Encefalites Virais Agudas



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Texto de apoio ao curso de Especialização Atividade física adaptada e saúde Prof. Dr. Luzimar Teixeira Encefalites Virais Agudas Dra. Mônica Maria Gomes da Silva Neurologista do Hospital Nossa Senhora das Graças e do Hospital Vita. Neurologista e Infectologista do Centro Médico São Francisco, Curitiba - PR. INTRODUÇÃO Mais de 100 vírus são causadores de encefalite viral aguda. Além de encefalite, uma vez dentro do sistema nervoso central (SNC), os vírus podem ser responsáveis pela ocorrência de vários padrões de doença neurológica, incluindo meningite, radiculite, mielite ou uma combinação destas. Um vírus pode causar meningite, ou seja, inflamação meníngea sem acometimento parenquimatoso, ou encefalite, dano do parênquima encefálico sem manifestação de inflamação meníngea. Na prática, a grande maioria das infecções de SNC se manifesta como meningoencefalite, ou seja, um padrão associado de inflamação parenquimatosa e pleocitose devido à inflamação meníngea. Clinicamente, isto se reflete na clássica tétrade clínica da encefalite: cefaléia, febre, vômitos e déficit neurológico. Estabelecer o agente etiológico para as infecções de SNC permanece um desafio. Vários fatores devem ser utilizados para auxiliar na diminuição das possibilidades incluídas no diagnóstico diferencial. Muitas encefalites são sazonais, como por exemplo as arboviroses, que não costumam ocorrer em épocas frias devido à diminuição da quantidade de mosquitos. Além disso, algumas encefalites apresentam distribuição geográfica característica; sendo assim, uma completa história de viagem deve ser colhida com o paciente. A idade, o estado imunológico, uso de certas medicações (como uso de sulfametoxazol-trimetoprima para profilaxia de P. jirovecii, evitando encefalite por neurotoxoplasmose) e sinais e sintomas associados são dados que também auxiliam no estreitamento das possibilidades diagnósticas. Deve-se ressaltar que além dos vírus vários outros microrganismos podem causar encefalite, como bactérias, fungos, protozoários e helmintos. De acordo com os dados epidemiológicos, o Herpes simplex 1 (HSV-1) permanece como a principal causa de encefalite esporádica (ou seja, não sazonal) nos EUA e Europa. Este dado é particularmente importante, já que também é a encefalite fatal (porém tratável) mais freqüentemente encontrada. Portanto, frente ao paciente com quadro clínico sugestivo de encefalite, a primeira pergunta a ser feita é: pode ou não se tratar de encefalite herpética? ENCEFALITE HERPÉTICA Os vírus HSV-1 e HSV-2 podem causar encefalite. Além disso, várias síndromes neurológicas já foram relacionadas aos HSV-1 e 2. A maioria das encefalites herpéticas é causada pelo HSV-1. Em crianças e raramente em adultos, o HSV-2 pode ser responsável por alguns casos, porém na maioria das vezes o HSV-2 causa doença tipo meningite asséptica benigna. Os vírus HSV-1 e HSV-2, assim como o vírus VZV, são classificados como alfa-herpesvírus. A classificação dos herpesvírus em subfamílias é feita para resumir características comuns do grupo de vírus e estabelecer uma relação evolucionária entre eles. Uma característica importante da subfamília alfa-herpesviridae é sua única capacidade de estabelecer infecção latente em células nervosas. O vírus B (Cryptotetia crypta) também é um alfa-herpesvírus e pode causar doença devastadora no SNC. O mecanismo de doença da encefalite herpética é na maioria dos casos por reativação da infecção latente. O HSV-1 permanece latente no gânglio trigeminal e é o vírus causador do herpes labial. O 1

HSV-2 possui capacidade de manter latência no gânglio sensitivo sacral e é o causador do herpes genital. Em alguns casos, a encefalite herpética pode resultar de primoinfecção. A meningite herpética apresenta-se com distribuição bimodal. O primeiro pico é em crianças acima de 12 meses e menores que 20 anos. O segundo é em adultos com mais de 40 anos. Como foi ressaltado, a maioria das encefalites herpéticas ocorre por reativação do vírus latente. Em 1/3 dos casos, pode ocorrer na primoinfecção. Isto talvez explique a distribuição bimodal dos casos, com 1/3 de primoinfecção com encefalite em adultos jovens e 2/3 dos casos por reativação nos adultos acima de 40 anos. Na primoinfecção, estima-se que o HSV penetre no SNC