Filhos de famosos na publicidade brasileira: análise da imagem dos filhos de celebridades junto às marcas de medicamentos 1 Paula Renata Camargo de Jesus 2 Universidade Presbiteriana Mackenzie e Universidade Santa Cecília Resumo No sistema capitalista as pessoas são incentivadas a consumir, cada vez mais e variados produtos e marcas. É nesse contexto que a publicidade busca utilizar a sedução e o poder de persuasão, como um poderoso fenômeno comunicacional. A imagem da criança é constantemente utilizada como ferramenta de sedução nas mensagens publicitárias. Não seria diferente com os filhos das celebridades. São crianças que aparecem com frequência na mídia de massa para vender papinhas, fraldas e medicamentos. O presente trabalho busca verificar como a publicidade tem utilizado a imagem dos filhos de celebridades como estratégia persuasiva para vender mais medicamentos no mercado brasileiro. Em busca de uma análise mais crítica, o filme publicitário a ser analisado será o do medicamento Vick Pyrena. No filme, o apresentador Rodrigo Faro contracena com sua filha Clara, de sete anos. Palavras-chave: Consumo; publicidade de medicamentos; crianças; celebridades; ética. Consumo e publicidade de medicamentos Há 17 anos pesquiso a respeito da Comunicação, Consumo e Publicidade de Medicamentos. Desde então percebi algumas mudanças em relação ao consumo, à automedicação, à ética na propaganda de medicamentos, no cenário nacional e internacional. Porém, nos últimos anos, a imagem das crianças na publicidade, que é meu objeto de estudo no grupo Comunicação, Consumo e Infâncias, tem sido 1 Trabalho apresentado no Grupo de Trabalho Comunicação, Consumo e Infâncias, do 4º Encontro de GTs - Comunicon, realizado nos dias 8, 9,10 de outubro de 2014. 2 Doutora em Comunicação e Semiótica (PUCSP). Mestre em Comunicação (UMESP), Professora de Graduação e Pós-Graduação na UPM e UNISANTA. Integrante dos Grupos de Pesquisa do CNPq: O Signo Visual nas Mídias; Comunicação, Cognição e Contextos; Núcleo de Estudos de Gênero/Raça/Etnia GERE. E-mail: paularcj@gmail.com
constantemente utilizada na mídia de massa, em campanhas de medicamentos. Não que fosse novidade encontrar registros da imagem das crianças em publicidade, porém existem leis e resoluções, algo que não existia anos atrás. E mesmo assim, a indústria farmacêutica e as agências de publicidade insistem em associar criança a medicamento. Embora a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA) e o Conselho Nacional de Autorregulamentação Publicitária (CONAR), em parceria estejam atentos aos abusos da indústria farmacêutica, ano a ano, uma nova discussão do que é ou não abusivo vem à tona, gerando mais Resoluções por parte da ANVISA, com a finalidade de inibir, controlar e moralizar a propaganda de medicamentos no Brasil. Medicamento ainda é visto como produto qualquer, submetido às lógicas comerciais, quando na verdade é bem de saúde e deveria ser tratado de maneira especial, não apenas na publicidade (se é que deveria ser anunciado) como no processo de venda, com mais rigor. Ainda hoje nas farmácias se compra medicamentos de tarja vermelha e preta, sem receita médica, e os demais medicamentos, considerados de venda livre, por não precisarem de prescrição médica no ato da compra, são apresentados ao consumidor no ponto de venda, como mercadoria qualquer. Por outro lado, o consumo de medicamentos pode ser considerado um indicador indireto de qualidade dos serviços de saúde. [ ] o brasileiro tende a se automedicar também porque não encontra posto de saúde perto de casa, precisa esperar dias e até meses para ser atendido por um médico (NASCIMENTO, 2003, p. 38). Baudrillard afirma que consumo não é apenas uma prática material, nem uma fenomenologia da abundância, não se define nem pelo alimento que se digere, nem pela substância oral e visual das imagens e mensagens, mas pela organização de tudo, isto é, em substância significante; é ele a totalidade virtual de todos os objetos e mensagens constituídas de agora então em um discurso cada vez mais coerente (1993, p. 206).
