive studies in any way approached the ethnographic method. In the survey, it was found that all items were analyzed as a plausible claim, encourage or disseminate studies guided by the interpretive paradigm and its unique methodology: ethnography. Half are presented in the form of theoretical essay, which may indicate that the method has been rarely applied in the field, or its application has not been well accepted in the administration, or the researchers did not employ it correctly and therefore not are published. Still there was the use of the interpretive paradigm and method in ethnographic research aimed at generating useful knowledge in management, that is, the research is outlined according to the interpretive ethnography and some assumptions, but their goals are compatible with the functionalist paradigm. This scenario presents a paradox and can still lead to questioning the paradigm incommensurability, since there is a combination of methods inspired by a paradigm, but for purposes of paradigm placed in the opposite axis. Palavras-chave: etnografia, interpretativismo, paradigmas organizacionais

Paradigma Interpretativista e Etnografia nos Estudos Organizacionais Introdução O conceito de paradigmas de Burrell e Morgan (1979) foi disseminado na década de 80. Segundo os autores, podemos dividir os pressupostos sobre a natureza da ciência e sobre a natureza da sociedade em duas dimensões: subjetiva-objetiva e mudança radical-regulação, respectivamente. Considerando tais dimensões, sugerem a categorização das teorias em quatro paradigmas que fundamentariam a análise organizacional: Humanista Radical, Estruturalista Radical, Interpretativista e Funcionalista. Alguns estudos como os de Caldas (2005) e Vieira e Caldas (2006) têm apontado como teoria hegemônica nos estudos organizacionais, o paradigma funcionalista. Contudo, um dos paradigmas que se opõem a essa perspectiva é o interpretativista, pois, apesar de também compartilhar de uma visão da sociedade dentro do eixo chamado de regulação é contrário ao objetivismo do funcionalismo. Em vista das semelhanças e diferenças entre os dois paradigmas, interpretativista e funcionalista, é importante perceber que a metodologia empregada pelos teóricos destes será distinta, sendo o paradigma interpretativista mais compatível com as análises tidas como qualitativas, ou melhor, de cunho subjetivista. Uma das técnicas que se insere dentro deste tipo de estudo é o método etnográfico. O objetivo deste estudo, que apenas se inicia neste ensaio, é inventariar a produção brasileira na área de estudos organizacionais que se inserem dentro do paradigma interpretativista, verificando quais utilizam o método etnográfico e de que forma tal método é abordado e ou utilizado. Como forma de iniciar uma pesquisa que se pretende mais ampla, as autoras fazem uma análise de artigos encontrados em periódicos com classificação B1 na Qualis-CAPES, entre os anos de 2000 a 2010, que trouxessem como pressuposto teórico os estudos interpretativistas e abordasse de alguma forma o método etnográfico. Paradigma, Ciência Normal e Ciência Revolucionária O surgimento de novas teorias geralmente desperta nos cientistas o sentimento de que sua área de competência foi violada, visto que inevitavelmente elas repercutem nos trabalhos anteriores ora considerados bem sucedidos (KUHN, 2006). Para esses pesquisadores, a nova teoria implica em mudanças nas regras e práticas que regiam a ciência antecedente. Assim, uma nova teoria, por mais delimitado que seja seu campo de aplicação, raramente exerce um papel apenas incremental, antes, porém, sua absorção exige a reconstrução e reavaliação da teoria precedente, ou melhor, que era dominante (KUHN, 2006). A teoria dominante configura-se como a ciência normal, que tem sua pretensão de linearidade interrompida pela ciência revolucionária. (KUHN, 2006: BURRELL, 1999). Isso ocorre quando os pesquisadores não conseguem explicar determinados fenômenos através da ciência normal. Então, alguns cientistas se obrigam a buscar novas diretrizes para orientação de suas pesquisas, diretrizes essas que também são chamadas de paradigmas. Dessa forma a

