MUSICOGRAFIA BRAILLE. A partitura musical em braille como recurso na educação musical de cegos



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Transcrição:

MUSICOGRAFIA BRAILLE A partitura musical em braille como recurso na educação musical de cegos Isabel Cristina Dias Bertevelli isabertevelli@uol.com.br http://isabelbertevelli.blogspot.com Resumo: O artigo pretende mostrar um panorama geral da educação musical de cegos e alguns aspectos da Musicografia Braille, evidenciando sua importância nesse contexto e que nos faz refletir sobre algumas ações: como se processa a formação e o desenvolvimento musical de deficientes visuais e a aprendizagem da Musicografia Braille como recurso nesse desenvolvimento. Qual sua importância nos dias atuais e quais os projetos futuros? Qual o papel do educador musical frente ao desafio da inclusão de pessoas deficientes? Questões que antes de serem respondidas devem servir de parâmetros para a reflexão e condutas no caminho de uma Educação Musical que privilegie a pessoa, com suas dificuldades e habilidades. Palavras-chave: musicografia braille; partitura em braille; formação de educadores. Desde a década de 1990 a inclusão social, especificamente de pessoas deficientes, tem sido muito abordada entre nós, seguindo a filosofia segundo a qual todos os alunos podem aprender e fazer parte da vida escolar e social. A diversidade é valorizada, fortalecendo a todos que convivem juntos em uma mesma situação de ensino-aprendizagem. Dessa maneira, a inclusão escolar é incontestável e passa a ser foco de vários pesquisadores e educadores, mesmo não obtendo ainda os resultados que gostaríamos. Na música, não poderia ser diferente. Atualmente no Brasil, há uma crescente procura dos deficientes visuais 1 pelos cursos de música e nos deparamos com três problemáticas básicas: a falta de formação de educadores para atender essa clientela, seja em escolas de música ou em escolas regulares, a falta de cursos específicos de Musicografia Braille, tanto para deficientes visuais quanto para educadores, e a escassez de material musical em braille ou o difícil acesso a ele, o que compreende partituras, livros de música e softwares específicos para transcrição musical. Essas problemáticas perpassam pelo conteúdo da Musicografia Braille, como recurso na educação musical de cegos, ou seja, para termos uma educação musical de qualidade, tanto na formação de educadores quanto o material específico a ser produzido, o conhecimento da escrita musical braille pode fazer toda a diferença. É evidente que não se pode limitar a educação musical à 1 Os deficientes visuais são divididos em: cegos e baixa visão. Abordaremos aqui apenas questões referentes à educação musical de cegos por utilizarem o Sistema Braille. Ressaltamos a importância de se produzir material ampliado e de boa qualidade para o aluno com baixa visão.

leitura e escrita de uma partitura ou ao aprendizado exclusivamente formal desta. Todo o trabalho de musicalização deve ser evidenciado. Quanto ao acesso à música em braille, ainda encontramos lacunas nesse tipo de atuação. Para preenchê-las, ainda que de maneira simples, existem poucas instituições de deficientes visuais que se dedicam oficialmente ao ensino da notação musical em braille, à produção de material específico e à formação do educador que desenvolverá um trabalho nessa área ou que poderá receber esse aluno nas escolas regulares ou em cursos de música. Dentre essas instituições de que temos informações estão: o Instituto Benjamin Constant (1854), no Rio de Janeiro; Instituto São Rafael, atual Escola Estadual São Rafael (1926), em Belo Horizonte, Fundação Dorina Nowill para Cegos (1946) e o Instituto de Cegos Padre Chico (1928), ambos na cidade de São Paulo. Nesse momento de mudança, com a volta da música nas escolas e com a preocupação constante em atender todos, com suas habilidades, necessidades e diversidade, devemos propiciar aos alunos oportunidades reais para que se desenvolvam e que possam ter acesso à música, inclusive à partitura em braille, promovendo verdadeiramente uma Arte para Todos. Educação Musical de cegos e o acesso à partitura musical Os cegos não são mais sensíveis à música que outras crianças, mas a música pode ter para eles um significado especial... J. Alvin Não é novidade entre nós o fato de considerarmos todo cego um bom músico, com ouvido privilegiado, que capta todo e qualquer som e ainda sabe exatamente qual a nota de um objeto que cai. O trabalho musical com deficientes visuais, especialmente com os cegos, parece simples e óbvio, pois supõe-se que eles possuem uma faculdade auditiva excepcional, o que é verdade somente em parte. Ele não nasce com um aparato auditivo perfeito ou melhor, porém, a deficiência o obriga a desenvolver uma capacidade muito grande para escutar e todos os meios capazes de contribuir para o desenvolvimento dessa capacidade são valiosos, já que a maioria dos contatos com o mundo depende da sua percepção e interpretação do som. É necessário educar essa sensibilidade e percepção auditiva. Assim, a educação musical dos cegos, não é diferente das pessoas que enxergam; envolve percepção auditiva e o fazer musical contextualizado dentro de um processo de musicalização, ou seja, de uma prática em que os alunos participam de uma vivência musical ampla e enriquecedora.