Segundo Rocha (2006, p. 86) Conhecer o significado do fenômeno do consumo passa pelo exame profundo de sua relação com a cultura.. O hábito de consumir remédio no Brasil é antigo. Das ervas indígenas, chás milagrosos e garrafadas, até medicamentos. Portanto uma cultura que resiste há séculos não pode ser mudada de uma hora para outra. Segundo Nascimento (2005, p. 22), a exploração do valor simbólico do medicamento, socialmente sustentado pela indústria farmacêutica, agências de propaganda e empresas de comunicação, passa a representar um dos mais poderosos instrumentos para a indução e fortalecimento de hábitos voltados para o aumento de seu consumo. Os medicamentos passam a simbolizar possibilidades imediatas de acesso não apenas à saúde, mas ao bem estar e à própria aceitação social. Quando se fala em autoconsumo e automedicação nos estudos relacionados à publicidade de medicamentos, imediatamente me vem à mente a quantidade de tipos de medicamentos e marcas que existem no mercado brasileiro. É um verdadeiro negócio. A falta de informação em relação aos medicamentos e, ao mesmo tempo, a facilidade de se comprar e consumir medicamentos leva a crer que muitas pessoas ainda morrerão intoxicadas e envenenadas por conta do consumo irracional de medicamentos. Em relação à ética, Com a Resolução da ANVISA, a RDC 102, de 30 de novembro de 2000, a propaganda então veiculada sem muitas restrições, passou a ser vigiada pelos termos que utilizava e pela forma e conteúdo. Este Regulamento se aplica às propagandas, mensagens publicitárias e promocionais e outras práticas cujo objeto seja a divulgação, promoção e/ou comercialização de medicamentos, de produção nacional ou dos importados, quaisquer que sejam suas formas e meios de veiculação incluindo as transmitidas no decorrer da programação normal das emissoras de rádio e televisão. Estabeleceram-se normas rígidas para a publicidade de medicamentos. Sempre com a preocupação de não estimular o uso indiscriminado de medicamentos pelo
público em geral, foi instituída a frase de advertência que passou a constar nas propagandas: Ao persistirem os sintomas o médico deverá ser consultado. Passou a ser proibida a publicidade enganosa, abusiva, indireta ou subliminar, bem como o merchandising de medicamentos. Também foram proibidas mensagens como: Aprovado e recomendado por especialista. Da mesma forma, a propaganda não pode mais sugerir que o medicamento não tem efeitos colaterais ou pode ser utilizado por qualquer pessoa, de qualquer faixa etária, por meio de slogans como: O medicamento para toda a família ; Para todo tipo de mulher... ; Ideal para todas as crianças.... A partir de 2009 surgiram outras mudanças para os medicamentos sem prescrição médica (medicamentos de venda livre). A mudança mais impactante teve relação com a presença da celebridade na publicidade. As celebridades não podem mais tomar ou indicar um medicamento. Se eles testemunharem em um filme ou spot de rádio devem também ler as mensagens de advertência finais. Até então era comum atletas, cantores, atrizes e atores darem testemunhais abusivos a respeito dos milagrosos efeitos dos analgésicos e antigripais. Mas as estratégias de marketing e comunicação da indústria farmacêutica são rápidas. E apesar das resoluções, leis, as marcas de medicamento, sobretudo de medicamentos de venda livre, continuaram utilizando celebridades. Celebridades como personagem, celebridades e família, crianças, além da presença de figuras de linguagem e do humor, até porque por meio do humor, mostra-se muitas vezes o que não pode ser dito. A imagem da criança na publicidade de medicamentos A imagem da criança sempre foi utilizada na publicidade de medicamentos, não propriamente a imagem real, uma vez que antigamente as imagens eram demonstradas por meio de ilustrações.
