CONTRIBUIÇÃO PREVIDENCIÁRIA RURAL INCONSTITUCIONALIDADE DECLARADA PELO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL NO RE Nº 363.852/MG. Como amplamente noticiado nestes últimos dias, o Supremo Tribunal Federal, em decisão unânime, decidiu, no último dia 03/02, que a exigência da contribuição previdenciária rural incidente sobre a comercialização da produção agropecuária é inconstitucional, relativamente aos produtores rurais empregadores, pessoas naturais, com exclusão, portanto, dos segurados especiais e das pessoas jurídicas produtoras rurais. Esta é a contribuição que as cooperativas, por sub-rogação, têm por obrigação descontar do produtor rural e recolher à Previdência Social, quando do pagamento ou crédito do valor relativo à comercialização de sua produção. O Tribunal entendeu que, quando esta contribuição foi reinstituída, o que se deu no ano de 1992, pelo artigo 1º da Lei nº 8.540, o artigo 195 da Constituição Federal vigia, ainda, com sua redação original segundo a qual, de acordo com seu inciso I, a contribuição dos empregadores destinada à Seguridade Social somente podia incidir sobre a folha de salários, o faturamento e o lucro, não se compreendendo no conceito de faturamento as receitas obtidas pelo empregador rural, pessoa natural, em decorrência das vendas de seus produtos. O referido dispositivo constitucional foi alterado pela Emenda Constitucional nº 20/98, a partir de quando, então, passou a ser permitido que a contribuição podia incidir não apenas sobre o faturamento como também sobre a receita. Todavia, essa Emenda somente entrou em vigor em data de 16 de dezembro de 1998, sendo certo que a Lei nº 8.540 teve vigência ainda no ano de 1992, antes, portanto, da modificação introduzida pela citada Emenda Constitucional nº 20. Por isso a inconstitucionalidade declarada pelo Supremo Tribunal Federal. DO ALCANCE DA DECISÃO DO STF É importante considerar que a decisão do Supremo Tribunal Federal foi proferida no âmbito de um recurso extraordinário interposto por um frigorífico de Minas
Gerais, o que significa que essa decisão não produz efeitos em benefício de terceiros, aplicando-se somente às partes envolvidas naquela ação judicial. Tendo em vista que ela não produz efeitos contra terceiros, qualquer Juiz ou Tribunal não está obrigado a decidir da mesma forma, podendo entender que a inconstitucionalidade declarada pelo Supremo Tribunal Federal não existe. De qualquer modo, parece-nos que as possibilidades de que o entendimento manifestado pelo Supremo Tribunal venha a ser alterado são remotas. Isso porque, a decisão do STF foi tomada por sua composição plenária, sem que tenha havido um único voto divergente. DAS CONSEQUÊNCIAS PRÁTICAS PARA A COOPERATIVA E SEUS ASSOCIADOS Relativamente às operações que ocorrerem a partir de agora, a primeira alternativa que se coloca à disposição da Cooperativa é a de simplesmente deixar de proceder o desconto da contribuição previdenciária aqui tratada e, consequentemente, não mais efetuar qualquer recolhimento à Seguridade Social. Este entendimento aplica-se, inclusive, às operações praticadas com terceiros não associados. É preciso não esquecer, todavia, que a declaração de inconstitucionalidade proferida pelo STF beneficia apenas os produtores rurais empregadores, pessoas naturais, não se estendendo aos segurados especiais e às pessoas jurídicas agropecuárias, em relação aos quais deve a Cooperativa continuar realizando as retenções e respectivos recolhimentos à Previdência Social. Como a legislação tida por inconstitucional pelo STF continua existindo no ordenamento legal, e sem perspectiva de que venha o Senado Federal baixar Resolução tornando-a sem efeito, a Cooperativa deve ter absoluta consciência de que, em optando pela alternativa supramencionada, ou seja, simplesmente deixar de descontar e recolher o tributo, poderá sofrer autuação por parte da Receita Federal do Brasil, com o lançamento não apenas dos valores não
recolhidos como também de todos os seus acréscimos legais, inclusive multa por lançamento de ofício. Apesar dessa inconveniência, ou seja, da possibilidade de lançamento por parte da RFB, onde a Cooperativa terá que discutir a exigência, pensamos que dificilmente a empresa deixará de obter êxito em sua defesa, em face das razões já apontadas. De outra parte, a Cooperativa ou qualquer outra empresa que não desejar assumir esse risco, poderá levar imediatamente o assunto à apreciação do Poder Judiciário, com pedido de liminar ou antecipação de tutela, o que, em caso de concessão pelo Juiz, deixará a empresa em situação confortável. Em ingressando a Cooperativa com ação judicial, e não se consiga a obtenção de medida liminar ou antecipação de tutela o que é perfeitamente possível de ocorrer, dois caminhos se abrem, então: a) continua-se a discussão judicial sem a proteção da liminar, situação em