Melanoma cutâneo primário: confi rmações e novidades

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ARTIGO ORIGINAL Melanoma cutâneo primário: confi rmações e novidades Primary cutaneous melanoma: confi rmations and news Gabriela Mynarski Martins-Costa 1, Renan Rangel Bonamigo 2, Ana Paula Menegat 3, Luciana Lima Martins Costa 4, Raquel Bonfá 1, Thaís Corsetti Grazziotin 5 RESUMO Introdução: O melanoma cutâneo é uma das principais doenças em termos de morbi-mortalidade na Dermatologia. A população do sul do Brasil possui características que a tornam mais propensas a desenvolvê-la. O objetivo deste estudo foi estimar a frequência e perfil dos pacientes com melanoma cutâneo primário em Centro de Referência em Dermatologia do Sistema Único de Saúde em Porto Alegre-RS. Métodos: Estudo transversal, realizado através de revisão dos prontuários dos pacientes, no período entre julho de 2005 e julho de 2012. Resultados: Foram avaliados 85 pacientes, com média de idade de 53,7 anos. O sexo feminino predominou (64,7%), e 55,4% dos indivíduos pertenciam a outras cidades do Estado. A maior frequência de topografia foi o dorso (31,3%), e o de subtipo mais encontrado foi o espalhamento superficial (59,0%). A média de Breslow foi de 2,1mm, com mediana de 0,9 mm. Verificou-se que 47,4% apresentaram mitoses, 13,0%,ulceração e 40,3%, regressão. O histórico familiar de câncer de pele foi de 16,7%. Da presente amostra, 18% procuraram atendimento por outros motivos que não a lesão de melanoma e 79,8% negavam história pessoal de câncer cutâneo. O melanoma in situ mostrou-se associado à topografia do segmento cefálico, e as lesões invasivas relacionaram-se com dorso e membros inferiores (p<0,05). Conclusão: A análise da amostra corrobora a tendência atual para diagnósticos mais precoces, ainda que a maioria não fora in situ, ou seja, há necessidade para o contínuo estímulo ao diagnóstico precoce. Ressaltamos a importância do exame da pele como rotina na consulta (18% procuraram atendimento por outros motivos). UNITERMOS: Melanoma, Câncer de pele, Pele. ABSTRACT Introduction: Cutaneous melanoma is a major disease in terms of morbidity and mortality in Dermatology. The population of south Brazil has characteristics that make them more prone to cutaneous melanoma. The aim of this study was to estimate the frequency and profi le of patients with primary cutaneous melanoma in the Dermatology Reference Center of the Unifi ed Health System in Porto Alegre-RS. Methods: Cross-sectional study based on the medical records of patients from July 2005 to July 2012. Results: We evaluated 85 patients with a mean age of 53.7 years. Females predominated (64.7%), and 55.4% of the subjects were from other cities of the state. The highest frequency of topography was the back (31.3%), and the most common subtype was superfi cial spreading (59.0%). The Breslow s depth mean was 2.1 mm, with median 0.9 mm. It was found that 47.4% had mitosis, 13.0% ulceration and 40.3% regression. Familial history of skin cancer was 16.7%. From this sample, 18% sought treatment for reasons other than melanoma injury, and 79.8% reported no personal history of skin cancer. Melanoma in situ was associated with the topography of the head, and invasive lesions were related to the back and lower limbs (p <0,05). Conclusion: The analysis of the sample confi rms the current trend to earlier diagnosis, although the majority was not in situ, i.e., there is a need for continued encouragement to early diagnosis. We emphasize the importance of skin examination as a routine in the consultation (as 18% of patients sought care for other reasons). KEYWORDS: Melanoma, Skin Cancer, Skin. 1 Dermatologista pela Sociedade Brasileira de Dermatologia (SBD). 2 Chefe da Dermatologia da Universidade Federal de Ciências da Saúde de Porto Alegre (UFCSPA). Professor-adjunto. 3 Médica. Residente da Dermatologia da UFCSPA. 4 Aluna de Medicina da Faculdade de Medicina da UFCSPA. 5 Dermatologista pela SBD. Mestre em Patologia pela UFCSPA. 208 Revista da AMRIGS, Porto Alegre, 57 (3): 208-212, jul.-set. 2013

