UNIVERSIDADE DO SUL DE SANTA CATARINA PÂMELLA SANTOS DA SILVA

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Transcrição:

UNIVERSIDADE DO SUL DE SANTA CATARINA PÂMELLA SANTOS DA SILVA POSSIBILIDADE DE INVESTIGAÇÃO DE PATERNIDADE PELO CONCEBIDO POR REPRODUÇÃO ASSISTIDA HETERÓLOGA Palhoça 2012

PÂMELLA SANTOS DA SILVA POSSIBILIDADE DE INVESTIGAÇÃO DE PATERNIDADE PELO CONCEBIDO POR REPRODUÇÃO ASSISTIDA HETERÓLOGA Monografia apresentada ao Curso de Direito da Universidade do Sul de Santa Catarina, como requisito parcial para a obtenção do título de Bacharel em Direito. Orientadora: Profa. Gisele Rodrigues Martins Goedert, Msc. Palhoça 2012

PÂMELLA SANTOS DA SILVA POSSIBILIDADE DE INVESTIGAÇÃO DE PATERNIDADE PELO CONCEBIDO POR REPRODUÇÃO ASSISTIDA HETERÓLOGA Este Trabalho de Conclusão de Curso foi julgado adequado à obtenção do título de bacharel em Direito e aprovado em sua forma final pelo Curso de Direito da Universidade do Sul de Santa Catarina. Palhoça, 07 de novembro de 2012. Profa. Orientadora Gisele Rodrigues Martins Goedert, Msc. Universidade do Sul de Santa Catarina Prof. Universidade do Sul de Santa Catarina Prof. Universidade do Sul de Santa Catarina

TERMO DE ISENÇÃO DE RESPONSABILIDADE POSSIBILIDADE DE INVESTIGAÇÃO DE PATERNIDADE PELO CONCEBIDO POR REPRODUÇÃO ASSISTIDA HETERÓLOGA Declaro, para todos os fins de direito, que assumo total responsabilidade pelo aporte ideológico e referencial conferido ao presente trabalho, isentando a Universidade do Sul de Santa Catarina, a Coordenação do Curso de Direito, a Banca Examinadora e o Orientador de todo e qualquer reflexo acerca desta monografia. Estou ciente de que poderei responder administrativa, civil e criminalmente em caso de plágio comprovado do trabalho monográfico. Palhoça, 07 de novembro de 2012. PÂMELLA SANTOS DA SILVA

Dedico esta pesquisa aos meus pais Josemeri e Valério, e a minhas irmãs, por todo o incentivo e ajuda recebidos durante a faculdade.

AGRADECIMENTOS A Deus, primeiramente, por ter me concedido saúde, discernimento e sabedoria necessária para conclusão deste curso. Ao meu pai, por todo suporte dado ao longo da minha vida, sempre me apoiando e desejando um futuro promissor. À minha querida mãe, por ser essa mulher guerreira em que me espelho, e que mesmo nos momentos difícies esteve do meu lado me ajudando da maneira que pode. Eu te amo. À minha orientadora, Professora Gisele Rodrigues Martins Goedert, pelos conselhos, informações e auxílio oferecidos, sem os quais este trabalho não se tornaria realidade. Às minhas amadas irmãs Priscilla e Patrícia, que me apoiaram e aconselharam em todos os momentos de dificuldade ao longo do curso. Por fim, e não menos importante, às minhas queridas amigas e companheiras Ana Luíza, Nathália, Priscila e Roberta que me encorajaram e me fizeram acreditar que seria possível conciliar todas as atividades em um semestre só.

RESUMO Trata a pesquisa monográfica sobre a possibilidade de o filho, gerado a partir das técnicas de reprodução assistida heteróloga, ou seja, aquelas em que são utilizadas sêmen de terceiro doador estranho ao casal, ingressar com ação de investigação de paternidade perante esse doador para obter a verdade a respeito da sua origem genética, levando em consideração os princípios constitucionais como o da dignidade da pessoa humana, solidariedade familiar, igualdade, afetividade e paternidade responsável, bem como o conflito com o instituto do anonimato do doador de gametas e o direito ao conhecimento da ascendência genética. O presente estudo se mostra necessário eis que, após o advento da Constituição da República Federativa do Brasil, de 1988, e posteriormente o Código Civil de 2002, a concepção de família foi ampliada e surgiram novos arranjos familiares. Todavia, a legislação infraconstitucional não acompanhou o espírito da Carta Magna, deixando de regular os direitos dos membros dessas novas espécies familiares. Diante disso, faz-se necessário o estudo aprofundado a respeito do instituto da filiação, dos princípios pertinentes, da reprodução humana assistida, desde seu surgimento até chegar às técnicas disponíveis atualmente, do direito à intimidade do doador de gametas e do direito ao conhecimento da origem genética, circunstância que gera polêmica entre os doutrinadores, por tratar-se de situação que carece de legislação específica que a regularmente. Palavras-chave: Investigação de paternidade. Reprodução assistida heteróloga. Anonimato. Origem genética.

