CUIDAR EM ENFERMAGEM PERCEPÇÃO DOS UTENTES



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Transcrição:

358 CUIDAR EM ENFERMAGEM PERCEPÇÃO DOS UTENTES Mónica Alexandra Gonçalves Ferreira Aluna da Licenciatura em Enfermagem Escola de Ciências da Saúde Unidade de Ponte de Lima UFP 15641@ufp.pt Manuela Pontes Mestre Assistente Faculdade Ciências da Saúde UFP mpontes@ufp.edu.pt Nuno Ferreira Mestre Enfermeiro Centro Hospitalar Alto Ave Fafe fnunopt80@gmail.com como referenciar este artigo: FERREIRA, Mónica Alexandra Gonçalves ; PONTES, Manuela ; FERREIRA, Nuno - Cuidar em enfermagem percepção dos utentes. Revista da Faculdade de Ciências da Saúde. Porto : Edições Universidade Fernando Pessoa. ISSN 1646-0480. 6 (2009) 358-366.

359 RESUMO O objectivo principal do estudo foi conhecer a percepção dos utentes sobre os cuidados de Enfermagem que lhes foram prestados numa situação de internamento. Para tal, foram entrevistados 8 utentes (com idades referentes a população adulta e idosa) que frequentavam as Consultas Externas de um Hospital do Distrito de Braga, da Sub-Região de Saúde de Braga. Assim, foi possível verificar que a percepção dos utentes remete de forma determinante para o domínio relacional (relação de ajuda), havendo também referência ao domínio técnico-científico. Palavras-chave Enfermagem, Tratar, Cuidar, Utentes, Relação de Ajuda ABSTRACT The main goal of the study was to know the perception of patients on the nursing care that had been rendered to them in an internment situation. With that purpose, eight outpatients (with ages ranging from adults to elderly), that attended the External Consultations of a Hospital in Braga s District, of the Health Sub-Region of Braga, were interviewed. It was thus possible to verify that the perception of outpatients forwards, in a determining way, to the relational domain (aid relationship), but refers to the technical-scientific domain as well. Keywords Nursing, Treat, Care, Patients, Aid Relationship.

360 1. INTRODUÇÃO Cuidar existe desde o início da humanidade, uma vez que é imprescindível para manter e sustentar a Vida do Ser Humano. Considera-se que foi esta actividade inata que esteve na origem da profissão de Enfermagem. Actualmente, a Enfermagem é entendida como uma ciência e uma arte, a arte de Cuidar, englobando cuidados técnicos, científicos e humanos, baseados na relação interpessoal. A sua essência são os cuidados às pessoas, integrados num modelo holístico, em que a pessoa é um todo não podendo ser dissociada em partes. Deste modo, o objectivo principal do presente estudo foi conhecer a percepção dos utentes sobre os cuidados de Enfermagem que lhes foram prestados numa situação de internamento. 1.1. EVOLUÇÃO DOS CUIDADOS DE ENFERMAGEM Desde o início da história da Humanidade que o cuidar é imperativo no sentido de garantir a continuidade da vida do grupo e da espécie. Ao longo dos tempos o cuidar esteve implícito ao Ser Humano inserido numa comunidade (Collière, 1999). Assim, compreende-se que, ( ) durante milhares de anos, os cuidados não pertenciam a um ofício, menos ainda a uma profissão (Collière, 1999, p. 27). Cuidar, dizia respeito a qualquer pessoa que ajudava outra a garantir o que lhe era necessário para continuar a vida, a vida do grupo e da espécie; sendo este o fundamento de todos os cuidados (Collière, 1999). Ao longo dos tempos, a prestação de cuidados/cuidar era associado à mulher; é ela que dá à luz, é ela que tem o encargo de tomar conta de tudo o que mantém a vida quotidiana (Collière, 1999, p. 40). A partir da Idade Média, a identificação da prática de cuidados alterase, passando estes a ser desempenhados pela mulher consagrada. A mulher consagrada, que presta cuidados, renuncia ao mundo e dedica toda a sua vida a Deus, à Igreja, aos pobres, aos humildes, aos indigentes (Collière, 1999). Com o passar dos tempos, verifica-se a dessacralização progressiva do poder político e a separação da Igreja do Estado (verificado no fim do século XIX e na primeira metade do século XX), assistindo-se à construção do papel da mulher enfermeira. Esta assenta a sua prática num papel moral e num papel técnico, com Florence Nightingale (Collière, 1999). Florence Nightingale (finais do século XIX) determina todo o rumo da enfermagem, com a profissionalização da mesma. Segundo Cruz et al. (2005, p. 51), Florence Nightingale (1820-1910) representa o fim da actividade de enfermagem empírica e exclusivamente vocacional. A ela se deve a profissionalização da enfermagem ( ) organização da profissão, a educação formal das enfermeiras.