INTRODUÇÃO O melanoma é uma neoplasia maligna derivada dos melanócitos. Essa neoplasia tem como característica apresentar as maiores taxas de mortalidade entre as neoplasias cutâneas e acometer indivíduos mais jovens, quando comparada com outras neoplasias. Os indivíduos afetados apresentam uma média de idade de 50 anos (1,2). A incidência do melanoma e as taxas de mortalidade estão crescendo na maioria dos países nos quais os dados referentes à doença são registrados. Nas últimas décadas, taxas de incidência têm aumentado anualmente na ordem de 3 a 7% em populações de pele clara (1,3). As taxas de mortalidade também cresceram, embora em uma proporção menor. Programas educacionais desenvolvidos para melhorar o diagnóstico precoce do melanoma provavelmente são os responsáveis por esse fenômeno, já que não houve uma substancial mudança no tratamento da doença nos últimos anos (3). Segundo estudo realizado por Bonfá e colaboradores, em hospital terciário de Porto Alegre, o perfil dos casos de melanoma cutâneo avaliados parece estar modificando-se, com a tendência a diagnósticos mais precoces (melanomas em fases pouco invasivas 63,1% da totalidade dos casos eram in situ ou até 1mm de espessura) (6). O Brasil parece seguir a tendência mundial de aumento no número de novos casos. Na cidade de Porto Alegre- -RS, uma comparação entre os dados relativos ao período 1979-1982 e 1987 constatou que houve aumento relativo nos coeficientes de incidência de 38% entre homens e de 11% entre mulheres (5). Além disso, o registro do Instituto Nacional de Câncer (INCA) apontou um crescimento no número de novos casos de melanoma maligno de pele na capital gaúcha entre 1993 e 1997. Em 1993, foram registrados 43 novos casos e, em 1997, 69 novos casos de melanoma maligno de pele (7,8). Para 2012, o INCA estima taxas brutas de incidência 7,8/100.000 habitantes masculinos e 7,01/100.000 femininos para Porto Alegre. O Rio Grande do Sul deverá continuar com a maior taxa bruta de incidência dentre os estados brasileiros. Os principais fatores de risco para o desenvolvimento de melanoma resultam da combinação de fatores constitucionais/genéticos e ambientais, dos quais a cor da pele é o principal (3). A presença e o número de nevos melanocíticos congênitos e adquiridos, comuns ou displásicos, são também fatores de risco constitucionais muito importantes em pessoas de pele clara (1,3). Mutações em genes como CDKN2a, CDK4, BRAF e genes de baixa penetrância como o MC1R foram associadas com o desenvolvimento de melanoma. Dentre os fatores de risco ambientais, o principal é a exposição à luz solar, particularmente quando ocasiona queimaduras graves, as quais irão repercutir para o surgimento da doença anos mais tarde (3,6). Em algumas publicações, a exposição a pesticidas (tanto os de uso em lavouras/fábricas, como os de uso em ambiente residencial) mostrou-se como fator de risco para o desenvolvimento do melanoma cutâneo. Essa associação se intensifica com o aumento no uso de pesticidas e quando estes são utilizados por mais de 10 anos. O mecanismo de toxicidade pode ser explicado pela absorção química transepidérmica da substância e por suas propriedades neurotóxicas (9, 10). No Brasil, a população do Rio Grande do Sul, em particular, possui uma maior propensão ao desenvolvimento deste câncer, devido à combinação de maior proporção de indivíduos de pele clara em relação a outros estados, da alta concentração de radiação ultravioleta A (UVA) ambiental e de hábitos culturais como a exposição solar intermitente, ou seja, nos meses de verão (12). Pele com fototipos I (sempre queima e nunca pigmenta) e II (sempre queima e pigmenta pouco), presença de efélides, grande número de nevos adquiridos comuns ou displásicos e fotoproteção inadequada mostraram-se fatores de risco moderados, enquanto que episódio frequente de queimaduras solares (>30) foi o principal fator de risco associado ao melanoma nesta população (11,12). Bakos e colaboradores constataram, em estudo de caso-controle realizado em