Figura 1. Anúncio xarope Bromil (Bueno, 2008, p.31). Além do xarope Bromil, grandes marcas de medicamentos como Xarope São João, Biotonico Fontoura, Emulsão de Scott utilizaram imagens de crianças em seus anúncios (BUENO, 2008, p. 40). A imagem da criança é frequentemente vista como uma oportunidade comercial na publicidade, em produtos direcionados a ela ou não. Segundo Linn (2006, p.233) as agências de publicidade são pagas pela sua capacidade de oferecer as crianças como propriedade para determinada marca, para toda a vida, esperam.. Para Strasburger (2011, p.66), muitas empresas, como o McDonalds e a Coca-Cola, se engajam no que é chamado de marketing do berço ao túmulo, num esforço para cultivar a fidelidade do consumidor desde uma idade muito precoce.. Esse fenômeno da fidelidade da marca é percebido no dia a dia. Quando a criança vê outra criança com uma roupa, um tênis, uma boneca, um carrinho, uma bola, passa a desejar e requisitar todos aqueles objetos, ou seja, a possibilidade de estar no lugar do outro passa a ser possível. Segundo Rao (2002, 114), aos olhos da publicidade, a presença de uma criança torna-se imprescindível nas mensagens de produtos que enfatizam aspectos de
cuidado e alimentação. Para a autora, as pomadas que aliviam a dor, os substitutos de alimentos que fornecem energia, a máquina de lavar que deixa as roupas brancas precisam de uma criança para transmitir amor e carinho dos pais para com a criança. Mas a publicidade não é a única responsável pela inversão de valores e pelo consumo, por vezes irracional. A publicidade é um fator dentre outros que integram um processo mais geral, mais sistêmico da sociedade. A participação das crianças nos anúncios, filmes publicitários, enfim, em grandes campanhas, têm aprovação da família. Associar criança a qualquer marca com o aval da família parece estranho, mas associá-la a medicamentos, com o mesmo aval, é muito preocupante. Se a criança pode desenvolver fidelidade pela marca de um produto qualquer, imagine a criança desenvolver o apego ao medicamento, estimulado por substâncias que levam à dependência. Portanto, criança não deveria ser associada à marca de medicamento, muito menos ter sua imagem exposta às situações de consumo de medicamentos. Ainda em relação ao consumo de medicamentos, segundo Priya Bahri, da Agência Europeia de Medicamentos (EMEA), o melhor remédio para prevenir o abuso é a informação para conscientizar as pessoas dos riscos. Segundo Bahri, em uma conferência realizada na Índia, em 2013, contatou-se que mais da metade dos meninos e meninas americanos e europeus usam analgésicos todo mês para tratar dores de cabeça. Para Bahri, é na adolescência que se formam os hábitos de saúde. (http://www.istoe.com.br). Em relação à ética, consta no Código Brasileiro de Autorregulamentação Publicitária, no capítulo II, seção 11, artigo 37: f) o uso de menores em anúncios obedecerá sempre a cuidados especiais que evitem distorções psicológicas nos modelos e impeçam a promoção de comportamentos socialmente condenáveis; g) qualquer situação publicitária que envolva a presença de menores deve ter a segurança como primeira procuração e as boas maneiras como segunda.
Assim como na ANVISA, na RDC nº 96/08, artigo 8º, inciso III; artigo 9º, inciso I; e artigo 26, inciso VII, o uso da imagem de crianças e adolescentes não pode ser utilizado com o objetivo de direcionar a propaganda a esse público. Caso contrário, as imagens podem ser utilizadas. Como exemplo de utilização indevida, podemos citar a propaganda que apresenta uma criança conversando com o telespectador ou mesmo solicitando um determinado medicamento para a mãe. Já como utilização correta, podemos citar a propaganda de um medicamento de uso pediátrico indicado para tosse que apresenta uma criança na cama tossindo. Além disso, não é permitido incluir imagens de crianças fazendo uso do produto. Mas parece que as agências de publicidade preferem ignorar o Código e as Resoluções, arriscando em estratégias persuasivas, abusando do uso da imagem de crianças na publicidade. Filhos de celebridades na publicidade Crianças são crianças, sejam elas filhas de quem forem. Mas isso muitas vezes não importa. Muitas vezes os filhos de celebridades são vistos como celebridades e têm sua imagem explorada na publicidade. A imagem da celebridade vista muitas vezes com credibilidade junto a um público, assim como dona de um poder persuasivo, leva muitas pessoas a se identificarem com determinada marca. A palavra celebridade é derivada do latim celebritas, sendo também um adjetivo para célebre, alguém famoso. A partir do momento que a celebridade é associada a uma marca, ela passa a representá-la. Portanto, utilizar celebridades em campanhas publicitárias é uma estratégia persuasiva que a propaganda brasileira faz há anos e parece funcionar bem. Sabe-se que o critério de escolha da celebridade, pela agência de publicidade e pela marca, segue o seguinte raciocínio: a preferência é quase sempre pela boa imagem da celebridade na mídia e na vida, como exemplos: o rapaz de família, a
moça certinha, os artistas queridos em novelas, atletas que não se envolvem em brigas e figuras simpáticas na vida pessoal. Afinal, a marca será associada a quem tem receptividade pelo grande público. Isso tem relação com endosso. Ou seja, o processo de endosso depende de algumas propriedades simbólicas da própria celebridade. Seria como a transferência de significados. Para a marca é importante que o consumidor se identifique. Com a presença da celebridade junto à marca, o que se busca por meio da publicidade é que o consumidor esteja certo que se a celebridade usa é porque é bom, portanto seria bom que ele também usasse o produto. Segundo McCracken (2012, p. 109), são propriedades mostradas como pertencentes à celebridade e então transferidas da celebridade ao bem de consumo, e do bem de consumo para o consumidor.. Na publicidade brasileira não são apenas atletas e artistas de novela que se destacam nas campanhas publicitárias. Os cantores populares e apresentadores também estão sempre presentes em filmes publicitários e nos anúncios: Leonardo, Ivete Sangalo, Claudia Leitte, Ana Maria Braga, Ratinho, Rodrigo Faro, Fatima Bernardes, Angélica, Luciano Huck, também têm sua imagem associada às grandes marcas presentes na mídia de massa. O que se percebe é que cada vez mais, as celebridades têm contracenado com seus filhos em campanhas publicitárias, sobretudo em filmes publicitários na TV. As crianças são expostas em diversas situações ao lado de seus pais: em troca de fraldas, comendo papinhas, tomando banho, dormindo, assistindo TV, enfim, o que as diferencia de outras crianças expostas na mídia de massa, é que essas crianças são filhos de celebridades. Utilizar família na publicidade é uma estratégia persuasiva com resultados positivos a qualquer marca. Uma vez que o produto é relacionado com a família, percebe-se que a força aumenta e muito no tocante à relação e fidelização da marca com o consumidor.
