AS ESCOLAS RADIOFÔNICAS E O ENSINO DE MATEMÁTICA NO RN



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Transcrição:

AS ESCOLAS RADIOFÔNICAS E O ENSINO DE MATEMÁTICA NO RN Márcia Maria Alves de Assis Universidade Federal do Rio Grande do Norte - UFRN marciageomat@ig.com.br Liliane dos Santos Gutierre Universidade Federal do Rio Grande do Norte - UFRN liliane@ccet.ufrn.br Resumo: Nesta apresentação nos remeteremos a nossa pesquisa de mestrado, em andamento, intitulada O ensino de matemática pelas escolas radiofônicas no RN, no período de 1950 a 1970. Fazemos parte do Programa de Pós-Graduação em Ensino de Ciências Naturais e Matemática da UFRN. Nossas inquietações se deram no surgimento de alguns questionamentos em relação ao funcionamento das escolas radiofônicas, como: Quais os materiais e métodos de ensino utilizados? Como os monitores eram treinados para assumir tal função? Como os conteúdos de matemática eram abordados pelo professorlocutor? Como os alunos desenvolviam suas tarefas de matemática? Desse modo, a pesquisa objetiva focalizar o percurso histórico do ensino da matemática pelas escolas radiofônicas. Até o momento a pesquisa nos mostra que, a necessidade da criação das Escolas Radiofônicas no RN nasceu no seio das ações sociais desenvolvidas pela igreja católica e que foi a partir de 1948 que as atividades sociais e religiosas desenvolvidas pela Diocese de Natal foram caracterizadas como um movimento de Ações Sociais e Culturais, posteriormente denominado de Movimento de Natal. E, no contexto deste movimento, em 1958 é consolidada a experiência radiofônica com a transmissão da 1ª aula. Palavras-chave: Escolas Radiofônicas; Ensino; Matemática. INTRODUÇÃO As Escolas radiofônicas no Rio Grande do Norte(RN) nasceram como uma forma de levar à população do meio rural um programa de alfabetização permeado por significados que objetivava esclarecer essa parcela da população sobre suas condições de vida e seus direitos, no contexto social, político e econômico, que lhe era negado. condições de vida dessa população eram precárias, além das periódicas secas que atingia o homem do campo, que vivia da agricultura. Faltavam-lhes educação, saúde e outros serviços essenciais a uma sobrevivência digna. A necessidade de alfabetização dessa população se fazia necessária, pois a falta dela dificultava suas lutas por melhores condições de vida. Paiva (2009, p. 49) destaca: os índices de analfabetismo eram altos, particularmente no meio rural, dificultando, muitas vezes o avanço dessas lutas. As 1

A necessidade da criação das Escolas Radiofônicas nasceu no seio das ações sociais desenvolvidas pela igreja católica, pois a partir de 1948, as atividades sociais e religiosas desenvolvidas pela Diocese de Natal foram caracterizadas como um movimento de Ações Sociais e Culturais. Daí o nome de Movimento de Natal. (PINTO, 1989, p. 93). Entre os pioneiros do Movimento de Natal, destacam-se, D. Eugênio de Araújo Sales, D. Nivaldo Monte e Monsenhor Expedito, além de outros representantes do clero, estudantes universitários, profissionais liberais e leigos engajados na ação pastoral da Igreja Católica. Foi no ano de 1949, visando expandir sua ação no meio rural, que a igreja católica criou o Serviço de Assistência Rural (SAR). Além de outras atividades desenvolvidas pelo SAR, a criação das Escolas Radiofônicas, caracterizou-se como um modelo de educação rural que posteriormente foi abarcado pelo Governo Federal e levado a diversos estados brasileiros. Em 1958, no RN, na Arquidiocese de Natal, as Escolas Radiofônicas foram consolidadas pelo bispo D. Eugênio de Araújo Sales. Ele tomou como modelo a experiência em Educação pelo rádio, realizada pelo Mons. Salcedo, na Paróquia de Sutanteza, na Colômbia, embora lá essa experiência não tivesse recepção organizada (PAIVA, 1997). O Padre Eugênio Sales conheceu na década de 1940, por meio de uma revista americana o trabalho educacional, no meio rural da Colômbia, utilizando uma emissora de rádio, a rádio Sutatenza. Era o começo de um sonho de criar experiência semelhante, em Natal, que só se concretizou em 1958, com a instalação da Rádio Rural de Natal. Aliás, o sonho começou a ser cultivado em 1947, no Rio de Janeiro, quando o Pe. Eugênio participava de um Congresso Latino Americano sobre Educação na Vida Rural. Lá, ele conheceu o Pe. José Joaquim Salcedo, diretor da Rádio Sutatenza, que lhe contou a experiência colombiana. Daí, surgiu a idéia do padre natalense ir pessoalmente à Colômbia para verificar in loco a iniciativa (MEDEIROS, 2005, p. 74). Assim, em 20 de setembro de 1958, é transmitida a 1ª aula radiofônica do Sistema de Natal, junto a Diocese de Natal e o SAR. A primeira aula da Rádio Rural no RN é transmitida e sintonizada por 69 escolas de comunidades rurais dos municípios de São 2