MASINI, em seu artigo sobre algumas considerações sobre a educação de deficientes sensoriais (que engloba os deficientes visuais), faz uma abordagem sobre as crianças videntes (que são as pessoas que enxergam) e deficientes, em relação à sua educação. Quando se trata de uma criança com alguma deficiência sensorial, é importante que o educador conheça o que é específico para sua educação. Para sua tranquilidade, porém, é importante que saiba que essa criança tem mais semelhanças do que diferenças com a criança que não tem deficiência sensorial. (MASINI, 2002, p. 77) Sem dúvida essa é uma ideia compactuada por nós. Apesar das muitas semelhanças, existem uma que faz a grande diferença, que é a oportunidade dada ao deficiente. Enquanto qualquer pessoa, independente de ser deficiente ou não, tem habilidades e dificuldades musicais, a pessoa com deficiência muitas vezes ainda é barrada em cursos regulares de música pela mesma problemática abordada anteriormente: falta do educador que saiba trabalhar com essa clientela e falta de material específico, diminuindo suas oportunidades de acesso à música, comprometendo também sua inclusão. A questão é mais ampla ainda, porque envolve uma barreira muitas vezes edificada pelo despreparo de profissionais ou simplesmente pela falta de conhecimento na área, o que pode ser resolvido facilmente, se as instituições se envolverem na ampla divulgação e estudo sobre o assunto, inclusive em instituições não específicas, como é o caso das universidades. Sabemos que a partitura musical é a materialização da idéia musical do compositor, porém o acesso e a possibilidade de leitura musical podem fazer a diferença na formação do músico cego. Las percepciones auditiva y/o táctil originan aprendizajes significativos en los alumnos pero, al mismo tiempo, limitados si no van acompañados de explicaciones verbales relacionadas con el hecho sonoro o táctil que se está observando. Por tanto, las percepciones auditiva y táctil han de ser consideradas como fuentes originadoras de aprendizajes y, al mismo tiempo, como fundamentos incentivadores de aprendizajes más completos y complejos. (SOLER, 1999, p. 217) A partitura, enquanto aspecto físico e material, não revela todas as informações musicais; o papel do intérprete é muito importante no desvendar as notas musicais e todos os outros sinais musicográficos. Preparar e orientar o cego para usufruir da linguagem musical, independentemente se ele se tornará um músico ou ouvinte (um bom ouvinte), constitui um papel importante de sua educação musical.

Algumas considerações sobre Musicografia Braille A Musicografia Braille é a escrita musical em relevo, utilizada internacionalmente pelos cegos, com a qual escrevemos todos os sinais de uma partitura convencional, desde a notação antiga até a música contemporânea e popular, nas diferentes formações instrumentais e vocais, tornando a música em tinta totalmente acessível aos cegos. O ensino da notação musical braille oferece autonomia e independência para ler uma partitura, não dependendo exclusivamente do ouvido, da memória ou da ajuda constante de outras pessoas. Dessa maneira, acredita-se que os cegos poderão participar de cursos livres de música em escolas e universidades, porque terão domínio da escrita musical, podendo acompanhar as aulas regulares tendo o mesmo material que os outros alunos. Devemos ter o cuidado na elaboração desse material. Não podemos apenas passar um texto ou música para o braille; adaptações são necessárias assim como a revisão da partitura final, depois de impressa em braille. É preciso lembrar ainda que o material em braille demanda um tempo maior para ser preparado e finalizado, sem contar com a inexistência de transcritores musicais e revisores oficiais e regulamentados para essa atividade. Sendo assim, o problema não está somente na compra de uma impressora braille, que ainda tem custo elevado, mas no investimento do profissional que vai trabalhar com ela. O transcritor musical tem que ter formação musical sólida e visão de um educador. O educador em sala de aula, deve levar em conta o tempo necessário para elaboração do material em braille e fazer a solicitação desse material com certa antecedência para o transcritor, se for o caso. Enquanto livros de música e partituras em tinta são compradas em lojas de música, as partituras em braille ainda são muito caras e nem sempre acessíveis. Temos ainda a preocupação com os softwares específicos para transcrição; nem todos são compatíveis com as impressoras braille e ainda não são totalmente conhecidos entre nós. Essa notação musical braille sempre esteve à margem do ensino musical por vários motivos. Por um lado temos a falta de profissionais especializados que dominam essa escrita para ensinar seus alunos. Por outro lado temos uma acomodação do próprio cego, que muitas vezes prefere trabalhar somente com o ouvido, não dando importância à representação gráfica dos sons. Levamos em consideração o árduo trabalho que é ler uma partitura em braille. Para realizar essa tarefa é necessário ter uma boa percepção tátil, muito treino e, evidentemente, a memorização da partitura para a posterior execução da mesma. Esse aprendizado é um dos recursos eficazes para que o aluno possa frequentar aulas em escolas de música. É evidente que o trabalho auditivo é muito importante e necessário. Uma música é muito além do que está no papel, porém, ler uma partitura oferece a possibilidade do aluno cego participar também das aulas complementares dos cursos de música, como Teoria e Percepção Musical, além de poder compreender o que se está tocando.