1.2. O CUIDAR E A ENFERMAGEM 361 O Cuidar, nos dias de hoje, é reconhecido como a essência, o núcleo da Enfermagem (Festas, 1999). De acordo com Roach (cit. in Festas, 1999, p. 63), ( ) a enfermagem nasceu do Cuidar, organizou-se para Cuidar e profissionalizou-se através do Cuidar. E, é nesta linha de pensamento que a Enfermagem tem vindo a sustentar a sua prática para ( ) um modelo holístico, subjectivo, interactivo, humanista e orientado para a experiência única de cada pessoa (Moniz, 2003, p. 29). Cuidar em Enfermagem pressupõe um Cuidar científico/profissional, baseado na disciplina de Enfermagem e mais orientado para o que é feito com ou em nome da pessoa e menos para o que é feito à mesma ou para ela. Isto, porque cada pessoa é um ser único, com as suas histórias e experiências de vida. E, é nesta perspectiva que o Cuidar poderá ser caracterizado ( ) como um verdadeiro encontro com o outro, um estar disponível para o outro numa relação de proximidade e de ajuda, que se evidencia por abertura, compreensão e confiança (Moniz, 2003, p. 26). De acordo com Pacheco (2002, p. 34), para Cuidar é necessário ter-se sempre presente a competência técnica e a sensibilidade afectiva, pois O verdadeiro cuidar não implica desvalorizar a ciência e a técnica mas, pelo contrário, utilizá-las para prestar cuidados globais à pessoa, não menosprezando nunca nenhumas das necessidades do doente, incluindo aquelas para as quais se torna necessário a intervenção técnica. Assim, pode-se considerar que os enfermeiros intervêm de duas formas, uma mais técnica, relacionada com o tratamento Tratar, e outra mais expressiva, humana e preocupada com a pessoa como ser holístico Cuidar (Valadas, 2005). Percebe-se assim que, Cuidar e Tratar são atitudes distintas mas intrínsecas ao exercício profissional dos enfermeiros (Valadas, 2005; Pacheco, 2002). Quem pretende prestar cuidados de Enfermagem holísticos e humanísticos, deve ser capaz de Cuidar e Tratar simultaneamente, sendo que ( ) a principal preocupação é a pessoa doente, sempre tida em conta como ser único e insubstituível ( ) (Pacheco, 2002, p. 32). 1.2.1. O PRESTADOR E O RECEPTOR DE CUIDADOS DE ENFERMAGEM: ENFERMEIRO E UTENTE Ser prestador de cuidados implica por em prática toda a dimensão humana de quem cuida e de quem é cuidado. Exige preocupação, respeito pelo outro e cuidar a pessoa na sua singularidade (Hesbeen, 2001). Os enfermeiros, enquanto prestadores de cuidados, são seres com qualidades especiais, que se dedicam às pessoas, com a intenção de as ajudar, orientar e auxiliar nas situações de vida próprias. Segundo Hesbeen (2001, pp. 34, 35), os enfermeiros são profissionais que cuidam a pessoa em toda a sua globalidade e complexidade,

362 ( ) cuja arte é complexa, subtil e enraizada num profissionalismo que não se manifesta apenas através dos actos praticados mas também através da capacidade de ir ao encontro dos outros e de caminhar com eles para conseguirem uma saúde melhor. É nesta ordem de ideias, que de acordo com o artigo 4º do Decreto-lei nº. 161/96 de 4 de Setembro, os enfermeiros são considerados profissionais habilitados ( ) com um curso de enfermagem legalmente reconhecido, a quem foi atribuído um titulo profissional que lhe reconhece competência científica, técnica e humana para a prestação de cuidados de enfermagem gerais ao individuo, família, grupos e comunidade, aos níveis da prevenção primária, secundária e terciária. Assim, depreende-se que o Cuidar em Enfermagem tem a sua expressão na relação interpessoal estabelecida entre o enfermeiro e a pessoa, sendo esta interacção a responsável pela compreensão do outro na sua singularidade (Moniz, 2003). Cuidar de pessoas, centra-se num todo coerente e indivisível, onde todas as dimensões se relacionam e o que é importante e secundário para cada pessoa cuidada, depende da sua percepção, das suas vivências, do sentido que esse todo faz na sua vida (Hesbeen, 2001). Deste modo, as expectativas face aos cuidados de Enfermagem variam de pessoa para pessoa, uma vez que são influenciadas por factores sociais, educacionais, culturais e espirituais, correspondentes à identidade de cada um (Marques, 2000). Conclui-se que para se prestar cuidados individuais, holísticos e de qualidade torna-se necessário compreender a pessoa no seu todo, em toda a sua dimensão humana, acedendo a todas as suas expectativas (Pestana et al., 2004). 