fls. 71 EXMO(A). SR(A). DR(A). JUIZ DE DIREITO DA 2ª VARA DE FAZENDA PÚBLICA DA COMARCA DA CAPITAL - FAZENDA PÚBLICA. PROCEDIMENTO ORDINÁRIO Nº 1047566-41.2015.8.26.0053 AUTORA: VIVIAN NACARATO ANTUNES RÉ: ESTADO DE SÃO PAULO A FAZENDA PÚBLICA DO ESTADO DE SÃO PAULO, por sua Procuradora que esta subscreve, nos autos em epígrafe, vem respeitosamente, à presença de V. Exa. apresentar seu recurso de APELAÇÃO, requerendo a juntada das anexas razões, bem como seu regular processamento. Nestes termos, pede deferimento. São Paulo, 09 de maio de 2016 Ana Paula Ferreira dos Santos Procuradora do Estado OAB/SP Nº 274.894 1
fls. 72 APELANTE: FAZENDA PÚBLICA DO ESTADO DE SÃO PAULO APELADO: Vivian Nacarato Antunes EGRÉGIO TRIBUNAL RAZÕES DE APELAÇÃO COLENDA CÂMARA! I SÍNTESE DO PROCESSADO: Trata-se de ação proposta por paciente portadora de esclerose múltipla no intuito de obter do poder público estadual o medicamento colecalciferol (vitamina D), Ômega 3 DHA e complexo individualizado (manipulação). Sobreveio sentença de procedência, afastada a exigência de aquisição de apresentação comercial específica e fixados os honorários advocatícios em R$ 1.000,00 (mil reais). Todavia, consoante restará demonstrado, tal decisão ainda assim não merece subsistir. II DAS RAZÕES RECURSAIS: Pois bem. O SUS provê tratamento integral para pacientes com esclerose múltipla (PORTARIA Nº 391, DE 5 DE 2
fls. 73 MAIO DE 2015.). Através do Componente Especializado da Assistência Farmacêutica são dispensados os medicamentos Azatioprina, Betainterferon, Glatiramer, Natalizumabe e Fingolimode. A solicitação de medicamentos manipulados possuem caráter individualizado e por serem produzidos de forma personalizada, considerando-se as características individuais de cada paciente, a solicitação foi negada, uma vez que as fórmulas manipuladas possuem curto prazo de validade e não podem ser repassados a outros pacientes, em caso de suspensão do uso por serem individualizadas. Para desempenhar o seu papel constitucional de prestar a assistência à saúde (art. 196 da CF) a Administração adota critérios legais e objetivos para bem fornecer a medicação e o tratamento, com segurança e eficácia, que foram melhor delimitados pela Lei Federal nº 12.401, de 28.04.2011, que alterou a Lei Federal nº 8.080/90. A citada Lei Federal nº 12.401, de 2011 acrescentou o artigo 19, letra M à U à Lei Federal nº 8.080/90, para tratar da assistência terapêutica e da incorporação de tecnologia em saúde, trazendo balizas e definindo no que consiste a assistência terapêutica integral: "Art. 19-M. A assistência terapêutica integral a que se refere a alínea d do inciso I do art. 6º consiste em: I - dispensação de medicamentos e produtos de interesse para a saúde, cuja prescrição esteja em conformidade com as diretrizes terapêuticas definidas em protocolo clínico para a doença ou o agravo à saúde a ser tratado ou, na falta do protocolo, em conformidade com o disposto no art. 19-P; 3
fls. 74 II - [...]" Referida lei deixa claro, portanto, que a assistência terapêutica integral a ser prestada pelo Estado é aquela em conformidade com as diretrizes terapêuticas definidas em protocolo clínico. A definição e alcance deste importante instrumento consta da letra N, inciso II; letra 0 e parágrafo único do artigo 19: Art. 19-N, II : "Protocolo clínico e diretriz terapêutica: documento que estabelece critérios para o diagnóstico da doença ou do agravo à saúde; o tratamento preconizado, como os medicamentos e demais produtos apropriados, quando couber; as posologias recomendadas; os mecanismos de controle clínico; e o acompanhamento e a verificação dos resultados terapêuticos, a serem seguidos pelos gestores do SUS" Art. 19-O: "Os protocolos clínicos e as diretrizes terapêuticas deverão estabelecer os medicamentos ou produtos necessários nas diferentes fases evolutivas da doença ou do agravo à saúde de que tratam, bem como aqueles indicados em casos de perda de eficácia e de surgimento de intolerância ou reação adversa relevante, provocadas pelo medicamentos, produto ou procedimento de primeira escolha" Parágrafo único: "Em qualquer caso, os medicamentos ou produtos de que trata o caput deste artigo serão aqueles avaliados quanto à sua eficácia, segurança, efetividade e custo-efetividade para as diferentes fases evolutivas da doença ou do agravo à saúde de que trata o protocolo" Da leitura do artigo 19-N, II, 19-O, juntamente 4
