295 Hematoma Epidural Espontâneo Após Cesárea em Neonato com Malformação de Arnold-Chiari tipo II. Relato de Caso e Revisão da Literatura Spontaneous Epidural Hematoma After Cesarean Section in Newborn with Type II Arnold- Chiari Malformation. Case Report and Literature Lucas Danielli 1 Roberto Augusto da Silva Bender 2 Jadi Colaço 3 Apio Cláudio Martins Antunes 4 Marjeane Cristina Jaques Hockmuller 5 Juliana Avila Duarte 6 RESUMO Hematomas epidurais em neonatos (RN) são eventos raros, geralmente associados a traumatismo durante o parto: apresentam sintomatologia heterogênea e necessitam de identificação e manejo precoce, se indicado. O método de escolha para o diagnóstico é a tomografia computadorizada (TC) de crânio. Descrevemos um caso de hematoma epidural parietoccipital, assintomático, em neonato de cinco dias com diagnóstico de malformação de Chiari II, nascido por cesariana, sem história de trauma. Em face de inexistência de sintomas e volume da lesão, optou-se por manejo conservador, tendo em vista o quadro clínico do paciente. Devido à boa evolução apresentada pelo paciente, novos exames de imagem não foram realizados, sendo o mesmo acompanhado periodicamente a nível ambulatorial. Palavras-chave: Hematoma Epidural Craniano; Recém-nascido; Malformação de Arnold-Chiari. ABSTRACT Epidural hematomas in newborns (NB) are rare events, usually associated with trauma during delivery. Heterogeneous symptoms are presented and require early identification and management, if indicated. The method of choice for diagnosis is brain computed tomography (CT). A case of a parietooccipital asymptomatic epidural hematoma, in a 5-day-old neonate with Chiari II malformation, born by Caesarean section with no history of trauma is reported. Considering the good neurological state and evolution, a conservative management was undertaken. Key words: Epidural hematoma, Cranial; Newborn; Arnold-Chiari Malformation. Introdução O hematoma epidural (HED) é uma lesão pós-traumática definida como uma coleção de sangue entre ossos da calvária e seu periósteo, ou entre a membrana periosteal e a camada externa da dura-máter, que ocorre devido a uma clivagem separação entre o osso e a dura-máter 2. Embora a incidência de hematoma intracraniano em neonatos possa chegar a 26%, a grande maioria deles constitui-se de hematomas subdurais, sendo HED um evento raro. A maioria dos casos de hematoma epidural neonatal é oriunda de complicações durante o parto e em especial nos partos vaginais e instrumentados. Neste artigo, relatamos um caso de HED em RN com Chiari II, nascido de parto cesáreo sem instrumentação. 1 Acadêmico de Medicina, Universidade Federal do Rio Grande Do Sul, RS 2 Acadêmico de Medicina, Universidade de Passo Fundo, RS 3 Acadêmica de Medicina, Universidade Luterana do Brasil, RS 4 Chefe do Serviço de Neurocirurgia do Hospital de Clínicas de Porto Alegre, RS 5 Neurocirurgiã, Hospital de Clínicas de Porto Alegre, RS 6 Médica Radiologista e Neuroradiologista, Hospital de Clínicas de Porto Alegre; Tomoclínicas Canoas, Chefe do Serviço de Ressonância Magnética / Neuroradiologia do Hospital de Clínicas de Porto Alegre, RS Received Oct 20, 2016. Corrected Dec 13, 2016. Accepted Dec 14, 2016
296 Relato de Caso Recém-nascido (RN), sexo masculino, idade gestacional de 35 semanas e 2 dias, nascido por parto cesáreo eletivo devido a diagnóstico pré-natal através de ecografia obstétrica de meningomielocele lombar e hidrocefalia. História materna de níveis tensionais elevados durante a gestação, sem uso de antihipertensivos, sem outras intercorrências durante o período gestacional, exceto por uma infecção de trato urinário (ITU), por Escherichia coli (E. coli), cuja urocultura pós-tratamento com antibioticoterapia demonstrou microbiota múltipla, levando ao uso de nitrofurantoína profilática. A gestação foi planejada, com uso de ácido fólico desde os seis meses prévios à data provável da concepção. Em ecografia morfológica realizada com 22 semanas e quatro dias de gestação, foi identificada a calota craniana com contorno irregular, ventrículos cerebrais dilatados, hidrocefalia e defeito de fechamento em região lombar. cerebelares. Além disso, apresentou coleção extra-axial na região parietoccipital esquerda, de aspecto biconvexo com 1,0 cm de espessura, sugestiva de hematoma epidural. O conjunto dos achados é compatível com malformação de Arnold-Chiari tipo II (Chiari II), com hidrocefalia associada, hematoma epidural occipitoparietal à esquerda e pequenos focos sugestivos de sangramentos periventriculares bilateralmente (Figuras 1 e 2). A opção por manejo conservador do HED foi adotada, tendo em vista a apresentação assintomática, com vigilância da tensão e tamanho das fontanelas. No décimo