1.3. A RELAÇÃO DE AJUDA NO CUIDAR EM ENFERMAGEM A relação de ajuda assume-se como indispensável na prestação de cuidados de Enfermagem, sendo considerada um instrumento válido e útil para os mesmos (Mendes, 2006). O exercício profissional de Enfermagem é caracterizado pela relação interpessoal, relação humana estabelecida entre o enfermeiro e a pessoa cuidada (Mendes, 2006). É nesta vertente humanista que a relação de ajuda com o outro é primordial, uma vez que a mesma para além de auxiliar na cura contribui para a auto-realização da pessoa cuidada (Phaneuf, 2005). Deste modo e, para se estabelecer uma verdadeira relação de ajuda com a pessoa, o enfermeiro deve dar atenção à pessoa na sua totalidade, atendendo às características biológicas, cognitivas, emocionais, sociais e espirituais. Quando uma componente da pessoa é perturbada, a totalidade da mesma é afectada (Chalifour, 2008). De acordo com Saraiva (2008) a ajuda do enfermeiro deve basear-se em três pontos-chave: a verdadeira escuta, que permite acolher a palavra do outro, proporcionando ao enfermeiro a identificação das necessidades expressas quer verbalmente quer não verbalmente; a empatia, que implica ser capaz de compreender o outro, de se colocar no seu lugar, sabendo no entanto manter a distância que permite a relação terapêutica e a congruência, que implica que o enfermeiro deve ser autêntico e ele próprio.

Para dar cumprimento a estes pontos-chave, o enfermeiro deve demonstrar presença física e humana, disponibilidade para desta forma aceder à totalidade da pessoa (Saraiva, 2008). Uma vez conseguida, a relação de ajuda permite que as pessoas ultrapassem de uma forma melhor os seus problemas, sendo este um dos seus grandes objectivos (Melo, 2008). 363 2. METODOLOGIA A compreensão profunda e minuciosa, referente à percepção dos utentes face aos cuidados de Enfermagem, só foi possível através de um estudo qualitativo fenomenológico, com apoio numa abordagem quantitativa descritiva simples que facilitou a visualização da frequência com que os participantes no estudo referiram os conteúdos inerentes ao problema em estudo. Para tal, utilizou-se como método de recolha de dados a entrevista semi-estrutura e como instrumentos o guião de entrevista e o gravador de voz. Para selecção do grupo em estudo optou-se por um processo de amostragem não probabilístico, acidental e intencional do qual se obteve uma amostra de oito (8) participantes. Neste sentido foram entrevistadas 8 pessoas (com idades referentes a população adulta e idosa) que frequentavam as Consultas Externas de um Hospital do Distrito de Braga, presentes no dia 30/12/2008, disponíveis a participar no estudo e que obedeceram aos seguintes critérios de inclusão: utentes cuidados por enfermeiros em situação de internamento, que não tinham formação profissional e/ou académica na área da saúde, maiores de 18 anos, independentes nas Actividades de Vida Diária, conscientes e orientados no tempo e no espaço. 3. ANÁLISE E DISCUSSÃO DOS RESULTADOS Relativamente aos dados qualitativos, após análise de conteúdo, emergiram cinco categorias que foram: noção de cuidados prestados por Enfermeiros, referencia acerca da qualidade dos cuidados, aspectos mais valorizados nos cuidados de Enfermagem, experiências positivas e experiências negativas face aos cuidados prestados no internamento. As categorias foram estruturadas a partir das expressões dos participantes em que os resultados foram os seguintes: Quadro 1. Análise de conteúdo referente à categoria noção de cuidados prestados por Enfermeiros. Categoria: Noção de cuidados prestados por Enfermeiros Unidade de Registo Unidade de Contexto Score Tomar Conta O trabalho dos enfermeiros ( ) é olhar pelos doentes. (E1, Q1, L1,2) Cuidar