Arte em rede web e processos estéticos híbridos

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Transcrição:

Arte em rede web e processos estéticos híbridos Maria Amelia Bulhões- PPG Artes Visuais/UFRGS Apesar de todas as decepções que a arte em rede possa provocar, e de seus paradoxos, mas graças também a uma série de obras e tentativas promissoras, essa arte balbuciante consegue penetrar e questionar os recônditos mais sensíveis da nossa sociedade. Edmond Couchot Resumo : A produção de arte na rede web tem ampliado a experimentação para assumir a interação e a vivência em tempo real, articulando diferentes modelos estéticos. Em sites de artistas percebe-se a predominância de modelos hibridos, que utilizam fotografias, mapas, diagramas, vídeos e outros dispositivos visuais para realisar suas propostas. Nessa comunicação analisamos como alguns artistas articulam os diferentes recursos imagéticos. Como, por meio de modelos hibridos, construidos à partir de dispositivos visuais diversos, eles fazem emergir identidades multiplas e flexibles, capazes de se alimentar das tensões e contradições construídas dentro dos processos de globalisação? Como estabelecem novas categorias de análise, de construção e de leitura da imagem? Resumé : Pelavras chaves : Arte contemporânea, hibridismo, modelos estéticos The visual devices of the artistic image in the WEB The artistic proposals that use strategies of the technological image give evidence to the forms of a new visual culture and question the identities imposed by the unterritorialization of the globalized culture. On artist web sites it is observed that the hybrid cultural models give evidence to a way to construct a look compromised with local space and articulated to the great complexes of international culture. Letters, photos, diagrams, are some visual devices that art incorporates in this new ambiance to carry through significant proposals, dislocating the traditional modalities of articulation, appropriation, and reading of the image.by means of these hybrid models, constructed from diverse visual devices, artists try to make emerge multiple and flexible identities, feeding on the tensions and contradictions built on the process of globalization. We analyze the forms these artists work, the cumulative possibilities of the flows and metamorphoses, studying the use of the hybrid cultural models. How they carry through proposals of interactions and create new categories of analysis in their process of construction and reading of image? Mot-clés: contemporary art, hybrid cultural models, web art 325

Web art, uma nova cultura visual A produção de arte na rede web tem ampliado a experimentação para assumir a interação e a vivência em tempo real, articulando diferentes padrões de imagens e estabelecendo uma verdadeira revolução na estética tradicional. Pode-se dizer, mesmo, que está criando uma nova cultura visual, capaz de dinamizar os conceitos da arte contemporânea. As novas tecnologias, com base no automatismo numérico, redesenham a figura do sujeito nos seus intercâmbios com o real e o imaginário, assim como em suas relações com o coletivo. A partir da análise de algumas dessas propostas artísticas pode-se explorar as diferentes formas como artista e usuários reconfiguram suas relações, colocando em cheque a tradicional noção de autoria. O artista não atua mais como o criador único de sua obra, mas divide com o usuário esse trabalho e responsabilidade. Em um processo conjunto, eles fazem emergir identidades múltiplas e flexíveis, capazes de se alimentar das tensões e contradições construídas dentro dos processos de globalização. Os papeis do autor e do receptor se redefinem, fazendo desaparecer a figura passiva do espectador. Não há mais um resultado previsível e controlado pelo artista, uma vez que cada imagem, para seu aparecimento ou desaparecimento, depende, tanto das decisões do internauta, quanto das inúmeras alternativas de trajetos estabelecidos, a priori, pelo artista. Abre-se, ainda, a possibilidade dos usuários participarem mais ativamente, enviando dados e imagens que passam a compor a obra, cujos desdobramentos nem podem ser imaginados pelo artista em sua proposta original. Este é o caso, por exemplo, de Post urbano, produzido com o auxílio da ferramenta Googlemap. O site localiza e documenta pontos exatos no bairro de Belgrano e Rosário onde os participantes, internautas que responderam à proposta do coletivo de arte argentino Wokitoki, afixam suas intervenções, em forma de cartazes, que se confundem com publicidade, mas que revelam histórias íntimas, do cotidiano pessoal de cada um deles. A proposta é que o público conte histórias de um lugar específico da cidade como aqui foi a casa aonde nasci., afixando o cartaz, que leva a assinatura do autor. O site traz um mapa virtual da cidade de Buenos Aires, onde os cartazes tornam-se acessíveis aos usuários da internet. È uma proposta interativa de demarcar o espaço público por uma visão diferenciada no espaço virtual. Nele se 326