hospital de Porto Alegre, que indivíduos com descendência alemã e italiana apresentam fator de risco para desenvolver melanoma, quando comparados com indivíduos de descendência indígena, por exemplo (13). O conhecimento de características epidemiológicas, clínicas e histológicas pode contribuir para melhor compreensão e auxiliar na detecção mais precoce desta doença e, consequentemente, diminuir sua mobi-mortalidade. Este estudo tem como objetivo estimar a frequência e o perfil dos pacientes com melanoma cutâneo primário em um Serviço Universitário e Centro de Referência em Dermatologia do SUS, em Porto Alegre-RS, em período recente. MÉTODOS Foi realizado um estudo transversal em que pacientes foram selecionados retrospectivamente, através de busca em prontuários do Serviço de Dermatologia da Universidade Federal de Ciências da Saúde de Porto Alegre / Centro de Saúde Santa Marta. Foi realizada uma revisão entre julho/2005 a julho/2012. Como critério de inclusão, utilizou-se o diagnóstico de melanoma cutâneo primário, com confirmação histopatológica. Os casos com dúvidas quanto ao diagnóstico ou sem confirmação histológica foram excluídos. As variáveis estudadas foram: idade, sexo, topografia, cidade de origem, história pessoal de câncer de pele, história familiar, presença de lesão precursora, correlação entre a queixa principal ou motivo da consulta do paciente e o diagnóstico de melanoma, subtipo de melanoma, índice de Breslow, presença de mitoses, presença de regressão, presença de ulceração e a definição se o melanoma era considerado de novo ou surgido a partir de nevo. Revista da AMRIGS, Porto Alegre, 57 (3): 208-212, jul.-set. 2013 209

Para a análise estatística, foi utilizado o software SPSS (Statistical Package for the Social Sciences), versão 17.0, e os testes utilizados foram: teste de Kolmogorov-Smirnov, teste Exato de Fisher, teste de KruskalWallys. Para significância, foi considerado p<0.05. O estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Federal de Ciências da Saúde de Porto Alegre, sob número 12/925. RESULTADOS Foi investigado um total de 85 pacientes. Destes, a média de idade foi de 53,7 (±14,8) anos, com idades mínimas e máximas de 18 e 87 anos. Na abordagem da idade através de faixas etárias, a maior concentração ocorreu no grupo de 40 a 60 anos, 47,1% (n=40). Tabela 1 Distribuição absoluta e relativa para o sexo, faixa etária, cidade de origem, topografi a e subtipo; e média, desvio-padrão e amplitude para a idade. Perfil Total (n=85) n % Sexo Masculino 30 35,3 Feminino 55 64,7 Idade (anos) Média ± desvio-padrão 53,7 ± 14,8 Mediana (Minimo-máximo) 54,0 (18 87) Faixa Etária (anos) Até 40 anos 14 16,5 De 40 a 60 40 47,1 Mais de 60 anos 31 36,5 Cidade de origem DA=2 (2,4%) PoA 37 44,6 Interior 46 55,4 Topografi a DA=2 (2,4%) Dorso 26 31,3 MMII 9 10,8 MMSS 20 24,1 Segmento cefálico 14 16,9 Tronco anterior 14 16,9 Subtipo DA=2 (2,4%) Espalhamento superfi cial 49 59,0 Lentigo maligno 8 9,6 Lentigo melanoma 4 4,8 Melanoma lentiginoso 1 1,2 Mm 1 1,2 Não classifi cável 1 1,2 Nodular 19 22,9 Subtipo2 DA=2 (2,4%) Espalhamento superfi cial 49 59,0 Lentigo maligno 13 15,6 Nodular 19 22,9 DA: Dado ausente O sexo feminino predominou, resultando em 64,7% da amostra. Mais da metade da amostra (55,4%) eram procedentes de cidades do interior do estado do Rio Grande do Sul. A maior frequência com relação à topografia foi para o dorso (31,3%), seguido dos membros superiores (24,1%). Quanto ao subtipo, predominou significativamente (p<0,05) o espalhamento superficial (59,0%) quando comparado aos demais subtipos. (Tabela 1) O índice de Breslow caracterizado como invasivo prevaleceu no estudo, correspondendo a 81,5% (n=66). Sobre esse grupo, a média foi de 2,1mm (±4,6) com Tabela 2 Distribuição absoluta e relativa para Breslow mitoses, ulceração, regressão, história familiar de câncer de pele, lesão precursora, queixa principal e história pessoal de câncer cutâneo; e média, desvio-padrão e amplitude para invasivos. Perfil Total (n=85) n % Breslow DA=4 (4,7) In situ 15 18,5 Invasivo 