história da ciência é marcada por momentos de interrupção da ciência normal, provocada pela mudança revolucionária. Apesar de o próprio Thomas Kuhn (2006) reconhecer em posfácio, a partir da observação de uma leitora, que o uso da palavra paradigma ocorre em mais de vinte diferentes significados em sua obra, segue uma aplicação do autor que norteará o significado empregado do termo ao longo dessa pesquisa: [paradigma é o] conjunto de ilustrações recorrentes e quase padronizadas de diferentes teorias nas suas aplicações conceituais, instrumentais e na observação (KUHN, 2006, p. 67). Ou ainda como conclui Burrell (1999, p. 447), os paradigmas definem: [...] uma forma de ver o mundo e como este deveria ser estudado, e que este ponto de vista é compartilhado por um grupo de cientistas que vivem em uma comunidade marcada por uma linguagem conceitual comum, que buscam fundar um edifício conceitual comum, e que são possuídos por uma postura política muito defensiva em relação aos de fora. Um paradigma não implica necessariamente em um acordo comum em relação a um conjunto de regras, interpretação ou racionalização deste, mas em um consenso em relação a sua identificação (KUHN, 2006). Paradigmas nos Estudos em Administração Ao imprimir as idéias de Kuhn nos estudos organizacionais, Burrell e Morgan (1979) em sua obra Sociological Paradigms and Organisational Analysis, sugerem a categorização das teorias em quatro paradigmas que fundamentariam a análise organizacional, a saber: Humanista Radical, Estruturalista Radical, Interpretativista e Funcionalista. Dois eixos suportam os paradigmas sociológicos: um eixo acerca da natureza da ciência que traz a oposição subjetivo versus objetivo, enquanto o segundo eixo trata dos pressupostos sobre a natureza da sociedade considerada pela sociologia da mudança radical ou sociologia da regulagem. Sob o ponto de vista dos autores citados, o paradigma Humanista Radical e o Interpretativista possuem uma orientação subjetiva, contudo, o primeiro se apóia na sociologia da mudança radical e o segundo por sua vez ancora-se na sociologia da regulagem, isto é, não possui uma proposta de intervenção em seus estudos. Já na dimensão objetiva se localizam os paradigmas Funcionalista e o Estruturalismo Radical, sendo que a sociologia da regulagem permeia os estudos orientados pelo primeiro enquanto o Estruturalismo Radical se compromete com o projeto de mudança Radical. Em suma, os paradigmas sempre compartilharam de um determinado eixo, mas também estarão de lados antagônicos em relação ao outro eixo. Existem limites demarcadores não somente entre os paradigmas sociológicos, mas também entre as ciências desenvolvidas em outras áreas do conhecimento. A diferenciação entre os campos científicos ou entre os paradigmas não é marcada pelo sucesso ou falha do método, mas pelo que Kuhn (2006, p. 23) denomina de incomensurabilidade de suas maneiras de ver o mundo e nele praticar a ciência ou, incomensurabilidade paradigmática.

Apesar de o paradigma delinear limites metodológicos e compartilhar uma linguagem conceitual, os autores alertam que este não impõe uma unidade completa de pensamento. Burrell e Morgan (1979, p. 24) esclarecem: Ela [definição de paradigma] permite o fato de que, no contexto de qualquer dado paradigma, haverá muito debate entre teóricos que adotam pontos de vista diferentes. O paradigma, no entanto, tem uma unidade básica em termos de sua base e muitas vezes suposições tidas como certas" que separam um grupo de teóricos de uma maneira muito fundamental dos teóricos localizados em outros paradigmas (tradução nossa). Para ilustrar a colocação de Burrell e Morgan, existe um pluralismo teórico imerso dentro do próprio paradigma funcionalista, dominante no campo da administração. Dentro desse paradigma, há outros níveis de análise nas quais repousam as teorias funcionalistas como as visões: sistêmico-estrutural, escolha estratégica, seleção natural e ação coletiva (ASTLEY; VAN DE VEN, 2007). Outro exemplo de divergências dentro de um mesmo paradigma é a existência de teorias opostas no contexto da teoria crítica, situada no paradigma humanista radical (VIEIRA; CALDAS, 2006). O conceito de paradigmas de Burrell e Morgan (1979) foi disseminado na década de 80 e desde então, diversos autores os tem utilizado para analisar a produção acadêmica apontando para a hegemonia funcionalista e incentivando a diversidade paradigmática (CALDAS, 2005: VIEIRA: CALDAS, 2006). Em estudo recente, Dalmoro et.al. (2007) buscou identificar a dominância epistemológica nos estudos em administração a partir de uma amostra de 835 artigos, todos publicados no Encontro Nacional dos Programas de Pós-graduação em Administração (EnANPAD) do ano de 2006. Os autores identificaram a dominância epistemológica do positivismo e da abordagem quantitativa. Entretanto, em cinco das dez divisões acadêmicas do evento, notou-se a preponderância do paradigma Interpretativista, apesar de o positivismo ainda ser o paradigma dominante em relação ao total de artigos publicados. Outros estudos (CALDAS; FACHIN, 2005: VERGARA; CALDAS, 2005) também sinalizam o paradigma funcionalista como dominante no campo da administração. Segundo Morgan (2005, p. 16) o paradigma funcionalista se baseia na pressuposição de que a sociedade tem existência concreta e real e um caráter sistêmico orientado para produzir um estado de coisas ordenado e regulado. As pesquisas orientadas pelo funcionalismo são reguladoras e práticas, visam a produção de conhecimento empírico útil (MORGAN, 2005). Um dos paradigmas presentes no campo da administração, embora com menor representatividade, que se coloca de alguma forma em oposição ao paradigma funcionalista é o Interpretativista que será discutido no próximo tópico. O Paradigma Interpretativista Os teóricos localizados dentro do contexto do paradigma interpretativista, segundo Burrell e Morgan (1979), preocupam-se em compreender o mundo como ele é, compreender a natureza fundamental do mundo social ao nível da experiência subjetiva, ou seja, uma explicação na esfera da consciência individual e da subjetividade. Em termos do esquema analítico apresentado pelos autores, tal paradigma é subscrito por um envolvimento com as

