O Uso de Retinoides no Tratamento de Leucoplasias Bucais: Relato de Caso e Revisão da Literatura



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O Uso de Retinoides no Tratamento de Leucoplasias Bucais: Relato de Caso e Revisão da Literatura The Use of Retinoics in the Treatment of Oral Leukoplakias: Case Report and Literature Review Juliana Seo Aluna de Graduação da Faculdade de Odontologia da Universidade de São Paulo Estevam Rubens Utumi Especialista em Cirurgia e Traumatologia Buco-maxilo-facial. Mestrando da Disciplina de Clínica Integrada da Faculdade de Odontologia da Universidade de São Paulo. Camila Eduarda Zambom Especialista em Cirurgia e Traumatologia Buco-maxilo-facial. Mestranda em Ciências Médicas pela Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo. Irineu Gregnanin Pedron Especialista em Periodontia. Mestre em Ciências Odontológicas (Área de Concentração em Clínica Integrada) pela Faculdade de Odontologia da Universidade de São Paulo. Marcelo Minharro Ceccheti Especialista em Cirurgia e Traumatologia Buco-maxilo-facial. Doutorando do Departamento de Cirurgia e Traumatologia e Traumatologia Buco-maxilo-facial da Faculdade de Odontologia da Universidade de São Paulo. Resumo Leucoplasia é definida como lesão branca em mucosa bucal, que não pode ser caracterizada como nenhuma outra e tem potencial de malignização. Derivados do retinoide têm sido usados como agentes de quimioprevenção da malignização das leucoplasias, por, hipoteticamente, atuarem no controle da diferenciação e proliferação das células epiteliais, além de serem potentes indutores de apoptose celular. Os retinoides aplicados topicamente em leucoplasias bucais apresentam conveniência, eficácia e segurança por apresentarem menores efeitos colaterais que a administração sistêmica. O propósito deste trabalho é o de revisar a literatura quanto à aplicação tópica do ácido retinoico em leucoplasias bucais, discutindo seus mecanismos de ação, indicações, posologia, efetividade e efeitos adversos assim como relatar um caso clínico desse tipo de tratamento. Descritores: Leucoplasia Bucal; Quimioprevenção; Vitamina A; Tretinoína. REVISTA BRASILEIRA DE CIRURGIA BUCO-MAXILO-FACIAL V10 N2 P. 75-80 Recebido em 11/11/2008 Aprovado em 24/02/2010 Abstract 75 Leukoplakia is defined as white lesion in oral mucous membrane that cannot be characterized as any other entity and it has the potential to become malignant. Derived of the retinoic has been used as agents of chemoprevention of the malignant transformation of the leukoplakia, believing that it hypothetically acts in the control of the differentiation and proliferation of the epithelial cells, besides it is a potent inductor of cellular apoptosis. Retinoics applied topically in oral leukoplakia presents convenience, effectiveness and security as they present minors collateral effect than the systemic administration. The purpose of this paper is to revise the literature about the topical application of the retinoics in oral leukoplakia, discussing their action mechanisms, indications, dosage, effectiveness and adverse effects. Keywords: Leukoplakia, Oral; Chemoprevention; Vitamin A; Tretinoin.