dos doentes ( ) olhar por eles (E5, Q1, L1,2) 6 Cuidados Quotidianos e Habituais Ajudavam-me a levantar ( ) (E2, Q1, L2) Os enfermeiros prestam o apoio ( ) a nível da ( ) da alimentação, da higiene. (E4, Q1, L1,2,3) Ajudavam-me, se eu não pudesse vestir-me, vestiam-me e lavavam-me se fosse preciso. (E7, Q2, L3,4) 3 Competências Técnico/Científicas Curativos, manutenção do estado do doente, a medicação, se os tratamentos estão a ser correctos. (E8, Q1, L1,2) 6 Tomar conta representa um acto de vida indispensável para que a vida continue, tal como o Cuidar, que se assume como ( ) um acto de reciprocidade que somos levados a prestar a toda a pessoa que temporariamente ou definitivamente, tem necessidade de ajuda para assumir as suas necessidades vitais (Collière, 1999, p. 235). Os cuidados de Enfermagem para

364 os utentes, centram-se nos cuidados quotidianos e habituais, que são os cuidados associados às funções de manutenção, de continuidade da vida, representando um conjunto de actividades como o beber, comer, lavar-se, levantar-se. Estes cuidados têm como objectivo ajudar as pessoas a manterem a saúde, a vida, o conforto (Collière, 1999; Pacheco, 2002). Os cuidados quotidianos e habituais vão de encontro à satisfação das necessidades básicas, mais concretamente das necessidades fisiológicas (Maslow, cit. in Chalifour, 2008). Relativamente às competências técnico/científicas, de acordo com o artigo 4º do Decreto-Lei nº. 161/96 de 4 de Setembro, os enfermeiros são profissionais a quem são reconhecidas competências técnicas e científicas. Quadro 2. Análise de conteúdo referente à categoria referencia acerca da qualidade dos cuidados. Categoria: Referência acerca da qualidade dos cuidados Unidade de Registo Unidade de Contexto Score Bom Os cuidados sempre foram bons (..) (E1, Q2, L1) Considero que foram bons. (E8, Q2, L1) 6 Muito Bom Os cuidados foram muito bons ( ) (E2, Q2, L1) Foram muito bons. (E3, Q2, L1) 2 Para os utentes os cuidados, de um modo geral, foram bons e muito bons. Colaço e Transmontano (2003) defendem que a qualidade centra-se na satisfação das necessidades e expectativas dos utentes. Quando as necessidades de saúde dos utentes ficam satisfeitas, os mesmos têm a percepção de que foram bem cuidados (Riley, 2004). É de salientar também que bons cuidados significam coisas diferentes para diferentes pessoas (Ordem dos Enfermeiros, 2003). A avaliação da qualidade dos cuidados também passou pela justificação da mesma. Assim, após análise de conteúdo verificou-se que a justificação dada pelos utentes remetia para o que eles mais valorizavam nos cuidados de Enfermagem e para as suas experiências positivas. Quadro 3. Análise de conteúdo referente à categoria aspectos mais valorizados nos cuidados de Enfermagem. Categoria: Aspectos mais valorizados nos cuidados de Enfermagem Sub Categoria Unidade de Registo Unidade de Contexto Score Relação de Empatia ( ) a preocupação que eles tem com os doentes, o facto de estarem sempre a perguntar se estava bem, se me sentia bem ( ) (E8, Q2, L2,3,4,5) 8 Relação de Ajuda Comunicação ( ) falavam comigo para eu melhorar ( ) (E6, Q3, L3,4) 4 Disponibilidade de Ajudar Estavam sempre disponíveis, se precisasse de alguma coisa fosse às 4h, às 6h ( ) (E3, Q3, L3,4) ( ) tocava à campainha e era logo atendido à primeira ( ) (E6, Q2, L2) 9 Para Lazure (1994), um dos requisitos fundamentais na relação de ajuda é a empatia. A empatia exige que o enfermeiro compreenda o que o outro está a sentir, que se coloque no seu lugar, perspectiva esta defendida por Riley (2004) e Saraiva (2008). A comunicação, por sua vez ( ) envolve um processo recíproco de enviar e receber mensagens entre duas ou mais pessoas, podendo a mensagem ser verbal ou não verbal (Riley, 2004, p. 133). Para Lazure (1994, p. 97), toda a relação de ajuda é comunicação ( ). A disponibilidade permite demonstrar presença. A verdadeira relação de ajuda exige, para além de presença física, que o enfermeiro se centre na pessoa e mostre atenção constante a tudo que a envolve (Saraiva, 2008; Phaneuf, 2005).