incorporam, para compor a visualidade do site, as fotos dos cartazes e os relatos que habitantes da cidade enviam ao projeto. Também a diferenciação entre original e cópia, não tem mais nenhuma validade neste tipo de arte, em uma obra se modifica a cada minuto. Qual será o original se nada pode ser fixado definitivamente e nada pode considerado como objeto final? Na Web art a produção das imagens se processa pela sobreposição e alternância de camadas ou superfícies, sem que uma elimine a outra. É um processo de adição que potencializa a comunicação e dinamiza o resultado. Nenhuma imagem é permanente, ela está sempre em devir. Assim, desloca-se a idéia de finalização e fechamento. A imagem, sempre em mutação, é uma quando captada em um momento e será outra no próximo. Em um mesmo site, têm-se inúmeras páginas que se abrem, como se pode ver em Searchscapes. Este projeto de Juliana Yamashita se propõe a cartografar as informações disponíveis na internet sobre Manhattam, através do portal de busca do Google, situando-as sobre a paisagem física dessa área urbana. O que se vê no site é um mapa tridimensional interativo que se transforma permanentemente. Embora semelhantes entre elas, cada página, contem informações diferenciadas, apresentando uma visualidade particular. A obra deve ser considerada como o conjunto delas, em todas suas possíveis interações. A imagem digital na internet inaugura uma estética do inacabado. Ela não é fechada, se constrói no ato do usuário de clicar o mouse. Um mundo de possibilidades infinitas aonde ele vai escolhendo caminhos e fazendo descobertas e criações. Por isso pode-se dizer que ela é rizomática, em termos de tempo e espaço, abalando assim a permanência da arte. A mobilidade visual que esta produção implementa, no vai e vem de abrir e fechar de cada tela, permite um conjunto de inúmeros resultados possíveis. Um trajeto não elimina os demais, apenas é o escolhido por determinado usuário naquele momento, entre uma infinidade de desdobramentos propostos. Daniel Belasco em The Daily practice of map making, por exemplo, propõe ao usuário escolher qualquer uma das cidades por ele percorridas e poder, assim, visualizar desenhos de suas diferentes trajetórias. Desde abril de 2003 ele trabalha com GPS (Global Positioning System) incessantemente, registrando a cada dia a 327

trajetória que realiza. Os mapas de seus deslocamentos imprimem desenhos que estabelecem diálogos com os acontecimentos da sua vida. Essas mudanças processadas na cultura visual contemporânea pela net art, embora possam parecer, em um primeiro momento, reduzidas ao espaço da internet, reverberam nos circuitos tradicionais da arte, estabelecendo alterações bastante radicais nos modelos de pensamento. Considerando a rapidez e a ampliação da penetração desta modalidade de comunicação no cotidiano da vida atual, vale considerar as repercussões dessas novas modalidades da imagem e sua ampla difusão. O regime de imagem híbrido e seus dispositivos visuais Segundo Michael Rush: A arte na web, embora cada vez mais sofisticada, incorpora em grande parte imagens desenvolvidas fora do computador e depois nele introduzidas por um scanner ou equipamento digital de vídeo. Alguns artistas, contudo, por sua própria conta ou encarregados por museus ou centros de arte, estão desenvolvendo trabalhos que realmente envolvem o computador como meio de expressão. (RUSH Michael 2006, pg. 203). O autor destaca assim a crescente utilização de imagens desenvolvidas a partir do computador, que introduzem uma visualidade peculiar cuja repercussão na cultura contemporânea tem sido continuadamente ampliada em diversas áreas, tais como a publicidade e o cinema, principalmente, e que nas artes visuais tem um importante campo de experimentação. Embora ainda basicamente experimental, a criação de imagens utilizando os recursos expressivos da linguagem do computador, cria um regime de imagens bastante peculiar ao mundo digital, que está sendo muito aplicada na net art. A observação de RUSH considera dois importantes aspectos na formação hibrida das composições da Web art: o uso de imagens captadas da realidade e transmitidas por meios digitais, e o uso de imagens construídas totalmente via computador. Bastante diferentes entre si estes dois regimes visuais convivem dinamicamente nestas produções. Entretanto, um terceiro aspecto deve ainda ser mencionado: o uso da linguagem gráfica, dos signos da escrita e suas leituras. As palavras, que trazem as informações e indicam ao 328