Sobre o Sistema Braille Somente os cegos podem tocar as palavras... Alex Grijelmo Os códigos da Musicografia Braille se baseiam nos próprios códigos do Sistema Braille, criado na França, em 1825, por Louis Braille, músico de formação que ficou cego ainda criança. O Sistema Braille foi adotado no Brasil a partir de 1854, primeiramente no Rio de Janeiro, no Imperial Instituto dos Meninos Cegos, atual Instituto Benjamin Constant. É constituido por seis pontos em relevo, distribuidos em duas colunas verticais. Na coluna da esquerda, de cima para baixo, temos os pontos 1, 2 e 3; na coluna da direita, de cima para baixo, temos os pontos 4, 5 e 6. (FIGURA 1) FIGURA 1 - cela braille. O espaço ocupado por cada sinal braille constitui uma cela braille, formando ao todo sessenta e três combinações diferentes, que são os sinais simples. (FIGURA 2) Os sinais simples combinados entre si formam os sinais compostos, muito utilizados na música. Alguns estudiosos consideram o espaço vazio de uma cela braille uma combinação, passando a ter então sessenta e quatro combinações ou caracteres braille, o que é considerável, uma vez que o espaço em branco é significativo para a música, pois representa a barra de compasso. 63 CARACTERES BRALLE FIGURA 2 - sessenta e três caracteres braille dispostos em sete séries (linhas).

Com essas combinações, podemos escrever todos os símbolos literais, fonéticos, matemáticos, químicos, informáticos e musicais, ou seja, o mesmo sinal pode se referir a um desses contextos. Para tanto é preciso conhecer o Sistema Braille de leitura e escrita para saber em qual contexto ele está sendo relacionado, o que não é difícil para o usuário, o educador ou o estudioso do sistema. Notas musicais e figuras As notas musicais são representadas por caracteres constituídos pela parte superior da cela braille, ou seja, pelos pontos 1, 2, 4 e 5. As diferentes combinações desses pontos formam as notas dó, ré, mi, fá, sol, lá, si em colcheias e equivalem às letras: d, e, f, g, h, i, j. (FIGURA 3) Dessa maneira, a nota dó colcheia é formada pelos pontos 1, 4 e 5, como podemos ver abaixo. FIGURA 3 Notas em colcheia As figuras que determinam o valor das notas são representadas por combinações dos pontos inferiores da cela braille, os pontos 3 e 6 dentro da mesma cela em que se escreve as notas. A partir das notas em colcheias, formamos as outras. Para a nota em semínima semifusa, acrescentamos o ponto 6, para a mínima, o ponto 3 e para a semibreve, os pontos 3 e 6. Assim, a nota dó colcheia é representada pelos pontos 1, 4 e 5. Para escrevermos o dó semínima acrescentamos à colcheia, o ponto 6, ou seja, a nota dó semínima é representada pelos pontos 1, 4, 5 e 6. (FIGURA 4) D? n y FIGURA 4 - na sequência, nota dó em colcheia, semínima, mínima e semibreve. A nota dó mínima é representada pelos mesmos pontos da nota dó colcheia, mais o ponto 3, ou seja, é representada pelos pontos 1, 3, 4 e 5. A nota dó semibreve é representada pelos mesmos pontos da colcheia mais os pontos 3 e 6, passando a ter assim, os pontos 1, 3, 4, 5 e 6. Esse procedimento acontece para todas as notas, como representado no quadro a seguir. (FIGURA 5)

FIGURA 5 Quadro das notas musicais e figuras. Fonte: Manual Internacional de Musicografia Braille. Nota-se que o mesmo sinal é utilizado para designar o dó semibreve e o dó semicolcheia, que são os pontos 1, 3, 4, 5 e 6. Porém é possível saber exatamente qual figura está representada pelo contexto musical. Quando isso não for possível, aplica-se o sinal de maior valor, para a semibreve, e o de menor valor, para a semicolcheia, ou seja, é colocado um sinal antes da figura para poder designá-la com segurança.