questões relativas à natureza do status quo, ordem social, consenso, integração e coesão social, solidariedade e verdade (BURREL; MORGAN, 1979, p.31, tradução nossa). Dessa forma, os estudiosos desse paradigma adotam uma abordagem em consonância com os princípios da sociologia da regulação assim como a abordagem funcionalista, contudo, diferenciam-se por terem visões distintas da realidade: o interpretativo adota uma visão subjetiva e o funcionalista uma visão objetiva. Apesar de não estar em total discordância com o paradigma funcionalista, de acordo com Vergara e Caldas (2005) a análise interpretativa mostrou-se como uma das alternativas ao funcionalismo, ao lado dos estudos críticos ou pós-modernos. Segundo os autores: O que marca a diferença entre o funcionalismo e essas duas vertentes principais que a ele se opuseram nas últimas décadas é nítido, e, mais uma vez, pode-se entendê-la pelo marco de Burrell e Morgan (1979), como discutido no primeiro número desta série e que é o seguinte: fundamentalmente, o interpretacionismo questiona o objetivismo arraigado na doutrina funcionalista, enquanto a vertente crítica combate sua inclinação à regulação e à manutenção da ordem social, ou seja, a sua falta de engajamento em prol da mudança social. (VERGARA; CALDAS, 2005, p. 66) No que se refere às diferenças entre essas duas vertentes opostas ao funcionalismo, a Teoria Crítica e a Teoria Interpretativista, podemos citar o fato da vertente interpretativa não combater a manutenção da ordem: em seu arcabouço teórico não analisa as questões como poder, conflito, etc. Conforme Burrel e Morgan (1979, p.31, tradução nossa): Os problemas de conflito, a dominação, a contradição potencialidade e mudança não desempenham qualquer papel em seu arcabouço teórico. Eles são muito mais orientados para a obtenção e compreensão do mundo social subjetivamente criado como ele é em termos de um processo contínuo. Em suma, a teoria interpretativa concorda com o funcionalismo na questão da manutenção da ordem e discorda por questionar o objetivismo. Logo, tendo em vista as semelhanças e diferenças entre os dois paradigmas, é importante perceber que a metodologia empregada pelos teóricos destes será distinta. Conforme explica Vergara e Caldas (2005, p.68) as pesquisas que utilizam um cunho objetivista buscam identificar relações entre variáveis, estabelecem hipóteses, testam-nas, utilizam critérios probabilísticos para a definição de amostras, usam instrumentos estruturados para a coleta de dados e técnicas estatísticas para o seu tratamento. Buscam a generalização. Já as pesquisas de cunho subjetivista, por compreenderem a sociedade partindo-se do ponto de vista dos atores envolvidos no processo definem amostras intencionais, selecionadas por tipicidade ou por acessibilidade, obtêm os dados por meio de técnicas pouco estruturadas e os tratam por meio de análise de cunho interpretativo. Os resultados obtidos não são generalizáveis. Um dos métodos que se insere dentro dessa perspectiva subjetiva é a etnografia, que será discutida a seguir.