Paulo do Potengi, Macaíba, São José do Mipibu, São Gonçalo do Amarante, Ceará-Mirim e Touros. As aulas eram transmitidas por um professor-locutor e assistidas por monitores, junto com os alunos. O CONTEXTO DO MEB E DAS ESCOLAS RADIOFÔNICAS DO RN Em 21 de março de 1961, a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) firmou convênio, por meio do Decreto 50.370, com o Ministério da Educação, dando origem ao Movimento de Educação de Base (MEB). A partir daí, o MEB passou a assumir o ensino radiofônico, na Arquidiocese de Natal e em outras regiões do País. Essa experiência constituiu um marco histórico da educação no Brasil, sendo uma iniciativa da igreja católica, Arquidiocese de Natal. Conforme Paiva (2009, p. 61): A proposta inicial foi enviada pela CNBB ao recém eleito presidente da República, Jânio Quadros, que anunciou através de carta datada de 28 de novembro de 1960 o seu apoio à proposta formulada. Em 21 de março de 1961, mediante o Decreto n. 50.370 foi estabelecido que o Governo Federal forneceria recursos para concretização do MEB, delegando a responsabilidade da sua execução à CNBB. Portanto, o MEB estava vinculado à CNBB através do Conselho Diretor Nacional (CDN), que era constituído por bispos das áreas de abrangência do Movimento e por mais dois leigos, sendo um deles representante do Presidente da República. Assim, o MEB tinha o objetivo de cooperar na formação integral de adultos e adolescentes, nas áreas menos desenvolvidas do país. O MEB tinha em sua estrutura, em nível nacional, um Conselho Diretor Nacional (CDN), composto por 9 bispos e arcebispos, e 2 leigos, sendo um representante do Presidente da República. Em cada Estado, um Conselho Diretor Estadual (CDE), composto pelos bispos locais. Para cada Sistema Local, cabia ao bispo diocesano a responsabilidade da orientação dos serviços. Os leigos eram orientados pela Comissão Executiva Nacional (CEN), que dependia do CDN, que orientava as atividades das Equipes Estaduais (EE), das quais dependiam as Equipes 3

Locais (EL). Conforme Wanderley (1984, p. 52) fazia parte da organização do MEB, uma Diretoria Executiva Nacional, constituída pelo presidente e vice-presidente do CDN e por um secretário. Papel importante teve o Secretário Central, com sede na Guanabara, a quem competia criar e organizar os Sistemas novos, treinar e selecionar o pessoal para as EL, organizar as EE e coordenar, técnica e administrativamente, o trabalho em todo país. Com destaque na estruturação nacional funcionava a Equipe Nacional, constituída pela CEN, suas assessorias e departamentos, técnicos e administrativos. Cabia a Equipe Local, planejar, executar e coordenar o programa local de educação de base, por meio da unidade nuclear do Movimento, o Sistema Radioeducativo, que atingia uma área determinada. Neste momento, gostaríamos de salientar que, na década de 1950, a igreja católica enfatizou a participação de jovens em trabalhos de grupos, como movimento de ação católica: Juventude Agrária Católica (JAC), Juventude Estudantil Católica (JEC), Juventude Operária Católica (JOC) e Juventude Universitária Católica (JUC). A política econômica capitalista passou a ser questionada pelos sindicatos rurais e por grande parcela da classe média, reivindicando melhoria salarial, saúde, educação, reforma de base - dentre elas a reforma agrária (WANDERLEY, 1984). Desse modo, a Educação Rural surge como uma das alternativas para resolver os problemas do campo. Conforme descreve Pinto (1989, p. 63): Nesse sentido, foram realizadas reuniões, seminários e conferências de âmbito nacional e internacional. Durante o Seminário Internacional de Educação de Adultos, realizado em Petrópolis, 1949, foi proposto que se iniciassem os estudos com a finalidade de realizar serviços de Educação de Base em nosso país. Das relações entre o Ministério da Agricultura do Brasil e Organizações Americanas, foi assinado um acordo para implantação da Educação Rural, surgindo diversos modelos de Educação de Base, baseados na educação americana. Dessa forma, se expande no Brasil, principalmente na região Nordeste, região marcada pela exploração da 4

