Reestruturação produtiva, precarização e feminização do trabalho docente em Catalão, Goiás: algumas considerações

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Transcrição:

Productive Restructuring, Precarization and Feminization of Teaching in Catalão, Goiás: some considerations Universidade Federal de Goiás clcgeo@gmail.com Resumo O presente texto é produto de reflexões que surgiram de estudos realizados no projeto Feminização e precarização do trabalho docente em Goiás UFG/CNPQ, no grupo de pesquisa Dialogus Estudos interdisciplinares em Gênero, Trabalho e Cultura e como professora de Geografia Urbana e da Indústria na Universidade Federal de Goiás Campus Catalão onde desenvolvemos vários trabalhos sobre o processo de industrialização na cidade de Catalão que ocorre com intensidade, após a década de (19)70 com a instalação de indústrias no ramo da mineração, montadoras de carros, colheitadeiras, entre outras. Como pesquisadora da área de Gênero e coordenadora do curso Gênero e Diversidade (modalidade extensão em 2009/2010 e Especialização em 2010 2012/UFG/SECAD/UAB), o interesse pela participação da mulher no processo de reestruturação produtiva, o seu papel, as formas de inserção no mundo do trabalho e suas relações no espaço privado a partir desta nova realidade econômica despertam novas abordagens e motivam novas pesquisas. Para tal, o recorte é o trabalho docente. Palavras chave: trabalho; educação; precarização; gênero. Abstract This text is the product of some reflections that have emerged from studies in the project feminization of teaching and impoverishment in Goiás UFG/CNPQ, in the research group Dialogus Interdisciplinary Studies on Gender, Work and Culture, and as a teacher of Geography and Urban Industry at the Federal University of Goiás Campus Catalão where we develop several papers on the process of industrialization in the city of Catalão, which has been occurring intensely after the decade of 1970, with the installation of mining industries, car and harvesters manufacturers, among others. As a researcher in the field of Gender and coordinator of the course of Gender and Diversity (method extension, in 2009/2010, and Specialization, in 2010/ 2012 UFG/SECADI/UAB), the interest in women s participation in the restructuring process, their role, forms of integration into the world of work and their relationships in the private space, considering from this new economic reality, awaken new approaches and motivate further researches. To this end, the chosen field of study is teaching. Keywords: work; education; precarization; gender. Revista Latino-americana de Geografia e Gênero, Ponta Grossa, v. 3, n. 2, p. 150-154, ago. / dez. 2012.

A cidade de Catalão no sudeste goiano foi, até a década de (19)70, uma cidade com uma economia baseada no setor primário, principalmente agricultura de pequeno porte. Com o novo papel do Brasil na economia mundial e o processo de descentralização industrial que ocorre no país, os moradores de Catalão vivenciaram, e ainda vivenciam, transformações econômicas e sociais significativas como o processo de modernização da agricultura e a instalação de indústrias na área de mineração com a exploração de nióbio e fosfato, principalmente. Estas transformações provocaram uma migração do trabalhador da zona rural para a cidade e a chegada de trabalhadores de outras regiões para trabalharem nas indústrias. O setor de serviços também se desenvolveu na cidade e passou a polarizar ainda mais as cidades vizinhas. Essas transformações na cidade exigiram uma reestruturação do sistema educacional que seguia a tendência da expansão de vagas e da formação profissionalizante, atendendo às necessidades da indústria e do comércio. A modernização da agricultura atraiu trabalhadores e investimentos de outras regiões do país para as lavouras de soja, sendo que a produção da mesma exigia outras infraestruturas que atraíram ainda mais capital para a