O uso do método etnográfico nos estudos organizacionais Haja vista as características das pesquisas de cunho subjetivista, descritas no tópico anterior, é possível afirmar que no campo do paradigma interpretativo as pesquisas qualitativas são bastante adequadas, até mesmo pelas teorias que segundo Burrell (1999, p. 449) se inserem dentro dessa perspectiva: Fenomenologia, Hermenêutica e Sociologia Fenomenológica. De acordo com Rocha (2005): Quando se fala de pesquisa qualitativa em administração, faz-se referência a ampla variedade de métodos e técnicas de pesquisa provenientes das Ciências Humanas e Sociais, em particular a Sociologia, a Antropologia e a Psicologia, a maior parte dos quais não se enquadra no paradigma positivista, mas no fenomenológico. Ainda segundo a autora, são três as principais formas que a pesquisa qualitativa é empregada nos estudos organizacionais: a) nas pesquisas sobre processos, já que se distinguem pelas relações complexas e desconhecidas entre um vasto número de fatores intervenientes; b) Na elaboração de tipologias; 3) nas pesquisas sobre cultura nas organizações ou no consumo. Nesta última aplicação, Rocha diz que a etnografia é o método privilegiado por permitir que o pesquisador conviva no grupo a ser estudado. Segundo Vergara e Caldas (2005) a etnografia é cada vez mais recorrente nas pesquisas nacionais, mesmo em áreas como o marketing e finanças cuja tradição objetivista ainda predomina. Os autores constatam que alguns dos princípios do interpretacionismo estão presentes em diversas pesquisas do campo organizacional no país, embora configuradas em distintas abordagens, a saber: pensamento e método fenomenológico, interacionismo simbólico e etnometodologia na perspectiva antropológica. De acordo com alguns estudos (BARROS; ROCHA, 2006: BARBOSA, 2003: ROCHA; ROCHA, 2007: JAIME, 2001: SANTOS; PINTO, 2008) tem crescido o número de pesquisas que utilizam o método etnográfico nas áreas de marketing e comportamento do consumidor, principalmente porque a etnografia abre espaço para a explicação de diferentes e mutáveis papéis, funções e significados a que são submetidos os produtos e serviços no momento em que eles saem das lojas na mão do consumidor e penetram em seu mundo cotidiano (BARBOSA, 2003, p.100). Segundo Cavedon (2003, p.143): O método etnográfico consiste no levantamento de todos os dados possíveis sobre uma determinada comunidade com a finalidade de melhor conhecer o estilo de vida ou a cultura específica da mesma. Tal método tem como lócus privilegiado a Antropologia Social, exatamente porque nesta disciplina encontra-se a origem do mesmo, sendo que, hodiernamente, quando se fala em estudos de cultura, nesta área de conhecimento, fala-se em método etnográfico, fazendo com que as discussões mais aprofundadas aí se concentrem. Entretanto, conforme alerta Barbosa (2003), é importante perceber que embora a etnografia esteja se tornando cada vez mais utilizada, muitas vezes seu uso não segue as definições metodológicas da antropologia, principalmente pela falta de conhecimento de alguns pressupostos teóricos deste método pelos pesquisadores. Sendo assim, inicia-se neste ensaio o mapeamento da forma como este método está sendo usado nos estudos organizacionais (a fim de complementar alguns mapeamentos já existentes)

para que em estudos futuros seja possível a utilização do método de forma correta e até mesmo sugerir formas para que a etnografia possa auxiliar outras pesquisas no campo da Administração. Metodologia O método que delineou a análise dos artigos que utilizam ou discorrem sobre a etnografia, é o da pesquisa descritiva e bibliográfica. Configura-se como descritiva porque visa descrever as características dos artigos inventariados e a partir disso levantar suposições sobre o uso da abordagem do paradigma interpretativista, especificamente no que se refere à etnometodologia. As suposições levantadas não pretendem ser generalizáveis, pois, trata-se de um estudo preliminar tendo em vista o alcance da pesquisa, não sendo significativo de todo o universo das publicações em administração. A pesquisa foi exclusivamente bibliográfica, utilizada para a construção do referencial teórico no qual se apoia este artigo, e no levantamento das fontes a serem analisadas. Para cumprir a finalidade proposta, houve um levantamento bibliográfico de artigos publicados, a partir do ano de 2000, em periódicos de Administração com circulação nacional de classificação B1 de acordo com a QUALIS-CAPES. Os periódicos com essa classificação são: Revista de Administração de Empresas (RAE) e RAE Eletrônica, da Fundação Getúlio Vargas (FGV), Revista de Administração Contemporânea (RAC) e RAC Eletrônica, da Associação Nacional dos Programas de Pós-graduação em Administração (ANPAD). Foram selecionados, por meio de busca eletrônica nos sites dessas revistas, todos os artigos com ao menos uma das palavras-chave que fizesse menção ao paradigma interpretativista ou método etnográfio: interpretativista, interpretativo, interpretativa, antropologia, etnografia, etnográfico, etnográfica, etnometodologia, observação participante, observação participativa. Com esse método, foram encontrados vinte e três artigos. É válido ressaltar que a utilização da busca eletrônica pode estar suscetível a erros do sistema e que a pesquisa contemplou os artigos publicados entre 2000 e 2010, não contemplando, portanto, os artigos publicados antes ou após esse período. A partir de uma leitura prévia, cada artigo foi classificado de acordo com título, autores, tipo de pesquisa (teórica ou teórica-empírica), objetivo, resumo, forma como aborda ou utiliza a etnografia e assunto de interface com a administração. Com esse panorama, eliminaram-se os artigos que não fizeram menção ao método etnográfico ou a qualquer outro método de inspiração etnográfica, como a observação participante. Assim, o panorama de análise se restringiu a doze artigos dos periódicos da FGV e três dos periódicos da ANPAD, totalizando quinze artigos, que serão expostos no tópico seguinte. Paradigma Interpretativista e Etnografia: suposições e reflexões Os artigos foram analisados tendo em vista duas principais questões: como a etnografia é utilizada na área dos estudos organizacionais e qual o assunto é estudado a partir da perspectiva interpretativa e do uso da etnografia. Pelo alcance da pesquisa e por se tratar de um estudo preliminar é importante salientar que tal análise está longe de ter se esgotado.