através da mucosa nasal e bulbo olfatório, daí a explicação para causar doença preferencialmente no córtex orbitofrontal e lobos temporais. Porém, há certamente mecanismos desconhecidos de patogênese. Além da tétrade clássica da encefalite aguda, algumas características podem auxiliar a predizer a ocorrência de infecção por HSV. Na maioria dos casos ocorre uma encefalite límbica, com história de alteração de comportamento. A presença de crises convulsivas também é comum, mas há relatos de apresentações atípicas, como encefalites de tronco encefálico e occipital. É de fundamental importância lembrar da possibilidade etiológica de encefalite herpética, a fim de instituir tratamento precoce e, depois, deve-se confirmar a suspeita diagnóstica através de uma combinação de dados clínicos e exames complementares. O padrão liquórico não é patognomônico, mostrando pleocitose, na maioria das vezes com predomínio de monomorfonucleares, hipoglicorraquia e hiperproteinorraquia. Porém, 3 a 5% dos casos podem ocorrer com LCR normal. O método de reação da polimerase em cadeia (PCR) substituiu a biópsia estereotáxica e histopatologia no lugar de método padrão ouro no diagnóstico da encefalite herpética. É um método acessível, de alta sensibilidade e especificidade (94 e 98%, respectivamente). Há alguma preocupação com os exames falsos-negativos que podem ocorrer, principalmente nos LCR coletados com acidente de punção. Casos de falso-positivo também foram relatados, porém na maioria das vezes a instituição de tratamento com aciclovir não trará malefícios ao paciente. Métodos sorológicos podem auxiliar o diagnóstico. Devemos lembrar que na maioria dos casos as encefalites ocorrem por reativação; portanto, a documentação de seroconversão não tem utilidade. Entretanto, um aumento de 4 vezes nos títulos de IgG para herpes no LCR pode ser preditivo da ocorrência de encefalite herpética em 85% dos casos. O IgG sérico negativo tem valor preditivo negativo, exceto nos casos de encefalite herpética por primoinfecção. Os exames de imagem podem auxiliar no diagnóstico, sendo raramente normais. A RNM tem maior sensibilidade e especificidade, sendo característica a presença de lesão (isquêmica, hemorrágica ou ambas) com extensão para córtex em lobos temporais, na maioria das vezes assimétricas. Contudo, deve-se lembrar da ocorrência de lesões atípicas e mais raramente exames normais. O eletroencefalograma é alterado em 80% dos casos. A ocorrência do padrão PLEDs (descargas epileptiformes periódicas lateralizadas) pode sugerir encefalite por HSV-1, porém não é patognomônica da doença. Reserva-se a biópsia estereotáxica para os casos pouco conclusivos e para aqueles em que se suspeite de encefalite herpética, porém ocorra deterioração clínica durante o uso do aciclovir. O aciclovir é a droga de escolha no tratamento da encefalite herpética. O tempo de tratamento com 10 mg/kg de 8/8 h deve ser mantido por pelo menos 14 dias, tempo necessário para diminuir a ocorrência de recidivas. A recidiva pós-tratamento pode ocorrer em 5 a 10% dos pacientes, sendo que em alguns serviços opta-se por retestar o PCR no 7-8º dia de tratamento. Se negativo, mantém-se o tratamento por 28 dias. Todavia, se ainda positivo, estende-se o tratamento até negativar o PCR. Cursos mais longos (3 semanas) e seqüência de tratamento com aciclovir VO estão em investigação. A mortalidade da encefalite herpética sem tratamento é de 70% e, mesmo adequadamente tratada, chega a 28%. Até 50% dos pacientes têm seqüela motora ou psiquiátrica. Idade mais jovem, nível de consciência preservado na admissão e menor duração de doença são associados com melhor evolução. Em um estudo de pacientes tratados com aciclovir, carga viral acima de >100 cópias HSV DNA/ul no LCR foi relacionada com pior evolução clínica, assim como retardo de mais de 2 dias no início do tratamento com antiviral. 2

