O PROFISSIONAL BIBLIOTECÁRIO COMO MEDIADOR DO ACESSO À INFORMAÇÃO E CIDADANIA EM BIBLIOTECAS PRISIONAIS Autor: Epitácio Gomes da Silva Neto Graduando em Biblioteconomia Co-autora : Francisca das Chagas Dias Leite Bibliotecária Especialista em Gestão Educacional Universidade Federal do Piauí RESUMO Este trabalho apresenta através de pesquisa bibliográfica os aspectos conceituais da informação e da cidadania no contexto das bibliotecas prisionais considerando a atuação do profissional bibliotecário como orientador e mediador da informação nesses ambientes. Falar de informação e cidadania é falar de conceitos simultâneos e absolutamente imprescindíveis um do outro, uma vez que o acesso à informação está diretamente vinculado ao exercício da cidadania e esse acesso a informação é essencial para que o exercício da cidadania se efetive de forma plena em todo e em qualquer espaço. Diante disso, o bibliotecário se torna uma peça fundamental no trabalho desenvolvido nas bibliotecas prisionais, devido seu conhecimento especializado na área e sua percepção de como realizar esse trabalho. Nesta análise, o objetivo deste artigo é apontar a importância da atuação do profissional bibliotecário enquanto mediador e orientador do acesso à informação e cidadania. Assim, a partir do método de abordagem dialético, realiza o confronto teórico com diferentes autores para fundamentar as discussões delineadas nesse processo investigativo. Desse modo, de acordo com o que foi pesquisado pode-se afirmar que o acesso à informação e a cidadania em bibliotecas prisionais ocorre por meio da promoção da informação e do conhecimento e mediante a da atuação do profissional bibliotecário nesses espaços. PALAVRAS-CHAVE: Biblioteca Prisional. Bibliotecário. Informação. Cidadania.
2 1 INTRODUÇÃO No Brasil ainda não é muito comum falar de informação e cidadania para pessoas presas e nem tampouco da existência de bibliotecas para ampará-las em atividades educacionais, culturais e sociais. Segundo Carvalho (2009) isso ocorre em boa parte por causa da visão do Estado e da própria sociedade de que o preso é um condenado sem alma, sem sentimentos, que não tem condições de ser regenerado e muito menos o direito de estudar, aprender e buscar conhecimentos. Segundo Leite (2004) a informação é elo de ligação que permite que o presidiário possa acompanhar os desdobramentos do mundo exterior durante o tempo que está privado de sua liberdade. Dessa maneira, o acesso a informação contribui com a função ressocializadora da pena, pois o condenado terá menor dificuldade em se adaptar a uma sociedade que não lhe é desconhecida, apesar do cárcere. Assim sendo, diante das possibilidades de atuação e intervenção social nos ambientes prisionais, bem como as necessidades de informações por parte dos detentos, Reis e Carvalho (2007) ressaltam o papel social do profissional bibliotecário pois, a ele cabe a responsabilidade de zelar e fazer compartilhar a herança do exercício da cidadania, trabalhando com a informação, levando-a àqueles que dela necessitam. Neste sentido Trindade (2009, p. 47) observa que a biblioteca prisional adquire relevância no espaço penitenciário, oferecendo aos presos informação útil, apresentando a oportunidade de aperfeiçoarem habilidades literárias, de atingirem os seus interesses culturais e de aprendizado, abrindo, com isso, uma janela para o mundo exterior. Com base então nestas considerações, o presente trabalho tem como objetivo apontar a importância da atuação do profissional bibliotecário enquanto mediador e orientador do acesso à informação e cidadania. 2 INFORMAÇÃO E CIDADANIA: BREVES CONSIDERAÇÕES Falar de informação e cidadania é falar de conceitos simultâneos e absolutamente imprescindíveis um do outro, uma vez que o acesso a informação está diretamente vinculado ao exercício da cidadania.