Dos artigos analisados, de um total de quinze, foi possível perceber que o uso do método etnográfico ainda necessita de maior aprofundamento por parte dos pesquisadores, o que se evidencia pelo fato de oito artigos, o que representa mais da metade, apresentarem discussões teóricas do método, a fim de mostrar a importância e utilidade dessa metodologia. Nesse sentido, oito artigos discutem teoricamente o uso do método, apresentando o mesmo e incentivando a sua utilização nos estudos organizacionais, sendo que um destes apresenta um estudo empírico para ilustrar a discussão, contudo, tal estudo não foi realizado pelo autor do artigo. Os outros sete artigos trazem o método etnográfico como suporte metodológico da pesquisa de campo, utilizando principalmente as seguintes técnicas: entrevista, observação (algum tipo de observação, quase sempre especificando como observação participante ) e análise de narrativas (discursos, história de vida, ou depoimentos). Dentre esses, dois mencionam o uso de observação participante e entrevista, mas não mencionam a palavra etnografia, sendo que a descrição do que foi realizado em campo sugere um viés que pode ser considerado de inspiração antropológica ou etnográfica. Nota-se que a maioria dos artigos teórico-empíricos preocupa-se mais em definir a metodologia adotada do que explicar como foi utilizada no campo. Quanto aos assuntos abordados, percebe-se a predominância de dois principais temas: Consumo e Cultura Organizacional, conforme apresenta a Tabela 1: Tabela 1 - Temas abordados Assunto abordado Frequência Marketing, consumo, consumidor 6 Cultura organizacional 4 Estratégia 2 Política de diversidades nas empresas 1 Estudos organizacionais 1 Economia Solidária 1 Total 15 Fonte: Artigos pesquisados Apesar da seleção de artigos tratar apenas de uma parcela da produção acadêmica nacional, a questão do Consumo e da Cultura Organizacional é evidenciada como um lócus privilegiado para a utilização de uma perspectiva interpretativista com uso do método etnográfico por alguns autores, conforme atesta alguns dos trechos extraídos das pesquisas: A adoção de uma perspectiva interpretativa nos estudos de marketing é um fenômeno recente, tanto no Brasil quanto em outros países. No entanto, trata-se de um movimento que já conquistou fóruns respeitáveis na disciplina de Marketing, sendo acolhido nos principais congressos internacionais da área e dispondo de espaços acadêmicos próprios. (ROCHA; ROCHA, 2007, p.71) O propósito final do artigo é, portanto, fazer avançar o debate sobre cultura organizacional, apresentando as contribuições dessa perspectiva [crítica ou sócioantropológica] como uma possibilidade de superação dos limites deixados pela corrente funcionalista, até então dominante nesse subcampo de estudos (JAIME, 2002, p.73)

Partindo da identificação das diferenças entre as abordagens típicas da administração e da antropologia em relação ao conceito de cultura, o artigo distancia-se da primeira e trata de mostrar como o método etnográfico pode ser útil para uma interpretação minuciosa da dinâmica sociocultural em uma organização ou em parte dela, proporcionando um conhecimento mais aprofundado da atuação humana nesse contexto e um quadro mais realista dos desafios com os quais os administradores defrontam-se diariamente. (MASCARENHAS, 2002, p.88) A etnografia abre espaço para a explicação de diferentes e mutáveis papéis, funções e significados a que são submetidos os produtos e serviços no momento em que eles saem das lojas na mão do consumidor e penetram em seu mundo cotidiano. (BARBOSA, 2003, p.100) Percebe-se na maioria dos artigos teóricos, uma preocupação não somente em explicar a metodologia e origens epistemológicas da etnografia, mas também de situar a abordagem interpretativa da cultura como uma alternativa ao funcionalismo. Por outro lado, um paradoxo cercou a maioria dos artigos teórico-empíricos. Alguns dos autores propõem o uso do paradigma interpretativista e do seu método etnográfico com fins funcionalistas, ou seja, com o propósito não apenas de compreender, mas de produzir conhecimento útil gerencial. Tal fato pode ser detectado a partir da leitura das sínteses dos artigos, na tabela 2. Foram encontrados alguns trabalhos que, semelhante ao aqui proposto, também tiveram como objetivo o levantamento do uso da etnografia nos estudos em administração, no entanto, com métodos diferentes do presente estudo. Dos artigos analisados foram encontrados três exemplos voltados para o uso da etnografia nos estudos de marketing e consumo, ou seja, mais específicos no que se refere ao alcance do levantamento. São os artigos de Angela Rocha e Everardo Rocha (2007) e Carla Barros e Everardo Rocha (2006) e um texto de Lívia Barbosa (2003). Este último foi publicado na RAE, mas por um texto da coluna Pensata e não artigo acadêmico, ele foi excluído da seleção a ser analisada. Destaca-se, também, o artigo de Vergara e Caldas (2005) que reflete sobre a tentativa de alguns acadêmicos em superar o objetivismo funcionalista que irriga os estudos organizacionais.

