RETORNO DO APENADO AO MUNDO LIVRE

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Transcrição:

1 RETORNO DO APENADO AO MUNDO LIVRE CAMPANARI, Simone Doreto 1 RESUMO- Nos dias atuais são frequentes os discursos sobre a necessidade de penas mais severas no Brasil, sobre a diminuição da maioridade penal, entre outras vertentes que buscam o endurecimento da legislação penal pátria. Não obstante, pouco se debate sobre a efetiva ressociliação do apenado em face do sistema prisional falido e inoperante. Não se observa vontade política em, efetivamente, abranger aspectos sobre a modificação da estrutura do cárcere e dos males que ele representa para o aumento da criminalidade. O presente trabalho busca uma análise do reingresso social do apenado, dos estigmas e dificuldades deste ao retornar ao mundo livre. Para tanto, foi realizada pesquisa bibliográfica de renomados escritores e jurisconsultos de inegável saber jurídico. Palvras-chaves: Apenado, Cárcere, Reinserção. ABSTRACT- Nowadays there are frequent speeches about the need for more severe penalties in Brazil, on the reduction of criminal responsibility, among other aspects that seek hardening of criminal legislation homeland. Nevertheless, little is debate about effective ressociliação the convict in the face of the failed and deadly prison system. Not observed political will to effectively cover aspects on the modification of the structure of the prison and the evils it is for the increase in crime. The present work analyzes the social reentry of the convict, the stigma and difficulties of returning to the free world. To do so, bibliographic research of renowned writers and jurists undeniable legal knowledge was held. Keywords: Prisoner, Convict, Prison Rehabilitation. 1 Sociedade Cultural e Educacional de Garça Garça/SP Brasil campanari@terra.com.br

2 INTRODUÇÃO Apanhamentos do surgimento da prisão, das transformações da maneira de punir via poder disciplinar, dos mecanismos desse poder, inclusive alguns aspectos do modo de atuar da equipe dirigente da instituição - prisão, da vida e do sentimento do apenado, do trabalho na prisão, da duração da pena e da reincidência, foram temas estudados para a abordagem da análise da situação do preso ao retornar à vida livre, tema central do presente trabalho. A questão do retorno do apenado ao mundo livre apresentado nesse trabalho, busca dissertar sobre o tratamento do apenado, a sua degradação quando inicia o cumprimento da pena privativa de liberdade e seu término, ou seja, o retorno ao mundo livre e a inobservância da legislação penal brasileira. Para tanto, foi realizada a pesquisa bibliográfica de autores renomados que se debruçaram no contexto deste trabalho. 1. DO TRATAMENTO DO APENADO Os conceitos de tratamento, denominados de ressocialização, reintegração, reeducação, são todos similares e supõem uma manipulação da personalidade que restringe a liberdade dos ex-presidiários de dirigir seus próprios atos. Caracterizam a imposição de uma classe social sobre a outra. A classe dominante usa a legislação como instrumento de controle de poder, impondo comportamentos às pessoas de menor poder aquisitivo, de acordo com os seus interesses não confessados. E como bem leciona Giacoia: Nessa linha, a ideologia penal da ressocialização não passa de uma falsa imposição de conduta aos desfavorecidos economicamente, os verdadeiros clientes do sistema penal- penitenciário ( 2001, p.179). Os institutos de detenção demonstram que vão ao encontro da não- reeducação, da não reinserção do condenado e da estável inserção na população criminosa.

3 É a prisão contrária a todo moderno ideal educativo, porque este promove a individualidade, auto-respeito do cidadão, alimentado pelo respeito que o educador tem por ele. 1.2. DEGRADAÇÃO DESDE O INÍCIO DO CUMPRIMENTO DA PENA PRIVATIVA DE LIBERDADE Verifica-se que desde o ingresso no cárcere os detentos passam por cerimônias de degradação, afastando-se desde logo de possível ressocialização, pois se submetem ao posicionamento contundente das autoridades que forçam, inexoravemente, ao esquecimento do mundo livre. Como bem focalizou Goffman (1.999) o encarcerado é despojado até dos símbolos exteriores da própria autonomia (vestuários, objetos pessoais, etc.), o que impossibilita qualquer referencial de educação e possibilidade de poder conviver em sociedade depois de libertado. A educação promove o sentimento de liberdade e de espontaneidade do indivíduo. A vida na prisão, como universo disciplinar, tem caráter repressivo e uniformizante, jamais educativo. Para Foucault, é falacioso dizer que a prisão esteve desde a sua origem direcionada a transformar o indivíduo; ele assevera que isso não é verdade, pois, basta verificar os textos, os programas, as declarações de intenção, e diz: Desde 1.820 se constata que a prisão, longe de transformar os criminosos em gente honesta, serve apenas para fabricar novos criminosos ou para afundá-los ainda mais na criminalidade. Foi então que houve, como sempre nos mecanismos de poder, uma utilização estratégica daquilo que era um inconveniente. A prisão fabrica delinquentes, mas os delinquentes são úteis tanto no domínio econômico como no político(...). (1998, p.132) A realidade demonstra que a utilização indiscriminada da pena privativa de liberdade, torna praticamente impossível a obtenção de algum sucesso que permita reabilitar o recluso. O sistema penal é desprovido de recursos materiais e humanos, sem chances de individualizar tratamento; sua política é totalmente incongruente.