ENCEFALITE POR OUTROS HERPESVÍRUS Vírus Varicela-Zóster (VZV) A primoinfecção pelo VZV provoca a varicela. Após a doença, o VZV estabelece infecção latente nos gânglios sensitivos dorsais até que haja um ambiente favorável a sua reativação, como imunossupressão por Aids, quimioterapia e drogas imunossupressoras. Pessoas acima de 50 anos de idade podem sofrer uma queda da imunidade celular e, por este motivo, apresentam mais risco para doença pelo VZV, especialmente cutânea. A reativação do VZV pode provocar o herpes-zóster e, menos freqüentemente, a encefalite por VZV. A infecção direta do SNC pelo VZV durante a varicela também pode ocorrer, porém na maioria das vezes a encefalite que ocorre é a cerebelite, com freqüência de 1:4000 casos de varicela. As encefalites causadas pelo VZV em geral correspondem à vasculopatia de grandes e pequenas artérias. A vasculopatia de grandes artérias ocorre em indivíduos acima de 60 anos, seguindo especialmente o herpes-zóster trigeminal (5º nervo craniano). O trigêmeo corresponde ao segundo nervo mais acometido pelo zóster, seguindo o gânglio sensitivo torácico. Em geral, a arterite ocorre 7 semanas após o quadro de herpes-zóster, sendo raros os casos em que não se identifica a história de zóster prévio. Clinicamente, o quadro se apresenta com hemiparesia contralateral e confusão mental, sendo que muitas vezes o infarto é extenso. A angiografia é o exame de escolha, confirmando o quadro de arterite de grandes vasos. A TAC/RNM pode mostrar infarto isquêmico (e mais raramente hemorrágico) geralmente no território da artéria cerebral média. A análise do LCR mostra pleocitose linfocítica e o IgG pode estar elevado. Encefalite resultando de vasculopatia de pequenos vasos pode ocorrer, especialmente em imunossuprimidos, com quadro de múltiplos infartos corticais, subcorticais e lesões na substância branca. Muitos pacientes têm história prévia de zóster cutâneo. O quadro clínico apresenta-se com febre, cefaléia, vômitos, crises epilépticas e confusão mental. O LCR mostra pleocitose mononuclear discreta, proteína normal ou discretamente elevada, glicose normal. O PCR para VZV é positivo e há síntese intratecal de IgG anti-vzv. Ainda em imunocomprometidos, o VZV pode provocar uma inflamação de células do epêndima, resultando em ventriculite, com quadro clínico de hidrocefalia, confusão mental e alterações de marcha. O tratamento da meningoencefalite por VZV deve ser feito com aciclovir em doses elevadas (10 mg/kg 8/8 h) por um mínimo de 14 dias. Outra doença causada pelo VZV é a síndrome de Ramsay-Hunt, que representa a reativação do VZV latente no gânglio geniculado, provocando paralisia facial ipsilateral, dor auricular e vesículas na membrana timpânica e no conduto auditivo externo. Um dado diferencial nos casos de paralisia facial por HSV ou VZV, é que na síndrome de Ramsay-Hunt a paralisia facial costuma ser mais completa e ter pior evolução, com recuperação mais lenta. Discute-se nestes casos o uso do aciclovir em doses mais elevadas do que aquela usada habitualmente na paralisia facial (Bell), com aciclovir 800 mg 5 vezes ao dia, como nos demais casos de herpes-zóster. Vírus Epstein-Barr (EBV) Meningoencefalite pode complicar os quadros de mononucleose infecciosa ou ser manifestação isolada da infecção pelo EBV. Na grande maioria dos casos, a meningoencefalite por EBV ocorre em crianças ou adultos jovens e em até 80% dos casos não há história prévia de mononucleose. Há relatos de que a reativação da infecção latente pelo EBV no SNC pode provocar encefalite crônica, com clínica de alterações de comportamento, labilidade emocional e coréia. O exame do LCR não é específico. Os métodos que auxiliam no diagnóstico são sorologia e PCR. A pesquisa de anticorpos heterófilos e monotest geralmente são negativos nos casos de infecção do SNC por EBV. Em termos de sorologia, o ideal é usar anticorpo anticapsídio viral IgG e IgM (anti-vca IgG e IgM). A presença de anti-vca IgM no LCR é evidência de provável encefalite por EBV, persistindo positivo por alguns meses. A detecção de síntese de IgG no LCR também é evidência de infecção aguda. Virtualmente, a infecção latente pelo EBV não produz PCR positivo no LCR, porém há relatos de falso-positivo em outras encefalites, virais e bacterianas. A utilização da carga viral no LCR (PCR quantitativo) parece estar mais relacionada com o valor preditivo do método, sendo que PCR>10.000 cópias/ml prediz a ocorrência de encefalite aguda por EBV. 3