região. Também no campo as transformações exigiam uma nova escola com objetivo de preparar melhor o trabalhador para as novas necessidades do capital. O objetivo aqui é analisar esse contexto de transformações promovidas pela industrialização e como a mulher insere se nesse processo. Para tal, utilizaremos dados de pesquisas realizadas durante o projeto de prolicen/ufg/campus Catalão Gênero, violência e direitos das mulheres: contribuições da Geografia para o debate em sala de aula (2008), dados coletados durante o trabalho de doutorado em Geografia Humana concluído este ano na Universidade de São Paulo, além de autores como Harvey, Antunes, Santos, Carlos, Safiotti, Silva e outros. A análise se funda no processo de reestruturação produtiva e na terceirização que ocorre a partir do final da década de (19)80 nas indústrias da cidade, principalmente nos serviços de segurança e limpeza, sendo esta última com presença da mão de obra feminina em grande número, conforme levantou pesquisa realizada por Boaventura (2010). Na educação, a reestruturação exige mais trabalhadores e, como mostram os dados coletados durante a nossa pesquisa, mais mulheres, principalmente nas séries iniciais onde o salário é menor. Chamon (2005, p.49) argumenta que o magistério foi uma profissão que foi abandonada pelos homens em função dos baixos salários, uma relação que persiste no Brasil desde o início do século XX e, assim, as mulheres passaram a ocupar estes postos de trabalho. Dados do senso educacional mostram que mais de 80% do trabalho docente é realizado por mulheres, sendo que, à medida que os salários são maiores como no ensino médio, escolas particulares e universidades ou no trabalho com disciplinas consideradas mais difíceis e com mais status no mundo científico matemática, física, química a participação feminina é menor. Outro elemento no contexto citado que enriquece a análise é o modo de vida dessas mulheres inseridas no mercado de trabalho terceirizado onde o trabalho é precarizado, o que precariza também a reprodução da vida dessas trabalhadoras. A vida fora da indústria, do local de trabalho, da escola revela a continuidade de relações de gênero heteronormativas e marcadas pela violência, onde a mulher não consegue superar uma histórica divisão sexual do trabalho em que assume tarefas fora do lar e, na maioria das vezes sozinha, arca com as atividades do espaço privado, conforme aponta Nogueira (2006). A análise do modo de vida dessas trabalhadoras mostra a persistência de relações de gênero arcaicas mesmo diante de novas relações de trabalho fora do espaço privado. Por outro lado, há também transformações e superações no âmbito das relações privadas, como a Lei Maria da Penha que resguarda judicialmente alguns direitos da mulher vítima de violência, porém ainda há muito que conquistar. O lugar da mulher nas novas relações de trabalho e de produção em Catalão O novo contexto econômico marcado pela industrialização em Goiás é acompanhado por transformações no modo de vida dos goianos, forçando a migração do homem e da mulher do campo para a cidade onde outras relações de trabalho e de produção passaram a fazer parte da vida cotidiana dos trabalhadores. O trabalho é o momento de efetivação das relações sociais, que visa a produção social e a reprodução da humanidade, assim, mudanças nesta esfera da vida são mudanças que alteram toda a vida dos trabalhadores. Um exemplo é a entrada em número maior da mulher no mercado de trabalho, exigência de novas relações de produção e que transforma as relações sociais e de gênero. Harvey (1989) argumenta que as mudanças ocorreram a partir da implantação de uma nova forma de produção, a acumulação flexível, que se caracteriza por uma maior flexibilidade dos processos de trabalho, por novos setores de produção e, por mudanças nos padrões do desenvolvimento que 151 Revista Latino-americana de Geografia e Gênero, Ponta Grossa, v. 3, n. 2, p. 151-154, ago. / dez. 2012.