4 Ao se examinar os efeitos negativos do encarceramento sobre a psique dos condenados e a correlação desses efeitos com a duração daquele, o que se verifica é que parece não existir a possibilidade de transformar um delinquente: uma vez delinquente, sempre delinquente. A sensação de perda que sente o apenado desde a sua admissão na instituição total, do eu mortificado, do tempo perdido de permanência na prisão, das perdas de contatos sociais e até impossibilidade de adquirir coisas que possam ser transferidas para fora dos muros, enfim, toda essa dificuldade encontrada na vida de um condenado parece não ter fim, não cessa. A repressão sentida e vivida pelos prisioneiros alastra-se até mesmo quando chega a hora da tão sonhada liberdade. 2. DA LIBERDADE Evidentemente, num primeiro momento, apesar de certa angústia e medo de regressar na sociedade, o ex-internado vive momentos de glórias: caminhar para qualquer direção, sentir ar fresco, falar quando e com quem deseja, fazer um lanche solitário, não ter a determinação de horário, etc.; mas depois percebe que a vida que tinha antes da prisão não é mais a mesma, ela se perdeu. A vida do condenado passa a ser um nada, vazia, sem referencial positivo; apenas latentes são os sentimentos e experiências adquiridos na prisão em contraste enorme com mundo livre, somados com o preconceito da sociedade. Goffman, apresenta quanto à angústia da liberação a seguinte explicação: (..) que o indivíduo não está disposto ou está muito doente para reassumir as responsabilidades das quais se livrou através da instituição total (...). Um fator que tende a ser mais importante é a desculturação, a perda ou impossibilidade de adquirir os hábitos atualmente exigidos na sociedade mais ampla. ( 1.999, p. 68). Outro fator apontado pelo autor é o estigma. De volta ao mundo exterior, o excondenado tem uma recepção fria e tende a sentir isso no momento em que procura um emprego ou um lugar para viver. Mesmo se encontrando em liberdade ele pode se sentir aprisionado.

5 A estigmatização do ex- presidiário estende-se aos seus familiares e às pessoas do seu meio de modo geral. O seu retorno à sociedade é cercado de relações de prevenções; não consegue trabalho estável; sai da prisão, geralmente, menos hábil do que entrou; sem caminhos, acaba a aumentar a lista dos desocupados e dos bandidos; pelo afastamento de seu meio social, o sentenciado, quase sempre, sofre uma desadaptação que não consegue conviver na sociedade. Contribui para esse fato, também, por ter tido no isolamento uma vida bem diferente. Sobre a Reforma da Prisão assevera Foucault: A prisão fabrica indiretamente delinquentes ao fazer cair na miséria a família do detento: a mesma ordem que manda para a prisão o chefe da família, reduz a cada dia a mãe à penúria e os filhos ao abandono; a família inteira à vagabundagem e à mediocridade. Sob esse ponto de vista, o crime ameaça perpetuar-se. (apud Charles Lucas, p. 236). Não há um caminho, não uma preparação para o reingresso do apenado na sociedade. Os danos que a prisão causa são totalmente incompatíveis com a ressocialização do apenado. Incompatíveis porque, além dos fatos já elencados, estando o indivíduo encarcerado, ele está desprovido dos laços familiares e de outros vínculos humanos: a ociosidade, a superlotação, a convivência é promiscua e anormal; os ataques sexuais sofridos - mesmo o homossexual é violentado, e os que não são, além da violência, estão obrigados a passar por essa experiência; as drogas estão presentes, além da fabricação e uso de bebidas alcoólicas; não tem escolha, fica refém ou se alia aos grupos organizados; seu trabalho é escravo ou mediante irrisória remuneração; obedece à lei do silêncio; fabrica armas; prática de jogos; participa de esquemas de fugas, motins e rebeliões; a saúde do detento também é sacrificada, seja pelas perturbações mentais, psicoses carcerárias e outros males morais e físicos. De acordo com o mestre Giacoia, quanto aos males ocasionados pela prisão, elenca: Sociais - Incapacidade de socializar-se e conviver com a família (choques de opiniões e dissoluções conjugais, falta de adaptação com os filhos). Ao sair da prisão, carrega consigo o rótulo de ex-presidiário, o que dificulta conseguir

