MALÁRIA QUARTA NO ESTADO DE S. PAULO

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Transcrição:

REVISTA DE MEDICINA DEZEMBRO, 1945 515 FACULDADE DE MEDICINA DE S. PAULO CADEIRA DE MOLÉSTIAS TROPICAIS E INPECTUOSAS Serviço do Prof. Celestino Bourroul ( MALÁRIA QUARTA NO ESTADO DE S. PAULO Apresentação de 2 casos GASTÃO ROSENFELD Assistente extranumerário "Alem da relação que publicamos em trabalho anterior (1) foram «comunicados mais sete casos de malária quarta no Estado de S. Paulo, cinco por Schiavi (3) e dois por Oliveira Lima & Lima (4) todos do litoral norte. São portanto conhecidos vinte e dois casos autóctones deste Estado alem de outros dois originários de zonas limítrofes. Os dois novos que aqui relatamos elevam esse número para vinte e quatro. i Dos casos que ora apresentamos, além do interesse para a estatística dessa forma de mal4ria, um deles tem particularidades clínicas que talvez contribuam para esclarecer as razões pelas quais a malária quarta consegue se manter apesar de encontrada muito raramente. E' sabido que esta forma de malária é bem rara na nossa região e torna-se pouco compreensivel como não é interrompido o ciclo epidemiológico. Nos comentários feitos ao ser apresentado o nosso caso anterior, para explicar esse fenômeno, Renato Corrêa (2), aventou a hipótese de que deveria haver casos clinicamente inaparentes que manteriam a infecção dos anofelineos. U m dos nossos doentes é um exemplo que vem servir de apoio a essa hipótese. CASO 1 <*) A. R., doente enviado pelo Dr. Brigagão. Tinha cerca de 30 anos, era branco e motorista de caminhão, residia em S. Paulo (Capital). Fazia freqüentes viagens pelo interior do Estado transportando mer- (*) Comunicado à Secção de Higiene e Medicina Tropical da Associação Paulista de Medicina em 4/12/1944.

516 REVISTA DE MEDICINA DEZEMBRO, 1945 cadorias. Desde Junho de 1944 (6 meses atraz) sentia dores epigástricas às vezes sob a forma de eólicas tão intensas que o obrigavam' a parar o caminhão. Foi suspeitado um mal gástrico. As dores tornaram-se cada vez mais freqüentes e acentuadas. Há algum tempo notaram que o baço era palpável e por isso foi feita uma pesquisa de hematozoários e diante da negatividade do exame e ausência de febre foram feitas reações sorológicas para lues; apesar de negativas foi feito tratamento com bismuto. O doente não melhorou, procurou er#~ tão o clínico que nos enviou o paciente para fazer exames que esclarecessem a etiologia da esplenomegalia. O paciente era forte, corado, dado ao uso de bebidas alcoólicas, apresentava a região epigástrica,. baço e fígado dolorosos à palpação. Exames de Laboratório - A punção do baço, que passava 2 cms. do rebordo costal, mosjtrou um número muito elevado de histiocitos e menor de monocitos. Suspeitada então uma malária, foi feito exame particularmente cuidadoso do; material do baço e dos esfregaçosdo sangue periférico. Este último mostrou raros gametocitos e raríssimos esquizontes com os caracteres morfológicos de Plasmodium malariae, não havia aumento das dimensões das hemácias nem presença de granulações de Schuffner. Interrogado minuciosamente após o esclarecimento do diagnóstico, o doente revelou que em Fevereiro de 1944 fizera algumas viagens em serviço, à Santos e Itanhaem na Praia Grande, dias depois teve moléstia febril curta e sem características especiais que desapareceu facilmente; segundo o doente era gripe. Nunca mais teve febre e 4 meses depois apareceram as dores epigástricas. CASO 2 H. L, japonez, doente enviado pelo Prof. Celestino Bourroul. Há anos residia nó Estado de S. Paulo nas proximidades de Ourinhos. Em abril de 1945 adoeceu com acessos febris precedidos de calafrios,, fez tratamento antimalárico e melhorou, porem como não se sentisse curado veiu a esta Capital afim dè tratar-se melhor. Exames de Laboratório Um mez depois do inicio da moléstia fizemos a pesquisa de hematozoários no. sangue periférico, encontramos nos esfregaços numerosos trofozoitos, esquizontes e formas em divisão com os caracteres morfológicos do Plasmodium malariae, não havia em nenhuma forma, aumento das dimensões das hemácias nem encontramos granulações de Schuffner. COMENTÁRIOS Discutiremos somente o caso n. 1, pois que o outro não apresentava nenhuma particularidade interessante.

REVISTA DE MEDICINA DEZEMBRO, 1945 51T O nosso doente apresentava um quadro clínico pouco comum que não lembrava o diagnóstico de malária, e tinha gametocitos no sangue circulante. No ponto de vista epidemiológico era um reservatório clinicamente inaparente de malária quarta. Comprova portanto que a raridade dessa forma de moléstia é também devida a casos que passam desapercebidos e isto explica, em parte, como pode manter-se o ciclo epidemiológico com poucos casos reconhecidos. Talvez se possa emitir a hipótese que essa forma clinicamente frusta ou latente foi devida a uma infecção inicial pouco abundante que permitiu uma maior imunisação. Portadores como esse provavelmente infectam poucos anofelineos por terem muito poucos parasitas, e esse n. reduzido de mosquitos infectados resultaria em poucas probabilidades de que outros indivíduos contraiam infecções massiças. Estabelece-se assim um círculo vicioso de infecções fracas devido à existência de poucos mosquitos parasitados e assim por diante. E' interesante notar que mesmo depois de feito o diagnóstico as pesquisas cuidadosas feitas nos esfregaços do. material esplênico mostraram apenas 1 parasita (gametocito), ausência de pigmento palúdico nos histiocitos e monocitos que eram abundantes, em contraste com o sangue periférico que era menos pobre em plasmodios. E' de observar que existia esse contraste sem ter sido praticada esplenocontração pela adrenalina, que aliás segundo nossa experiência não aumenta a probabilidade de diagnóstico nos casos crônicos. LITERATURA 1) Rosenfeld, G. Malária Quarta^ Rev. Clinica de S. Paulo, 16: 233-234, 1944. 2) Rosenfeld, G. Mialária Quarta, comentários e relato de um caso,.. Comunicação à Secção de Higiene e Medicina Tropical da Associação Paulista de Medicina em 9 de novembro de 1944. 3) Schiavi, A. Mais cinco casos de Plasmodium malariae do litoral norte do Estado de S. Paulo, Comunicação à Secção de Higiene e Medicina Tropical da Associação Paulista de Medicina em 4 de setembro de 1945. 4) Oliveira Lima, F & Lima, H. A. Dois casos de malária quarta, da Ilha Bela, Comunicação à Secção de Higiene e Medicina Tropical da Associação Paulista de Medicina em 4 de setembro de 1945..

618 REVISTA DE MEDICINA DEZEMBRO, 1945 O dr. Lyra júnior, Cirurgião Dentista e Protético, usa em sua Clínica de Dentaduras, os famosos dentes "True-Blend" do dr. Myerson, podendo proporcionar trabalhos com a graça, beleza e naturalidade dos dentes desta moça. - RUA MARCONI, 31 - # - apto. 410 - Tel. 4-7577 1-

Faculdade de Medicina - % P auu) TÍTULO JLâ45 12. ANO VOL.

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