LISTA DE SIGLAS CC/2002 Código Civil de 2002 CFM Conselho Federal de Medicina CRFB/88 Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 ECA Estatuto da Criança e do Adolescente - Lei n. 8.069, de 13 de julho de 1990

SUMÁRIO 1 INTRODUÇÃO... 10 2 DIREITO DE FILIAÇÃO... 12 2.1 EVOLUÇÃO HISTÓRICA DA FILIAÇÃO NO ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO... 12 2.2 CONCEITO DE FILIAÇÃO... 15 2.3 PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS ATINENTES AO DIREITO DE FAMÍLIA. 16 2.3.1 Princípio da dignidade da pessoa humana... 16 2.3.2 Princípio da solidariedade familiar... 18 2.3.3 Princípio da igualdade... 18 2.3.4 Princípio da afetividade... 19 2.3.5 Princípio da convivência familiar... 20 2.3.6 Princípio da proteção integral a crianças e adolescentes... 21 2.3.7 Princípio da paternidade responsável e planejamento familiar... 22 2.4 FILIAÇÃO BIOLÓGICA E FILIAÇÃO SOCIOAFETIVA... 23 2.4.1 Filiação biológica... 23 2.4.2 Filiação não biológica... 24 2.4.2.1 Filiação socioafetiva... 24 2.4.2.2 Filiação adotiva... 25 2.5 RECONHECIMENTO DA FILIAÇÃO... 26 2.5.1 Reconhecimento voluntário... 27 2.5.1.1 Possibilidades de reconhecimento voluntário... 27 2.5.2 Reconhecimento forçado... 29 2.5.3 Posse de estado de filiação... 30 3 REPRODUÇÃO ASSISTIDA: PRINCIPAIS ASPECTOS... 32 3.1 EVOLUÇÃO HISTÓRICA... 32 3.2 CONCEITO... 33 3.3 A FILIAÇÃO POR PRESUNÇÃO NA REPRODUÇÃO ASSISTIDA... 34 3.4 TÉCNICAS DE REPRODUÇÃO ASSISTIDA... 37 3.4.1 Inseminação artificial... 38 3.4.1.1 Inseminação artificial homóloga... 38 3.4.1.2 Inseminação artificial heteróloga... 39 3.4.2 Fertilização in vitro... 40

3.4.2.1 Transferência de gametas para as trompas (GIFT)... 41 3.4.2.2 Transferência de zigoto para as trompas (ZIFT)... 42 3.5 BASES CONSTITUCIONAIS PARA UM DIREITO À REPRODUÇÃO ASSISTIDA.. 42 3.6 LEGISLAÇÃO APLICÁVEL... 45 3.6.1 Resolução do Conselho Federal de Medicina n. 1.957, de 2010... 45 3.6.2 Lei n. 11.105, de 24 de março de 2005... 46 3.6.3 Lei n. 9.263, de 12 de janeiro de 1996... 47 3.6.4 Projetos de Lei... 48 3.6.4.1 Projeto de Lei n. 90, de 1999... 48 3.6.4.2 Projeto de Lei n. 1.184, de 2003... 49 3.6.4.3 Projeto de Lei n. 4.686, de 2004... 50 3.6.4.4 Projeto de Lei n. 7.701, de 2010... 50 4 INVESTIGAÇÃO DE PATERNIDADE E O DIREITO DE FILIAÇÃO NA REPRODUÇÃO ASSISTIDA HETERÓLOGA... 52 4.1 REPRODUÇÃO ASSISTIDA HETERÓLOGA... 52 4.2 DIREITOS DA PERSONALIDADE... 53 4.3 DIREITO AO CONHECIMENTO DA ORIGEM GENÉTICA... 56 4.4 DIREITO AO ANONIMATO DO DOADOR DE GAMETAS... 58 4.5 CONSENTIMENTO INFORMADO... 59 4.6 INVESTIGAÇÃO DE PATERNIDADE E O DIREITO DE FILIAÇÃO... 60 4.6.1 Investigação de paternidade: aspectos gerais... 61 4.6.2 Investigação de paternidade na reprodução assistida heteróloga... 62 4.7 POSICIONAMENTO JURISPRUDENCIAL... 67 5 CONCLUSÃO... 71 REFERÊNCIAS... 73