Tabela 2 - Artigos com viés Etnográfico Publicados em Periódicos de Administração com Classificação B1 Título Autores Paradigma Interpretativo nos estudos de consumo: retrospectiva, reflexões e uma agenda de pesquisas para o Brasil ROCHA, A. ROCHA, E. Tipo de estudo Teórico Síntese Colocar em discussão o uso do paradigma interpretativo nos estudos de consumo, delineando suas origens, apontando sua inserção e discutindo dificuldades e potencialidades de sua difusão no marketing brasileiro. Um texto, múltiplas interpretações: antropologia hermenêutica e cultura organizacional JAIME JUNIOR, Pedro. Teórico O objetivo do artigo é contribuir para a compreensão do papel exercido pela dimensão simbólica na construção da realidade organizacional. Parte-se da apresentação de dados etnográficos que descrevem um caso ilustrativo de conflitos culturais no universo empresarial. Em seguida, são realizadas algumas reflexões teóricas a partir do caso apresentado. O propósito final do artigo é fazer avançar o debate sobre cultura organizacional, apresentando as contribuições dessa perspectiva antropológica como uma possibilidade de superação dos limites deixados pela corrente funcionalista. Etnografia e cultura organizacional: uma contribuição da antropologia à administração de empresas MASCARENHAS, André Ofenhejm Teórico O artigo discute as contribuições da antropologia à administração de empresas a partir da análise do conhecimento produzido por seu método clássico, a etnografia, em uma abordagem interpretativa. Mostra como o método etnográfico pode ser útil para uma interpretação minuciosa da dinâmica sociocultural em uma organização. Dimensões culturais do marketing: teoria antropológica, etnografia e comportamento do consumidor ROCHA, E. BARROS, C. Teórico Discute a utilização da abordagem antropológica sobre o consumo e, em especial, do método etnográfico na área acadêmica de Marketing. Inicialmente serão comentados alguns textos clássicos no campo da antropologia do consumo, em seguida, são analisados os modos de utilização da etnografia nos estudos publicados em revistas acadêmicas de Marketing e na produção acadêmica da COPPEAD/ UFRJ. A reflexão antropológica encontrada nos estudos aqui comentados serve, em seu conjunto, para abrir novas perspectivas intelectuais, promovendo um debate crítico em relação ao viés positivista e reducionista.

Título Autores Tipo de estudo Síntese (Continua) Pesquisa em redes estratégicas: descobertas e reflexões etnográficas FARIA, A. Teóricoempírico O autor deste artigo desenvolve um tipo de abordagem particular da etnografia para pesquisa em redes internacionais. Dessa forma, é descrita uma pesquisa internacional em decisão estratégica. Em seguida, são descritas as principais descobertas de pesquisa e a importância da abordagem desenvolvida para a construção de teorias realistas e relevantes na área. Finalmente, o autor desenvolve reflexões críticas sobre pesquisa internacional e sobre como a aproximação entre antropologia e management pode ser explorada por pesquisadores culturais no Brasil. Etnomarketing: antropologia, cultura e consumo JAIME JUNIOR, Pedro. Teórico Este artigo ressalta a presença de dimensões culturais e simbólicas no universo do consumo e evidencia o recurso ao aporte antropológico na gestão de marketing, mediante a apresentação de alguns casos extraídos da literatura de difusão sobre o universo empresarial. Também descreve as trajetórias profissionais de dois antropólogos que têm empreendido trabalhos práticos situados no campo da Administração Mercadológica. O propósito final é contribuir para a discussão sobre a fronteira interdisciplinar que envolve a Antropologia do Consumo e a Mercadologia. Em busca de uma trilha interpretativista para a pesquisa do consumidor: uma proposta baseada na fenomenologia, na etnografia e na grounded theory PINTO, M. R. SANTOS, L. L. S. Teórico O objetivo é apresentar e discutir uma proposta para uma pesquisa interpretativa do consumidor baseada em três movimentos fenomenologia, etnografia e grounded theory, que podem ser conciliados de forma a permitir um estilo de pesquisa mais abrangente. Desta forma, o trabalho pretende contribuir para o debate sobre a utilização de metodologias complementares que permitam lidar com as ambigüidades, fluidez e contradições da vida real vivenciada pelos consumidores.