6 trabalhar honestamente. A segregação sofrida só o afasta do mundo livre, fazendo-o aproximar do mundo criminoso ( 2001, p.305). Somado a tudo isso há a incompreensão dos textos legais, por ser o oposto da realidade, conforme abaixo dissertado. 3. INOBSERVÂNCIA DA LEGISLAÇÃO O Brasil é signatário, inclusive, de tratados supra-nacionais, como a Convenção Americana de Direitos Humanos (Pacto de San José da Costa Rica); o Pacto Internacional sobre os Direitos Civis e Políticos; a Declaração Americana dos Direitos e Deveres do Homem; a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão de 1789, entre outros. Infraconstitucionalmente tem-se, principalmente, a Lei da Execução Penal (LEP), que contém várias disposições concernentes aos encarcerados, veja-se seu artigo 10 e 11( BRASIL.2014, p.690): Art. 10. A assistência ao preso e ao internado é dever do Estado, objetivando prevenir o crime e orientar o retorno à convivência em sociedade. Parágrafo único. A assistência estende-se ao egresso. Art. 11. A assistência será: I - material; II - à saúde; III -jurídica; IV - educacional; V - social; VI - religiosa. Estabelece-se ainda a citada Lei em seu art. 28, o trabalho do condenado como dever social e condição de dignidade, tendo finalidade educativa e produtiva, servindo, ainda, como forma de remição da pena, ou seja, para cada três dias de trabalho um dia do tempo de execução da pena é subtraído (BRASIL. 2014). As legislações são calcadas nas reais necessidades dos condenados: contemplam seus direitos e garantias fundamentais, abrangem um programa de ocupação de seu tempo, através de atividades culturais, de trabalho e de educação, visando sempre a reinserção do mesmo na sociedade ao final do cumprimento de sua pena. Portanto, o problema não está na lei.

7 Sobre tal aspecto, assevera o Mestre Giacoia que, praticamente todos os Códigos Penais de hoje expressam a reinserção social como objetivo da pena privativa de liberdade, mas na prática o sistema persiste impiedoso e repressivo: A prisão ainda significa pouca coisa além do castigo. Os estabelecimentos fechados exercem efeito contrário à reeducação e à reinserção do condenado; a prisão é contrária a todo ideal moderno educativo. É um verdadeiro contra-senso querer instituir nas prisões um tratamento de terapia ( ressocialização) ao lado da repressão, violência, maus tratos e desrespeito à dignidade humana (2.002.p.178). As doutrinas da resistência pacífica, nos dias de hoje, contra a violência, pautam-se não na religião ou na ética e, sim, na política, pelo menos em duas direções, como salienta Bobbio: ao se tomar consciência do fato de que o uso de certos meios prejudica a obtenção do fim, o emprego de meios não violentos se torna politicamente mais produtivo, pelo fato de que somente uma sociedade que nasce da violência não poderá dispensar a violência se quer se conservar; o que em outras palavras significa que a não-violência serve melhor à obtenção do fim último (ao qual tende também o revolucionário que usa a violência), isto é, uma sociedade mais livre e mais justa, sem opressores e oprimidos, do que a violência. Diante das dimensões cada vez mais gigantescas da violência institucionalizada e organizada, e da sua enorme capacidade destruidora, a prática da não-violência é talvez a única forma de pressão que sirva para, em última instância, modificar as relações de poder. (1992, p.187). Dessa forma, pensar que a maior repressão aos criminosos vai afastar criminalidade, no moldes como se encontram o sistema carcerário no Brasil, trata-se de um grande equívoco, em verdade, só tem-se é aumento da criminalidade. CONSIDERAÇÕES FINAIS É forçoso concluir que a pena privativa de liberdade não priva só a liberdade, seus males atingem o físico, o psicológico, a família, o meio social do apenado e mais, ela contribui para a corrupção, para as organizações criminosas, para violência dentro e fora do cárcere e, por conseguinte, atinge a sociedade como um todo.

8 Tais fatos demonstram que a privação da liberdade não é medida que possibilita a correção, recuperação ou ressocialização do preso; pelo contrário, ela faz é pervertê-los, ela os coloca frente a uma escola, a escola do crime. Logo, a sociedade que clama pela segurança, pela não violência, é refém desse sistema que, incompreensivelmente, ela mesma o fomenta. Por mais desalentador que seja todo o contexto que envolve o sistema prisional, há de fato que se seguir lutando para melhorá-lo e humanizá-lo, mesmo que não se chegue à almejada ressocialização, mas pelo menos, todos, seja o Estado, sejam os profissionais do direito, seja a sociedade como um todo, tenham a obrigação de lutar para que esse sistema funcione pelo menos ao nível de assegurar ao encarcerado que, após cumprida sua pena, encontre condições não piores do que aquelas quando ingressou.

9 REFERÊNCIAS BOBBIO, NORBERTO. A Era dos Direitos; 10 ed., Rio de Janeiro: Campus, 1992. BRASIL, Lei nº 7210 de 11 de julho de 1984. Lei de Execução Penal. São Paulo: Método, 2014. GOFFMAN, ERVING. Manicômios, Prisões e Conventos. 5ª ed, São Paulo: Perspectiva, 1999. FOUCAULT, MICHEL. Vigiar e Punir. 17ª ed., Rio de Janeiro: Editora Vozes, 1998. GIOACOIA, GILBERTO ; Histórico Luso Brasileiro e Perspectivas Criminológicas da Reação Penal.; 2.001. 2v. Pesquisa (Pós-doutorado) Universidade de Coimbra Faculdade de Direito, 2001.