usuário como navegar, são um recurso integrante deste regime visual híbrido, tanto em termos de cores e formas quanto medidas e disposição na tela. Na Web art estes três regimes de imagem dificilmente podem ser usados isoladamente, quase sempre aparecendo integrados em uma mesma proposta criativa. No site Buenos Aires Word, por exemplo, o grafismo aparentemente ganha destaque, mas as letras disponibilizadas ao público para escrever pequenos textos foram geradas de fotos de cartazes que outros usuários enviaram. Uma maneira diferenciada de escrever mensagens, utilizando as letras tipográficas presentes no meio urbano, através de pôsteres, banners, letreiros e luminosos captados pela cidade. O funcionamento é o seguinte: são enviadas fotografias para o site, de letreiros urbanos, e as palavras são recortadas por letras. Depois é possível montar novas frases com as letras de diversas origens. É possível, ainda, visualizar a fotografia de origem de cada letra. Um jogo de realidade e imaginação poética se desenvolve a partir das possibilidades que se inauguram neste hibridismo conceitual e formal. A comunicação na Web é sempre dependente das palavras e das leituras de significados que as mesmas determinam no circuito de navegação. Na medida em que o usuário clica sobre as palavras elas intercalam-se e a leitura surge como elemento essencial da significação na experiência interativa. Assim, a forma das palavras é um elemento fundamental neste regime de imagens, de uma maneira que nunca foi antes na arte ocidental, que quase sempre prescindiu do texto na sua fruição. As imagens captadas, as construídas e o letrismo, concorrem para a construção de uma hibridação, na qual os diferentes regimes imagéticos se articulam, construindo universos complexos, em uma linguagem que dilui os limites de cada regime empregado, trazendo para seu interior as inter-relações e interconexões de diferentes fontes visuais. Em, Pluralmaps- lost in São Paulo, de Lucia Leão, imagens geradas por computador, labirinto em VRML, conduz a pontos específicos da cidade. Os usuários participam enviando sons, vídeos, textos que, incorporados, passam a compor este labirinto. Também o grafismo dos comandos e informações é parte fundamental do resultado visual do site. 329