que a empresa estará a descoberto perante a Receita Federal do Brasil, que poderá, paralelamente, efetuar o lançamento dos valores não recolhidos; e b) continua-se a discussão judicial acompanhada de depósitos judiciais dos valores questionados, caso em que a Cooperativa continuará a proceder o desconto da contribuição e o seu depósito judicial vinculado à respectiva ação. DAS CONTRIBUIÇÕES JÁ RECOLHIDAS. RESTITUIÇÃO. Outro efeito importante da decisão passada pelo Supremo Tribunal Federal relaciona-se com o seu aspecto temporal. Vencida na causa, a Fazenda Nacional, através de seu Procurador, requereu ao Tribunal que modulasse os seus efeitos no tempo, no sentido de que a decisão somente fosse aplicável sobre as operações praticadas a partir de agora, sem qualquer efeito retroativo, o que, caso acatado pelo STF, impediria aos contribuintes reivindicar a devolução do que indevidamente já recolhido. O Tribunal, todavia, não acolheu a pretensão da Fazenda Nacional neste sentido, de forma que a restituição dos valores já recolhidos pelos contribuintes
é perfeitamente possível para todo o período ainda não prescrito, mediante o ajuizamento da competente ação judicial. DA QUESTÃO DA LEGITIMIDADE PARA A REPETIÇÃO DO INDÉBITO. A parte legítima para requerer judicialmente a devolução de valores recolhidos indevidamente é aquela que realizou o respectivo pagamento, já que foi ela quem suportou os respectivos ônus. Assim, em linha de princípio, a parte legítima para requerer a devolução da contribuição previdenciária aqui tratada são os próprios empregadores rurais, pessoas naturais, não cabendo à empresa que lhe adquiriu a produção, por ter realizado o recolhimento na qualidade de sub-rogada nas obrigações do contribuinte (produtor) requerer a restituição do indébito pois que, como já afirmado, não suportou ônus algum. Em se tratando de cooperativas de produtores rurais, tendo em vista a natureza legal e institucional desse tipo societário, que não opera com finalidade lucrativa, mas apenas age por conta e ordem de seu associado, a quem presta serviços, temos o entendimento de que, em relação às contribuições indevidamente recolhidas por seus associados, através de seu intermédio, ela possui, sim, legitimidade para ingressar com a ação judicial visando a restituição dos valores recolhidos por eles. Apesar disso, não podemos deixar de considerar aqui que não é este o entendimento que tem prevalecido junto ao Poder Judiciário, especialmente junto ao E. Superior Tribunal de Justiça, última instância para o exame do assunto, onde existem já diversos precedentes não reconhecendo legitimidade, mesmo à Cooperativa, para requerer a devolução de valores indevidamente recolhidos por seus associados. Reafirmamos nosso entendimento de que essa orientação que tem prevalecido junto ao STJ não é acertada. Entretanto, ela não pode deixar de ser considerada, pois, vindo a Cooperativa a ingressar com ação judicial visando a restituição dos valores recolhidos por seus associados, e sendo a decisão final por sua ilegitimidade para a ação, é bastante possível, tendo em vista que um processo dessa natureza usualmente demora anos para ser solucionado, que quando da decisão, tenha ocorrida a prescrição para que o associado,
individualmente, reclame o seu direito. Em isto ocorrendo, o associado que fizer parte da ação da Cooperativa nada receberia, enquanto que aquele outro que ingressou diretamente com a sua ação teria reconhecido o seu direito à devolução. A solução que tem sido indicada por todos os que militam na área,é de submeter o assunto à Assembléia Geral dos associados, obtendo deles um autorização expressa para que a Cooperativa ingresse, em seu próprio nome, com a ação judicial solicitando a restituição do indébito, que pode ainda ser acompanhada de autorização individual de cada associado. Com o cumprimento desta formalidade, é perfeitamente possível e mesmo provável, que haja o reconhecimento da legitimidade da Cooperativa para a mencionada ação. Não podemos deixar de assinalar, entretanto, que não há, por parte daquele Tribunal, qualquer pronunciamento específico sobre tais procedimentos, de tal modo que não ocasionaria qualquer surpresa se mesmo assim o Tribunal não reconhecer legitimidade à Cooperativa. Pensamos que isso não deve ocorrer, mas não há, pelo menos por ora, como assegurar que a Cooperativa seja considerada parte legítima para a ação. Em face das considerações expostas, cabe a cada Cooperativa decidir sobre as providências que lhe parecerem mais adequadas no trato da questão. De nossa parte, estaremos acompanhando atentamente a evolução do assunto, como forma de melhor orientar as Cooperativas, às quais ficamos à disposição, inclusive para a adoção das medidas, administrativas ou judiciais, que se fizerem necessárias em torno dessa questão. Atenciosamente Meyer, Silva, Paitach