O Uso de Retinóides no Tratamento de Leucoplasias Bucais: Relato de Caso e Revisão da Literatura Seo et al. 76 Introdução A leucoplasia bucal (LB) é definida pela Organização Mundial de Saúde como lesão branca que não pode ser caracterizada como nenhuma outra das doenças específicas que se manifestam na mucosa oral como mancha/placa branca. Sua etiologia e fisiopatologia permanecem desconhecidas 1,2,3, sendo o tabaco o principal fator de risco e o hábito de fumar cachimbo pareceu estar relacionado como potente desencadeante 1,2,4-7. O álcool, as infecções por papiloma vírus (HPV), Candida sp., os traumas, as deficiências vitamínicas e a radiação ultravioleta foram outros fatores citados 1,4,7,8. Apresenta uma aparência clínica variada e tende a mudar com o tempo 2,9. A leucoplasia homogênea é lesão branca, de superfície uniforme e delgada, podendo exibir superfície lisa ou rugosa, com fissuras superficiais e textura consistente em toda sua extensão. Já a leucoplasia não-homogênea seria lesão predominantemente branca ou branca e avermelhada, como a leucoplasia erosiva ou eritroleucoplasia, de superfície irregular, nodular ou verrucosa 2. Dentre as lesões que compuseram o diagnóstico diferencial clínico, há o líquen plano, a hiperqueratose, a estomatite nicotínica, o leucoedema e o nevo branco esponjoso 2. Desta maneira, a biópsia é obrigatória para estabelecer o diagnóstico definitivo. É considerada lesão pré-maligna e não apresenta padrão histológico específico 1-11. podendo variar características histológicas desde espessamento na camada de ceratina até displasia epitelial severa ou mesmo carcinoma de células escamosas (CEC) 1,5,9,11. Apresenta-se comumente em homens acima dos 50 anos, sugerindo que a prevalência aumenta rapidamente com a idade 2,7. Pode ser única, localizada na mucosa, ou múltipla, frequentemente difusa. Os locais mais comuns para o seu aparecimento são o lábio, mucosa jugal e gengiva 7. Diversos métodos são empregados no seu manejo, como a excisão cirúrgica concomitantemente com a remoção dos fatores de risco 1,3,6,8,12,13. Basicamente, a remoção cirúrgica está reservada para lesões localizadas e acessíveis, sendo limitado seu uso nas leucoplasias extensas ou que envolvam estruturas nobres (ducto salivar e sulco pelvi-lingual p. ex.), ou quando a lesão é recorrente após excisão cirúrgica prévia, fato que ocorre entre 10 a 35% dos casos 1,3,6,8,13. A remoção dos fatores de risco, como trauma e adesão do paciente a comportamento antitabagismo e antietilismo, é passo mandatório no sucesso da terapêutica da LB 3,8,10. Na presença de lesões extensas/multicêntricas ou que apresente displasia epitelial ativa, os tratamentos recomendados, além da excisão cirúrgica, seriam a criocirurgia, a cirurgia a laser e a quimioprevenção com a administração de retinoides 3,8,13. A quimioprevenção, hipoteticamente, reverteria a carcinogênese, evitando o desenvolvimento de câncer invasivo ou aparecimento de tumores segundo-primários 8. Os retinoides são agentes quimiopreventivos, derivados da vitamina A, naturais ou sintéticos, que suprimem mitose celular, mantendo balanço adequado entre o crescimento, diferenciação e morte celular, restaurando a homeostasia tecidual 1,6, perdida na vigência da doença maligna 10. O objetivo deste trabalho é de discorrer sobre a aplicação tópica do ácido retinóico em leucoplasias da cavidade bucal, apresentando de um breve relato de caso e revisando aspectos do seu mecanismo de ação, indicações, efetividade e efeitos adversos. Relato de Caso Paciente gênero feminino, 62 anos, encaminhada para avaliação de lesão esbranquiçada com aparecimento há aproximadamente 9 meses. A lesão se apresentava de coloração esbranquiçada, superfície rugosa, não raspável e indolor com extensão em região de mucosa jugal esquerda (figura 1). A Figura 1 apresenta uma lesão diagnosticada e confirmada pelo exame anatomopatológico como leucoplasia sem sinais de malignidade, a qual foi tratada com aplicações diárias (noturnas) de ácido retinoico 13-Cis a 0,05%, durante três meses, apresentando melhora clínica significativa (Figura 2). O paciente continua em seguimento ambulatorial.