Não se pode afirmar que um cantor, apresentador ou atleta utilize os filhos apenas com fins lucrativos. O que aparentemente pode ocorrer é a sensação de orgulho e vaidade por parte das celebridades ao exibirem os pequenos ao grande público, mas sem deixar de lucrar alto com a publicidade. A seguir veremos algumas campanhas que envolvem celebridades e seus filhos. Por fim, analisaremos o filme publicitário do medicamento Vick Pyrena, protagonizado pelo apresentador Rodrigo Faro e sua filha Clara, de sete anos de idade. Celebridades e seus filhos na publicidade Não é difícil imaginar porque as agências de publicidade utilizam crianças e celebridades nas campanhas. A publicidade funciona como instrumento de transferência de significado. Segundo McCracken (2011, p. 116) o processo de transferência começa quando o publicitário identifica os significados culturais desejados para o produto (gênero, status, idade, estilo de vida).. Em 2013, a atriz Juliana Paes gravou o filme publicitário para a campanha de fraldas Pom Pom. Ao seu lado, seu filho Pedro, de dois anos usava a fralda. Além da presença da mãe e do filho na campanha, no filme eles interagem e mostram todo o amor por Antônio (ainda na barriga da atriz). Figura 2. Cena do filme publicitário das fraldas Pom Pom.
Ao se tratar da celebridade que explora a relação familiar na publicidade, poderia a questão do endosso atingir outra proporção. Nesse caso não importa apenas o que a cantora Claudia Leitte compra, usa, veste, come ou bebe, mas sim o que ela compra e dá para o seu filho, como ela o educa, seu amor pelo filho, etc. Figura 2. Cena do filme publicitário Gestos, das papinhas Nestlé. Em 2013, a cantora baiana Claudia Leitte contracenou com o filho Rafael, de apenas um ano, como garoto-propaganda no filme Gestos, das papinhas Nestlé. O filme mostrava Claudia Leitte e Rafael em situações do dia a dia, destacando a importância do carinho e da qualidade dos momentos entre mãe e filho, mesmo em uma rotina corrida. Em 2012, a marca Claro que já utilizava o jogador de futebol Neymar e o exjogador Ronaldo Nazário, fez um filme publicitário com os filhos de Ronaldo. Nele, Ronald e Alex contracenam com o pai. Alex também fala ao telefone, como vemos abaixo.
Figura 3. Cena do filme publicitário para a marca Claro Conforme o visto anteriormente, para a publicidade a imagem da criança nas campanhas é uma estratégia persuasiva que oferece resultados positivos. Além de provocar uma identificação, a criança pode ser o futuro consumidor. Isso contribui no processo de fidelização da marca. E quando se trata de crianças, só que filhos de celebridades em campanhas, fala-se em transferência de significados, que nos casos de campanhas de medicamentos, pode ser bastante delicado. Análise do Discurso Publicitário do filme publicitário de Vick Pyrena No exercício a seguir, em busca de uma análise crítica, será analisado o discurso do filme publicitário de Vick Pyrena. Partindo do pressuposto que o discurso publicitário é intencional e persuasivo, o discurso, por meio da mensagem publicitária, utiliza de recursos verbais, visuais e sonoros repletos de intenções persuasivas. São mensagens persuasivas expostas nos filmes publicitários, outdoors, nos diferentes formatos publicitários da web, nos spots, jingles, nos anúncios publicitários, em seus textos, títulos e slogans e nos materiais de ponto de venda. O critério de escolha da análise levou em consideração a exposição da imagem da criança na publicidade, a presença da celebridade e por se tratar de uma campanha publicitária de medicamentos.