Não há relatos de ensaios clínicos para determinar esquema de tratamento para encefalite por EBV. Existem relatos anedóticos do uso de ganciclovir com sucesso no tratamento de encefalite por EBV em paciente submetido a transplante de medula óssea e em imunocompetentes. Até o momento, não se pode recomendar tratamento específico. Citomegalovírus (CMV) Infecção do SNC por CMV ocorre em neonatos que adquirem a doença intra-útero ou em imunocomprometidos por reativação. Devemos lembrar que na idade adulta, aproximadamente 80% da população é soropositiva para CMV e apresenta infecção latente. Nos imunocomprometidos, ocorre reativação do vírus, podendo provocar quadro de encefalite, ventriculite, mielite e radiculite. O padrão liquórico costuma ser semelhante ao das demais encefalites virais, exceto nos casos de mielorradiculite e algumas vezes na própria encefalite por CMV, cujo padrão liquórico pode ser de pleocitose com predomínio de polimorfonucleares, padrão semelhante ao das meningites bacterianas. O PCR para CMV no LCR costuma ser diagnóstico, com sensibilidade de 79-95%. Como na infecção pelo EBV, a infecção latente pelo CMV acontece com PCR negativo no LCR. Porém, há relatos de falso-positivo em casos de meningite bacteriana. Também aqui vale a regra de que o PCR quantitativo pode fornecer dados mais consistentes para o diagnóstico de encefalite. As drogas disponíveis para tratar encefalite por CMV são ganciclovir, foscarnet, cidofovir e, mais recentemente, o valganciclovir. Tradicionalmente, o tratamento da encefalite por CMV é feito com ganciclovir 5 mg/kg 12/12 h por 14 dias. Nos imunossuprimidos por Aids, esse curso inicial é seguido por um esquema de profilaxia secundária com ganciclovir 5 mg/kg/dia por 3-5 dias por semana. Um estudo em paciente com Aids mostrou que 5 pacientes que estavam recebendo dose de manutenção para retinite por CMV apresentaram quadro de periventriculite. Sendo assim, a dose de manutenção do ganciclovir não é totalmente eficaz para evitar a ocorrência de doença no SNC. Além disso, a penetração do ganciclovir e foscarnet no SNC é muito baixa, sendo os níveis liquóricos de 1/2 a 1/3 do sérico. Não há estudos que demonstrem eficácia do cidofovir e valganciclovir. Por esta falta de evidência e pouco sucesso terapêutico, alguns autores sugerem que nas infecções graves de SNC por CMV deve-se usar terapia combinada com ganciclovir e foscarnet, sendo que este último costuma ser reservado para casos refratários ou intolerância ao ganciclovir. O ganciclovir está relacionado com casos de mielossupressão, o foscarnet com casos de insuficiência renal e o cidofovir é contraindicado em pacientes com insuficiência renal. Encefalite por HHV-6 Estudos epidemiológicos mostram que a primoinfecção pelo HHV-6 ocorre na infância, com 2/3 das crianças sendo soropositivas aos 12 meses de idade. A manifestação clínica mais comum da infecção pelo HHV-6 é o exantema súbito. A invasão do SNC na primoinfecção é freqüente e talvez seja este o motivo pelo qual 1/3 das crianças com exantema súbito apresentem crises convulsivas. Em um estudo, 80% das crianças que apresentaram mais de três crises convulsivas febris apresentavam PCR para HHV-6 positivo no LCR. Neste estudo foi sugerido que o HHV-6 poderia ser a causa da síndrome da convulsão febril, mesmo naqueles pacientes que não apresentam clínica de exantema súbito. A encefalite que ocorre na primoinfecção costuma afetar crianças ou adultos jovens, e o diagnóstico é feito por PCR no LCR, já que não há dados clínicos ou laboratoriais que sejam patognomônicos para sugerir a infecção. Há ainda a possibilidade de ocorrer encefalite por reativação do vírus latente, como alguns casos relatados de encefalites fatais em pacientes submetidos a transplante de medula óssea. O HHV-6 também foi relacionado a casos de esclerose múltipla; entretanto, seu papel na patogênese da doença permanece pouco claro. A infecção por HHV-6 geralmente é benigna e autolimitada. A suscetibilidade do HHV-6 a antivirais é semelhante à do CMV, sendo suscetível a ganciclovir, foscarnet e cidofovir. Há relatos de casos de pacientes imunocomprometidos com encefalites por HHV-6 tratados com ganciclovir e foscarnet com sucesso. Há ainda dados na literatura de que o tratamento da encefalite por HHV-6 com ganciclovir é seguido de uma diminuição progressiva da carga viral do HHV-6 no LCR, exame que, uma vez disponível, poderia ser útil no acompanhamento clínico. ARBOVÍRUS O termo arbovírus é uma denominação prática, pois engloba os vírus que causam doenças transmitidas por artrópodes, geralmente carrapatos e mosquitos. Existem vários arbovírus de 4