Figura 1: Ampla leucoplasia verrucosa em mucosas jugal esquerda. Figura 2: Redução da hiperqueratose leucoplásica após a aplicação do ácido retinoico. Discussão A leucoplasia pode apresentar variados aspectos clínicos, sendo necessário correlação entre dados clínicos e microscópicos para o seu diagnóstico definitivo. Os estudos moleculares da lesão podem predizer a progressão para carcinoma, permitindo sua identificação e tratamento precoce, além de incrementar o uso de novas terapias, como a quimioprevenção. Quimioprevenção está indicada para pacientes com leucoplasia ou outras lesões epiteliais pré-malignas que não podem ser tratadas cirurgicamente ou para aqueles que desenvolvam lesões no acompanhamento pós-cirúrgico. As leucoplasias bucais apresentam tendência à malignização, embora somente 10% das leucoplasias evoluem a lesões displásicas, 17,5% das leucoplasias em carcinomas, dependendo da severidade da displasia 1. A malignização em lesões não-homogêneas ocorre entre 15% e 40%. As lesões sem atipias entretanto podem regredir espontaneamente, ainda que, atualmente, não seja possível predizer quais lesões regredirão ou sofrerão malignização. Assim, estas lesões devem ser acompanhadas, pois será possível a realização de diagnóstico e tratamentos precoces 4,8,14. As abordagens terapêuticas para leucoplasia bucal foram indicadas de acordo com a extensão da lesão e o subtipo histológico. A remoção cirúrgica está reservada em lesões localizadas e acessíveis, estando limitadas para aquelas dispersas, que envolvam estruturas anatômicas nobres ou quando a lesão é recorrente após excisão cirúrgica prévia, fato que ocorre entre 10 a 35% dos casos 1,3,6,8,13. A remoção dos fatores de risco, como trauma e campanhas contra fumo e álcool, é passo mandatório na terapêutica da leucoplasia bucal 3,8,10. Na presença de displasia epitelial ativa, os tratamentos recomendados, além da excisão cirúrgica, são a criocirurgia, o laser e administração de retinoides 3,8,13. Neste tipo de terapia com administração de retinoides, uma nova classe de medicamentos derivados da vitamina A, com menor toxicidade e efeito terapêutico mais específico que a própria vitamina. Esta é necessária na via normal de crescimento e diferenciação das células epiteliais, modulando a expressão gênica celular. Esta vitamina pode ser obtida através do caroteno e de produtos animais (carne, ovos, leite e outros). Os retinoides são compostos antioxidantes, que possuem habilidade de manter balanço adequado entre crescimento, diferenciação e morte celular. Este balanço na homeostase celular se mostrou eficaz na prevenção de lesões primárias e recorrentes de leucoplasia bucal, além de tumores segundo-primários e na regressão de lesões potencialmente malignas 1,6. Os retinoides induzem à apoptose, diminuindo o crescimento celular e suprimindo a carcinogênese 15,16. O uso sistêmico dos retinoides apresenta efeitos REVISTA BRASILEIRA DE CIRURGIA BUCO-MAXILO-FACIAL V10 N2 P. 75-80 Recebido em 11/11/2008 Aprovado em 24/02/2010 77

O Uso de Retinóides no Tratamento de Leucoplasias Bucais: Relato de Caso e Revisão da Literatura Seo et al. 78 O uso tópico requer disposição e habilidade do paciente para aplicar repetidamente na mesma locacolaterais graves, especialmente em pacientes que precisam de terapia prolongada ou dose elevada. A toxicidade dose dependente foi observada nos estudos, e as recorrências são frequentes após a suspensão do medicamento como descrito na literatura 1,2,10 ; portanto, há necessidade do acompanhamento rigoroso destes pacientes. Por outro lado, a aplicação tópica possibilita o uso de concentração maior diretamente na lesão, permitindo a diminuição dos efeitos adversos oriundos do uso sistêmico 1,5. É importante