A campanha escolhida é a "Como cuidar", elaborada pela agência Publicis Brasil, para a marca Vick Pyrena, da P&G. Vick Pyrena é o medicamento analgésico e antitérmico em formato de pó, que é misturado junto à água quente ou chá. Como ideia central, a campanha busca reposicionar a marca como a melhor garantia para uma boa noite de sono, aliviando os sintomas da gripe e dos resfriados. Garoto-propaganda da marca Vick, o apresentador Rodrigo Faro protagoniza o filme publicitário junto com sua filha Clara, de sete anos, idade também em que o apresentador atuou pela primeira vez como garoto-propaganda em sua vida. Figura 5. Cena do filme publicitário do medicamento Vick Pyrena. Por orgulho ou por uma estratégia de marketing, durante a gravação do filme, Faro postou em seu Instagram a foto com a mensagem Gravando comercial da Vick com minha filha Clara.
Figura 6. Foto postada no Instagram de Rodrigo Faro. Clara também postou em sua rede social, divulgando seu trabalho, dizendo estar feliz ao lado do pai e convidando as amiguinhas a verem a propaganda. Em relação ao discurso, o filme tem 30 segundos e conta com a presença de Rodrigo Faro e sua filha Clara. O filme apresenta aspectos verbais, visuais e sonoros, em harmonia. O roteiro divide o filme em duas partes: noite e dia. Na maior parte do filme, noite, o predomínio é de imagens escuras de quarto com lençóis claros, à meia luz. Na parte dia, que inicia após apresentação das embalagens do medicamento, Rodrigo Faro está em sua cama e desperta animado, bem disposto e feliz. No aspecto sonoro, a música também acompanha o ritmo do filme. À noite com música suave, de ninar uma criança. No ponto de virada do filme, na transição da apresentação de embalagens para as cenas do dia, surge uma música animada e a voz do locutor que no começo do filme se apresenta de maneira serena e baixa, passa a uma narração vigorosa e animada. Esta estratégia do Antes e Depois é muito utilizada na publicidade de medicamentos para mostrar o efeito positivo do medicamento, ou seja, a promessa de cura. Embora o filme não se refira diretamente ao medicamento infantil, tampouco seja diretamente indicado à criança, uma vez que Rodrigo Faro relata em primeira pessoa que ele precisa se cuidar, assim como todos os pais, nos 5 segundos iniciais do
filme, Clara aparece tossindo, para só depois ele cuida da filha e a coloca para dormir, para em seguida começar a falar de si próprio. Portanto, indiretamente o filme refere-se ao consumo de medicamentos também por parte da criança. Ingênua, a criança não sabe a força persuasiva que exerce nos telespectadores, possíveis consumidores. Pais e mães que se identificam com os filmes publicitários e com o discurso da celebridade podem passam a usar e dar aos seus filhos o que vêm. Segundo o ICTQ (Instituto de Ciência Tecnologia e Qualidade) em pesquisa realizada em maio de 2014, é alarmante o número de casos de pessoas que aumentam as doses do medicamento por conta própria, inclusive dos próprios filhos. Muitas mães chegam a dobrar a dosagem de paracetamol aos filhos (http://g1.globo.com). Contudo, conclui-se que a presença da criança, assim como a imagem da mesma no filme, é desnecessária. Se a intenção é demonstrar que os pais podem cuidar de seus filhos quando estão sem problemas de saúde e bem dispostos, não havia necessidade da criança interpretar uma criança doentinha, tossindo na hora de dormir. Uma narração daria conta do recado. Porém o que se percebe é que mais uma vez é proposital utilizar criança na publicidade, sobretudo de medicamentos. É interessante para a indústria farmacêutica e para o negócio da publicidade. Aos olhos das lógicas comerciais e como estratégia persuasiva, criança vende. Criança convence crianças e adultos. Portanto criança deve estar presente na publicidade. Portanto, como se não bastasse celebridade na campanha legitimando o uso do medicamento, utilizam os filhos para persuadirem o consumidor quanto ao uso do mesmo, procurando por meio do discurso da família, transmitir união, alegria e segurança. O perigo está em relacionar família e criança ao consumo de medicamentos. Medicamento não é produto qualquer e sim um bem de saúde. Fidelizar quanto ao uso de medicamento é incoerente e deveria ser visto como abuso.
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