mão-de-obra do trabalhador rural e pelas constantes secas, os movimentos de educação de base (MEB). Então, o MEB, se constituiu num movimento da igreja católica que, juntamente com a JUC e com o Sindicalismo Rural, levou a uma redefinição da atuação da prática dos cristãos na sociedade brasileira, introduzindo a questão política na década de 1960 e reascendendo nos anos de 1970. De acordo com Wanderley (1984, p.16): o MEB desenvolveu uma original pedagogia popular, engendrando subsídios concretos para uma efetiva integração da teoria com a prática, para investigação militante, para a educação libertadora. Nesse contexto, na década de 1960, o Brasil é palco de algumas propostas de alfabetização e cultura popular, dentre as mais expressivas, o Movimento de Cultura Popular, Os Centros Populares de Cultura, O Sistema Paulo Freire e a Campanha de Pé no Chão Também se Aprende a Ler (WANDERLEY, 1984). Sendo, essas duas últimas desenvolvidas no estado do Rio Grande do Norte. Sobre algumas dessas propostas, ressalta Pinto (1989, p. 65): Vale salientar que o clima de liberdades democráticas que caracterizou o período do governo Kubitschek (1956/1961) favoreceu a formação de um movimento de expressão popular com práticas de cunho educativo e político, promovido por intelectuais de esquerda e da igreja católica. Uma das ações do MEB foi a instituição das Escolas Radiofônicas, baseada na experiência da diocese de Natal, a fim de levar a educação às comunidades rurais, como também, implementar a integração de estudos teóricos e práticos. Foi na região Nordeste que o MEB começou a atuar de maneira sistemática, tendo como principais Estados, o Rio Grande do Norte, Pernambuco, Sergipe, Ceará e Bahia, e o auge de sua atuação se deu entre 1961 a 1966, período que contou com a participação de uma vasta equipe de trabalho em diversos Estados do Brasil, e o RN foi palco da ação pioneira nas emissoras radiofônicas, com destaque na ação social da igreja pelo Movimento de Natal (WANDERLEY, 1984). Dessa forma, o Movimento de Natal, com a participação de grupos de jovens e o SAR no estado do Rio Grande do Norte foi responsável por diversos serviços prestados à população do meio rural, dentre esses serviços está incluso o das Escolas Radiofônicas. 5

Em 10 anos de atividades, em articulação com entidades governamentais, o SAR cumpriu vasto programa de trabalho, dos quais: (1) promoveu treinamento de líderes e jovens; (2) estimulou a organização de cooperativas e centros de artesanatos para melhoria da economia das comunidades; (3) cuidou do problema da assistência a infância suscitando a criação de maternidades, clubes de mães e jovens, e obras de menores; (4) contribuiu para a elevação do nível cultural das populações rurais através de projetos de ensino médio, federação de clubes agrícolas, emissoras de Educação Rural e do Jornal Vida Rural ; (5) contribuiu para a solução do problema de habitação através de construção de Casas Populares para a Zona Rural; (6) alcançou - a Emissora de Educação Rural - 27 municípios do Estado, dispondo de 500 receptores cativos e conta com milhares de alunos nas Escolas Radiofônicas e inúmeros ouvintes nos grupos de recepção organizados (RELATÓRIO DE 10 ANOS DE ATIVIDADES DO SAR, 1960). Então, o SAR desenvolveu diversos serviços voltados para o homem do campo. Um dos serviços de grande repercussão foi o ensino pelo rádio por meio das Escolas Radiofônicas, como falamos anteriormente. SOBRE O FUNCIONAMENTO DAS ESCOLAS RADIOFÔNICAS DO RN Inicialmente, a equipe do SAR contava com grupo de jovens, técnicos e professores. A primeira professora-locutora, Carmem Fernandes Pedroza, era professora da rede pública municipal de Natal (PAIVA, 2009). Posteriormente, um professor-locutor da disciplina de Matemática, foi o professor João Faustino de Ferreira Neto, que revelou a Gutierre (2008, p. 155) que dar aulas pelo rádio foi um grande desafio na sua carreira como professor de matemática: Eu ensinei Matemática pelo rádio. [...]. Na Escola Radiofônica preparava os alunos para o Exame de Madureza, naquela época já denominado supletivo. Eu me considerava como um mágico. Porque você se vê num estúdio de rádio e ao mesmo tempo você imaginar uma população enorme, em casas pobres de taipa, de barro, captando apenas as ondas daquele rádio. Essas pessoas se prepararam para o exame e muitas foram aprovadas, algumas até fizeram outros exames e concluíram o curso 6