ressaltar que, mesmo com o uso tópico, as recidivas podem ocorrer, ocasionando grande variação nos resultados clínicos. Vale enfatizar que o uso tópico descontinuado não cura a lesão, apesar de gerar melhora clínica 1,5,10. Os retinoides são classificados em três gerações. Primeira geração: ácido trans-retinoico (ácido retinoico, tretinoína ou vitamina A ácida); ácido 9-cis retinoico (alitretinoína); ácido 13-cis retinoico (isotretinoina). Segunda geração: etretinato e acitretina. E terceira geração (arotenoides): bexaroteno; adapaleno; tazaroteno 17. Dentre os mais de 1500 análogos sintéticos da vitamina A, o ácido retinoico 13-cis (isotretinoína) é o que desperta interesse, pois pode prevenir o desenvolvimento de carcinomas secundários 1. O mecanismo de ação dos retinoides está relacionado aos diversos receptores para ácido-retinoico (RARs). Atualmente existem estudos para explicar o mecanismo de ação dos retinoides e avaliar seus efeitos terapêuticos por meio de biomarcadores 1,6,18. Os retinoides ligam-se aos receptores, penetram na célula, são metabolizados e transportados até o núcleo por proteínas citosólicas. A descoberta do receptor nuclear RAR gerou grande avanço no estudo dos novos retinoides, pois permitiu fabricar moléculas com maior especificidade. Estes receptores estão acoplados a determinadas regiões dos genes que são sensíveis à ativação pelo retinoide. Em seguida, ocorre a transcrição de mensagem (RNA mensageiro) para os ribossomos onde serão sintetizadas proteínas que podem ser estruturais ou agirem em vários processos nucleares, tais como: produção de queratina, fatores de crescimento, apoptose, entre outros. Consequentemente, acabam por atuar na diferenciação celular, morfogênese embrionária e carcinogênese 1,6,17. Verificou-se, na literatura, a administração de retinoides tanto sistêmica quanto tópica para leucoplasia oral. Além do seu uso no tratamento para leucoplasias, os retinoides também são descritos para acne vulgar, alguns tipos de foliculites e psoríase 5,17. De acordo com a literatura, a administração sistêmica de vitamina A gera regressão completa ou parcial da lesão bucal, e recorrência após a interrupção do uso 1,6,8,10,19. Em outros pacientes, a reação é mais adversa que a própria patologia, o que gera interrupção do uso sistêmico dos retinoides e a possível recidiva. A administração sistêmica pode gerar efeitos adversos, como danos mucosos e cutâneos (ressecamento, mucosite e epistaxe), e sistêmicos, como desordens músculo-esqueletais, dislipidemia, hepatopatias, teratogenicidade e hipertrigliceridemia, limitando seu uso contínuo e em doses elevadas 1,2,10. A terapia tópica com retinoides apresentou a vantagem da aplicação de altas doses com menores efeitos sistêmicos1,5. Em um estudo, a administração tópica de tretinoína a 0,05% gel foi usada quatro vezes/dia em 26 pacientes por três anos e meio, todos apresentaram melhora clínica. Porém 27% dos pacientes obtiveram remissão total, e 40% desta porcentagem apresentaram recorrência após o tratamento tópico 10. Ao comparar histologicamente a lesão antes e após o tratamento, nenhuma mudança no grau de displasias do tipo moderada foi observada, mas se notou redução na severidade das displasias graves 10. Em outro estudo, gel de ácido 13-cis retinoico a 0,1 % foi aplicado três vezes/dia em 10 pacientes portadores de leucoplasia bucal por quatro meses. A remissão total ocorreu em um paciente, e remissão parcial, nos outros pacientes. Nenhum efeito adverso foi verificado 19. A literatura indica que baixas doses de ácido retinoico 13-cis (0,5mg/kg por dia) administrado por período maior é menos tóxico, estando associado às baixas taxas de recorrência lesional após a interrupção do tratamento 1.