10 1 INTRODUÇÃO O art. 1597, incisos III, IV e IV do Código Civil de 2002 reconheceram outras espécies de filiação além da oriunda pela relação sexual e pela adoção, acolhendo, desse modo, a filiação proveniente das técnicas de reprodução medicamente assistida, com fulcro não só no vínculo sanguíneo, mas também na paternidade socioafetiva, baseado na vontade de ser pai/mãe. O tema deste trabalho monográfico tratar-se-á da possibilidade de o filho, oriundo das técnicas de reprodução assistida heteróloga, ou seja, quando é utilizado sêmen de doador anônimo, ingressar com ação de investigação de paternidade perante esse doador, a fim de saber sua origem genética. A escolha do tema se justifica por ser a fertilização artificial um método de concepção que vem se popularizando entre as pessoas que encontram dificuldades para realizar o sonho da maternidade e da paternidade, em razão de problemas de infertilidade e esterilidade. Mas, se por um lado, a reprodução assistida representa o desenvolvimento da área biomédica, por outro, gera questionamentos preocupantes em várias áreas do conhecimento, pois o rápido progresso da ciência no campo da procriação deu origem ao desequilíbrio entre a utilização das técnicas e a legislação vigente, demonstrando que o ordenamento jurídico é omisso diante das novas descobertas. Sendo assim, apresentar-se-á o seguinte problema de pesquisa: Existe a possibilidade do filho, concebido por reprodução assistida heteróloga, vir a investigar a paternidade biológica do doador do material genético? Diante disso, embora a prática dos métodos de fertilização artificial heteróloga não seja obstada pelo ordenamento jurídico pátrio, observa-se que a matéria gera muita polêmica, tendo em vista que a legislação civil atual é dissonante no que diz respeito à filiação e, consequentemente, aos efeitos jurídicos decorrentes dela. Desponta, diante disso, uma questão difícil de ser solucionada, pois o 6º, do art. 227 da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 não faz distinção entre os filhos, garantindo, assim, tratamento igualitário independente da origem da filiação ou do vínculo entre os genitores. Para o desenvolvimento da pesquisa em tela, adotar-se-á o método de abordagem dedutivo, pois inicialmente será analisado o direito de filiação e a

11 reprodução medicamente assistida, para, finalmente, adentrar no direito de investigação de paternidade do concebido por reprodução assistida heteróloga. Utilizar-se-á o método de procedimento monográfico e, no tocante à técnica, elegerse-á a bibliográfica, em que foram tomadas como fonte primária de estudo as doutrinas, Constituição Federal e Código Civil, e como fonte secundária, as decisões judiciais. Assim, diante da problemática exposta, o trabalho monográfico apresentado, muito embora esteja longe de ser considerado como conclusivo, tem como objetivo geral verificar a possibilidade de o filho, concebido por meio das técnicas de reprodução assistida heteróloga, ingressar com ação de investigação de paternidade perante o doador de material genético. Dessa forma, o presente estudo desenvolver-se-á em três capítulos. O primeiro destinar-se-á a conceituação do instituto da filiação, sua evolução histórica, espécies e os princípios pertinentes ao assunto. No segundo capítulo tratar-se-á dos principais aspectos da reprodução medicamente assistida, desde sua evolução até as técnicas disponíveis atualmente, apontar-se-á, também, as bases constitucionais para um direito à reprodução assistida, e a legislação aplicável à matéria. No terceiro e derradeiro capítulo desenvolver-se-á um estudo aprofundado a respeito da proteção dos direitos da personalidade, do direito ao conhecimento da origem genética, direito ao anonimato do doador de gametas e o posicionamento doutrinário sobre a possibilidade de investigação na reprodução assistida heteróloga.

12 2 DIREITO DE FILIAÇÃO Iniciando-se a presente pesquisa, discutir-se-á, neste capítulo, a evolução histórica da filiação, seus princípios norteadores, quais sejam: dignidade da pessoa humana; solidariedade familiar; igualdade; afetividade; convivência familiar; proteção integral a crianças e adolescentes; e, paternidade responsável e planejamento familiar, a distinção de filiação biológica e filiação socioafetiva e o reconhecimento da filiação. Para realizar essa tarefa, serão tomadas como base a Constituição da República Federativa do Brasil e a Lei n. 10.406, de 10 de janeiro 2002 (Código Civil). Também serão utilizadas algumas das principais contribuições teóricas sobre esse tema, com ênfase para as obras de Eduardo de Oliveira Leite, Fábio Ulhoa Coelho, Sílvio de Salvo Venosa, Maria Helena Diniz, Paulo Lôbo, Rolf Madaleno e Carlos Roberto Gonçalves. 2.1 EVOLUÇÃO HISTÓRICA DA FILIAÇÃO NO ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO O Código Civil de 1916 dava ênfase à família legítima, ou seja, aquela oriunda do casamento regular, simplesmente ignorando os direitos daqueles que descendessem de relações extramatrimoniais, conforme explica Sílvio de Salvo Venosa (2004, p. 276). Roberto Senise Lisboa (2006, p. 346) elucida que este código adotava a tendência do início do século, classificando a filiação como legítima e ilegítima, sendo legítimo aquele concebido em decorrência das justas núpcias, isto é, do casamento regular e ilegítimo aquele não originário das justas núpcias, isto é, concebido fora da relação conjugal. Em estudo sobre o assunto, Fábio Ulhoa Coelho (2009a, p. 145) consigna que somente eram considerados filhos de verdade, aqueles gerados dentro do casamento, existindo, assim, uma [...] hierarquia entre os filhos, em que se privilegiava o portador da herança genética do homem e mulher casados.

