A relação entre a república romana e o estado contemporâneo: estado global e exercício soberano do poder

Documentos relacionados
Monarquia (753 a.c 509 a.c.)

Povos: etruscos, samnitas, latinos, italiotas e gregos. Economia: agricultura, pecuária e comércio. Organização social: patrícios, plebeus, clientes

1º, o direito que vigorou por 12 séculos; 2º, o direito privado romano; 3º, o direito do Corpus Iuris Civilis.

PARTE I TEORIA GERAL DO ESTADO

ROMA ANTIGA. Antiguidade Ocidental

ORGÃOS DE GOVERNO REPUBLICANO

DIREITO CONSTITUCIONAL

O ESTADO DEMOCRÁTICO. TGE II Nina Ranieri 2017

Origem na palavra Politéia, que se refere a tudo relacionado a Pólis grega e à vida em coletividade.

O ESTADO E A ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA NA SOCIEDADE CONTEMPORÂNEA

Unidade I Grandes civilizações antigas. Aula 4.2 Conteúdo: Roma: de cidade a República.

Divisão histórica: Monarquia (753 a.c 509 a.c.), República (509 a.c 27 a.c) e Império (27 a.c 476 d.c)

Filosofia política na Antiguidade romana: Cícero

Origem mítica: Rômulo e Remo fundam a cidade às margens do Rio Tibre

Teoria das Formas de Governo

ARGUMENTO º ANO E.M. A B C D E ATUALIDADES

Origens. Monarquia. República. Triunviratos. Império. Resumo. Cultura

Aula 02. Modelos do Estado Federal

Teoria da Constituição Prof.ª Helena de Souza Rocha

DIREITO CONSTITUCIONAL

Os romanos desenvolveram uma economia baseada na agricultura e nas atividades pastoris. A sociedade romana era hierarquicamente dividida, formada por

Direito Constitucional

ANTIGÜIDADE CLÁSSICA

7. ROMA: DA FUNDAÇÃO À REPÚBLICA. Páginas 25 à 42.

EVOLUÇÃO POLÍTICA DE ROMA

Instituições de Direito Profª Mestre Ideli Raimundo Di Tizio p 42

Direito Constitucional. TÍTULO I - Dos Princípios Fundamentais art. 1º ao 4º

Thinkr: Faculdade Legale

Conceito de Soberania

O PENSAMENTO POLÍTICO DE CÍCERO

REGIÃO: Lazio; Centro da Península Itálica. Clima: Mediterrâneo. Rio: Tibre (Tevere); margens Férteis.

Instituições de direito FEA

Histórica: 1000 a.c. pelos Latinos Lendária: 753 a.c. por Rômulo e Remo

Constituição Brasileira Completa 30 Anos

DIREITO ADMINISTRATIVO

Aula 16 ESTADO FEDERAL BRASILEIRO

FRACION SANTOS DIREITO CONSTITUCIONAL

DIREITO CONSTITUCIONAL

ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA

AULA 3 Métodos de interpretação constitucional 2; Questão de concurso

Unidade 2: História da Filosofia Filosofia Clássica. Filosofia Serviço Social Igor Assaf Mendes

PROPOSTA DE EMENDA Á CONSTITUIÇÃO Nº, DE 2016

ARTIGOS 1º AO 4º. A vigente Constituição Federal (de 5 de outubro de 1988) contém a

A CASA DO SIMULADO DESAFIO QUESTÕES MINISSIMULADO 29/360

DICAS DO PROFESSOR. História 6º Ano

NOÇÕES DE DIREITO CONSTITUCIONAL

CIDADANIA E POLÍTICA CIDADANIA

DOS PRINCÍPIOS FUNDAMENTAIS

NOÇÕES DE DIREITO CONSTITUCIONAL

SISTEMA SEMI-PRESIDENCIALISTA

Disciplina: INTRODUÇÃO AO ESTUDO DO DIREITO. Nota: Nota por extenso: Docente: Assinatura:

Ministério da Administração do Território

Processo Legislativo II. Prof. ª Bruna Vieira

Ética é um conjunto de conhecimentos extraídos da investigação do comportamento humano ao tentar explicar as regras morais de forma racional,

FORMAS DE GOVERNO: a organização institucional do poder político. TGE I Nina Ranieri 2017

FUNDAMENTOS HISTÓRICOS, FILOSÓFICOS E SOCIOLÓGICOS DA EDUCAÇÃO. A Geografia Levada a Sério

TÍTULO VIII Poder Local

Política. Como o poder se realiza? Força (violência) Legitimação (consentimento) - carisma, tradição e racionalização.

