Entre os principais requisitos do convívio urbano, está a inserção no mercado de trabalho, que nessa época tem como público alvo a população masculina

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MÓDULO V:DIREITOS HUMANOS E AMBIENTE ESCOLAR: GÊNERO, SEXUALIDADE, SAÚDE AULA 01: IDENTIFICANDO A DIFERENÇA E A DESIGUALDADE NA ESCOLA TÓPICO 02: RESPEITO E VALORIZAÇÃO DA DIVERSIDADE Praticamente todas as crianças e adolescentes no Brasil passam, em algum momento, pela escola. Por essa razão se encontram nesse espaço, pessoas das mais diversas origens étnicas, denominações religiosas, classes sociais, identidades de gênero, orientações sexuais e (considerando as iniciativas recentes de inclusão escolar), com alguns tipos de deficiências. Ao mesmo tempo em qua a escola precisa estar preparada para lidar com todas essas diferenças, garantindo o exercício da cidadania a despeito das desigualdades, ela assume também a atribuição de formar sujeitos capazes de não apenas tolerar as diferenças, mas também de valorizá-las. Historicamente a atuação da escola esteve associada à padronização dos comportamentos e da eliminação de quaisquer expressões de anormalidade. Mas, assim como a sociedade, o papel da escola também se transformou decisivamente na segunda metade do século, a par e passo com o processo de democratização. Nesse texto, enfatizaremos essa mudança a fim de introduzir a reflexão sobre as formas de promover o respeito e a valorização da diversidade no cotidiano escolar. Incorporar essa preocupação nas práticas educativas requer, entretanto, um investimento na busca de conhecimento, disposição em ouvir as demandas (mais ou menos explicitas) dos alunos e identificar as oportunidades de pautar o tema, e, esforço de formular junto com os alunos argumentos que enfatizem os aspectos positivos, os ganhos do contato com a diferença. No início do século, a escola aparecia no discurso político republicano como a principal ferramenta para a fabricação dos cidadãos enquanto trabalhadores comprometidos com o progresso da nação. Tal discurso enfatizava a função homogeneizadora e igualitária da instituição. Para tanto, as crianças deveriam ser socializadas em comum sob o controle do professor, que era ao mesmo tempo detentor da autoridade e do conhecimento. A prática educacional estava centrada na transmissão de conhecimentos e na capacitação para o convívio nas cidades. Esta cobrava cada vez mais dos sujeitos o domínio de certas habilidades como a leitura, a escrita e o cálculo. Além disso, a escola preconizava uma mudança na sensibilidade, na linguagem, no comportamento e até mesmo nos projetos de vida, especialmente na parcela mais pobre da população (Faria Filho, 2006).

Entre os principais requisitos do convívio urbano, está a inserção no mercado de trabalho, que nessa época tem como público alvo a população masculina. Enquanto isso, além das habilidades já mencionadas, ensinava-se às mulheres economia doméstica, regras de etiqueta, além de lições gerais sobre como ser boa esposa e boa mãe. Como vimos acima, essa distinção estava ancorada em normas vigentes naquela época, que estabeleciam uma diferença essencial entre homens e mulheres a partir da percepção de suas características biológicas. Muitas coisas mudaram no último século, principalmente a partir do processo de democratização. Porém, a tendência à homogeneização marca até nossos dias o tratamento dispensado à diversidade. Ele pressupõe a adaptação do diferente (o negro, o indígena, o homossexual, o canhoto, o surdo, etc) através da repetição de determinadas imagens, fórmulas e valores e da repreensão da diferença. É interessante notar como as convenções de normalidade difundidas pela escola operam de forma ambígua. Por um lado elas produzem no sujeito uma necessidade de se adequar ao padrão de comportamento (branco, heterossexual, destro, ouvinte) e um sentimento de inferioridade que remete à persistência da diferença e à impossibilidade de uma adequação completa. Fonte (HTTP://API.NING.COM/FILES/XBFUVU IJZM3R44*Q8CNHSPSMEOC5*NVVSQX NTLCFW3SURH3QGFH5KYRCX5QM- VMSZZIA7DPQ*TPJTX5BJZPWELRK4 Segundo a antropóloga Ana Lúcia Valente (2003), a escola tem sido prioritariamente um espaço de imposições, de monólogos e de certezas. É justamente a ênfase na normatização e na homogeneização que vem desencadeando, como reação, a defesa do respeito e da valorização da diferença como expressão dos conflitos e contradições que constituem a própria sociedade. Porém, tornar a escola um espaço de diálogo, de descobertas e de convivência é ainda um grande desafio. Desse modo, é preciso pensar a tendência à normatização e o respeito à diferença como forças contraditórias que convivem no espaço escolar, em condições desiguais. Ao analisar o tratamento conferido à pluralidade cultural nos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs) divulgados em 1997, a autora mostra que o reconhecimento da diversidade das culturas existentes na escola e na sociedade vem sustentando, ao contrário do que se poderia esperar, um adensamento da intolerância e um acirramento das atitudes discriminatórias. Nas palavras da autora: S5NO83M/ANA_LUCIA_VALENTE.JPG) Não se trata mais de apenas pensar a construção de sociedades democráticas, mas de salvaguardar os seus princípios como prática e como ideia, posto que a democracia está à prova, onde se acreditava que estivesse solidamente instalada (pg.41). Por essas razões, trabalhar o respeito e valorização da diversidade não é tarefa fácil nem para o professor individualmente na sala de aula, nem para a equipe que dirige a escola como um todo. Nosso objetivo ao longo desse módulo é oferecer alguns caminhos a serem explorados nessa direção. Nesse tópico, especificamente discutiremos dois tipos de práticas que refletem essas dificuldades de forma exemplar:

A primeira delas é o silêncio frente às práticas discriminatórias e a segunda é o tratamento da pluralidade cultural através da comemoração de datas específicas. PRÁTICA 01 PRÁTICA 02 PRÁTICA 01 No primeiro caso, estamos falando do que, na linguagem popular, é conhecido como fazer vistas grossas às evidências de preconceito no cotidiano escolar. O professor ou os próprios alunos reconhecem a existência desse tipo de prática bem como entendem o seu significado negativo, mas temem que ao enfrentar o assunto explicitamente, pode provocar um efeito contrário. O uso de determinados termos para desmoralizar uma colega, como por exemplo, puta ou vadia muitas vezes encontra adesão dos outros alunos, de funcionários ou até mesmo de outros professores. A reação crítica ou a repreensão da prática discriminatória frente a uma referência compartilhada de condenação em relação a uma determinada conduta pode levar inclusive ao recrudescimento da estigmatização. Isso sem falar no temor de que a defesa do desviante venha a atrair para o próprio sujeito à discriminação. Isso é particularmente comum quando se trata de questões relacionadas à sexualidade. Mas como é possível romper o silêncio e a posição de assentimento que nele repousa? Não há resposta única para essa questão. Cada profissional, precisa encontrar esse caminho, de acordo com a sua própria experiência de vida, suas percepções e seus receios. Alguns optarão por pautar a questão em um momento mais oportuno, a propósito de uma situação que não envolva diretamente o agressor e sua vítima, outros demonstrarão seu descontentamento e solidariedade, tentando encorajar a pessoa discriminada a reagir de forma defensiva. Algumas pessoas articulam suficientemente um conjunto de conhecimentos acerca da questão em pauta, dos quais lançarão mão para fazer frente à situação, repreendendo á prática preconceituosa e seus protagonistas. Há ainda um caminho um tanto quanto inusitado, que remete a afirmação ou a positivação do próprio estigma. A prática não se restringe apenas a pessoa agredida, que passa a interpelar o agressor através de formulas como Eu sou vadia sim, algum problema?, mas também a uma inversão mais geral do sentido pejorativo através da adesão de outras pessoas ao enunciado. PRÁTICA 02 O segundo exemplo, nos remete à reflexão sobre o momento ou a matéria específica em que o tema da diversidade deve ser abordado. O fato de ser definido pelos PCNs como um tema transversal faz com que ele seja encarado como mais um assunto que os educadores precisam trabalhar com os alunos e que concorre com o conteúdo que realmente importa, como a matéria que cai no vestibular, por exemplo. Uma fórmula encontrada por algumas escolas para solucionar o problema é promover atividades em datas comemorativas. Então as desigualdades de gênero são pautadas no dia internacional da mulher, enquanto que a diversidade étnica é tratada no dia do índio ou na comemoração de aniversário da Lei Áurea. Fala-se de sexualidade, no dia do orgulho homossexual ou de prevenção de DSTs no dia