13 Conforme leciona Roberto Senise Lisboa (2006, p. 346) o Código Civil de 1.916 classificava os filhos em [...] filhos legítimos, filhos legitimados, filhos adotivos e filhos ilegítimos. Como já exposto anteriormente, filhos legítimos eram aqueles derivados do casamento regular. Como expõe Carlos Roberto Gonçalves (2009, p. 286) [...] eram os que procediam de justas núpcias. Já os filhos oriundos fora do casamento, eram chamados de ilegítimos, sendo divididos em naturais ou espúrios, este último sendo subdividido em adulterinos e incestuosos (COELHO, 2009a, p.145). Na concepção de Roberto Senise Lisboa (2006, p.346), filho natural era o [...] nascido de pais sem qualquer impedimento para contrair casamento entre si, à época da concepção. No mesmo norte, dispõe Fábio Ulhoa Coelho (2009a, p. 145) que filhos naturais são aqueles providos de uma relação em que os pais não estavam desimpedidos para o casamento, ou seja, eram viúvos ou solteiros. Para Maria Helena Diniz (2002a, p. 394) filhos espúrios eram os descendentes de um homem e mulher impedidos matrimonialmente, sendo classificados como adulterinos os [...] que nascem de casal impedido de casar em virtude de casamento anterior, resultado de um adultério [...], e incestuosos os [...] nascidos de homem e mulher que, ante parentesco natural, civil ou afim, não podiam convolar núpcias à época de sua concepção. (DINIZ, 2002a, p. 394). Os filhos espúrios podiam ser [...] adulterinos, se o impedimento resultasse do fato de um deles ou de ambos serem casados, e incestuosos, se decorresse do parentesco próximo, como entre pai e filha ou entre irmão e irmã. (GONÇALVES, 2009, p. 286). Continuando o estudo da classificação dos filhos no Código Civil de 1.916, este destinava um capítulo à legitimação, que era [...] o reconhecimento da filiação, feito conjuntamente ou em separado, pelos genitores do filho concebido de uma relação ilícita, [...] porém posteriormente regularizada pelo casamento válido e eficaz. (LISBOA, 2006, p.346). Nesse passo, urge transcrever o art. 352 que dizia: Os filhos legitimados são, em tudo, equiparados aos legítimos. Este artigo tinha o condão de conferir aos filhos havidos anteriormente as núpcias, os mesmos direitos dos filhos legítimos,

14 como se houvessem sido concebidos após o casamento (GONÇALVES, 2009, p. 286). Por último, dentro desta classificação, temos os filhos adotivos que eram resultantes do procedimento de adoção, mas que não podiam ser tratados igualmente aos filhos legítimos, não tendo seus direitos equiparados a estes, [...] pois tinham direito, na herança, apenas à metade da quota destes últimos. (COELHO, 2009a, p.145). Atualmente, a origem da filiação não tem mais relevância, independendo ser o filho havido dentro do casamento ou não, vigora no novo texto constitucional o princípio da igualdade entre os filhos, abrangendo também os adotados (LISBOA, 2006, p. 347). Corroborando com esse entendimento, José Afonso da Silva (1995, p. 775, apud BLIKSTEIN, 2008, p. 45) afirma que [...] ficaram banidos da legislação civil expressões como filhos legítimos, filhos naturais, filhos adulterinos, filhos incestuosos. Para denominar a filiação, permaneceu a expressão filhos. Assim, em 1988, com a vigência da Constituição da República Federativa do Brasil (CRFB/1988), a igualdade entre todos os filhos foi estabelecida, conforme dita o art. 227, 6º: Art. 227. É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão. [...] 6º - Os filhos, havidos ou não da relação do casamento, ou por adoção, terão os mesmos direitos e qualificações, proibidas quaisquer designações discriminatórias relativas à filiação. (BRASIL. 1988). Para Daniel Blikstein (2008, p. 44), [...] o referido texto legal foi corroborado pela Lei n. 8.560, de 29 de dezembro de 1.992 (lei que revogou o art. 337 do Código Civil), que dispõe sobre a investigação de paternidade dos filhos havidos fora do casamento. Nesse sentido, elucida Regina Beatriz Tavares da Silva (2010, p. 1586): A Constituição da República de 1988, no art. 227 6º, em preservação da dignidade da pessoa humana, colocou, definitivamente, fim às desigualdades entre os filhos e, por conseguinte, entre relações de parentesco diversas, estatuindo que Os filhos, havidos ou não da relação