DEMOCRACIA. Significa poder do povo. Não quer dizer governo pelo povo.

Orientação de estudo

A IMPORTÂNCIA DO VOTO DA PESSOA IDOSA NAS ELEIÇÕES DE 2018

Direito Constitucional PROFESSORA: ADENEELE GARCIA

UNIDADE DATA: 30 / 11 / 2015 III ETAPA AVALIAÇÃO ESPECIAL DE HISTÓRIA 6.º ANO/EF

Direitos e Garantias Fundamentais

DIREITOS DE CIDADANIA. Sumário

1)Levando em conta o estado moderno quais foram os antagonismos?

Índice. Educação, política e cidadania Política e democracia A Política segundo maquiavel Relação: meios e fins...

TÍTULO VIII PODER LOCAL

Prof. Helena de Souza Rocha 1

ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA: ÓRGÃOS

PROPOSTA DE EMENDA À CONSTITUIÇÃO N.º, DE (do Sr. Deputado Zé Geraldo e outros)

ORGANIZAÇÃO DO ESTADO

Rodada #1 Direito Constitucional

DIREITO CONSTITUCIONAL

(TRT-RJ / TÉCNICO JUDICIÁRIO ÁREA ADMINISTRATIVA / CESPE / 2008) DIREITO CONSTITUCIONAL

Democracia e Sistema Eleitoral Brasileiro

Ciência Política I. Soberania popular, legitimidade do poder, contratualização dos atos e validade dos atos em função da lei

Processo mnemônico: SO CI DI VAL PLU

PRINCÍPIOS FUNDAMENTAIS

UEPB AUTONOMIA/FINANCIAMENTO, GESTÃO E PAPEL DO DESENVOLVIMENTO SOCIOECONÔMICO DA PARAÍBA O R G A N I Z A Ç Ã O A D U E P B

CONSTITUÇÃO DIREITO CONSTITUCIONAL. Conceito Básico CONSTITUIÇÃO E AS DEMAIS ESPÉCIES NORMATIVAS CONSTITUIÇÃO E AS DEMAIS ESPÉCIES NORMATIVAS

Capítulo 01- Democracia

Capítulo I Unidade e Diversidade da Figura do Presidente da República...35

Organograma do exercício da Jurisdição no ordenamento pátrio segundo os parâmetros vigentes na Constituição Federal

Guarda Municipal de Fortaleza Direito Constitucional Princípios Fundamentais Cristiano Lopes

Antiguidade Ocidental

LEGISLAÇÃO DO MPU. Perfil Constitucional. Procurador-Geral da República. Prof. Karina Jaques

DIREITO CONSTITUCIONAL

Direito Constitucional Questões Aula 8 Prof. André Vieira

NOTA TÉCNICA 02/2017

DIREITO CONSTITUCIONAL

Aula 3 O Estado. Objetivos:

Civilização Romana. Professor Romildo Tavares

COLÉGIO XIX DE MARÇO excelência em educação

PROPOSTA DE EMENDA À CONSTITUIÇÃO Nº 2013

@profluisalberto.

A ORGANIZAÇÃO DA JUSTIÇA ELEITORAL

FUNDAMENTOS DA ÉTICA. A Geografia Levada a Sério

CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA PORTUGUESA 7.ª revisão 2005 (excertos) Princípios fundamentais. ARTIGO 10.º (Sufrágio universal e partidos políticos)

Império Romano e outros impérios de sua época. Profª Ms. Ariane Pereira

Transcrição:

A relação entre a república romana e o estado contemporâneo: estado global e exercício soberano do poder Marcos Aurelio Dusso RESUMO O presente artigo trata da relação entre institutos históricos da república romana e sua influência para o estado contemporâneo. PALAVRA-CHAVE justiça, república e direitos humanos. ABSTRACT This article deals with the relationship between historical institutes of the Roman Republic and its influence to the contemporary state. KEY-WORD justice, republic, human rights. 1 INTRODUÇÃO A República Romana: urbe et orbe. Muitas cidades, dentro de uma comunidade, para o mundo, talvés esta tradução adaptada do latim para o português não reflita a literalidade do termo, mas apresenta a relação da república romana e sua importância para nossa sociedade. Como isto é possível? Por meio de algumas realidades semelhantes entre os romanos da época republicana e nós, contemporâneos 1. Sigamos o exemplo de Roma onde, ao adotarmos a terminologia de República Federativa do Brasil, talvés hoje tenhamos perdido o sentido do termo e sua relevância para nossa sociedade. Damos prioridade ao Estado Democrático de Direito, mas ao vincularmos nosso país a uma república, vários fatores de proteção à pessoa humana estão ali inseridos, mesmo que implicitamente 2. 1 DURAND, Jean-Dominique. Europa, globalizzazione e umanesimo latino in: PAVIANI, Jayme e DAL RI JÚNIOR, Arno (orgs). Globalização e Humanismo Latino. Porto Alegre: Edipucrs, 2000, p. 59. 2 PAVIANI, Jayme. O humanismo Latino no processo de globalização in: PAVIANI, Jayme e DAL RI JÚNIOR, Arno (orgs). Globalização e Humanismo Latino. Porto Alegre: Edipucrs, 2000, p.27 e 31. Revista da Faculdade de Direito UniRitter 13 2012 23

A relação entre a república romana e o estado contemporâneo: estado global e exercício soberano do poder Neste contexto o objetivo desta reflexão é relacionar o contexto histórico e os principais elementos da república romana e, quem sabe, refletir sobre sua aplicabilidade em nossa sociedade global exatamente por adotar este padrão de formação socio-político multicultural. 2 A CIDADE E SUA ESTRUTURA CONCEITUAL. Que aspectos da realidade contemporânea são próximas à república romana? Um aspecto é a abertura à alteridade. Tanto nós quanto os romanos tem algo em comum estamos diante de um lugar propício aos encontros e a circulação. Para nós uma realidade oportunizada pela implementação da rede de informação e comércio via internet e à época romana, pela amplitude política 3. O segundo elemento é caracterizado pelo discurso antropológico que coloca o homem como centro de toda organização social, alicerçada pelos valores da família e da autonomia local. Assim teremos um cuidado com a memória e a transmissão do pensamento. Para tanto, Roma era uma cidade aberta para a cultura e a educação. La memoria viva radica l evoluzione nel passato che fertilizza il presente e il futuro 4 Outro fator importante, vinculado ao antropocentrismo romano está na superioridade dos valores da liberdade e da dignidade da pessoa humana, em relação a todos os outros valores, incluse com relação à economia. Além deste, destacamos que a ação do homem, na comunidade, garante seu desenvolvimento, priorizando a família, a coletividade, a nação. Isto ocorre por meio da descentralização da tomada de decisões, trazendo coesão política, construíndo uma democracia que respeita aspectos locais e multiculturais 5. Por fim destacamos, ainda quanto ao fator antropológico, que a ação humana está vinculada em um ordenamento jurídico que organiza a liberdade, mantém uma coesão política, econômica e social da comunidade e, principalmente, através da idéia de um contrato social, que associa a diversidade ao universal e a justiça, fundam os Direitos Humanos 6. 3 INSTITUIÇÕES ROMANAS A cidade romana se opunha a cidade grega por vários aspectos, um deles é a atribuição da cidadania 7. Enquanto que os gregos eram restritivos quanto a concessão da cidadania, 3 DURAND, Jean-Dominique. Europa, globalizzazione e umanesimo latino, p. 60 4 DURAND, Jean-Dominique. Europa, globalizzazione e umanesimo latino, p. 62 5 DURAND, Jean-Dominique. Europa, globalizzazione e umanesimo latino, p. 62 6 DURAND, Jean-Dominique. Europa, globalizzazione e umanesimo latino, p. 63. 7 315 p 24 Revista da Faculdade de Direito UniRitter 13 2012