ocorre de forma desigual, nos setores de serviços e nas regiões geográficas. A acumulação flexível também é caracterizada pela ampliação dos conjuntos industriais em várias regiões ate então não tão desenvolvidas como no interior do país, como em Goiás. O processo de reestruturação produtiva é uma necessidade em tempos de crise com a reorganização das relações econômicas, de trabalho e sociais. No final dos anos (19)60, o capitalismo já apontava para a necessidade de mudanças no padrão rígido e de produção e consumo de massa. A flexibilização tem várias características, como a terceirização nas relações de produção e a entrada da mulher no mercado de trabalho ocupando, principalmente, as vagas ofertadas por empresas terceiras e no setor de serviços. As mulheres, também, atendem às necessidades do novo perfil do trabalhador que, segundo Antunes (2007, p.48) deve ser:... mais qualificado, participativo, multifuncional, polivalente, dotado de maior realização no espaço do trabalho. A mulher seria mais bem aproveitada, principalmente em tarefas que exigem mais concentração e com mais detalhes ou ainda em ocupações em tempo parcial ou em trabalhos realizados em casa, como no ramo da facção, onde fábricas de lingerie entregam uma parte da produção para ser realizada na casa da trabalhadora contratada, eliminando, assim vários custos na etapa produtiva. Sobre a participação da mulher no mercado de trabalho, Harvey (2007, p.147) acrescenta: Não apenas as novas estruturas do mercado de trabalho facilitam muito a exploração da força de trabalho das mulheres em ocupações de tempo parcial, substituindo assim trabalhadores homens centrais melhor remunerados e menos facilmente demissíveis pelo trabalho feminino mal pago, como o retorno dos sistemas de trabalho doméstico. Em Catalão, observamos muitas destas práticas como a feminização do trabalho em empresas terceirizadas e os contratos para a realização de serviços no espaço do lar, com o uso de mão de obra feminina e no setor de serviços. Observamos, também, a feminização do trabalho docente que coincide com a crescente desvalorização do magistério e o reforço da ideologia de que ensinar é um dom e não uma profissão. Os contratos temporários ou o emprego em empresas terceirizadas caracterizam a precarização das relações de trabalho feminino como argumenta Antunes (2004), já que as perdas salariais e as péssimas condições de trabalho são constantes. Antunes (2004) lembra, também, que os níveis de remuneração destas mulheres são inferiores à dos homens que, muitas vezes, ocupam o mesmo cargo e desempenham a mesma função. Trabalhando nos piores cargos de trabalho ou, às vezes nos mesmos cargos, mas com salários inferiores, as mulheres ocupam cada vez mais vagas no mundo do trabalho, uma estratégia da acumulação flexível que altera valores, tradições e a própria cultura do brasileiro e serve aos interesses de acumulação do capital, uma vez que diminuem os custos com a força de trabalho. A reestruturação produtiva coopta as habilidades femininas para utilizá las em favor do aumento da produtividade, no corte dos direitos trabalhistas, no trabalho temporário, nos trabalhos piores remunerados e menos prestigiados como na educação, mesmo quando a mulher é mais qualificada, tem mais anos de estudos e, até mesmo, mais experiência. Com o processo de terceirização em Catalão, várias empresas são constituídas para a prestação de serviços às grandes fábricas e instituições de ensino como a Universidade Federal de Goiás. A maioria destas, são empresas responsáveis pela limpeza e alimentação que empregam, em maior número, mulheres para exercerem no espaço público as mesmas relações de trabalho instituídas no espaço privado. Na educação, este processo pode ser observado através dos contratos de professores em regime temporário que no estado de Goiás chegou ao número de onze mil no início de 2011, de acordo com dados da Secretaria da Educação do Estado, sendo que a grande maioria é de professoras. A flexibilidade é concebida como instrumento utilizado pelo capitalismo para efetivação da maleabilidade ou desregulamentação jus trabalhista, que proporcionam às negociações referentes aos contratos de trabalho se restrinjam entre empregadores e empregados ou seus sindicatos, excluindo o Estado da fiscalização e proteção dos direitos sociais dos trabalhadores, sob o argumento de conservação da relação empregatícia. Entretanto, o foco real é o interesse de implementar um maior descomprometimento sociofinanceiro da empresa com os seus funcionários, garantindo, nesse ensejo, lucratividade crescente (SANTOS, 2002, p. 75). A contratação de mão de obra feminina é um indicativo da precarização deste trabalho, uma vez que os salários são mais baixos, as condições de trabalho são inferiores às dos trabalhadores na mesma empresa, direitos e benefícios diferenciados, como pudemos observar nos dados levantados e em entrevistas realizadas nas pesquisas desenvolvidas. As pesquisas realizadas, até hoje, apontam para uma feminização e 152 Revista Latino-americana de Geografia e Gênero, Ponta Grossa, v. 3, n. 2, p. 152-154, ago. / dez. 2012.