3 Desse modo, a informação é um direito comum a todos. Segundo Targino (2006, p. 71): Não há exercício da cidadania sem informação. Isto porque, até para cumprir seus deveres e reivindicar seus direitos, sejam eles civis, políticos ou sociais o cidadão precisa conhecer e reconhecê-los, e isto é informação. Nesta perspectiva podemos compreender o conceito de informação como sendo uma contribuição social para a conscientização do homem sobre seus direitos e seus deveres. O termo informação origina-se do latim, informatio, e significa igualmente: dar forma; informar ou organizar. Assim, para esse autor a informação pode ser tanto o ato ou atividade de informar como o seu próprio efeito ou resultado respectivo de informar e buscar informação. (FERREIRA, A., 1997). Para Bueno (1995) a informação pode ser um esclarecimento, uma explicação, uma instrução, um aviso ou até o fornecimento de dados. De outro modo, Robredo (2003, p. 5), em sua obra Da ciência da informação revisitada aos sistemas humanos de informação, compara várias definições para o termo informação propostas por diversos autores que trataram dessa questão, constatando em seu estudo que todas as definições dão a impressão de que tudo e seu contrário pode, de alguma forma, se relacionar com a informação. Assim sendo, a informação é para todo sempre e em todos os lugares de fundamental importância para o individuo. É um bem comum inerente ao processo de construção da realidade e na realização das necessidades básicas dos indivíduos. Como afirma Pereira (2002, p. 23): De pouca coisa o homem tem tanto necessidade quanto de informação. Isso porque em conhecer reside boa parte da atividade que é especificamente humana. São vitais as informações sobre o mundo, sobre as circunstancias concretas da sociedade, onde se vive, onde se tem de atuar e exercer um papel transformador. De modo geral, a informação é o elemento essencial para que os sujeitos sociais construam e exerçam sua cidadania, uma vez que nos dias atuais não se pode mais pensar em informação sem delinear os caminhos da cidadania. (MORIGI; VANZ; GALDINO, 2002). Sob tal pensamento entende-se que o caminho percorrido pela busca da cidadania sempre passa, necessariamente, pelo acesso a informação. Assim sendo, o acesso a informação é essencial para que o exercício da cidadania se efetive de forma plena em todo e em qualquer espaço. Neste contexto, podemos definir cidadania da seguinte forma:
4 Cidadania é um estado de espírito e uma postura permanente que levam pessoas a agirem, individualmente ou em grupo, com objetivos de defesa de direitos e cumprimento de deveres civis, sociais e profissionais. Cidadania é para ser praticada todos os dias, em todos os lugares, em diferentes situações com variadas finalidades. (RESENDE, 1992, p. 67). Na verdade não existe um consenso em torno do conceito de cidadania. Ao contrário, existem muitas ambigüidades em torno de sua definição. (MORIGI; VANZ; GALDINO, 2002). No entanto, segundo os autores ora citados, a cidadania transcende o conjunto de direitos e deveres, já que outros elementos interferem em sua determinação, como a situação de classe social. Ao longo da história das civilizações, eram considerados cidadãos na Grécia Clássica, somente a classe daqueles que estivessem em condições de participar da vida pública, tendo esse direito apenas os homens gregos e livres. Vale lembrar, entretanto, que o termo cidadão vem do latim Civitas e significa cidade. Sendo o mesmo termo também usado na Roma Antiga para designar a capacidade daqueles que podiam exercer direitos políticos e civis. (LOMBARDI, 2009). Na contemporaneidade, conforme Dallari (1998 apud LOMBARDI, 2009), o conceito de cidadania ainda em muitos casos expressa um conjunto de direitos que dá a pessoa a possibilidade de participar ativamente da vida e do governo de seu povo, entretanto, quem não tem cidadania permanece à margem da exclusão social. Sendo assim, cabe aqui indagarmos em que consiste ser cidadão em um Brasil de tantas desigualdades sociais? Segundo Nery Junior (2006) no atual Estado Democrático do Brasil, do ponto de vista político, cidadão é a pessoa humana nacional à qual se confere direitos políticos e que participa da vida e de seu Estado sendo, portanto, titular dos direitos fundamentais. Desse modo, entende-se que a cidadania se apóia na democracia, que por sua vez se apóia nos direitos fundamentais do cidadão, que são os direitos civis, políticos e sociais. Desses três direitos derivam tantos outros como, por exemplo, o direito a informação. (MORIGI; VANZ; GALDINO, 2002). Para tanto, vale lembrar que o direito a informação é assegurado a todo e qualquer cidadão, conforme a Constituição Brasileira de 1988, prescrito no Artigo 5º, inciso XIV. Portanto, conforme Leite (2004, p.60) o acesso a informação é um direito fundamentalíssimo, sendo condição para a própria sobrevivência humana e para o exercício