Marcos Aurelio Dusso chegando a excluir os bastardos o os descendentes de mães estrangeiras, os romanos atribuiam a cidadania aos escravos libertos (na grécia detinham a condição de metecos estrangeiros), com algumas restrições pessoais a estes, mas seus descendentes não possuiam algum tipo de limitação ao exercício da cidadania 8. Este fator não é nenhuma novidade na história romana, bastando lembrar que Roma concede ao homem livre estrangeiro o pleno direito de cidadania. Segundo Aymard e Auboyer, em 70 a.c. a cidade contava com 910.000 cidadãos 9. Que razões poderíamos mencionar sobre este fato? Dois aspectos são importantes, um que com o aumento de cidadãos aumenta a possibilidade de recursos econômicos e humanos para nutrir as cidades e as legiões. E o outro é de evitar as revoltas pelas queixas das pessoas. Opondo-se ao modelo de cidade restrita de Platão e Aristóteles, Roma adota modelos de instituições que tentam adapatar-se a esta nova realidade 10. A forma de governo de Roma, desde o fim do século VI a. C., é uma república. Período em que ocorreu a expulsão de Tarquínio e, por consequencia a queda da realeza e a libertação da supremacia etrusca. A partir deste detalhe começam as diferenças políticas da república romana. Aspectos religiosos exigiam a presença de um rei dos sacrifícios, que não poderia ocupar nenhuma função pública 11. Além disto, em caso de vacância das altas magistraturas recorria-se a um inter-rei com duração máxima de 5 dias, podendo ser prorrogado, mas com a troca da pessoa que exercia o cargo 12. Uma coisa é certa, os romanos execravam a figura política de um rei. Mas temos um fator importante vinculado a monarquia, as magistraturas, Políbio faz uma referência direta quando da instituição de um ditador para períodos excepcionais. O próprio sentido de magistratus representa não apenas a magistratura, ma o homem. Significa o mestre, o mais, ou seja, alguém a mais do que o cidadão. Ele não é um servidor da comunidade, um mero executor das decisões coletivas e demissível a qualque momento 13. 8 AYMARD, Andre; AUBOYER, Jeannine. Roma e seu imperio, vol. 3, p. 112 9 Idem AYMARD, Andre; AUBOYER, Jeannine. p. 112 10 GOETZ, Walter; BELOCH, Carlos Julio; DE SANCTIS, Gaetano. História Universal. Helade y Roma. Madrid, Espase-Calpe, 1970, Tomo II, Oitava edição, 291. 11 p. 115 12 Idem, AYMARD, Andre; AUBOYER, Jeannine. Roma e seu imperio p. 115 13 Como nas magistraturas gregas. Vide AYMARD, Andre; AUBOYER, Jeannine. Roma e seu imperio: as civilizacoes da unidade romana. 4 ed. Vol. 3. Rio de Janeiro: DIFEL, 1976. p. 116 e também FUSTEL DE COULANGES. A cidade antiga. São Paulo: Martin Claret, 2002. P, 198. Revista da Faculdade de Direito UniRitter 13 2012 25