importância médica e em geral eles causam três padrões de doença em humanos: - Síndrome de febre-artralgia-rash; - Febres hemorrágicas virais (geralmente associadas à hepatite); - Doença neurológica (encefalite) No Brasil existem vários arbovírus que podem ser causadores de meningoencefalites, como vírus das famílias flavivírus (vírus da encefalite de Saint-Louis SLV, vírus da dengue DEN) e togavírus (vírus da encefalite eqüina do leste VEE). Recentemente ocorreu um surto de meningoencefalite (e meningomielorradiculite) por um flavivírus chamado vírus do Nilo Ocidental (vírus West Nile). O surto ocorrido nos EUA provocou 2.000 casos e 250 mortes, sendo que a maioria dos casos graves ocorreu em idosos e pacientes com co-morbidades. O West Nile pertence à família do vírus da encefalite japonesa, doença endêmica que acomete principalmente crianças na Ásia. Na maioria das vezes, a patogênese das arboviroses é semelhante. Após a picada do vetor artrópode, o vírus se multiplica localmente até produzir uma viremia primária, antes de penetrar no SNC. Para a maioria dos arbovírus causadores de encefalites, o ser humano não faz parte do ciclo natural, comportando-se como hospedeiro acidental. Além disso, a maioria dos arbovírus não é capaz de se replicar e sustentar viremia no ser humano, sendo que nestes casos os humanos são considerados hospedeiros dead-end, ou seja, a partir desta infecção, não há mais transmissão a partir da picada do vetor, bem como não há transmissão inter-humana. A encefalite pelo DEN pode ser causada por um dos quatro sorotipos causadores da dengue (1, 2, 3 ou 4). Na maioria das vezes, os infectados apresentam quadro de febre-artralgia-rash ou febre hemorrágica viral. A causa (e até a existência) da encefalite pelo DEN tem sido motivo de controvérsia. Contudo, em certas regiões do Sudeste Asiático, 1 em cada 20 pacientes com diagnóstico de infecção no SNC apresenta encefalite por DEN. O quadro clínico cursa com confusão mental, diminuição de nível de consciência, crises convulsivas (especialmente em crianças), geralmente acometendo os pacientes com quadro de leucopenia, trombocitopenia e alterações ocorridas em conseqüência do aumento da permeabilidade capilar. Diferente das manifestações extrapiramidais vistas freqüentemente em outras arboviroses, como West Nile e encefalite japonesa, a encefalite pelo DEN não costuma provocar tremores ou distúrbio do movimento; porém, há relatos de síndrome extrapiramidal. O diagnóstico é feito baseado no quadro clínico e laboratorial completo e sempre outras causas devem ser excluídas. O IgM contra DEN no LCR permanece positivo até 3 meses. Se disponível, confirmação por PCR no LCR e soro deve ser feita. Não existe tratamento específico e todos os esforços ainda devem ser direcionados para controle do vetor. OUTROS VÍRUS Vários outros vírus podem causar encefalite aguda viral. Na prática, o diagnóstico deve ser feito com base nos dados epidemiológicos (idade, estado imunológico, história de viagem, exposição a mosquitos ou carrapatos) e nos sintomas e sinais associados. Deve-se sempre lembrar da possibilidade de se tratar de encefalite por HSV-1 e, neste caso, iniciar terapia empírica com aciclovir o mais breve possível, utilizando todas as armas diagnósticas para confirmar a hipótese e poder então estabelecer prognóstico. REFERÊNCIAS 1. Scheld WM, Whytley RJ, Marra CM. Herpes simplex virus; neurologic manifestation of varicella and herpes zoster; cytomegalovirus; Epstein-Barr virus, human herpesvirus-6; B virus; arthropod-borne viral encephalitides. In: Infections of the Central Nervous System. Lippincott Williams & Wilkins 2004;3:123-230. 2. McGrath NM, Anderson NE, Hope JK et al. Anterior opecular syndrome, caused by herpes simplex encephalitis. Neurology 1997;49(2):494-7. 3. Aurelius E, Johansson B, Skoldenberg B et al. Encephalitis in immunocompetent patients due to herpes simplex virus type 1 or 2 as determined by type-specific polymerase chain reaction and antibody assays of cerebrospinal fluid. J Med Virol 1993;39(3):179-86. 4. Ch ien LT, Boehm RM, Robinson H et al. Characteristic early eletroencephalographic changes in herpes simplex encephalitis. Arch Neurol 1977;34(6):361-4. 5. Whitley RJ, Lakeman AD, Nahamias A et al. DNA restriction-enzyme analysis of herpes simplex 5

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