Já não lembramos mais o último acidente



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Transcrição:

Já não lembramos mais o último acidente José Luiz Lopes Alves, Dr. Interface Consultoria em SMS www.interface-hs.com.br Introdução Há muito tempo a forma adotada para abordar questões de segurança, numa tentativa de melhorar determinadas situações indesejáveis, era realizada através da busca por uma melhor motivação das pessoas. Havia a crença de que, contando-se com indivíduos motivados, os resultados de segurança, expressos pela redução das taxas de ocorrência de acidentes em um determinado período, seriam melhores. Posteriormente, com o avanço do conhecimento, a perspectiva ergonômica foi introduzida. Os postos de trabalho tem sido desde então mudados, com redesenhos mais inteligentes e, não resta dúvida, os benefícios são comprovadamente enormes. Contudo, apesar dos inúmeros esforços realizados, principalmente através de investimentos nos locais de trabalho e em equipamentos de segurança individual, acidentes continuam ocorrendo nas indústrias. A última onda que se tem conhecimento tem o foco no comportamento das pessoas. Este artigo tem como objetivo salientar o que difere as empresas que ainda não iniciaram a trabalhar as questões comportamentais ou iniciaram, mas estão à deriva, e aquelas organizações que, indagadas sobre o último acidente ocorrido, respondem de certa forma surpresas: - sentimos muito, nós não lembramos quando ocorreu o último acidente. O que mostra o histórico dos acidentes Recuperamos alguns dados publicados em 2009 no Anuário Estatístico dos Acidentes do Trabalho no Brasil, pelo Diesat 1. Especificamente, utilizamos os dados de acidentes típicos e fatalidades, desde 1970 a 2008. Calculamos a evolução da taxa de frequência (TF) dos acidentes típicos (acidentes por um milhão de horas), assumindo para cada trabalhador a média de 2000 horas trabalhadas por ano. Calculamos também a Taxa de Acidentes Fatais, representada pelo número de óbitos por cem mil trabalhadores. Os dados são apresentados na Figura 1. 1 Fonte: http://www.diesat.org.br/arquivos/anuario_2009.pdf, acesso em 28/03/2013. 1

Figura 1. Acidentes típicos por um milhão de horas (TF) e fatalidades por 100 mil trabalhadores entre 1970 e 2008 no Brasil. É possível fazer pelo menos três observações importantes: Ambos, a Taxa de Frequência de acidentes típicos e a Taxa de Fatalidades, estão reduzindo. A Taxa de Frequência apresenta um patamar há vários anos, onde a média flutua sem mostrar uma inclinação favorável. A Taxa de Frequência e de Fatalidades ainda estão muito altas. A taxa de fatalidades em 2008 no Brasil foi 7 (sete óbitos por 100 mil pessoas), ou dez vezes maior que na Grã-Bretanha (0,7) no mesmo ano. Alguns outros dados em 2009: França (2,1), Alemanha (0,7), Itália (1,7), Espanha (1,0), Polônia (5,3). Quando se fala que os acidentes custam caro e influem na competitividade, o Brasil esta melhorando, mas precisa melhorar bem mais para enfrentar a competição internacional. As observações acima são muito claras e fáceis de explicar. Os esforços e investimentos realizados vêm dando certo. Claro que existem empresas que estão melhores e puxam a média para baixo e existem empresas que não estão tão bem e puxam a media para cima. Existem empresas com mais de 20 acidentes por um milhão de horas e que ainda não investem em segurança. E existem empresas onde acidentes ocorrem acima de vários milhões de horas trabalhadas. É fácil perceber que as estratégias utilizadas para reduzir os acidentes típicos precisam mudar. Da mesma forma 2

para reduzir as fatalidades. Se isto não ocorrer, o patamar vai continuar, ou a média vai aumentar de valor. Empresas de ponta O perfil apresentado neste gráfico é o mesmo de muitas empresas. Após alguns anos de investimento em segurança, os indicadores passam a resistir ao tempo. Pouco se alteram. Ora sobem ora descem. É como se os acidentes estivessem num sistema sob controle estatístico do processo. A variabilidade é tão pequena que é possível calcular a probabilidade de ocorrer um próximo acidente nos próximos meses ou semanas. Em muitos casos o que muda são os profissionais de SSO. A Alta Hierarquia crê que o problema é a equipe de Saúde e Segurança que esgotou seu arsenal de ideias. A verdade é bem diferente desta. Baixar de 15 ou 20 acidentes por um milhão de horas requer um choque cultural. É conseguido quando realmente se constrói um SESMT a altura do desafio. Muitas empresas já venceram este patamar há muito tempo, mas nem todas. Regras Regulamentadoras aplicadas profissionalmente reduzem estas taxas em poucos anos. O patamar seguinte ocorre por volta de 5 a 10 acidentes por um milhão de horas. Já não é tão fácil reduzir sem um bom Sistema de Gerenciamento da Segurança (SMS). Para reduzir mais têm sido observados grandes esforços na segurança comportamental, por meio de programas do tipo BBS Behavior Based Safety. Auditorias ou observações comportamentais, como muitos têm definido estes programas, realmente reduzem os acidentes. Dar feedback ao trabalhador sobre o desvio observado muda o comportamento. Infelizmente, não garante a mudança da cultura. No entanto o decaimento para por volta de dois acidentes por um milhão de horas. Quebrar a barreira do um é ainda muito mais complicado. Bem abaixo de um (0,2 por exemplo, ou seja, um acidente em 5 milhões de horas) parece só ser possível por milagre. Mas existem empresas que conseguem. Então deve ser humanamente possível. É difícil manter, mas não é algo do outro mundo. Quando você pergunta para a força de trabalho de uma grande empresa quando foi o último acidente e as pessoas não conseguem lembrar, ficam até um pouco constrangidas com a pergunta, você pode ter certeza de que encontrou uma empresa diferente. Vale a pena pesquisar e entender o porquê. Invariavelmente você vai encontrar algumas características interessantes. Listamos 10 consideradas importantes e que não são impossíveis de possuir: 1. O programa comportamental evoluiu de auditorias e observações de desvios para Diálogos Comportamentais feitos no cotidiano, sem metas individuais. As pessoas apenas conversam quando veem oportunidade. Ninguém aborda ninguém. A aproximação e interação é algo natural, como havia há 3