lização, além de haver locais em que a aplicação se torna dificultada, e a medicação pode ser diluída pelo fluxo salivar 1. As irritações no tecido podem ocorrer como sensação de queimação e hipersensibilidade na mucosa, sobretudo ao uso de condimento alimentar. Observa-se que é frequente ocorrer recidivas da leucoplasia após excisão cirúrgica; uma opção terapêutica nestes casos, seria o início do uso tópico do ácido retinoico concomitante ou não ao uso tópico de bleomicina 10. Dos estudos analisados, nenhum apresentou reversão da displasia 3,10, sendo que apenas um mostrou diminuição da displasia com alto grau de severidade 10. Não há consenso na literatura quanto à dose específica do retinoide no tratamento da leucoplasia oral. Concentrações menores da terapêutica e associações de outras drogas antioxidantes foram alternativas que produziram menos efeitos deletérios, sem comprometer a ação quimiopreventiva da medicação 16. Conclusões Protocolos terapêuticos efetivos fazendo uso de derivados da vitamina A no controle das leucoplasia ainda não foram estabelecidos. Seu uso é descrito em relatos de casos ou em pequenas séries de pacientes. O uso do retinoide ainda é controverso, pois não reduz o risco de desenvolvimento do câncer bucal. Seu uso tópico apresenta vantagens em ralação ao sistêmico, embora os estudos mostraram que a maioria dos casos recidivam após a suspensão da administração do medicamento. Existe a necessidade de mais estudos clínicos controlados visando avaliar a real efetividade do ácido retinoico no manejo das leucoplasias orais. Referências Bibliográficas 1. Gorsky M, Epstein JB. The effect of retinoids on premalignant oral lesions - focus on topical therapy. Cancer 2002; 95(6):1258-64. 2. Lodi G, Sardella A, Bez C, Demarosi F, Carrassi A. Systematic review of randomized trials for the treatment of oral leukoplakia. J Dent Educ 2002; 66(8):896-902. 3. Lodi G, Porter S. Management of potentially malignant disorders: evidence and critique. J Oral Pathol Med 2008; 37(2):63-69. 4. Lee JJ, Hong WK, Hittelman WN, Mao L, Lotan R, Shin DM, Benner SE, et al. Predicting cancer development in oral leukoplakia: Ten years of translational research. Clin Cancer Res 2000; 6(5):1702-1710. 5. Pimenta FJ, Cordeiro GT, Pimenta LG, Viana MB, Lopes J, Gomez MV, et al. Molecular alterations in the tumor suppressor gene WWOX in oral leukoplakias. Oral Oncol 2008; 44(8):753-758. 6. Hong WK, Lippman SM, Wolf GT. Recent advances in head and neck cancer larynx preservation and cancer chemoprevention: the seventeenth annual Richard and Hinda Rosenthal Foundation Award Lecture. Cancer Research 1993; 53(21):5113-5120. 7. Longshore SJ, Camisa C. Detection and management of premalignant oral leukoplakia. Dermatol Ther 2002; 15(3):229-235. 8. Tradati N, Grigolat R, Calabrese L, Costa L, Giugliano G, Morelli F, et al. Oral leukoplakias: to treat or not? Oral Oncol 1997; 33(5):317-321. 9. Ishida K, Ito S, Wada N, Deguchi H, Hata T, Hosoda M, et al. Nuclear localization of beta-catenin involved in precancerous change in oral leukoplakia. Mol Cancer 2007; 62(6):1-7. 10. Epstein JB, Gorsky M. Topical aplicattion of vitamin A to oral leukoplakia- A clinical case series. Cancer 1999; 86(6): 921-927. 11. Schepman KP, Van der Meij EH, Smeele LE, Van der Waal I. Malignant transformation of oral leukoplakia: a follow-up study of a hospital-based population of 166 patients with oral leukoplakia from The Netherlands. Oral Oncol 1998; 34(4):270-275. 12. Van der Wall I, Axéll T. Oral leukoplakia: REVISTA BRASILEIRA DE CIRURGIA BUCO-MAXILO-FACIAL V10 N2 P. 75-80 Recebido em 11/11/2008 Aprovado em 24/02/2010 79

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