5 da cidadania e, no rol da titularidade desse direito, faz-se necessário salientar no âmago destas considerações, que também estão inclusos os detentos em estabelecimentos prisionais, de acordo com a Lei de Execução Penal. E ainda arremata a autora: Dessa forma, a aplicação da pena privativa de liberdade, apesar de limitar a liberdade de locomoção, não restringe o direito de acesso à informação, por não ser este afetado pela imposição da sanção penal. (LEITE, 2004, p. 60). 3 O PROFISSIONAL BIBLIOTECÁRIO EM BIBLIOTECAS PRISIONAIS O profissional bibliotecário é uma peça fundamental no desenvolvimento de uma biblioteca prisional devido seu conhecimento especializado na área. Trindade (2009) afirma que o bibliotecário tem a função de mediar à informação e de transmitir o conhecimento dentro da biblioteca e fora dela também. Trindade (2009) coloca ainda que para o bibliotecário desempenhar um bom trabalho no ambiente prisional ele deve se atenta as particularidades do ambiente e deve possuir algumas características como ser imparcial, ser paciente, ter equilíbrio emocional. O autor coloca ainda que dotado dessas características o profissional terá êxito no desenvolvimento de sua profissão. Para John (2004) o bibliotecário de presídios, no do Brasil, ainda é uma realidade distante, pois nos presídios brasileiros ainda se luta (ou não) para a disponibilização de materiais de leitura aos detentos. Diferente de outros países como a Espanha onde se discute a formação do bibliotecário que atue em prisões, ou seja, um bibliotecário capacitado para trabalhar dentro do ambiente prisional. A autora acima afirma que uma das grandes dificuldades do bibliotecário adentrar no ambiente prisional, é não ter o conhecimento da função que o profissional pode desenvolver nesses ambientes. A existência dessa barreira tem sido um grande entrave na relação biblioteca e usuário dentro do presídio. Já Eiras (2007) reforça a importância dessas particularidades do ambiente prisional, dizendo que o bibliotecário deve ser conhecedor dos propósitos e objetivos da instituição e como ela trabalha as dinâmicas da comunidade prisional.
6 Segundo Eiras (2007) o bibliotecário de um ambiente prisional se deparara com muitos desafios e também oportunidades dentro desse ambiente, onde segundo o autor, existe uma intervenção social muito forte. Eiras (2007, p. 5) ressalta que as bibliotecas prisionais são então um terreno propício ao reforço e definição do papel social do bibliotecário, enquanto elemento mediador e orientador no acesso à informação e ao conhecimento. O bibliotecário se torna um agente transformador na vida dos detentos, onde ele atua na tentativa de ressocializar o detento através da biblioteca e também das atividades desenvolvidas por ela que na sua maioria esta voltada para o retorno do individuo ao convívio social. Desse modo, o bibliotecário se torna uma peça fundamental no trabalho desenvolvido nas bibliotecas prisionais, para isso Trindade (2009) pontua a necessidade do profissional, dentro da sua formação acadêmica, incluir serviços de extensão, alfabetização, recursos multiculturais e também materiais de ensino para os indivíduos com alguma necessidade: física, psíquica ou judiciária. Com isso, Eiras (2007) afirma que o profissional deve, portanto, disponibilizar serviços específicos para criar e desenvolver uma biblioteca que sirva as necessidades de um grupo fechado mas bastante heterogêneo, com necessidades diferentes. O mesmo autor, ainda ressalta que muitos presidiários têm durante a sua permanência nos presídios as primeiras experiências como usuários de bibliotecas, pelo que começam a descobrir um novo mundo de vantagens, oportunidades e conhecimento. Assim sendo, pode-se observar a grande importância do bibliotecário dentro do ambiente prisional no