66 81,5 Invasivos (mm) Média ± desvio-padrão 2,1 ± 4,6 Mínimo-máximo 0,9 (0,1 33,0) Grupos estratifi cados Breslow DA=19 (22,4%) <0,75mm 26 39,4 0,75-7mm 35 53,0 =>:4mm 5 7,6 Mitoses DA=9 (10,6%) Não 40 52,6 Sim 36 47,4 Ulceração DA=8 (9,4%) Não 67 87,0 Sim 10 13,0 Regressão DA=8 (9,4%) Não 46 59,7 Sim 31 40,3 História familiar ca de pele DA=1 (1,2) Não 33 39,3 Sim 14 16,7 Não sabe 37 44,0 Lesão precursora DA=1 (1,2) Não 4 4,8 Sim 44 52,4 Não sabe 36 42,9 Queixa principal DA=2 (2,4%) Não 15 18,1 Sim 68 81,9 História pessoal de ca cutâneo não 67 79,8 mm 6 7,1 cpnm 11 13,1 DA: Dado ausente; mm: melanoma maligno; cpnm: câncer de pele não melanoma. 210 Revista da AMRIGS, Porto Alegre, 57 (3): 208-212, jul.-set. 2013

mediana de 0,9 mm. Verificou-se que 47,4% dos casos apresentaram mitoses, 13%, ulceração e 40,3%, regressão. Em relação à presença de lesão precursora, verificou-se 52,4% para este achado. O histórico familiar de câncer de pele (melanoma e câncer não melanoma) foi confirmado em 16,7% da amostra. A maior parte dos investigados (81,9%) se caracterizou por procurar atendimento por causa da lesão, sendo esta sua queixa principal, ou querendo revisar os nevos da pele com a preocupação de que algum poderia ter alteração. No que diz respeito à história pessoal de câncer cutâneo, a maior parte dos investigados (79,8%) respondeu de forma negativa (Tabela 2). Tomando como base a topografia agrupada em comparação com o sexo e a idade, não foram detectadas diferenças estatisticamente significativas (p>0,05). No entanto, quando se relacionou topografia com espessura, foram verificadas associações relevantes: o melanoma in situ mostrou-se associado à topografia do segmento cefálico, enquanto que as lesões invasivas foram mais frequentes no dorso e nos membros inferiores (MMII) (p<0,05). Nos MMII (espessura média de 3,1±4,0 e mediana: 1,2 mm) e no dorso (espessura média de 2,0±3,2 e mediana: 1,1 mm), os melanomas foram mais invasivos do que os localizados nos MMSS (0,7±0,4; mediana: 0,6mm) e segmento cefálico (5,2±12,2; mediana: 0,6mm) (p<0,05) (Tabela 3). Na comparação entre o subtipo e a topografia, foi detectada associação estatística significativa (p<0,05), apontando para uma única relação evidenciada, onde o grupo lentigo maligno mostrou-se significativamente associado ao segmento cefálico. Com relação às demais categorias de topografia, as associações não se mostram relevantes (Tabela 4). DISCUSSÃO A amostra estudada apresentou algumas características como aumento de jovens com melanoma e predomínio do sexo feminino (não estatisticamente significativo, todavia). O estudo corrobora o momento histórico de aumento das taxas de diagnósticos de melanomas cutâneos menos espessos (mediana: 0,9mm), o que confere melhor prognóstico aos pacientes. Ainda assim, verificou-se um percentual elevado de melanomas invasivos. Uma porcentagem relativamente importante da amostra (18%) procurou atendimento dermatológico por outros motivos que não lesões melanocíticas ou revisões de sinais (ou seja, o melanoma foi diagnosticado sem que o paciente reconhecesse na lesão algum problema, ou mesmo sem que o paciente soubesse da presença da lesão), o que demonstra a importância do exame completo do tegumento cutâneo-mucoso como rotina na consulta dermatológica. Tabela 3 Caracterização do sexo, idade, Breslow e tamanho dos invasivos segundo a topografi a agrupada. Variáveis Topografia agrupada* Dorso MMII MMSS Seg Cefálico Tronco anterior p Sexo Masculino 12 (42,6) 2 (7,1) 4 (14,3) 4 (14,3) 6 (21,4) 0,355 Feminino 14 (25,5) 7 (12,7) 16 (29,1) 10 (18,2) 8 (14,5) Idade (anos) Média ± desvio-padrão 53,3±14,1 53,0±17,1 54,1±11,4 61,2±14,7 45,9±16,8 0,173 Breslow DA=4 (4,7) In situ 3 (20,0) 2 (13,3) 6 (40,0) 4 (26,7) 0,038 Invasivo 22 (34,4) 9 (14,1) 16 (25,0) 7 (10,9) 10 (15,6) Invasivos (mm) Média ± desvio-padrão (mediana) 2,0±3,2 (1,1)ab 3,1±4,0 (1,2)a 0,7±0,4 (0,6)b 5,2±12,2 (0,6)b 1,4±0,9 (1,2)a 0,034 *Percentuais obtidos com base no total de cada categoria das variáveis comparadas à topografi a. Tabela 4 Distribuição absoluta e relativa da topografi a segundo o subtipo. Total (n=80) Topografia Espalhamento superficial (n=49) Lentigo maligno (n=13) Nodular (n=18) pɛ Dorso 16 (61,5) 3 (23,1) 7 (38,9) MMII 5 (10,2) 4 (22,2) MMSS 14 (28,6) 2 (15,4) 3 (16,7) 0,036 Seg cefálico 4 (8,2) 7 (53,8) 2 (11,1) Tronco anterior 10 (20,4) 1 (7,7) 2 (11,1) Ɛ: Teste Exato de Fisher Revista da AMRIGS, Porto Alegre, 57 (3): 208-212, jul.-set. 2013 211