A relação entre a república romana e o estado contemporâneo: estado global e exercício soberano do poder Uma vez instituído o magister é independente da comunidade e acima dela e exerce um poder autônomo que o transforma no representante da comunidade e no utilizador da autoridade. Poder, autoridade e imperium, três atributos as magistraturas e exercidas de forma caracterizar as diversas magistraturas romanas. O poder era a possibilidade de ação própria da magistratura 14, o imperium era o poder supremo da comunidade exercido sob a vida civil e militar, mas a autoridade era exercida sob várias formas dentre as quais podemos mencionar. Era o porta-voz entre a comunidade e as divindades, realizava os sacrifícios públicos, consagrava os novos templos, organizava as festas, dentre outras tarefas. Ornamentando e simbolizando esta autoridade, o magistrado possuía insígnias própria, com uma toga bordada na cor púrpura, em um parte, e totalmente em caso de chefia militar, nas cerimônias sentava-se na cadeira curul e os lictores precediam seu deslocamento carregando um feixe de varas e uma machado, simbolizando a sujeição e o castigo 15. Destes vários aspectos que lembram a monarquia a república se faz sentir na magistratura pelo retalhamento dos atributos por um conjunto de princípios constitucionais e consuetudinários. O tribunato da plebe tem o poder de paralisar todas as outras magistraturas. A ditadura, que fugia do sentido do colegiado, poderia durar apenas 6 meses; os censores poderiam abdicar após 18 meses, mas as demais magistraturas no final de um ano davam lugar aos seus sucessores, vedado a recondução imediata 16. Este magistrado possuía independência por seus atos, mas isto não retira o caráter individual e de responsabilidade por suas decisões, tanto que as decisões passavam por uma série de limitações. A intercessio representava o poder de oposição e anulação de uma decisão de uma magistrado feito por um superior, além disto, havendo magistraturas iguais poderia haver a obstinação de uma para paralisar o ato decidido. Em suma, o verdadeiro poder do magistrado é o veto 17. Outra característica era a imunidade do magistrado em relação a destituição e contra medidas jurídicas de responsabilidade por seus atos, contudo isto terminava quando extin- 14 Idem AYMARD, Andre; AUBOYER, Jeannine. Roma e seu imperio: p. 116 15 p. 118 16 Idem AYMARD, Andre; AUBOYER, Jeannine. p. 118 coloca que inclusive uma lei de meados do século II a.c. interdita o segundo consulado e somente Sila restabelece o período decenal para uma novo período. 17 p. 119 26 Revista da Faculdade de Direito UniRitter 13 2012

Marcos Aurelio Dusso guia a magistratura, podendo responder pessoalmente por atos decididos durante aquele período. Isto era importante para lembrar ao magistrado que ele poderia alterar o direito e os costumes, mas se sua decisão fosse contrária aos pareceres do Senado e dos costumes, ele responderia pelo ato. E contra o excesso na coerção havia a provocatio, onde se fazia um apelo ao povo, muito semelhante ao habeas corpus onde a assembléia popular decidia sobre a aplicação da pena corporal aplicada e constatando o exagero era trocada por uma multa e não poderia ultrapassar certo valor 18. Mas cabe lembrar que nem sempre estes limites funcionavam, como o que aconteceu com Cícero ao ordenar a morte por estrangulamento aos aliados de Catilina 19. Por fim, quanto aos magistrados cabe ressalvar seus tipos como o ditador, escolhido por um cônsul, mas a convite do Senado, com poderes absolutos e livre de qualquer veto e com o objetivo de conduzir as pessoas durante um perigo grave, o último foi em 261 a.c. e após evitou-se a nomeação 20. A censura era o ápice da carreira, nomeando 2 magistrados a cada 5 anos com o poder fiscalizatório de recenseamento de pessoas e bens e distribuição dos cidadão em classes e centúrias. O consulado é o magistrado por excelência, com o poder do imperium, domi e militiae. Ficam um ano em Roma e um ano fora, como proconsules 21. O pretor perde prestígio com a instituição do consul, possuem o imperium e dois ficam encarregado de administrar a justiça, ao final do governo de Cesar, somam 16 22. Por fim destacamos os representantes da plebe, dois edis plebis e edis curuis que cuidam da fiscalização, conservação e policiamento das ruas e mercados e organização dos jogos, eleitos de dois em dois anos 23. E os questores que cuidam da gestão financeira 24. E a instituição por trás destas formas limitadoras, sem dúvida, é a Assembléia, o Senado e sua estrutura estava a um passo das formas representativas atuais. 18 p. 119 19 Idem AYMARD, Andre; AUBOYER, Jeannine. p. 119 20 p. 120 21 p. 121 22 Idem AYMARD, Andre; AUBOYER, Jeannine. p. 121 23 p. 120 24 Idem AYMARD, Andre; AUBOYER, Jeannine. p. 121 Revista da Faculdade de Direito UniRitter 13 2012 27