superior. [...]. Em cada localidade do interior do Estado, existia um radinho, radinho de baquelite, era movido por uma bateria de automóvel, aquela bateria descarregava, então, de 15 em 15 dias, passava um jipe trocando as baterias. Várias pessoas se reuniam e com um monitor, uma pessoa que ajudava a esses estudantes a aprenderem Matemática e a passarem nos Exames que faziam. Você imagina o que é uma pessoa fazer, por exemplo, a dedução da fórmula da equação do 2 grau, e entender tudo aquilo. Mas, como professor da Escola Radiofônica, me sentia um mágico. [...] Então, eu me sentia realmente como alguém que produzia algo diferente. Tinha a sensação que estava transmitindo conhecimento matemático a milhares de pessoas. Essas aulas eram transmitidas, pela manhã, às 6 horas da manhã e à noite. [...]. À noite eu escutava minhas aulas, quando ia dar aula no outro dia pela manhã. E quando eu saía da gravação eu podia ouvir pelo rádio. Não era fácil, mas foi uma grande experiência. [...]. Os Exames, para os alunos, eram feitos pela divisão seccional. Mas eu tinha notícia de que muitos alunos eram aprovados (GUTIERRE, 2008, p. 155). Enfim, em cada localidade onde o rádio receptor era instalado, havia um monitor que era uma pessoa da comunidade, esses tinham pouca escolaridade, porém eram os de nível escolar mais elevado da região, por isso, escolhidos pela equipe educacional do SAR para serem monitores. Cabia a eles a tarefa de orientar os alunos, no decorrer das aulas transmitidas pelo professor-locutor, por meio da Emissora de Educação Rural. O monitor também informava a equipe educacional do SAR, por meio de cartas, as necessidades da escola e dúvidas dos alunos. As turmas também eram formadas pelos monitores, que faziam o cadastro desses alunos e utilizavam o espaço físico de sua própria casa para o funcionamento da escola. Muitas vezes, as salas de aula funcionavam na sala, no pátio, ou no quintal de suas casas. Sobre o andamento das aulas, nos revela a monitora Maria das Dores Nascimento, da localidade de Logradouro-Lagoa Salgada(RN), em entrevista recente concedida a nós: Eu assistia com eles e depois eu passava pra eles, pra quem não entendesse, quem não tava entendendo bem. Por que sabe, a pessoa do mato não vai saber de nada. Aí eu entendia. Naquela época eu entendia das coisas e passava pra eles. Aí passava pra os cadernos deles e eles respondiam muito bem, graças a Deus. Pelo menos eu entendia muitas coisas, mas hoje eu não tenho nada na minha cabeça, tudo daquilo passou..., é a idade. (MARIA DAS DORES DO NASCIMENTO. Depoimento Oral.) 7

A monitora Maria das Dores do Nascimento participou da experiência das Escolas Radiofônicas na década de 1960. Ela afirma que foi convidada para ingressar no programa, como monitora, pela amiga Maria Ibanês, monitora da comunidade de Catolé, pertencente ao mesmo município. Maria das Dores permaneceu por três anos no Projeto de Alfabetização pelas Escolas Radiofônicas, iniciando com uma turma de 28 alunos, na sala de sua própria casa. Atualmente é professora aposentada da rede estadual de ensino, do município de Lagoa Salgada (RN). As condições físicas dessas salas de aula eram bastante precárias e nessa época, as comunidades rurais não contavam com o fornecimento de energia elétrica nem água potável, portanto, as aulas que aconteciam no turno noturno, eram realizadas à luz de lamparina. Já, o rádio, receptor das aulas recebiam alimentação de bateria de automóvel. Os alunos eram em sua maioria, agricultores que trabalhavam o dia inteiro e à noite freqüentavam as aulas, que era talvez a única forma de aprenderem a ler e escrever. Conforme afirma Maria das Dores: Tudo que aprenderam foi comigo por que não foram mais pra escola. Todo mundo já sabia fazer o seu nome direitinho (MARIA DAS DORES DO NASCIMENTO. Depoimento Oral). As aulas radiofônicas eram planejadas seguindo o método global, que, segundo Paiva (2009), respalda-se no método analítico-sintético, apoiado em princípios de psicológicos e metodológicos com procedimentos que parte do todo, para decompor em partes. Esse método não se constituía uma inovação, era utilizado nas escolas do Ensino Fundamental da rede pública do Estado do Rio Grande do Norte. O novo foi sua aplicação através do rádio, direcionada a jovens e adultos, utilizando uma temática relacionada à realidade do campo, possibilitando o questionamento dessa realidade. O novo foi aplicar o mencionado método a uma educação diferente que não negava o saber do homem do campo, mas a partir dele procurar contribuir para a construção de novos conhecimentos que pudessem ajudá-lo na melhoria de suas condições de vida, permitindo-lhe crescer, não apenas individualmente, mas junto com as pessoas de sua comunidade. Educação que, dessa forma, poderia motivar os camponeses a lutarem unidos pela modificação das condições injustas em que viviam, a se sentirem participantes da vida de sua comunidade, do Estado e até mesmo do País e do Mundo. (PAIVA, 2009, p. 26) 8