desenvolvimento de suas habilidades em prol da melhoria de vida dos apenados, especificamente. Pois o profissional bibliotecário atua como mediador da informação e do conhecimento, mas acaba desenvolvendo outras funções, como observa Eiras (2007, p.5 ): Ao estar disponível para responder às necessidades dos reclusos, o bibliotecário pode ganhar uma grande importância no seu dia-a-dia, enquanto elemento compensador dos desequilíbrios resultantes da vivência prisional. Diante dessa convivência no ambiente prisional o bibliotecário deve ter algumas competências específicas que Eiras (2007) elenca como as mais necessárias para o profissional atuar nestes locais, a saber : Equilíbrio emocional;
7 Postura dinâmica; Boa cultura geral; Capacidade de adaptação (ambiente prisional); Boa comunicação oral; Conhecimentos de línguas (depende do país e do contexto); Capacidade de liderança e de supervisão (trabalho com reclusos); Interesse em trabalhar com a diversidade cultural, étnica e linguística; Gosto em trabalhar na educação de adultos; Criatividade; Sensibilidade e atenção; Capacidade inventiva e de abstração; Conhecimentos de Direito e de legislação penal. Com todas essas competências relacionadas à cima o bibliotecário acaba por se tornar um interventor social na vida dos apenados. De modo geral a biblioteca no ambiente prisional acaba sendo uma arma contra a desumanidade que assola nossos presídios, pois ela auxilia de forma eficaz na construção da cidadania do preso, especialmente, quando bem estruturada pelo o poder público e seus administradores. Contudo, podemos evidenciar a importância da atuação do profissional bibliotecário enquanto mediador e orientador do acesso a informação e ao conhecimento em bibliotecas prisionais, uma vez que suas atribuições profissionais tornam-se essenciais para que os trabalhos de educação, ressocialização e reitegração social dos presos, que deve ser o objetivo maior do sistema prisional, possam ser bem desenvolvidos por todos que almejam esse objetivo. CONSIDERAÇÕES FINAIS A biblioteca nos presídios tem como proposta a tentativa de uma reintegração social dos detentos através de atividades por ela desenvolvida no espaço prisional. Assim sendo, as bibliotecas prisionais podem ser caracterizadas como locais de oportunidades para os
8 apenados, onde entre outras atividades, eles têm acesso a educação, a leitura, ao convívio social com os outros presos e com profissionais que atuam nesses espaços de apoio educacional, em especial o bibliotecário, uma vez que cabe a este profissional da informação mediar na busca de informações e no processo de aquisição do conhecimento. Para tanto, corroborando com Trindade (2009) ao colocar que as penitenciárias devem ser um local onde se objetive de fato a tentativa de regeneração do detento, onde ele seja encorajado e ajudado a voltar a sociedade transformado e melhor informado através do conhecimento ali adquirido. No que se refere à importância da atuação do profissional bibliotecário nesses ambientes, afirmou-se que seu trabalho como mediador da informação dentro dos presídios, não é só importante, mais também necessário devido a facilidade de organizar e disseminar a informação e o conhecimento para a população carcerária. Sendo assim, diante de todas as contradições existentes entre bibliotecas e estabelecimentos prisionais podemos afirmar que o aceso a informação e a cidadania nesses espaços é possível, através da principalmente da atuação do profissional bibliotecário como um profissional mediador e orientador do acesso a informação e ao conhecimento em ambientes prisionais. REFERÊNCIAS BUENO, S. Minidicionário da Língua Portuguesa. São Paulo: FTD, 1995. CARVALHO, J. A importância da biblioteca nos presídios. 17 set. 2009. Disponível em: <http://professorjonathascarvalho.blogspof.com/2009/09/importancia-dabibliotecaprisao.html>. Acesso em: 12 jan. 2010. EIRAS, B. D. Uma janela para o mundo: bibliotecas e bibliotecários em meio prisional. In: CONGRESSO NACIONAL DE BAD, 9., 2007. Lisboa. Anais da Associação Portuguesa de Bibliotecários BAD. Disponível em: <http://www.slideshare.net./bruno.eiras/html>. Acesso em: 29 nov. 2009. FERREIRA, A. Direito a informação, direito à comunicação: direitos fundamentais na Constituição Brasileira. São Paulo: Celso Bastos Editor, 1997.
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