dia de vida, optou-se pelo tratamento da hidrocefalia através de derivação ventrículo-peritoneal, média pressão, sem intercorrências. O parto cesáreo transcorreu sem intercorrências, sem necessidade de instrumentação ou manobras para desprendimento. Peso ao nascimento de 2,900g, perímetro cefálico de 39 cm, Apgar 3 no primeiro minuto de vida e 7 no quinto minuto, sendo necessárias manobras de reanimação. No exame físico identificou-se meningomielocele lombar rota, macrocrania com fontanela anterior ampla, diástase de suturas parietais e ausência de movimentos em membros inferiores. O período pós nascimento imediato transcorreu em Unidade de Terapia Intensiva Neonatal e os exames laboratoriais revelaram tempo de protrombina sérico (TP) alargado, com INR (internacional normalized ratio) de 2,09, sendo corrigido com administração intravenosa de vitamina K e controle laboratorial indicando níveis dentro da normalidade. O tratamento cirúrgico da meningomielocele rota ocorreu no primeiro dia de vida, sem intercorrências e sem complicações pós-operatórias. A ecografia transfontanelar, realizada no quarto dia de vida, revelou importante dilatação ventricular supratentorial e redução volumétrica de fossa posterior. A ressonância magnética de crânio (RM), realizada no quinto dia de vida, revelou acentuada dilatação dos ventrículos laterais, fossa posterior com dimensões reduzidas, deslocamento do vermis cerebelar para o canal cervical superior, encurvamento anteromedial e deslocamento cranial dos hemisférios Figura 1.
297 Outros fatores associados são paridade materna, macrossomia fetal e asfixia perinatal 1-3,6,8 Durante o parto, o HED pode ocorrer como consequência de uma sobredistensão da dura-máter durante a segunda fase desse, excedendo a sua capacidade elástica, pelo cavalgamento dos ossos parietais sobre o occipital, ou pelo uso de instrumentação como extratores a vácuo, durante a liberação súbita do mesmo 2,4. Devido à não fixação das artérias meníngeas na calvária do neonato, o sangramento pode ter diversas origens, desde lesões nos seios durais a fraturas ósseas. Em alguns casos, ocorre devido somente ao descolamento da membrana dural, com rompimento do tecido fibrovascular entre ela e o osso 2. As características de hematomas epidurais neonatais são o predomínio em meninos, ausência de fraturas de crânio, natureza líquida na maioria dos casos associados com céfalohematoma frequentemente e bom prognóstico com tratamento adequado 1. Figura 2. Discussão O HED é uma lesão traumática, definida como uma coleção de sangue entre ossos da calvária e seu periósteo, ou entre a membrana periosteal e a camada externa da dura-máter, que ocorre devido a uma clivagem entre o osso e a dura-máter 2. Embora a incidência de hematoma intracraniano em neonatos possa chegar a 26%, a grande maioria deles constitui-se de hematomas subdurais, sendo o HED um evento raro. De acordo com Akiyama et al., somente 33 casos foram relatados, a maioria como consequência de traumatismos durante o trabalho de parto, mesmo na ausência de fraturas ósseas 1. A raridade dessa afecção baseia-se no fato da dura-máter não descolar tão facilmente do crânio e pela não permeabilidade da artéria meningea média nessa faixa etária. A maioria dos casos de hematoma epidural neonatal é oriunda de complicações durante o parto e em especial nos partos vaginais e instrumentados. A apresentação clínica de HED em neonatos é bastante heterogênea, apresentando-se com uma variedade de sintomas ou até mesmo sendo assintomática. Os sintomas mais comumente encontrados são palidez, queda no hematócrito e aumento do perímetro cefálico. Os sintomas neurológicos podem ser redução do nível de consciência, apneia central, hipotonia e/ou crises convulsivas. Na maioria das vezes, quando presentes, os sintomas desenvolvem-se nas primeiras 24 horas após o nascimento, sendo o diagnóstico e tratamento precoces associados com redução de desfechos adversos 3,5,7. Baseado nas características dos hematomas epidurais dessa faixa etária, a literatura propõe um seguimento cuidadoso nos casos de hematomas cerebrais e estudos com imagem, através da tomografia computadorizada de crânio - embora a conduta do Seviço de Neurocirurgia do HCPA seja a opção pelo exame de ressonância magnética (RM) de crânio tão logo sejam percebidos sinais, como o aumento do perímetro cefálico ou abaulamento da fontanela anterior. O estudo ultrassonográfico também pode ser considerado, embora não seja o exame de primeira escolha 1,9. Os hematomas epidurais em RN podem ser tratados de forma conservadora, visto que apenas um terço necessita de intervenção cirúrgica. A avaliação dos fatores de risco e a decisão sobre o manejo devem ser feitas por um neurocirurgião