Quadro 4. Análise de conteúdo referente à categoria experiências positivas face aos cuidados prestados em internamento. Categoria: Experiências positivas face aos cuidados prestados no internamento Sub Categoria Unidade de Registo Unidade de Contexto Score Relação de Ajuda Ajudar ( ) ajudavam-me no que precisava. (E2, Q4, L5) ( ) sempre a perguntar se estava bem ( ) e se não estivesse fazerem algo para melhorar a situação, ou tornar mais fácil por exemplo, suportar a dor. (E8, Q2, L3,4,5,6) 6 Escutar Quando estive internado os enfermeiros souberam ouvir-me, escutar ( ) (E1, Q4, L4,5) ( ) eles ( ) ouviam-me ( ) (E6, Q3, L4) 2 365 Ajudar, de acordo com Lazure (1994, p. 13) é a palavra muitas vezes associada à Enfermagem. Assim, o enfermeiro para ajudar a pessoa tem que a assistir, orientando-a para a resolução dos seus problemas, não toma decisões por ele nem deve substitui-lo em aspectos relativos à sua participação na acção. A capacidade de escutar é primordial para se desenvolver a relação de ajuda e tem como finalidade ajudar a pessoa a identificar os seus problemas, as suas necessidades e quais as formas de as ultrapassar (Lazure, 1994). Quadro 5. Análise de conteúdo referente à categoria experiências negativas face aos cuidados prestados em internamento. Categoria: Experiências negativas face aos cuidados prestados no internamento Unidade de Registo Unidade de Contexto Score Não tenho nada de mal a dizer do trabalho dos enfermeiros. Não tenho queixas de nada. (E3, Q4, L1,2,3) 7 Ausência de experiências negativas Não tenho aspectos negativos a dizer, não tenho nada de mal a apontar porque foi sempre tudo positivo. (E4, Q4, L1,2) Os negativos, houve uma vez um problema com a medicação, a médica disse que não era para tomar Presença de experiências negativas 1 e a enfermeira disse que era para tomar. (E5, Q4, L2,3,4,5) Relativamente às experiências negativas vivenciadas pelos utentes, verifica-se que sobressai a unidade de registo referente à ausência das mesmas, no entanto há quem refira (um utente) experiências negativas, o que faz realçar uma vez mais que os cuidados significam coisas diferentes para diferentes pessoas (Ordem Enfermeiros, 2003). A quase ausência de experiências negativas, vai de encontro ao facto de os utentes referirem-se aos cuidados de Enfermagem como sendo bons e muito bons. 4. CONCLUSÃO Cuidar, exige que os enfermeiros prestem cuidados de qualidade centrados na pessoa. É nesta linha de pensamento que, a percepção dos utentes acerca dos cuidados prestados não pode ser esquecida porque contribui de forma determinante para a melhoria dos mesmos. Para Honoré (2004), a qualidade dos cuidados faz sentido quando, para além do que o prestador de cuidados pensa sobre o que são bons cuidados, também se questiona o utente/pessoa acerca da mesma temática. Isto porque, o enfermeiro e os utentes ( ) são parceiros activos e determinantes no processo de cuidar (Watson, 2002, p. 56). Assim, face ao presente estudo verificou-se que o âmbito relacional é o que tem maior relevo (mais vezes referido), o que vai de encontro ao escrito por Mendes (2006, p. 71) ( ) os cuidados de Enfermagem centram-se nas relações interpessoais, pelo que o relacionamento humano é a componente mais caracterizadora de qualquer quadro de cuidados de Enfermagem. Do domínio relacional salienta-se a relação de ajuda, mais especificamente as dimensões que