uma precarização crescente à medida que avança o processo de industrialização na cidade. As transformações no mundo do trabalho e a vida cotidiana das trabalhadoras As transformações alcançam o modo de vida destas trabalhadoras que buscam a autonomia financeira ou uma complementação da renda familiar; há ainda as que sustentam sozinhas os lares, são responsáveis pela educação dos filhos e pelo amparo aos idosos na família. Assim, conforme argumenta Saffioti (2004, p. 35 36), a inserção da mulher no mundo do trabalho é permitida, no entanto, não reconhecida e nem valorizada. Para a autora: As barreiras que a sociedade de classes coloca à integração social da mulher, todavia não apresentam, no processo de seu aparecimento e vigência, muita uniformidade. Na medida em que esses obstáculos são regulados pelas necessidades que porventura tenham as mulheres de se realizar através do trabalho, as oportunidades sociais oferecidas aos contingentes femininos variam em função da fase de desenvolvimento do tipo social em questão ou, ou em outros termos, do estágio de desenvolvimento atingido por suas forças produtivas. Desta forma, a mulher, no atual modelo econômico, ocupa importante papel ao assumir tarefas no mundo do trabalho precarizado, reforçando a exploração machista e a submissão à ordem imposta. Jornadas duplas e triplas de trabalho demonstram que o trabalho feminino é precarizado não apenas no espaço da fábrica, da empresa ou da escola, mas também em casa, lugar onde a exploração torna se manutenção de práticas arcaicas em uma sociedade moderna. Nas escolas em que realizamos nossas pesquisas, observamos a dura rotina das trabalhadoras que trabalham em duas e até três escolas diferentes todos os dias da semana, ministram aulas para uma grande quantidade de alunos, sem muitos recursos didáticos e ainda lidam com a cobrança permanente pela qualificação, uma das exigências da flexibilização. As péssimas condições de transporte público são um problema a mais para a trabalhadora que tem que sair de uma escola onde cumpriu com suas atividades até o final da manhã, ir em casa para cuidar de atividades do trabalho doméstico e voltar para o segundo turno de trabalho em um pequeno espaço de tempo. A falta de creches e escolas de tempo integral na cidade também está entre as reclamações destas trabalhadoras que, muitas vezes têm que deixar os filhos sozinhos em casa ou destinar uma parcela considerável do seu salário para a contratação de outra mulher para cuidar dos seus filhos. Ao final da longa jornada de trabalho fora de casa, ao retornar para o lar, as professoras que entrevistamos nos relatam um prolongamento da jornada, um tempo destinado à preparação das aulas do dia seguinte, de materiais didáticos a serem utilizados nas aulas e na correção de trabalhos de alunos, trabalho este que não é remunerado, uma especificidade do trabalho docente. Ao final dessas atividades, o trabalho doméstico e o cuidado com os filhos e a atenção ao parceiro ainda são parte da vida cotidiana dessas trabalhadoras. Não é para menos que são altos os índices de afastamento por motivo de saúde entre as trabalhadoras da educação, sendo superior em até vinte por cento aos homens, de acordo com dados da secretaria de educação do Estado. Por outro lado, a inserção da mulher no mercado de trabalho trouxe lutas e conquistas para toda a sociedade, uma vez que as suas reivindicações como trabalhadoras são causas que dizem respeito a toda a sociedade, como uma educação infantil de qualidade para os seus filhos, melhorias no transporte público, saúde de qualidade e melhorias nas condições de vida para a família. Considerações finais Na atual sociedade a exploração do trabalho para a acumulação de riqueza transforma se, adota novas estratégias e, em alguns casos, aparece até como uma conquista, uma vez que ter um emprego é ter condições de consumir e isso é vital na sociedade do século XXI. Neste sentido, a entrada da mulher no mercado de trabalho é sempre entendida como uma conquista, uma emancipação, a liberdade. No entanto, para além de toda esta aparente conquista há a precarização no espaço de trabalho via extração de mais valia e alienação e também no espaço doméstico, onde a precarização alcança o trabalho doméstico, agora realizado em um segundo turno que, lamentavelmente, em grande parte é de responsabilidade apenas da mulher, sobrecarregando a e privando a de momentos de lazer, estudo, descanso, etc. Os estudos sobre o espaço urbano em Catalão apontam para uma crescente precarização do trabalho feminino tanto no espaço público como no privado, caracterizando uma exploração da mulher e prejuízos 153 Revista Latino-americana de Geografia e Gênero, Ponta Grossa, v. 3, n. 2, p. 153-154, ago. / dez. 2012.