mundial de luta contra a Aids. Não se trata aqui de colocar em dúvida a importância dessas datas, a valorização decorrente ou a capacidade de mobilização social em torno delas, mas sim argumentar que a discussão da diversidade no ambiente escolar não pode ficar restrita a elas. Se isso acontece, corre-se o risco de uma formalização excessiva das questões e do esvaziamento da reflexão em relação ao potencial pedagógico e transformador do contato com as diferenças. Nessa direção, muitas vezes se consolida uma postura de tolerância para com a diversidade, definida como uma forma de indulgência, aceitação da diferença que em nada modifica o caráter exótico e a posição de inferioridade que lhe é conferido. Como vimos sabemos que o currículo não é neutro. Ele traz nas entrelinhas, nas lacunas, nos não ditos, nas imagens selecionadas, nas metáforas empregadas, várias possibilidades de reconhecimento ou de negação da diversidade. Nesse sentido, cabe ao educador (a) observar no espaço escolar o modo como a diversidade está retratada e discuti-la nesse contexto. Basta olhar com uma dose de estranhamento a divisão espacial da própria escola, para as relações que se estabelecem entre os alunos, para os materiais didáticos, para as imagens e inscrições feitas das salas de aula, no pátio, nos banheiros, nas paredes dos corredores e no próprio currículo. Guacira Lopes Louro sugere uma direção ao dizer que devemos estranhar o currículo : Guacira Lopes Louro.Fonte (HTTP://WWW.DESPERTANDOALILIT H.ORG/WP- CONTENT/UPLOADS/2009/07/GUACI RA.JPG) A palavra [queer] tem, no contexto anglo-saxão, mais de um significado: constitui-se na expressão pejorativa com que são designados homens e mulheres homossexuais (equivalente a bixa, sapatão ou veado) e corresponde em português a estranho, esquisito, ridículo, excêntrico etc. Se transformarmos num verbo, estranhar, chegaremos a algo como estranhar o currículo. Parece-me produtivo, nesse caso, colocar em jogo o emprego que os gaúchos dão ao verbo estranhar e brincar um pouco com a palavra. No Rio Grande do Sul, quando alguém diz: tu tá me estranhando, está sugerindo, com alguma dose de provocação, que o outro não está o tratando de modo habitual. Como diz Luís Augusto Fischer no seu Dicionário de Porto-Alegrês, a expressão se enquadra num contexto belicoso, de bravata, e se aplica quando alguém percebe ou imagina que está sendo malvisto ou quando há desconfiança a respeito de si. É como se o sujeito perguntasse: tem algum problema eu ter dito o que eu disse? porque se tiver já vamos partir para a ignorância. Então quando pretendemos estranhar o currículo nosso movimento seria parecido com isso, ou seja, seria um movimento de desconfiar do currículo (tal como ele se apresenta), tratá-lo de modo não usual, seria um movimento para desconcertar ou transtornar o currículo. Talvez se pudesse, ainda, colocar em ação algo que me parece implícito no uso gauchesco de estranhar: passar dos limites, abusar. Penso que é esse o espírito de queering do currículo: passar dos limites, atravessar-se, desconfiar do que está posto; colocar em situação embaraçosa o que há de estável naquele corpo de conhecimentos ; enfim, fazer uma espécie de enfrentamento das condições em que se dá o conhecimento. (LOURO, 2004:64). Essa fórmula não prevê um tratamento específico ou diferenciado aos diferentes. Pelo contrário, a autora mostra que estimular a desconfiança em relação aos padrões sociais pode ser um caminho produtivo de reflexão

tanto para aqueles estudantes que se identificam com as convenções quanto para aqueles que escapam delas. Para os primeiros, a desconfiança em relação ao que seu modo de ver as coisas, com base na sua inserção religiosa, na sua origem étnica, ou na sua orientação sexual, pode significar uma abertura para o novo bem como a neutralização do peso negativo atribuído ao outro. Para aqueles que de alguma maneira escapam à normalidade, coloca-se o desafio do enfrentamento, da busca pelo seu espaço e por novos caminhos de diálogo. Agora que já falamos um pouco sobre o potencial de promoção da igualdade e do respeito à individualidade envolvido nas práticas de valorização da diversidade do combate ao preconceito no ambiente escolar, vamos falar sobre o corpo como espaço privilegiado de produção e experimentação da diferença. Responsável: Profª. Nadia Elisa Meinerz Universidade Federal do Ceará - Instituto UFC Virtual