A relação entre a república romana e o estado contemporâneo: estado global e exercício soberano do poder A organização se deva não pelo voto individual de cada cidadão, mas com a distribuição dos grupos de cidadão representativos de cada comunidade participante do populus romanus. Basta lembrar que no início do século III a.c. eram 250.000 cidadãos e no ano de 70 a.c. um milhão 25. Assim que os comícios por tribos reuniam cidadãos em 35 tribos, quatro urbanas e trinta e uma rústicas 26. Com competência para votar os plebiscitos. O Senado, cujo número pode ser de 300, 600 ou 900 conforme o momento histórico, nomeados por meio de uma lista elaborada pelo censor 27. Compete designar as províncias aos magistrados, designa as embaixadas romanas e recebe as estrangeiras, fixa o contingente militar por magistrado, recebe relatórios dos generáis, julga os magistrados responsáveis pelo governo de províncias, possui poderes religiosos, e questões administrativas locais das mais variadas como a emissão de moeda 28. Além das instituições cabe ressaltar o papel do direito nesta limitação aos poderes, assim que falar em Direito não é somente falar no fenômeno legislativo, a proposta do jurisconsulto Cícero é debater sobre o Direito como um fenômeno Universal e por isso as três primeiras assertivas podem ser concretizadas no âmbito jurídico-filosófico como (i) qual a natureza do homem (ii) examinar as normas instituídas entre os Estados e (iii) as normas de uso de todas as comunidades 29. Cícero afirma e este é o argumento central para buscar o conceito de Direito e os três aspecto supra mencionados: Por isso, sustenta-se que a razão prática é a lei cuja força consiste em exigir as boas ações e vetar as más; essa lei tira seu nome grego de nomos no significado de dar a cada um o seu, e eu, de minha parte, tenho que seu nome latino está vinculado à idéia de eleger. Os gregos subordinam a palavra lei à equidade; nó, os romanos, acentuamos a força da lei na escolha: um é outro conceito são atributos da Lei. Se tudo o que foi dito é certo, como creio que genericamente o é, a origem do Direito está na Lei. Ela é a força da Natureza; ela, a mente e a razão prática; ela, o critério do justo e do injusto. Porém, como essa discussão versa temas de interesse popular, popularmente devemos nos expressar, denominando de lei a disposição escrita que autoriza ou proíbe o desejado objeto. Assim, 25 p. 127 26 Além desta tinhamos as cúrias e as centúrias, a primeira com função de atribuir o imperium aos novos magistrados e a segunda que a organização do povo, uma por tribo, com 35 centúrias de idosos (mais de 46 anos) e 35 de jovens, menciona-se umas 368 centúrias (até de músicos e pobres), segundo AYMARD, Andre; AUBOYER, Jeannine. Roma e seu imperio: as civilizacoes da unidade romana. 4 ed. Vol. 3. Rio de Janeiro: DIFEL, 1976. p. 129 27 p. 132 28 p. 136 29 CICERO, op. cit., 2004, p. 47. 28 Revista da Faculdade de Direito UniRitter 13 2012