O achado de que o melanoma cutâneo primário advém de uma lesão precursora é maior no presente estudo (52%) e difere do reportado atualmente na literatura (ao redor de 30%) (2,3). Este dado volta a fornecer importância para análise da dinâmica dos nevos e lentigo, lesões classicamente precursoras de melanoma. Em relação a lesões iniciais e segmento cefálico, o subtipo lentigo maligno é considerado o que possui um potencial biológico menos agressivo, e a sua principal localização tradicionalmente é a região exposta ao sol cronicamente (1,3). O estudo difere da literatura geral quanto às topografias mais frequentes. Encontrou-se uma frequência aumentada nas localizações de dorso e membros superiores, sem relação quanto ao gênero. Classicamente, o dorso é o principal sítio de melanoma nos homens e os membros inferiores, nas mulheres (1). CONCLUSÕES Este trabalho apresenta o perfil específico de um Serviço universitário e público, de uma capital brasileira, com uma população característica. A análise da amostra corrobora a tendência atual para diagnósticos mais precoces, ainda que a maioria não fora in situ, ou seja, ainda há necessidade para o contínuo estímulo ao diagnóstico precoce. Ressaltamos a importância do exame da pele como rotina na consulta, pois 18% da amostra procuraram atendimento dermatológico por outros motivos. Há necessidade de mais estudos sobre diferentes perfis populacionais para que haja um maior entendimento dos diversos fatores e características implicados no melanoma cutâneo e para que possamos direcionar medidas preventivas e terapêuticas no diagnóstico e tratamento desta neoplasia. REFERÊNCIAS 1. Bolognia JL. Dermatologia. 2ª Edição, 2011. Ed. Elsevier. 2. Júnior NMF et al.cutaneous melanoma: descriptive epidemiological study. Sao Paulo Med J. 2008;126(1):41-7. 3. Marks R. Epidemiology of melanoma. Clin. Exp. Dermatol. v. 25, p.459-463, Nov. 2000. 4. Flórez A., Cruces M. Melanoma epidemic: True or false? Int. J. Dermatol. v. 43, p. 405-407, 2004. 5. Azevedo G. e Mendonça S. Risco crescente de melanoma de pele no Brasil. Rev. Saúde Pública. v. 26, n.4, p. 290-294, Ago 1992. 6. Bonfá et al. A precocidade diagnóstica do melanoma cutâneo: uma observação no sul do Brasil. An Bras Dermatol. 2011;86(2):215-21 7. B. Instituto Nacional de Câncer; Ministério da Saúde. Distribuição do número de casos novos, segundo localização primária, por ano e sexo, Porto Alegre 1993-1997. Disponível em: http://www.inca. gov.br/regpop/2003/index.asp?link=distano.asp& ID=12. 8. Instituto Nacional de Câncer; Ministério da Saúde. Estimativa 2012: Incidência de Câncer no Brasil. Rio de Janeiro: INCA; 2013. 9. Fortes C. et al. The association between residential pesticide use and cutaneous melanoma. European Journal of Cancer; 2007; (43): 1066-1075. 10. Wilkinson P, Thakrar B, Shaddick G, et al. Cancer incidence and mortality around the Pan Britannica Industries pesticide factory, Waltham Abbey. Occup Environ Med 1997;54:101-7 11. Tsao H., Atkins M.B., Sober A.J. Management of Cutaneous Melanoma. N. Eng. J. Med.v. 351, n. 10, p.998-1012, Sep. 2004 12. Bakos L. et al. Sunburn, sunscreens, and phenotypes: some risk factors for cutaneous melanoma in southern Brazil. Int. J. Dermatol., v.41, p.557-562, 2002. 13. Bakos L et al. European ancestry and cutaneous melanoma in Southern Brazil. JEADV 2009, 23, 304-307. Endereço para correspondência Gabriela Mynarski Martins-Costa Rua Gonçalo de Carvalho, 221/301 90.035-170 Porto Alegre, RS Brasil (51) 9622-8992 gmynarskimc@gmail.com Recebido: 7/6/2013 Aprovado: 9/7/2013 212 Revista da AMRIGS, Porto Alegre, 57 (3): 208-212, jul.-set. 2013