A Musicografia Braille utiliza atualmente, cerca de duzentos e noventa e dois caracteres diferentes, o que nos obriga a empregar combinações com dois, três ou até quatro elementos para a formação de um sinal musical. Os caracteres têm significados diferentes na partitura, dependendo da localização, dando-nos a ideia de quanto uma partitura em braille é complexa e muitas vezes até complicada, não no sentido do entendimento, mas na quantidade de inforamações que devem ser captadas pelo cegos com a ponta dos dedos para serem compreendidas, assimiladas, memorizadas e à partir de então, se transformarem em música. Um trajeto por vezes cansativo e que pode, em um primeiro momento ser desestimulador. Por isso, cabe aos educadores musicais compreenderem a importância e o significado desse sistema para poderem contribuir na difusão e na sua correta utilização. Diferentemente da música em tinta, a música em braille é linear, horizontal. Cada informação musical é escrita sucessivamente, obedecendo uma ordem específica de acordo com o manual internacional. Outra grande diferença é que a música em braille não utiliza o pentagrama. Em braille, as notas musicais, escritas linearmente, são designadas pelo Sinal de Oitava, que é um sinal colocado antes da nota para indicar a qual oitava pertence. Este sistema de escrita unido às regras sobre a colocação dos sinais de oitava estabelecidos pela musicografia, obrigam os estudantes a dispor de determinados conhecimentos teóricos e de solfejo com bastante antecedência, em comparação aos alunos que enxergam. Muitas vezes isso pode dificultar a integração dos cegos nas escolas de música, uma vez que a leitura da música em braille pode parecer, em um primeiro momento, um pouco lenta, pois conseguem apreender um sinal de cada vez com o auxílio do tato, ou seja, é uma leitura tátil em que cada sinal é lido à medida que o cego move os dedos sobre as notas musicais. Talvez uma desvantagem que pode ser compensada por sua habilidade auditiva, que debe ser educada e estimulada desde os primeiros anos da infancia. Algumas considerações sobre o Manual Internacional de Musicografia Braille: um documento sobre a escrita da partitura musical em braille O Manual Internacional de Musicografia Braille é o documento normativo máximo que conhecemos sobre a escrita musical de uma partitura em braille, não sendo constituído de método e nem tão pouco de exercícios. Ele é resultado de muitos anos de estudo da União Mundial de Cegos (UMC), em decorrência de outros manuais publicados após conferências de Colônia (Alemanha) em 1888 e Paris (1929 e 1954). O manual reúne as resoluções tomadas pelo Subcomitê de Musicografa Braille da ULAC nas conferências realizadas ente 1982 e 1994.

Os acordos firmados abrangem principalmente os seguintes temas: símbolos de clave, baixo cifrado, música para violão, símbolos de acorde, notação moderna e outros símbolos individuais utilizados diferentemente em cada país. Coube a Bettye Krolick o papel de compilação da obra, de acordo com o que foi discutido nessas conferências com a participação de especialistas da área. O Manual originalmente em inglês (1996), foi traduzido para o espanhol em 1998 e para o portugués em 2004, com a revisão técnica de Zoilo Lara de Toledo, da Fundação Dorina Nowill para Cegos, de Claudia Sant Anna, do Instituto Benjamin Constant e pela União Mundial de Cegos. Alguns pesquisadores e educadores têm falado sobre a Musicografia Braille, mas na prática notamos uma produção muito reduzida, tanto de artigos sobre o tema quanto procedimentos metodológicos efetivos que nos levem a difusão e ao aprendizado do tema. A importância de eventos que reúnan profissionais e usuários é necessária para que, além da divulgação da Musicografia Braille, que o tema possa ser discutido, ampliado e que seja utilizado com todo rigor nas transcrições de música em braille, garantindo a eficácia, unificação e troca de informações e materiais entre os países, garantindo o acesso e inclusão.

REFERÊNCIAS Centro Bibliográfico y Cultural de la ONCE. La Musicografía Braille. Un acercamiento a la escritura musical para uso de las personas ciegas. Madrid: ONCE / Organización Nacional de Ciegos Españoles, 2001. COMISSÃO BRASILEIRA DO BRAILLE. Grafia Braille para a Língua Portuguesa. Brasília: Secretaria de Educação Especial / MEC, 2006. SOLER, M. Didáctica multisensorial de las ciencias. Un nuevo método para alumnos ciegos, deficientes visuales, y también sin problemas de visión. Barcelona: Paidós, 1999. UNIÃO MUNDIAL DE CEGOS. Subcomitê de Musicografia Braille (Elaboração). Manual Internacional de Musicografia Braille. MOTA, Maria Glória Batista da. (Coordenação geral). Brasília: Ministério da Educação / Secretaria de Educação Especial, 2004.