15 do casamento, ou por adoção, terão os mesmos direitos e qualificações, proibidas quaisquer designações discriminatórias relativas à filiação. Assim, como não se pode mais classificar os filhos em legítimos e ilegítimos, naturais, espúrios, adulterinos e incestuosos, a classificação que existia, na redação anterior, quanto ao parentesco legítimo ou ilegítimo passou a ser inconstitucional. No mesmo norte argumenta Maria Helena Diniz (2002a, p. 20-21) que: [...] consagrado pelo nosso direito positivo, que (a) nenhuma distinção faz entre filhos legítimos, naturais e adotivos, quanto ao nome, pátrio poder e sucessão; (b) permite o reconhecimento de filhos havidos fora do casamento; (c) proíbe que se revele ao assento do nascimento à ilegitimidade simples ou espuriedade e (d) vedações as designações discriminatórias relativas à filiação. O Código Civil de 2002 (CC/2002), em seu artigo 1.596, também pôs fim a essa distinção entre filhos legítimos ou ilegítimos, recepcionando o disposto no texto constitucional mencionado quando afirma: Os filhos havidos ou não da relação de casamento, ou por adoção, terão os mesmos direitos e qualificações, proibidas quaisquer designações discriminatórias relativas à filiação. (BRASIL, 2002). 2.2 CONCEITO DE FILIAÇÃO Elucida Paulo Lôbo (2011, p. 216) que filiação é a relação de parentesco entre duas pessoas, uma gerada da outra, sendo chamada de paternidade aquela derivada do pai e maternidade aquela derivada da mãe, [...] filiação procede do latim filiatio, que significa procedência, laço de parentesco dos filhos com os pais, dependência, enlace. Corrobora com esse entendimento Carlos Roberto Gonçalves (2009, p. 285), conceituando filiação como [...] a relação de parentesco consanguíneo, em primeiro grau e linha reta, que liga uma pessoa àquelas que a geraram, ou a receberam como se estivesse gerado. Por outro lado, Roberto Senise Lisboa (2006, p.344), dispõe que filiação não se funda apenas no laço sanguíneo, mas também, no vínculo constituído entre o sujeito e seus pais, pouco importando o meio de sua formação. Explica Eduardo Oliveira Leite (2005, p. 206) que se a filiação não é baseada em laços sanguíneos, usa-se a expressão laços jurídicos, que nasce no terreno da afetividade, sendo uma relação que se constrói na convivência de pais e

16 filhos, biológicos ou não, sendo que [...] a verdade legal-afetiva sobrepõe-se à verdade biológica. (LEITE, 2005, p. 206). Diante disso, tratar-se-á a seguir dos princípios que norteiam o direito de família. 2.3 PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS ATINENTES AO DIREITO DE FAMÍLIA Com a promulgação da CRFB/1988, o direito brasileiro teve um dos seus maiores avanços que [...] é a consagração da força normativa dos princípios constitucionais explícitos ou implícitos, superando o efeito simbólico que a doutrina tradicional a eles destinava. (LÔBO, 2011, p. 57). Os princípios constitucionais vêm em primeiro lugar e são as portas de entrada para qualquer leitura interpretativa do direito. (PEREIRA, 2006, p. 24 apud DIAS, 2007, p. 56). Determina Maria Berenice Dias: É no direito das famílias em que mais se sente o reflexo dos princípios eleitos pela Constituição Federal, que consagrou como fundamentais valores sociais dominantes. (DIAS, 2007, p. 57). Tais princípios não podem distanciar-se da atual concepção da família dentro da sua feição desdobrada em múltiplas facetas. (DIAS, 2007, p. 57). Diante do exposto, demonstrar-se-á a seguir alguns dos princípios que norteiam o direito de família, em especial os que regem o direito de filiação. 2.3.1 Princípio da dignidade da pessoa humana A dignidade da pessoa humana é princípio fundamental, segundo dispõe o art. 1º, III da CRFB/1988. Esse princípio [...] é um macroprincípio do qual se irradiam todos os demais: liberdade, autonomia privada, cidadania, igualdade e solidariedade, uma coleção de princípios éticos. (DIAS, 2007, p. 59). Guilherme Calmon Nogueira da Gama (2008, p. 70) define o princípio da dignidade da pessoa humana como o núcleo da ordem constitucional, [...] irradiando efeitos sobre todo o ordenamento jurídico, não apenas no que tange aos atos e às