Da estratégia individual à ação coletiva: grupos de suporte e gênero no contexto da gestão da diversidade BRUNSTEIN, J. JAIME, P. Teóricoempírico Este artigo trata da formação de grupo de suporte no marco das políticas de diversidade empresarial. O trabalho analisa um Comitê de Mulheres, a fim de compreender de que forma ele é influenciado pela política de diversidade formatada pela direção da organização e a influencia. Foi realizado um estudo de caso etnográfico em uma corporação transnacional cuja sede no Brasil está localizada em São Paulo. Os resultados apontam que Comitê representa um processo de emancipação, porém, notou-se a presença de mecanismos de controle. Título Autores Representações sociais e estratégia em pequenos comércios CAVEDON, N. R. FERRAZ, D. L C. Tipo de estudo Teóricoempírico Síntese (Continua) O artigo enfoca a relevância das representações sociais como mediação entre o saber institucionalizado sobre estratégias e as re-significações atribuídas a esse Conhecimento no cotidiano organizacional. A pesquisa realizada com pequenos comerciantes, mediante a utilização do método etnográfico e das técnicas da observação sistemática e participante e das histórias de vida, revelou que a estratégia, como conceito que pressupõe cursos de ação visando prioritariamente à manutenção e posterior expansão do negócio, é re-significada pela mediação da violência que atravessa o contexto investigado. Paradoxos culturais na gestão de pessoas: cultura e contexto em uma cooperativa agro-industrial VASCONCELOS, I. MASCARENHAS, A. O. PROTIL, R. M. Teóricoempírico A partir das premissas do interacionismo simbólico, este artigo conceitua e discute um paradoxo cultural na gestão de pessoas por meio de um estudo etnográfico em uma cooperativa agro- industrial. Foram analisados os conflitos gerados por interpretações divergentes de práticas sociais, resultado de repertórios culturais distintos, que causaram percepções contraditórias do sistema social. Estes conflitos foram discutidos em termos de sua influência na evolução do sistema organizacional.

Cultura, poder e decisão na organização familiar brasileira MACEDO, K. B. Teóricoempírico O artigo visa apresentar o impacto da psicodinâmica do poder e da cultura organizacional no processo decisório, em uma empresa familiar brasileira. O estudo de caso utiliza a observação participante e a entrevista na coleta de dados. Como resultados, tem-se: a super valorização das relações afetivas, da confiança mútua, da antigüidade, dedicação e fidelidade. Relações chefias subordinados autoritárias e paternalistas, preferência pela comunicação verbal e pelos contatos pessoais. O processo decisório tende ao improviso, busca consenso e é influenciado pelas relações de poder e por aspectos emocionais, ligados a fatores culturais das empresas familiares. Paradigma interpretacionista: a busca da superação do objetivismo funcionalista nos anos de 1980 e 1990 VERGARA, S. C. CALDAS, M. P. Teórico O artigo discorre sobre a inserção do paradigma interpretativista nos estudos organizacionais nos anos 80 e 90 e a tentativa por parte de uma parcela da comunidade acadêmica para superar o objetivismo funcionalista. Título Autores A gestão no campo da economia solidária: particularidades e desafios ANDION, C. Tipo de estudo Teóricoempírico Síntese (Conclusão) O trabalho visa identificar princípios e práticas de gestão particulares às organizações de Economia Solidária. Para tanto, concebeu -se um modelo de análise interdisciplinar baseado nas ciências sociais, o qual foi aplicado, por meio do método de observação participante, em duas organizações comunitárias, localizadas na cidade de Montreal. As conclusões desta pesquisa abrem perspectivas para a compreensão deste campo, trazendo contribuições teóricas e práticas para estudiosos e profissionais interessados no tema. Atividades marcárias na vida cotidiana dos consumidores: descoberta de uma nova forma de se pensar as marcas? LEÃO, A. L. M. S. MELLO, S. C. B. Teóricoempírico Estudo exploratório, com o objetivo de identificar o que os consumidores dizem sobre as marcas quando interagem entre si. O método de pesquisa utilizado foi etnografia da comunicação, realizada por meio da observação participante da interação cotidiana de pessoas de diferentes grupos sociais. Tal procedimento levou à identificação de 38 aspectos das marcas, nomeados de atividades marcárias, com base na noção de atividades de fala. Uma abordagem reflexiva direcionada pela teoria social de Weber propiciou a uma nova forma de se pensar as marcas.

Sobre convergência e a prática metodológica do interacionismo interpretativo na pesquisa acadêmica de marketing SAUERBRONN, J. R. F. AYROSA, E. A. T. Teórico Muitos fenômenos de marketing e do comportamento do consumidor não são observáveis dentro de uma perspectiva hipotético-dedutiva, e permanecem sem investigação, seja por falta de interesse da comunidade acadêmica, seja devido às carências metodológicas. Neste artigo realizamos uma discussão metodológica, na qual apresentamos nossa experiência com a utilização do Interacionismo Interpretativo em pesquisa acadêmica de marketing e suas consequências metodológicas práticas. Ao retratar essa experiência na condução de uma pesquisa de marketing de caráter interpretativo, esperamos oferecer maior compreensão a respeito desta orientação e incentivar mais pesquisadores a adotarem opções semelhantes.