Se o primeiro, e mais tradicional regime é o da utilização de imagens captadas do mundo real e introduzidas no computador através de recursos digitalizantes que a transformam em signos numéricos, os outros dois regimes as imagens sintéticas e o grafismo do texto - são talvez cada vez mais integrados em sites de artistas. Assim, observam-se em Rebargroup, lado a lado, imagens de seus projetos, geradas pelo computador, e as fotos das instalações de praças portáteis por eles realizadas. As duas imagens dialogam entre si e também com o grafismo colorido das letras. Imagens geradas pelo próprio sistema Web, como, por exemplo, as do Googleearth, foram incorporadas em Shadows from another place, de Paula Lavine. Este trabalho, feito para a internet, mostra a projeção hipotética com o minucioso detalhamento de bombas atiradas em Bagdá em locais específicos - sobre o mapa de São Francisco nos EUA. Uma série de informações políticas que são obtidas via GPS permitem executar esta operação de duplicação imaginária. Esse projeto amplia a visão dos civis quanto ao estabelecimento do poder via dominação tecnológica, trazendo uma noção da realidade da guerra para locais próximos e tempos atuais. A utilização intercalada ou articulada das três fontes visuais analisadas permite a identificação de um regime híbrido, onde não mais interessa um regime específico, mas a criação, através de sobreposições e cruzamentos, de uma visualidade própria. Visualidade esta que, como bem observou Couchot, penetra e questiona os recônditos mais sensíveis da nossa sociedade. Novo regime de imagens, uma nova estética. Percebe-se certo afastamento entre os circuitos tradicionais de museus e galerias e a arte em rede Web. Um dos fatores que influenciam neste afastamento é o fato de que esta nova modalidade da imagem, como já foi visto no início deste texto, rompe com conceitos básicos da estética tradicional, questionando as bases do sistema de pensamento que responde pela legitimação e reconhecimento artístico em vigor nestes circuitos. Como então estabelecer novas categorias de análise, de construção e de leitura da imagem? Que conceitos operacionais utilizar? 330

A necessidade de novos instrumentos conceituais que dêem conta desta produção tem sido identificada por diversos autores. Timoty Druckrey, por exemplo, observa que, Se as imagens têm que se tornar cada vez mais experimentais, então deve-se desenvolver uma teoria da representação que responda pela transação provocada pela participação. (RUSH, 2006, pg. 195). Ele aponta para a necessidade de pensar a interatividade como elemento fundamental desta visualidade que se constrói de forma ainda bastante experimental. Talvez uma estética da permutabilidade possa prever a participação do usuário, não mais mero espectador, mas co-participante, co-criador, assim como dar conta da constante mutabilidade das imagens em rede. Pensar as permutas que se realizam entre os papeis do artista e do espectador, é pensar a permuta entre as diferentes possibilidades de resultados propostos. A imagem sempre mutável, portanto momentânea, exige mudanças radicais no pensamento atual, assimilando a ausência de passado e futuro, congelada em seu presente permanente. Segundo vários autores, na internet se delineia uma estética do rizoma, cujo objeto, sem centro nem periferia, sem direção definida, sem escolas ou tendências se expande indefinidamente. Uma rede sem autoridades, onde cada usuário é independente para seguir seus trajetos e fazer suas escolhas, sempre limitado pelas possibilidades que lhe são oferecidas pela criação do artista e pelos recursos dos softwares utilizados. Justaposição, sobreposição e hibridismo fazem parte dessa visualidade cumulativa, que se sustenta não na busca de uma unidade, mas por leituras de telas que, uma a uma, vão construindo sentidos. Cada tela que se abre repercute na leitura da anterior completando-a ou alterando-a. Cada clique remete uma nova imagem, aos poucos, podemos ver todas as imagens, mas nunca o conjunto unitário de todas elas. Entretanto, mesmo que ausente, a tela anterior existe virtualmente enquanto unidade comunicativa. Rizoma e simulacro são dois conceitos operacionais fundamentais nessa nova estética. François Soulages observa que, O problema se torna mais complexo com as novas imagens que remetem a simulação e não a representação, ao calculo e não ao traço, à interatividade e não a fixidez, enfim a um outro regime da imagem. (SOULAGES, 2005, pg. 14). 331