fls. 75 com o artigo 19-M,I supra transcritos, decorre a noção de que atendimento integral compreende a oferta da atenção médica em todas as etapas do tratamento, o que não inclui a escolha, por exemplo, do médico, hospital ou medicamento de MARCA, experimental ou de livre e injustificada escolha do interessado, sob pena de ferir um dos objetivos básicos dos Sistema Único de Saúde que é prestar atendimento integral e para todos. Conclui-se, portanto, que nem tudo o que se pede sob a "rúbrica" saúde, há que ser deferida pelo Juízo, sem qualquer consideração acerca, por exemplo, do interesse de agir, da possibilidade jurídica do pedido, do ônus da prova que cabe ao autor, conforme o artigo 373, inciso I do NCPC e, por fim, e da máxima importância, se há tratamento previsto na rede pública e protocolo da doença. Em complementação, há que se perguntar do porque o autor vem exigir em juízo a sua particular escolha. Em outras palavras, há necessidade de provar que já fez uso e não tolera a medicação constante do protocolo da doença ou da política governamental, com a indicação dos efeitos nocivos por ele experimentado. Note que o SUS elegeu como diretriz para o fornecimento da medicamentos ou produtos, a "eficácia, segurança, efetividade e custo-efetividade" (parágrafo único do art.19-o), para assim atingir a UNIVERSALIDADE e IGUALDADE de que trata o artigo 196 da CF, o que passa a ser ameaçado ante uma prescrição médica considerada com verdade absoluta pelo Juiz e suas liminares. Nesta situação em que se pede medicação fora do protocolo da doença, em detrimento dos fornecidos pelo Estado, sem justificativa médica para a sua escolha particular, deve ser priorizada a opção fornecida pela Administração Pública. Ora Excelência, em nenhum momento restou 5
fls. 76 comprovado nos autos que o autor já fez uso do arsenal terapêutico disponível no SUS para tratamento da esclerose múltipla, a despeito da existência de amplo arsenal terapêutico para tratamento dessa enfermidade. Nesse passo, expressam os Enunciados aprovados na I Jornada de Direito de Saúde do Conselho Nacional de Justiça, realizada em 15.04.2014: ENUNCIADO N.º 14 Não comprovada a inefetividade ou impropriedade dos medicamentos e tratamentos fornecidos pela rede pública de saúde, deve ser indeferido o pedido não constante das políticas públicas do Sistema Único de Saúde. ENUNCIADO N.º 16 Nas demandas que visam acesso a ações e serviços da saúde diferenciada daquelas oferecidas pelo Sistema Único de Saúde, o autor deve apresentar prova da evidência científica, a inexistência, inefetividade ou impropriedade dos procedimentos ou medicamentos constantes dos protocolos clínicos do SUS. Verifica-se, no presente caso, que o objetivo do autor é a garantia de obtenção de medicamento, desconsiderando o fato de haver terapêutica disponível na rede pública e sem a comprovação efetiva de que este tratamento não é eficaz no controle da esclerose múltipla. Ora, se o Estado instituiu e desenvolve programa de saúde destinado aos portadores de esclerose múltipla, não existe omissão a ser sanada por via judicial. Se está disponibilizado na rede pública remédio que se destina ao tratamento da moléstia que acomete o autor, não se mostra razoável compelir o Estado a fornecer outro medicamento, de determinada marca e fabricado por específico laboratório. 6
fls. 77 O art. 196 da Constituição Federal determina que o acesso à saúde há de ser universal e igualitário, de maneira que forçoso concluir que não existe espaço para escolhas particularizadas de determinadas marcas, em especial quando o relatório médico não aponta justificativa para esta escolha. Aliás, condescender com pleitos de cunho individualista, egoístico, sem substrato técnico e científico e apartado do que é universalmente padronizado pelo SUS, representaria apenas a ruína do Sistema, inviabilizando a consecução de qualquer planejamento futuro sobre a melhor forma de assegurar a saúde da população. E não se extraia da assertiva qualquer exagero. Basta imaginar o custo acrescido que recairá sobre o erário se cada um dos usuários do Sistema optar por escolher o medicamento que lhe for mais simpática. Tal não é o alcance do mandamento constitucional. III CONCLUSÃO: Diante do exposto, requer a Fazenda Estadual que seja reformado o julgado, de modo a denegar a segurança, dada a existência de alternativa terapêutica eficaz na rede pública para tratamento da enfermidade do apelado. São Paulo, 09 de maio de 2016. ANA PAULA FERREIRA DOS SANTOS Procuradora do Estado OAB/SP Nº 274.894 7