366 a compõem. Melo (2008) refere que a relação de ajuda é a vertente dos cuidados de Enfermagem cada vez mais valorizada. No entanto, os utentes não esqueceram as competências técnico-científicas que também caracterizam a profissão de Enfermagem. E, é nesta ordem de ideias que se pode afirmar que a percepção dos utentes vai de encontro ao preconizado pelo Cuidar em Enfermagem, um Cuidar profissional, humanístico e científico. BIBLIOGRAFIA Chalifour, Jacques (2008). A Intervenção Terapêutica Os fundamentos existencial-humanistas da Relação de Ajuda. Loures, Lusodidacta. Colaço, Maria de Lurdes; Transmontano, Maria de Lurdes (2003). O que disseram os doentes da Qualidade. Servir, nº. 51 - nº. 4/Julho-Agosto, pp. 191 195. Collière, Marie-Françoise (1999). Promover a Vida Da prática das mulheres de virtude aos cuidados de enfermagem. Lisboa, Sindicato dos Enfermeiros Portugueses. Cruz, Inês; Moreira, Maria de Fátima; Lessa, Maria do Carmo; Silva, Maria José (2005). Uma Perspectiva Histórica Sobre o Cuidado. Sinais Vitais, nº. 58/Janeiro, pp. 47 54. Decreto-lei nº. 161/96 de 4 de Setembro. Diário da República nº. 205 I Série A de 04/09/1996. Ministério da Saúde. Lisboa. Festas, Constança (1999). Cuidar no 3º Milénio. Servir, nº. 47/Março-Abril, pp. 60 66. Hesbeen, Walter (2001). Qualidade em Enfermagem Pensamento e Acção na Perspectiva do Cuidar. Loures, Lusociência. Honoré, Bernard (2004). Cuidar Persistir em Conjunto na Existência. Loures, Lusociência. Lazure, Hélène (1994). Viver a Relação de Ajuda Abordagem Teórica e Prática de um Critério de Competência da Enfermeira. Lisboa, Lusodidacta. Marques, Maria Isabel D. (2000). Percepção «Significativa» dos Cuidados de Enfermagem pelos Utentes Hospitalizados. Referência, nº. 5/Novembro, pp. 5 15. Melo, Rosa Cândida de Carvalho Pereira de (2008). A Relação de Ajuda; Contextos e Práticas em Enfermagem. Servir, nº. 2/Março-Abril, pp. 67 73. Mendes, João Manuel Galhanas (2006). A Relação de Ajuda: Um Instrumento no Processo de Cuidados de Enfermagem. Informar, nº. 36/Janeiro-Junho, pp. 71 77. Moniz, José Manuel Nunes (2003). A Enfermagem e a Pessoa Idosa. Loures, Lusociência. Ordem dos Enfermeiros (2003). Competências do Enfermeiro de Cuidados Gerais. Ordem dos Enfermeiros, nº. 10/Outubro, pp. 49 56. Pacheco, Susana (2002). Cuidar a Pessoa em Fase Terminal. Loures, Lusociência. Pestana, Celestino M.; Pestana, Fernanda A. N.; Freitas, Maria da Luz S. A. (2004). Vivencias dos Utentes Face ao Primeiro Internamento. Pensar Enfermagem, vol. 8/nº 2/2º semestre, pp. 22 30. Phaneuf, Margot (2005). Comunicação, Entrevista, Relação de Ajuda e Validação. Loures, Lusociência. Riley, Julia Balzer (2004). Comunicação em Enfermagem. Loures, Lusociência. Saraiva, Dora Maria R. F. (2008). Reflectir o Cuidar em Enfermagem. Nursing, nº. 230/ Fevereiro, pp. 14 20. Valadas, Maria dos Anjos Berjano (2005). Reflexão sobre a Prática do Cuidar em Enfermagem. Sinais Vitais, nº. 59/Março, pp. 62 64. Watson, Jean (2002). Enfermagem: Ciência Humana e Cuidar uma Teoria de Enfermagem. Loures, Lusociência.