30 anos, quando não existiam as barreiras da informática e celulares. A supervisão e media gerência passava muito mais tempo no campo. 2. Os lideres dessas empresas, sem abdicar das facilidades da informática, dedicam-se a conversar com a força de trabalho. Eles dão o exemplo. Isto é visível e reconhecido. Os líderes entendem e multiplicam os conceitos e práticas do Sistema de Gerenciamento de SSO. Os líderes reconhecem que os profissionais de Saúde e Segurança devem fornecer coaching e expertise, mas não devem substitui-los. 3. Os diálogos comportamentais não focam os desvios, mas os gatilhos, ativadores e antecedentes do comportamento. Tentam navegar pelas crenças das pessoas e procuram desenvolver no curto espaço de tempo, com a paciência requerida, a competência em risco das pessoas; principalmente a percepção dos riscos. 4. O desejo de aprender complementa o profissionalismo de investigar. Nada passa despercebido. Nenhum alarme é menosprezado. Mesmo sem perdas os incidentes servem de aprendizagem. A regra não é procurar culpados. Entretanto, violações não são toleradas. 5. O trabalho envolvendo comportamento tem, de fato, objetivo de fazer evoluir as atitudes e a Cultura, numa visão ampla, envolvendo inclusive a segurança dos processos e a confiabilidade global. Todas as Operações são centradas na confiabilidade e o diálogo é uma ferramenta do cotidiano. 6. O cuidado mútuo é efetivo. As pessoas cuidam umas das outras espontaneamente, sem procedimentos ou diretrizes. Apenas fazem isto naturalmente. A interdependência é instruída desde a integração inicial. Diálogos em grupo são momentos de socialização e não discursos. A maturidade das conversas é alta e de alguma forma todos aproveitam alguma coisa, sempre. 7. Existe o estresse, a pressão por fazer mais rápido e para reduzir custos, como em todas as empresas. A diferença é que as decisões são baseadas nos riscos. É um método que faz parte da cultura. Não se sabe fazer diferente. 8. A organização tem antenas para o lado de fora, monitorando as outras empresas que estão bem. O benchmarking é um instrumento do cotidiano. 9. Não existem metas sobre o número de acidentes máximo para o ano. Reconhecimento existe se a curva é no bom sentido, mas objetivos numéricos não fazem parte da cultura. Eles são consequências do trabalho do dia a dia. 4

10. Apesar dos esforços acidentes poderão ocorrer e ocorrem, infelizmente. A organização responde de forma inteligente, assegurando a aprendizagem. Há uma indignação geral com a ocorrência. As pessoas sentem o baque mas evoluem positivamente. Conclusões Se o último acidente ainda está na memória significa que há um bom terreno para progredir. Não é impossível. Experiências bem sucedidas comprovam esta tese. Disciplina operacional, compreensão e exemplo de SMS pelos líderes e um programa permanente que trabalhe o comportamento voltado para construir uma cultura robusta, são elementos essenciais. Referências ALVES, J. L. L. Segurança e confiabilidade com base no comportamento. Sugestões para o desenvolvimento. Proteção, Setembro, 2006. ALVES, J. L. L.; MIRANDA, L. C. Mudança Orientada por Comportamento. Proteção, 2011. ALVES, J. L. L.; AUGUSTO, N. G. Diálogos Comportamentais Diários de Segurança. Revista Segurança Comportamental, Nº 2, Ano 2, Portugal, 2011. OLIVEIRA, L. F. S.; ALVES, J. L. L.; DOMINGUES, J. Mudança Orientada por Comportamento. Revista Petroquímica, número 308, Rio de Janeiro, Brasil, Setembro 2008. DIESAT - Anuário Estatístico dos Acidentes do Trabalho no Brasil. http://www.diesat.org.br/arquivos/anuario_2009.pdf, acesso em 28/03/2013. Health Safety Executive - HSE Statistics on fatal injury in the workplace 2011/2012. http://www.hse.gov.uk/statistics/pdf/fatalinjuries.pdf, acesso em 29/03/2013 OGP Risk Assessment Data Directory. Março 2010. http://www.ogp.org.uk/pubs/434-12.pdf, acesso em 29/03/2013. 5