INFORMATIVO n.º 50 FEVEREIRO de 2016 Ajuste no setor de mineração e siderurgia na China ainda levará tempo Fabiana D Atri - Economista Coordenadora do Departamento de Pesquisas e Estudos Econômicos do Bradesco e Diretora de Economia do CEBC. O ajuste do setor imobiliário, a redução da capacidade ociosa na indústria, a desvalorização do renmimbi e a saída de capitais são preocupações vindas da China, que têm impactado tanto os preços de ativos como a economia mundial. Assim, voltamos a esses temas que, na nossa visão, não sairão do radar neste ano e tão pouco teremos respostas claras sobre as incertezas relacionadas a eles. Entendemos que os ajustes estruturais e os desafios de reduzir a oferta continuarão impondo um viés de baixa para o PIB chinês neste ano para o qual esperamos crescimento de 5,5%, após expansão de 6,9% no ano passado. Diante disso, o governo tende a manter as políticas voltadas à suavização da transição. Assim, os preços das commodities seguirão em patamares deprimidos, uma vez que o setor imobiliário na China continuará fraco por pelo menos mais dois anos e a redução da oferta chinesa de matérias primas será suavizada pelo governo. De forma resumida, reconhecemos a correção do setor imobiliário como um dos principais vetores para a notável perda de ritmo da economia chinesa. É fato que a desaceleração da economia global, a política anticorrupção em curso no país e a elevada alavancagem dos governos locais (originada pelos expressivos investimentos em infraestrutura realizados na saída da crise) são razões muito importantes para entendermos a situação atual. Mas vale lembrar que o setor imobiliário em especial o residencial respondia por mais de 10% do PIB, um terço dos investimentos e se colocava como um grande demandante de bens de capital e commodities. Assim, temos esse como o propulsor de uma cadeia relevante de produção e investimentos não 1
só na China como no mundo todo. Ainda que os investimentos em infraestrutura continuem elevados, a rápida desaceleração dos investimentos no setor imobiliário residencial saindo de um crescimento de 9% em 2014 para próximo a zero em 2015 é suficiente para explicar a queda dos preços de diversas matérias primas bem como o excesso de capacidade instalada da indústria. Levando em conta que os ajustes em curso na China são os principais responsáveis por parte dessa forte correção dos preços das commodities 1, a redução da capacidade instalada no país poderia equilibrar os preços internacionais. Entendemos que aos níveis atuais, muitos produtores não são mais competitivos especialmente no setor de mineração e petróleo. O que sugere que o ajuste do setor virá através da saída de alguns produtores não eficientes, fazendo com que os preços voltem a subir uma vez que não enxergamos uma retomada da demanda tão brevemente. Sabe-se, contudo, que em muitos mercados de commodities em especial o minério de ferro o produto chinês não é mais competitivo, o que implicaria uma redução inclusive da oferta chinesa. De fato, ao longo de 2015, do consumo do país, o minério de origem importada vem ganhando participação sobre o produto local. 1 Sem esquecer as questões geopolíticas, climáticas e a introdução de novas tecnologias, entre outros. 2
Esse, inclusive, é o discurso do próprio governo chinês que tem defendido a correção da oferta como uma das principais políticas econômicas para este ano. Ao final do ano passado, o governo elencou o controle da capacidade ociosa com um dos cinco maiores desafios de 2016 2, estabelecendo medidas para lidar com as chamadas indústrias zumbis, especialmente as da cadeia de mineração, aço e carvão. A criação de fundos fiscais para absorver os empregados que ficarão desempregados, inclusive, foi anunciada ao final do mês passado, como uma das medidas de suporte. De todo modo, analisando os dados chineses, notamos que os aportes feitos na cadeia de mineração foram consideráveis nos últimos anos, tanto localmente como através da aquisição de ativos no exterior 3. Ademais, parte relevante desse descompasso entre oferta e (acumulado ao longo dos últimos anos) foi resultado decorrente das políticas diferentemente conduzidas pelos governos locais e o governo central. Destacamos o caso da siderurgia com ociosidade global estimada em 40%. A China que utilizou 69,7% da sua capacidade instalada em 2015 ante 73,4% 2 Além desse, temos a redução de estoques, a diminuição da alavancagem, a queda dos custos corporativos e o aumento da capacidade de alguns setorescomo os demais objetivos da política econômica neste ano. 3 Ainda assim, respondem por menos de 5% dos investimentos realizados nos país. Mas representam entre 15 e 40% dos investimentos realizados no exterior nos últimos anos. 3
em 2014 4 no ano passado produziu 804 milhões de toneladas de aço bruto e 1,123 bilhão de toneladas de produtos siderúrgicos, destinando 10% desse volume para o mercado global, ante média de 5% dos últimos anos. Assim, fica evidente a estratégia chinesa que, diante da queda da demanda interna, acabou direcionado seus produtos a preços bastante competitivos para o restante do mundo, com as exportações subindo 20%. Com isso, a indústria siderúrgica mundial tem se deparado com o grande desafio de competir com o produto chinês levando muitos países a recorrer a medidas protecionistas desde o ano passado. Além da questão já bastante conhecida de que esses setores são importantes geradores de emprego e renda não só para a população, mas também aos governos locais, o governo chinês tem evitado fazer um ajuste muito rápido da sua capacidade produtiva, levando em conta os riscos financeiros em cadeia que poderiam ser gerados nessa transição. Nesse sentido, tem defendido que a reestruturação ou as fusões e aquisições são preferíveis à liquidação de operações. Ainda assim, plantas siderúrgicas com tecnologia mais obsoleta e mais poluentes têm sido fechadas nos últimos anos, mas a um ritmo insuficiente diante da desaceleração da demanda chinesa e global. 4 Segundo a associação chinesa de minério e siderurgia, a capacidade instalada atual da siderurgia chinesa é 1,2 bilhão de toneladas e em 2015 foram produzidas 804 milhões de toneladas. Assim, da ociosidade global de aproximadamente de 700 milhões de capacidade, metade na China. Para os próximos anos, a expectativa do governo é reduzir em 100 a 150 milhões de capacidade. 4