Considerações Finais e Diretrizes para Estudos Futuros O presente ensaio buscou compreender e inventariar parte da produção acadêmica brasileira nos estudos em administração que abordam o paradigma interpretativista com o uso do método etnográfico. O estudo foi delimitado pelos artigos publicados a partir do ano 2000, nos periódicos de Administração; RAE, RAE Eletrônica, RAC e RAC Eletrônica por serem classificados como B1 na QUALIS-CAPES. Todos os artigos analisados tiveram como pretensão plausível, incentivar ou disseminar os estudos orientados pelo paradigma interpretativista e sua metodologia peculiar: a etnografia. O fato de a metade se apresentar na forma de ensaio teórico, pode indicar que o método tem sido pouco aplicado no campo, ou sua aplicação não tem sido bem aceita no administração, ou os pesquisadores não a empregam de forma correta e, por isso, não são publicados. Outra ocorrência digna de atenção foi que no processo de busca, o artigo mais antigo encontrado datava de 1995, o que aponta para recente preocupação em torno do tema, ou ao menos, a recente preocupação em divulgar a problemática, visto que esses artigos dependem de aprovação para serem publicados. Ainda destaca-se a utilização do paradigma interpretativista e do método etnográfico em pesquisas que visam gerar conhecimento útil em gestão, isto é, a pesquisa é delineada de acordo com a etnografia e alguns pressupostos interpretativistas, mas seus objetivos estão compatíveis com o paradigma funcionalista. Esse cenário apresenta um paradoxo e ainda pode levar ao questionamento da incomensurabilidade paradigmática, uma vez que há a conjugação de metodologia inspirada em um paradigma, mas com finalidades de paradigma alocado em eixo oposto. Enfim, ressalta-se que essa pesquisa não teve a pretensão de generalizar suposições inferidas à luz dos artigos analisados, mas compreender esta parcela da produção acadêmica para posteriormente ampliar este estudo a partir das considerações de outros artigos. Assim em estudos futuros, pretende-se igualmente analisar artigos de periódicos com classificações B2 e B3, que são periódicos também de circulação nacional, contudo com nível considerado inferior aos de classificação B1, bem como aumentar o escopo temporal para seleção de artigos. Adicionalmente, serão agregadas pesquisas publicadas nos eventos promovidos pela ANPAD.

Referências ANDION, C. A gestão no campo da economia solidária: particularidades e desafios. RAC, v. 9, n. 1, p. 79-101, Jan./Mar. 2005. ASTLEY, W. Graham; VAN DE VEN, Andrew H. Debates e perspectivas centrais na teoria das organizações IN: CALDAS, M.P.; BERTERO, C.O. (Ed.). Teoria das Organizações. São Paulo: Atlas, 2007. BARBOSA, Lívia. Marketing etnográfico: Colocando a etnografia em seu devido lugar. RAE Revista de Administração de Empresas, v. 43, n. 3, p. 100-105, jul/set 2003. BARROS, Carla; ROCHA, Everardo. Dimensões Culturais do Marketing: Teoria Antropológica, Etnografia e Comportamento do Consumidor. RAE Revista de Administração de Empresas. v.46, n.4, p.36-47, Dez. 2006. BURRELL, Gibson. Ciência normal, paradigmas, metáforas discursos e genealogia da análise in : CLEGG, Stewart R.; HARDY, Cynthia; NORD, Walter R. Handbook de estudos organizacionais. V.1. São Paulo: Atlas, 1999. ; MORGAN, Gareth. Sociological paradigms and organisational analysis: elements of the sociology of corporate life. Aldershot: Ashgate, 1979. BRUNSTEIN, Janette; JAIME, Pedro. Da estratégia individual à ação coletiva: grupos de suporte e gênero no contexto da gestão da diversidade. RAE-eletrônica, São Paulo, v. 8, n. 2, Dez. 2009. CALDAS, M. P. Paradigmas em estudos organizacionais: uma introdução à série. RAE revista de administração de empresas, v. 46, n. 1, p. 53 57, jan./mar. 2005. ; FACHIN, Roberto. Paradigma funcionalista: desenvolvimento de teorias e institucionalismo nos anos 1980 e 1990. RAE Revista de Administração de Empresas, v. 45, n. 2, p. 46 51, abr./jun. 2005. CAVEDON, Neusa Rolita. Antropologia para administradores. Porto Alegre: Editora da UFRGS, 2003. ; FERRAZ, D. L. da S. Representações sociais e estratégia em pequenos comércios. RAE-eletrônica, v. 4, n. 1, jan./jul. 2005. DALMORO, M. et al. Dominância epistemológica em estudos de campo: são ainda os administradores positivistas? In: ENCONTRO NACIONAL DE PROGRAMAS DE PÓS- GRADUAÇÃO EM ADMINISTRAÇÃO, 31, 2007. Anais eletrônicos. Disponível em: <http://www.anpad.org.br>. Acesso em: 15 mar. 2008. FARIA, Alexandre. Pesquisa em redes estratégicas: descobertas e reflexões etnográficas. RAE Revista de Administração de Empresas, v. 43, n. 1, p. 11-23, jan./mar. 2003

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