Portanto, o método global, utilizado pelas escolas radiofônicas, permitia, a partir de um tema, abordar os conteúdos das disciplinas básicas. Conforme a monitora Maria das Dores do Nascimento as orientações recebidas por meio das aulas pelo rádio, continham assuntos das disciplinas de Português, Matemática, Ciências e História. Porém, ela tinha muita dificuldade de trabalhar os conteúdos de Matemática e por isso não conseguia ensinar aos seus alunos, além do conteúdo que ela dominava. Quando perguntamos se ela ensinava probleminhas, nos revelou que só fazia contas: É só contas de somar, diminuir, eram essas coisas que só passava pra eles, só contas. Eu nunca fui boa em matemática, nunca. Passava contas de somar, diminuir. Pra mim as contas melhor que eu já fiz. Agora de dividir nunca aprendi. Multiplicar também, vige Maria, pra mim era um bicho de sete cabeças. E pra eles que não sabiam nada... (MARIA DAS DORES DO NASCIMENTO. Depoimento Oral.) A monitora Maria das Dores trabalhava com uma turma de alfabetização, mesmo permanecendo por muitos anos na função de professora. Segundo ela, se aposentou no ano de 2004, mas até hoje não superou suas dificuldades em relação à matemática. Entendemos que essa realidade, de professores com pouca formação, era comum a maioria dos monitores que iniciaram com as primeiras turmas de alfabetização, pois, no início, as Escolas Radiofônicas eram destinadas apenas às turmas de alfabetização, depois a pedido dos alunos já alfabetizados, foram criadas turmas do 2º ano, para dar continuidade aos seus estudos. Essas novas turmas correspondiam ao segundo ano do ensino primário da escola oficial da época. Posteriormente, foram criadas turmas de 3º, 4º e 5º anos, relativos ao curso primário completo, que conforme Paiva (2009) isso ocorreu no ano de 1963. A nossa pesquisa ainda está em andamento, portanto há ainda muitas lacunas a serem preenchidas, principalmente no que se refere ao ensino de matemática pelo rádio no Sistema Natal, escolas radiofônicas do RN, objeto de estudo da pesquisa. REFERÊNCIAS GUTIERRE, Liliane dos Santos. O Ensino de Matemática no Rio Grande do Norte: trajetória de uma modernização (1950-1980). 2008. Tese (Doutorado em Educação) - Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Natal, 2008. 9

MEDEIROS, Cacilda Cunha de. A rádio Rural. 2005. Monografia. (Trabalho de conclusão do curso de Comunicação Social: habilitação em jornalismo). Faculdade de Jornalismo, Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Natal, 2005. PAIVA, Marlúcia Menezes de (Org.). Escolas Radiofônicas de Natal: uma história construída por muitos (1959-1966). Brasília: Liber Livro Editora, 2009. PAIVA, Marlúcia Menezes de. Sociedade, educação e religião: o caso da ação educativa da Arquidiocese de Natal (1944-1964). Revista Educação em Questão,v. 7,n12, p. 107-123, jan./dez. 1997. PINTO, Maria Lúcia Leite. Escolas Radiofônicas: ação política e educacional da Igreja Católica no Rio Grande do Norte (1956 1961). UFRN / Departamento de Educação, Natal, 1989. RELATÓRIO DE 10 ANOS DE ATIVIDADES DO SAR: prestação de contas. Diocese de Natal, 1960. (mimeo). WANDERLEY, Luiz Eduardo W. Educar para transformar: Educação popular Igreja Católica e política no Movimento de Educação de Base. Petrópolis: Vozes, 1984. 10