Com isso, os impactos sobre a economia chinesa no curto prazo em especial neste ano serão negativos. Além de o ajuste do setor imobiliário tirar algo como 0,5 p.p. do PIB, a redução da produção de aço e outras commodities puxará o desempenho da indústria mais para baixo, lembrando que o crescimento de 2015 (de 6,1%) foi o mais fraco dos últimos anos. Somado a isso, outros impactos indiretos serão relevantes sobre: as finanças dos governos locais, a massa de desempregados e a saúde financeira das empresas e, consequentemente, do sistema bancário. Sabe-se que o setor de minério de ferro, aço e carvão emprega praticamente 20% do total de postos de trabalho da indústria. Segundo a agência de notícias chinesa Xinhua, o fechamento de capacidade produtiva levaria a uma demissão de 400 mil trabalhadores 5 o que ainda parece pouco diante do estoque de cerca de 20 milhões de empregos nesse setor. Mesmo assim, parte desses desempregados poderá ser absorvida pelo setor de serviços e migrar de volta para o campo. Ao mesmo tempo em que assistimos a esse ajuste gradual da indústria chinesa, o governo vem tentando suportar a economia através de algumas frentes. No entanto, ruídos na condução da política cambial e as intervenções no mercado acionário ainda trazem preocupações. Em especial, a expectativa de uma depreciação mais acentuada lembrando que o governo conduziu uma forte depreciação do renmimbi neste início de ano vem incentivando uma saída de recursos do país. Analisando os dados do balanço de pagamentos, temos que a grande motivação para a saída de recursos da China por ora foi a liquidação de dívidas das empresas em moeda estrangeira e a opção por hedge, além da redução do influxo de investimentos estrangeiros diretos e da saída de renda fixa e variável. Também temos uma parte dessa saída de capital através da conta de erros e omissões, o que nos impede de identificar a razão. Vale ainda considerar que os cidadãos chineses têm uma quota anual de retirada de US$ 50 mil de recursos da China, o que pode também estar por trás da saída observada até agora, bem como a busca por diversificação de investimentos diante da queda da taxa de juros no país e da desaceleração em curso. Com isso, as reservas estrangeiras recuaram US$ 512 bilhões no ano passado. 5 Entre 2014 e 2015, aproximadamente 120 mil empregos foram destruídos nesse setor. 5
Por enquanto, não há sinais de que essa saída conseguiu ser interrompida, ainda que os esforços do governo sejam nessa direção. De fato, em janeiro, as reservas caíram em US$ 99,5 bilhões, chegando a US$ 3,23 trilhões. Neste início de ano, em especial, o governo tem promovido uma forte injeção de recursos no sistema financeiro o que pode ser explicado por essa nova saída de capitais e pelo aumento da demanda de liquidez por conta do feriado do ano novo, comemorado no último dia 8 de fevereiro, estimada em cerca de RMB 1,6 trilhão pelo banco central. Chama atenção a injeção líquida de quase RMB 2 trilhões (o equivalente a US$ 305 bilhões) no primeiro mês do ano. Isso se deu através, principalmente, das operações de mercado, mas também por meio de linhas de empréstimo direcionadas aos bancos menores e aos bancos de desenvolvimento. 6
A questão crítica é que há pelo menos um ano, o governo tem tentando suportar a economia e os preços dos ativos especialmente a bolsa e a moeda mas não tem sido muito bem sucedido. Se, por um lado, a intervenção no renmimbi em agosto do ano passado e no começo deste ano tivesse a intenção de trazer alguma flexibilidade à moeda e de desvinculá-la dos movimentos do dólar, por outro ela tem trazido mais incertezas, à medida que os objetivos não estão claros. Em paralelo, o governo tem optado por aliviar a política monetária através de instrumentos menos comuns, como corte da taxa de juros e dos depósitos compulsórios, como forma de controlar e direcionar a liquidez, até porque as taxas de juros estão mais liberalizadas. A ideia é evitar aumento da alavancagem, mas também manter a liquidez do sistema para compensar a saída de recursos. Nossa leitura é que o governo tentará fazer diversas políticas, tentando estabilizar os riscos e dar suporte à economia compatível com um crescimento entre 6,5% e 7,0%, o que deve inclusive ser a meta a ser anunciada em março. Assim, aceitará que a saída de capital siga presente neste ano e que a moeda deprecie entre 5 a 10%, em relação ao dólar, mantendo-se estável em relação à cesta de moedas (cujo peso do euro e do iene é considerável). Mas, essa perda de recursos não deverá ser tão intensa como em 2015 e, para tanto, deverá apertar os controles sobre o fluxo. Também continuará promovendo liquidez aos governos locais e à infraestrutura, através de linhas direcionadas para não estimular o mercado de crédito tradicional. Da mesma forma, o governo deverá permitir o fechamento sua capacidade ociosa muito gradualmente e deverá acelerar o ajuste do setor imobiliário, aumentando a oferta de crédito para a compra de imóveis (e liquidando estoques em um prazo mais curto). Diante de tudo isso, parece que os riscos na condução dessas diversas frentes são bem elevados. Por isso, entendemos que o crescimento deverá ser bem menor do que o governo adotará como meta e, naturalmente, os mercados continuarão atentos às tentativas de estabilização da economia chinesa neste ano. 7
8