Isto pode ser percebido bem claramente no site Eternal Sunset, que cria a experiência de um pôr-do-sol contínuo e permanente, através do uso de imagens geradas em tempo real por webcâmeras distribuídas ao redor do mundo. Conforme o sol se desloca para oeste, dispositivos sintonizam diferentes câmeras, perseguindo o pôr-do-sol pelo mundo. Cria-se assim um espaço virtual, onde o tempo passa, mas o ciclo de dia e noite permanece congelado no ocaso; um espaço onde o sol sempre cai, mas nunca desaparece. O conceito de representação se anula ao ser utilizado conjuntamente, e justapostas, as imagens de uma realidade que é ao mesmo tempo real e ficcional. Pode-se dizer que a simulação substituiu a própria idéia de tempo enquanto movimento circulatório da terra em torno do sol. Nesta proposta, embora real, tudo é uma simulação, a artificialidade é total neste poente que migra continuamente. Cada nova implantação é parte da mesma ação, portanto é outro e o mesmo a um só tempo. No site, todos os lugares do planeta co-habitam, em uma circularidade que pode se refazer infinitamente. O imaginário é tão real quanto o virtual enquanto potência em devir. Ao estabelecer suas propostas, os artistas da net art experimentam o potencial fluído e rizomático do meio em que estão atuando, assim como as novas possibilidades de interação com o publico de que podem dispor. Potencializam, assim, a diversidade e a amplitude deste a novo meio, e do regime hibrido de imagens por ele possibilitado. Referencias bibliográficas: ARANTES, Priscila. @rte e mídia, perspectivas da estética digital. São Paulo, SENAC, 2005. COUCHOT, Edmond. Da fotografia à realidade virtual. Porto Alegre, EDUFRGS, 2003. LEÃO, Lucia.(org). O chip e o caleidoscópio. São Paulo, SENAC, 2005. GIANETTI, Claudia. Aesthetic Paradigms of Media Art, in www.medienkunstnetz.de acesso 06/04/2007 LEVIS, Diego. Arte y computadoras, del pigmento ao bit. Buenos Aires, Norma, 2001. RAMOS, Alexandre.Mídia e Arte, aberturas contemporâneas. Porto Alegre, Zouk, 2006 RUSH, Michael. Novas Mídias na arte contemporânea.são Paulo, Martins Fontes, 2006 SOULAGES. François. Imagem, Virtual & Som, in Ars, ano 3 n. 6, ECA/USP, 2005 VENTURELLI, Suzete. Arte: espaço-tempo-imagem. Brasília, UNB, 2004 Resumo 332

A produção de arte na rede web tem ampliado a experimentação para assumir a interação e a vivência em tempo real, articulando diferentes modelos estéticos. Em sites de artistas percebe-se a predominância de modelos hibridos, que utilizam fotografias, mapas, diagramas, vídeos e outros dispositivos visuais para realisar suas propostas. Nessa comunicação analisamos como alguns artistas articulam os diferentes recursos imagéticos. Como, por meio de modelos hibridos, construidos à partir de dispositivos visuais diversos, eles fazem emergir identidades multiplas e flexibles, capazes de se alimentar das tensões e contradições construídas dentro dos processos de globalisação? Como estabelecem novas categorias de análise, de construção e de leitura da imagem? Pelavras chaves : Arte contemporânea, hibridismo, estética Currículo do autor: Doutora pela USP, Professora Titular de História, Teoria e Crítica da Arte da UFRGS, onde coordenou o PPG em Artes Visuais (1991/95). Foi representante da área de Artes Visuais na CAPES(1993/95); Presidente da ANPAP(1992/94) e da ANPPAV (1997/99). Curadora do Acervo da Pinacoteca Barão de Santo Ângelo/UFRGS (1998/2000) e de várias exposições: 90 Anos do Instituto de Artes Acervo, no MARGS (1998); representação brasileira na Bienal de Cuenca (1999); Acervo da Fundação Iberê Camargo (1999); O Acervo se Mostra (2000); Exposição inaugural do Museu da UFRGS (2002); Dos cuidades, Museu de Arte Contemporânea de Caracas (2003). Foi coordenadora e co-autora dos seguintes livros: Artes Plásticas na América Latina Contemporânea (1994), e Questões do Sagrado na Arte Contemporânea da América Latina (1997), América Latina: territorialidade e práticas artísticas (2001) e Memória em caleidoscópio (2005), todos publicados pela EdUFRGS. Pesquisadora sênior do CNPq. Esteve como Pesquisador visitante na Universidade Paris I, Sorbonne (1996/97). Foi diretora do Instituto Cultural Brasil Venezuela (2003); atualmente é diretora do Interactive Global Art (IG.art.br) 333