17 situações envolvendo a esfera pública dos atos estatais, mas também todo o conjunto de relações privadas que se verificam no âmbito da sociedade. Dispõe, ainda, que: No âmbito do planejamento familiar, o princípio em tela deve não somente ser aplicado no sentido de garantir o exercício desse direito pelo casal, como também na proteção daquele que poderá vir a nascer, e o conflito entre essas duas perspectivas deve ser solucionado, em regra, em favor desse último. (GAMA, 2008, p. 70). Na mesma esteira Carlos Roberto Gonçalves (2009, p. 7) dispõe que o princípio da dignidade da pessoa humana é baseado no dever geral de respeito e proteção, constituindo [...] a base da comunidade familiar, garantindo o pleno desenvolvimento e a realização de todos os seus membros, principalmente da criança e do adolescente (CF, art. 227). Nesse passo, urge transcrever o que dispõe o caput deste artigo: Art. 227. É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão. (BRASIL, 1988, grifo nosso). Guilherme Calmon Nogueira da Gama afirma que: De se notar que, à luz do art. 1º, inciso III, da Constituição de 1988, dignidade da pessoa humana deve ser acompanhada da necessidade que as demais pessoas e a comunidade respeitem sua liberdade e os seus direitos, de modo a permitir o resguardo e a promoção dos bens indispensáveis ao desenvolvimento da personalidade humana. Na esfera da entidade familiar, incumbe a todos os seus integrantes promover o respeito e a igual consideração de todos os demais familiares, de modo a propiciar uma existência digna para todos e de vida em comunhão de cada familiar com os demais. (GAMA, 2008, p. 71). Kant (1986, p. 77, apud Lôbo, 2011, p. 60) diferencia a dignidade pelo que tem ou não preço, discorre que [...] quando uma coisa tem um preço, pode-se pôr em vez dela qualquer outra como equivalente; mas quando uma coisa está acima de todo o preço, e, portanto, não permite equivalente, então tem ela dignidade.

18 2.3.2 Princípio da solidariedade familiar O princípio da solidariedade também está previsto na CRFB/1988 em seu art. 3º, inciso I, in verbis: Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil: I - construir uma sociedade livre, justa e solidária; [...]. (BRASIL, 1988). O princípio da solidariedade guarda relação com os [...] valores éticos do ordenamento jurídico. A solidariedade surgiu como categoria ética e moral, mas que se projetou para o universo jurídico na representação de um vínculo que compele à oferta de ajuda ao outro e a todos. (GAMA, 2008, p. 74). No mesmo norte, leciona Paulo Lôbo (2011, p. 63) que esse princípio fundamental decorre da [...] superação do individualismo jurídico, que por sua vez é a superação do modo de pensar e viver a sociedade a partir do predomínio dos interesses individuais, que marcou os primeiros séculos da modernidade, com reflexos até a atualidade. Este princípio reflete, e muito, nas relações familiares. Em estudo sobre o tema, Maria Berenice Dias (2007, p. 64) dispõe que: Ao gerar deveres recíprocos entre os integrantes do grupo familiar, safa-se o Estado do encargo de prover toda a gama de direitos que são assegurados constitucionalmente ao cidadão. Basta atentar que, em se tratando de crianças e de adolescentes, é atribuído primeiro à família, depois a sociedade e finalmente ao Estado (CF 227) o dever de garantir com absoluta prioridade os direitos inerentes aos cidadãos em formação. Conforme o artigo 226, 8º, o Estado tem de prover a proteção e assistência da família e seus integrantes, criando mecanismos para coibir a violência no âmbito de suas relações. Flávio Tartuce e José Fernando Simão (2008, p. 32) salientam que o princípio da solidariedade [...] também implica em respeito e consideração mútuos em relação aos membros da entidade familiar. 2.3.3 Princípio da igualdade O princípio da igualdade está previsto na CRFB/1988 em seu art. 5º, que dispõe: Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade

19 do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade [...]. (BRASIL, 1988). Com o advento da CRFB/1988, o direito de família sofreu grandes mudanças, umas delas referente ao papel do homem nas relações familiares. Foi retirado o autoritarismo paterno e a subordinação até então existentes no âmbito familiar. A Carta magna trouxe, portanto, uma igualdade entre esses membros, não sendo mais tolerado qualquer tratamento discriminatório (MADALENO, 2008, p. 21). Nesta senda, Maria Berenice Dias (2007, p. 63) menciona que: Atendendo à ordem constitucional, o Código Civil consagra o princípio da igualdade no âmbito do direito das famílias. A relação de igualdade nas relações familiares deve ser pautada não pela pura e simples igualdade entre iguais, mas pela solidariedade entre seus membros, caracterizada da mesma forma pelo afeto e amor. O art. 1.596 do CC/2002 e o art. 227, 6º da CRFB/1988, com a mesma redação, prevê a igualdade entre os filhos, dispondo que: Os filhos, havidos ou não da relação de casamento, ou por adoção, terão os mesmos direitos e qualificações, proibidas quaisquer designações discriminatórias relativas à filiação. (BRASIL, 2002; BRASIL, 1988). No mesmo norte, além da igualdade entre os filhos, o CC/2002 prevê a igualdade entre os cônjuges e os companheiros, especificamente no art. 1.511 que descreve: O casamento estabelece comunhão plena de vida, com base na igualdade de direitos e deveres dos cônjuges. (BRASIL, 2002). Presente também no art. 226, 5º da Constituição Federal, in verbis: Os direitos e deveres referentes à sociedade conjugal são exercidos igualmente pelo homem e pela mulher. (BRASIL, 1988). 2.3.4 Princípio da afetividade Paulo Lôbo (2011, p. 70) conceitua o princípio da afetividade como aquele que [...] fundamenta o direito de família na estabilidade das relações socioafetivas e na comunhão da vida, com primazia sobre as considerações de caráter patrimonial ou biológico. Conforme José Sebastião de Oliveira (2002, p. 233):