298 pediátrico experiente e deve ser baseada em diversos fatores, incluindo os estudos de imagem. Devido às causas principais de traumatismo na infância, hematomas epidurais geralmente não causam efeito expansivo e na TC têm a forma plana de uma coleção pericerebral. As fontanelas podem funcionar como espaço de segurança para os RN. Após o fechamento fontanelar, o único mecanismo natural de descompressão pode ser a presença de uma fratura móvel 9. Enquanto os HED volumosos ou os de diâmetros reduzidos não deixem dúvidas quanto ao seu manejo, as coleções com volumes intermediários sempre necessitam de uma estratégia individual. Assim, para minimizar a evolução de um hematoma de pequenas dimensões para outro de volume maior, um regime de restrição de movimentos (evitar manipulação pela família e equipe médica e de enfermagem), acompanhado de medidas anti-hemorrágicas são necessárias. Nos neonatos e crianças pode ser necessária terapia sedativa leve 9. A história da HED fornece informações que facilitam a tomada de decisão sobre o momento de solicitar um exame de imagem para controle. Nos HED pequenos ou muito pequenos de prognóstico incerto é considerada uma tomografia computadorizada de controle após 6 horas do exame de imagem inicial 9. A localização e o tamanho do hematoma são fundamentais para a tomada de decisão sobre o tratamento cirúrgico, embora seja fundamental o exame neurológico: um hematoma na região frontal pode não ser manifesto clinicamente, mesmo com grande volume, ao passo que uma pequena coleção na região temporal pode indicar intervenção cirúrgica imediata. Fatores críticos na decisão de postergar ou contraindicar a cirurgia incluem hematomas de pequeno volume (menos de 10 mm), ausência de efeito expansivo, bom estado geral, pacientes portadores de fontanela aberta e coexistência de HED com fratura de crânio 9. Devido ao fato de o quadro da hidrocefalia indicar necessidade de tratamento com brevidade e o volume da coleção hemática indicar o tratamento conservador, mesmo diante do risco de aumento da referida coleção, optamos pela colocação da derivação ventrículo peritoneal, reservando ao segundo a observação clínica e decisão posterior de intervenção cirúrgica caso o paciente apresentasse alterações no exame neurológico. Dessa forma, há a necessidade de um diagnóstico precoce e medidas de tratamento imediatas, nos casos de HED no RN. Conclusão Tendo em vista a raridade do HED em RN de parto cesáreo, é necessário estar atento aos sinais de alarme, evidentes na história clínica e no exame físico. A TC de crânio em HED de pequeno volume demonstra ser crucial na decisão terapêutica, embora o Serviço de Neurocirurgia do HCPA adote como exame de escolha a RM de crânio. Vale ressaltar ainda que os hematomas epidurais em RN, diferentemente de crianças maiores e adultos, em sua maioria, podem ser manejados conservadoramente pela existência de fontanelas abertas. Neste relato, apesar das intervenções cirúrgicas de correção da meningomielocele e da derivação ventrículo peritoneal, optou-se pelo tratamento conservador quanto ao hematoma, em virtude do tamanho da coleção e a ausência de desvio da linha média. Referências 1. Akiyama Y, Moritake K, Maruyama N, Takamura M, Yamasaki T. Acute epidural hematoma related to cesarean section in a neonate with Chiari II malformation. Childs Nerv Syst. 2001;17(4-5):290 293. 2. Hamlat A, Heckly A, Adn M, Poulain P. Pathophysiology of intracranial epidural haematoma following birth. Med Hypotheses. 2006 jan;66(2):371 4. http://doi.org/10.1016/j. mehy.2005.08.045. 3. Heyman R, Heckly A, Magagi J, Pladys P, Hamlat A. Intracranial Epidural Hematoma in Newborn Infants: Clinical Study of 15 Cases. Neurosurgery. 2005 nov ;57(5):924 9. 4. Indusekhar R, Oláh KS. Serious fetal intracranial haemorrhage associated with the vacuum extractor. BJOG. 2003 apr;110(4):436 8. 10.1046/j.1471-0528.2003.01128.x. 5. Kroon E, Bok LA, Halbertsma F. Spontaneous perinatal epidural haemorrhage in a newborn. BMJ Case Rep. 2012 Feb 21;2012. pii: bcr0920114735. Disponível em: <http://doi.org/10.1136/ bcr.09.2011.4735>. Acessado em 25 sep, 2016. 6. Looney CB, Smith JK, Merck LH, Wolfe HM, Chescheir NC, Hamer RM, et al.. Intracranial hemorrhage in asymptomatic neonates: prevalence on MR images and relationship to obstetric and neonatal risk factors. Radiology. 2007;242(2):535 541. http://doi.org/10.1148/radiol.2422060133. 7. Ou-Yang MC, Huang CB, Huang HC, Chung MY, Chen CC, Chen FS, et al. Clinical Manifestations of Symptomatic Intracranial Hemorrhage in Term Neonates: 18 Years of Experience in a Medical Center. Pediatr Neonatol. 2010 Aug;51(4):208 13. http://doi.org/10.1016/s1875-9572(10)60040-x.
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