para o processo de construção do direito à diferença de forma plena. Alguns estudos revelam, ainda, que as mulheres que trabalham fora de casa enfrentam problemas como a falta de escolas, creches, assistência médica e odontológica, transporte, moradia e o desemprego dos companheiros, entre outros; ou seja, a precarização das relações de trabalho compromete a qualidade de vida da trabalhadora e dos seus dependentes, uma vez que o acesso aos direitos são flexibilizados. A maioria das mulheres ainda realiza os trabalhos domésticos sozinha, sem cooperação de outros moradores do lar, o que compromete as suas horas de descanso e lazer em nome da produção da mais valia social. Lamentavelmente, mesmo após conquistar um lugar no mercado de trabalho ainda que em condições precárias, em grande parte as mulheres ainda não conseguiram mudar a relação de gênero baseadas na exploração desigual do seu trabalho. A construção de uma sociedade mais justa passa pelo debate sobre a questão de gênero, sobre a igualdade de direitos respeitando se as diferenças e também pelo debate sobre o novo papel da mulher no mundo do trabalho, outra luta por salários iguais, melhores condições de trabalho, melhor infraestrutura da cidade para que a mulher possa trabalhar e criar os seus filhos de maneira digna. As relações de trabalho cada vez mais precarizadas comprometem o trabalho e a qualidade de vida dos trabalhadores e das trabalhadoras com um grande prejuízo para a formação de sujeitos conscientes que lutam por uma sociedade melhor. Ainda há muito a ser feito pela emancipação do trabalho feminino, assim como de outros sujeitos. COSTA, Carmen Lúcia. Cultura, religiosidade e comércio na cidade: a Festa em Louvor à Nossa Senhora do Rosário em Catalão Goiás. Tese de Doutorado. Universidade de São Paulo. FFLCH. São Paulo, 2010. COSTA, Carmen Lúcia e BOAVENTURA, Analice. Costa. Gênero, violência e violência contra as mulheres: contribuições da Geografia para o debate em sala de aula. Relatório de Pesquisa/Prolicen. Catalão, 2008. NOGUEIRA, Claudia Mazzei. A feminização do mundo do trabalho: entre a emancipação e a precarização, Campinas, SP: Autores Associados, 2004. HARVEY, David. A condição pós moderna: uma pesquisa sobre as origens de mudança cultural. São Paulo: Loyola, 1993. SAFFIOTI, Heleieth. Gênero e patriarcado: violência contra as mulheres. In: VENTURINI, Gustavo (Org.) A mulher brasileira no espaço público e privado. São Paulo: Fundação Perseu Abramo, 2004. SANTOS, Douglas. A reinvenção do espaço: diálogos em torno da construção do significado de uma categoria. São Paulo: Editora da UNESP, 2002. SILVA, Joseli. Maria. Geografias Subversivas: discursos sobre espaço, gênero e sexualidade. Ponta Grossa: Todapalavra, 2009. Referências ANTUNES, Ricardo. Adeus ao trabalho? ensaios sobre as metamorfoses e a centralidade do mundo do trabalho. São Paulo: Cortez, 2004.. Os Sentidos do Trabalho. ensaio sobre a afirmação e a negação do trabalho. Coleção Mundo do Trabalho. São Paulo: Ed. Boitempo, 2007. BOAVENTURA, Analice. Costa. Feminização e precarização do trabalho: o caso da empresa Prest John em Catalão Goiás. 2010. Monografia (Geografia) UFG/ Campus Catalão Catalão Góias. CHAMON, Magda. Trajetória de feminização do magistério: ambiguidades e conflitos. Belo Horizonte: Autêntica/FCH FUMEC, 205. Recebido em: 4 de setembro de 2011. Aceito em: 20 de fevereiro de 2012. 154 Revista Latino-americana de Geografia e Gênero, Ponta Grossa, v. 3, n. 2, p. 154-154, ago. / dez. 2012.