Marcos Aurelio Dusso para definir o Direito, o ponto de partida será aquela Lei suprema que pertence a todos os tempos e já estava em vigor quando não existia lei escrita, nem estado constituído 30. A finalidade da vida humana consiste em agir segundo os preceitos da razão prática que afirma que o homem deve exigir as boas ações e vetar as más. O ser humano consiste em desenvolver sua Natureza sob os aspectos da racionalidade, da Lei (sob o enfoque da escolha e da equidade) e da razão prática. Ser humano é estar desenvolvendo a sua Natureza e o Direito parte do pressuposto do desenvolvimento humano. Não existe Direito, não existe Estado, não existe legislação escrita quando o ser humano não se desenvolve. Para definir o que seja Direito devemos buscar o desenvolvimento humano e uma Lei suprema pertencente a todos os tempos. Se estes atributos estão inscritos na Natureza Humana, quem inscreveu?...tua concessão leva-nos a reconhecer que este animal cauteloso, sagaz, complexo, esperto, dotado de memória, cheio de razão e de prudência, a que chamamos homem, recebeu do supremo deus a existência que o coloca em lugar eminente... E se nada há de superior à razão e que esta é encontrada no homem e em deus, resulta, então, que a razão é o vínculo da primeira associação que se estabelece entre o homem e deus. E aqueles que possuem a razão em comum também participam da reta razão: sendo essa a Lei, a Lei é outro vínculo existente entre os homens e os deuses. Os que possuem a Lei em comum também participam em comum do Direito, e os que compartilham da mesma Lei e do mesmo direito devem ser tidos como membros da mesma sociedade 31. Foi deus que inscreveu estes atributos no homem e, além disto, a racionalidade humana permite que ele participe de algo que é comum, uma comunidade comum, com um elo de ligação entre deus e os homens, ou seja, a razão em prol do correto e a Lei, que possibilita o entendimento entre os homens. O pertencer à natureza humana permite que partilhemos de algo comum, ou seja, a Lei, e que as impressões são idênticas em todos, apesar da mente expressar discursos em termos distintos e de significados diferentes 32. 30 CICERO, op. cit., 2004, p. 48. 31 CICERO, op. cit., 2004, p. 49 e 50 além da passagem Com efeito, quando se examina a natureza dos homens, costuma-se afirmar com razão que... recebeu o dom divino da alma e os atributos humanos, pertencentes à categoria das coisas mortais, que são frágeis e efêmeras; a alma, porém, tem sua nascente em deus. p. 50 além disto ver página 52 onde afirma Essas impressões que são as primeiras noções a que me referi são idênticas em todos, e a mente, ao expressar o discurso, mesmo empregando termos distintos, expressa significados semelhantes. 32 Cf. CICERO, op. cit., 2004, p. 50. Revista da Faculdade de Direito UniRitter 13 2012 29

A relação entre a república romana e o estado contemporâneo: estado global e exercício soberano do poder A finalidade humana é participar do Direito e em comum desenvolvê-lo, mas como cada pessoa leva consigo virtudes e vícios ou maus costumes estes podem obscurecer as fagulhas da virtude que expressa nossa Natureza. De uma característica que nos conecta poderíamos levar o argumento para uma justificativa para a obediência de leis justas ou questionar a justiça das leis dos governantes? Esta Lei sendo una para todas as pessoas faz com que possamos julgar as leis editadas pelas pessoas como justas. O critério a ser verificado é a justiça e jamais a utilidade das leis, pois ela, a utilidade desvirtua qualquer comunidade 33. 4 CONCLUSÃO A República Romana nos leva a pensar no estado contemporâneo por inúmeras razões, a primeira, é que a cidadania é algo cada vez mais agregador de uma diversidade e de respeito à pessoa humana que necessita de um modelo de organização social que leve o interesse e as necessidades de cada grupo para a coletividade e que isto seja orientador das políticas públicas. Que as leis e a preservação dos direitos humanos sejam pautas de conduta e orientação desta organização político-social. E, por mais paradoxal que possa parecer, Roma com as limitações ao poder, as formas representativas das várias classes de pessoas, por meio de magistrados, e a responsabilidade das decisões políticas e a supremacia da justiça conseguem, ainda hoje, ser uma fonte de inspiração. REFERÊNCIAS AYMARD, Andre; AUBOYER, Jeannine. Roma e seu imperio: as civilizacoes da unidade romana. 4 ed. Vols. 3, 4 e 5. Rio de Janeiro: DIFEL, 1976. CICERO, Marco Túlio. Tratado das Leis. Caxias do Sul: Ediucs, 2004. FUSTEL DE COULANGES. A cidade antiga. São Paulo: Martin Claret, 2002. 421 p. GOETZ, Walter; BELOCH, Carlos Julio; DE SANCTIS, Gaetano. História Universal. Helade y Roma. 8.ed. Madrid: Espase-Calpe, 1970. PAVIANI, Jayme; DAL RI JÚNIOR, Arno (orgs). Globalização e Humanismo Latino. Porto Alegre: Edipucrs, 2000. MARCOS AURELIO DUSSO Mestre em Direito do Estado e Teoria do Direito UFRGS Professor das Faculdades de Direito UNIRITTER e DOM BOSCO Integrante da Comissão de Justiça e Paz da CNBB/RS Pesquisador vinculado ao grupo Direitos Humanos: Eficácia e Fundamentação madusso@ hotmail.com 33 Cf. CICERO, op. cit., 2004, p. 57. 30 Revista da Faculdade de Direito UniRitter 13 2012