20 Os integrantes das famílias, não obstante a intensa liberdade com que mantêm seus relacionamentos buscam cada dia mais o fortalecimento da reciprocidade dos seus sentimentos. Essa amálgama dos laços familiares é representado pela afetividade. Essa razão não vem de nenhuma estrutura legislativa codificada. Realmente, o Direito não tem o poder de criar afetividade. Sentimentos naturais não decorrem de legislação, mas da vivência cotidiana informada pelo respeito, diálogo e compreensão. O afeto é apontado, atualmente, como o principal fundamento das relações familiares, consagrado como um direito fundamental, mesmo que não constando literalmente a palavra na CRFB/1988, pode-se dizer que o afeto decorre da valorização constante da dignidade humana (DIAS, 2007, p. 67). Pode-se encontrar o princípio da afetividade implícito na CRFB/1988, a exemplo dos seguintes dispositivos: a) todos os filhos são iguais, independente de sua origem (art. 227, 6º); b) a adoção, como escolha afetiva, alçou-se integralmente ao plano da igualdade de direitos (art. 227, 5º e 6º); c) a comunidade formada por qualquer dos pais e seus descendentes, incluindo-se os adotivos, tem a mesma dignidade de família constitucionalmente protegida (art. 226, 4º); d) a convivência familiar (e não a origem biológica) é prioridade absoluta assegurada à criança e ao adolescente (art. 227). (LÔBO, 2011, p. 71). O princípio da afetividade se diferencia do afeto, pois este se trata de fato psicológico, porquanto pode ser presumida quando esse faltar na realidade das relações familiares. A afetividade é dever imposto aos pais para com os filhos e destes em relação àqueles, mesmo que não haja amor e afeto entre eles (LÔBO, 2011, p. 71). O afeto não tem sua origem na ciência, mas sim nos laços afetivos e na solidariedade entre os membros que compõe a família, derivando, portanto, da convivência familiar, não tendo relação com os laços sanguíneos (DIAS, 2007, p. 68). 2.3.5 Princípio da convivência familiar O princípio da convivência familiar está previsto expressamente no caput do art. 227 da CRFB/1988, no caso das crianças e adolescentes, trata-se de um princípio constitucional exclusivo do Direito de Família (GAMA, 2008, p. 85).

21 A convivência familiar é, nas palavras de Paulo Lôbo (2011, p. 74) [...] a relação afetiva diuturna e duradoura entretecida pelas pessoas que compõem o grupo familiar, em virtude de laços de parentesco ou não, no ambiente comum. Como observa o mesmo autor, a convivência familiar: Supõe o espaço físico, a casa, o lar, a moradia, mas não necessariamente, pois as atuais condições de vida e o mundo do trabalho provocam separações dos membros da família no espaço físico, mas sem perda da referência ao ambiente comum, tido como pertença de todos. (LÔBO, 2011, p. 74). Os membros da família, mesmo que distantes, consideram o ambiente familiar um local de [...] refúgio seguro e privado, em que todos se sentem recíproca e solidariamente acolhidos e protegidos, notadamente as pessoas dos familiares vulneráveis, como as crianças e os idosos. (GAMA, 2008, p. 85). 2.3.6 Princípio da proteção integral a crianças e adolescentes in verbis: Este princípio também está previsto no caput do art. 227 da CRFB/1988, É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão. (BRASIL, 1988) Essa proteção é regulamentada pela Lei n. 8.069 de 13 de julho de 1990, que dispõe sobre o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), [...] que traz normas de conteúdo matéria e processual, de natureza civil e penal, e abriga toda a legislação que reconhece os menores como sujeitos de direito. (DIAS, 2007, p. 65). Em estudo sobre o tema Tartuce e Simão (2008, p. 39) elucidam que na esfera civil, essa proteção pode ser compreendida como o princípio de melhor interesse da criança, e está previsto, implicitamente, em dois artigos, quais sejam os arts. 1.583 e 1.584 do CC/2002 (alterados pela Lei n. 11.698, de 13 de junho de 2008), que trata da guarda, in verbis:

22 Art. 1.583. A guarda será unilateral ou compartilhada. [...] 2o A guarda unilateral será atribuída ao genitor que revele melhores condições para exercê-la e, objetivamente, mais aptidão para propiciar aos filhos os seguintes fatores: I afeto nas relações com o genitor e com o grupo familiar; II saúde e segurança; III educação. 3o A guarda unilateral obriga o pai ou a mãe que não a detenha a supervisionar os interesses dos filhos. Art. 1.584. A guarda, unilateral ou compartilhada, poderá ser: [...] II decretada pelo juiz, em atenção a necessidades específicas do filho, ou em razão da distribuição de tempo necessário ao convívio deste com o pai e com a mãe. [...] 5o Se o juiz verificar que o filho não deve permanecer sob a guarda do pai ou da mãe, deferirá a guarda à pessoa que revele compatibilidade com a natureza da medida, considerados, de preferência, o grau de parentesco e as relações de afinidade e afetividade. (BRASIL, 2002). Com as alterações advindas, ocorreu uma completa inversão de prioridades, antes quando havia uma separação de casal, por exemplo, os interesses dos filhos não eram relevantes, hoje qualquer decisão deve ser tomada levando em consideração o melhor interesse da criança ou adolescente (LÔBO, 2011, p. 75). Elucida, ainda, que: O princípio do melhor interesse ilumina a investigação de paternidade e filiações socioafetivas. A criança é o protagonista principal, na atualidade. No passado recente, em havendo conflito, a aplicação do direito era mobilizada para os interesses dos pais, sendo a criança mero objeto da decisão. O juiz deve sempre, na colisão da verdade biológica com a verdade socioafetiva, apurar qual delas contempla o melhor interesse dos filhos, em casa caso, tendo em conta a pessoa em formação. (LÔBO, 2011, p. 76). No tocante a ação de investigação de paternidade e ao instituto da filiação socioafetiva, estes serão posteriormente estudados. 2.3.7 Princípio da paternidade responsável e planejamento familiar O princípio da paternidade responsável significa que o pai, biológico ou afetivo, deve exercer para com seus filhos, desde sua concepção, [...] os meios para o pleno desenvolvimento de suas faculdades físicas, psíquicas e intelectuais.

23 Assim, responsabilizando-se pelas obrigações e direitos advindos com o seu nascimento (LISBOA, 2006, p. 49). Este princípio possui estreita ligação com o princípio da dignidade da pessoa humana e com o planejamento familiar, o qual deve ser exercido de forma igualmente responsável, conforme art. 226, 7º da CRFB/1988, in verbis: Art. 226. A família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado. [...] 7º - Fundado nos princípios da dignidade da pessoa humana e da paternidade responsável, o planejamento familiar é livre decisão do casal, competindo ao Estado propiciar recursos educacionais e científicos para o exercício desse direito, vedada qualquer forma coercitiva por parte de instituições oficiais ou privadas. (BRASIL, 1988). Planejamento familiar é o direito que os cônjuges, ou conviventes, têm de decidir livremente a respeito da formação da família, em especial sobre [...] a constituição, limitação e aumento da prole. (LISBOA, 2006, p. 49). Referente à constituição, limitação e ao aumento da prole, o planejamento familiar deverá se orientar por ações preventivas e educativas relacionadas com o acesso à informação e às técnicas e os meios de regulação de fecundidade humana. O Estado não poderá intervir em qualquer das decisões dos representantes da entidade familiar, tanto para concepção ou contracepção, garantindo o acesso aos métodos cientificamente aceitos e que não coloquem em risco a vida e a saúde das pessoas, assegurada sua liberdade de opção (LISBOA, 2006, p. 50). 2.4 FILIAÇÃO BIOLÓGICA E FILIAÇÃO SOCIOAFETIVA Atualmente a filiação se classifica em filiação biológica e não biológica. Esta última subdivide-se em filiação socioafetiva e adotiva. Tal classificação serve apenas para delimitar a extensão do conceito, haja vista seus direitos e deveres serem semelhantes (COELHO, 2009a, p. 146). Ver-se-á adiante cada um deles. 2.4.1 Filiação biológica

24 A filiação é biológica quando o filho possui a herança genética do pai e da mãe identificados no registro de nascimento, sendo estes os doadores dos gametas utilizados na geração do filho. Logo, a filiação biológica é natural [...] se a concepção resultou de relações sexuais mantidas pelos genitores, ou da técnica de reprodução assistida homóloga. (COELHO, 2009a, p. 148). O mesmo autor elucida que a forma natural não é a única para se prover um filho biológico, pois também pertence a essa categoria a filiação quando a concepção ocorre in vitro. Desde que os gametas tenham sido fornecidos por quem consta do registro de nascimento da pessoa como seu pai e sua mãe [...]. (COELHO, 2009a, p. 146). O critério biológico da filiação vem sofrendo modificações decorrentes da própria mutabilidade social e da noção de família, surgindo à necessidade do reconhecimento com base não apenas nos laços sanguíneos, mas sim no critério da afetividade (LISBOA, 2006, p. 345). 2.4.2 Filiação não biológica A filiação é não biológica, se o filho não porta a herança genética de seu pai ou sua mãe, incluindo também a forma de filiação em que apenas os gametas de um dos genitores foram utilizados para sua concepção, sendo conhecido como reprodução assistida heteróloga (COELHO, 2009a, p. 147). Para Paulo Luiz Netto Lôbo (2004) a filiação não biológica é considerada um estado de filiação ope legis, fundado, portanto, no art. 227 da CFRB/1988 e nos arts. 1.593, 1.596 e 1.597 do CC/2002, sendo: filiação não-biológica em face de ambos pais, oriunda de adoção regular; ou em face do pai ou da mãe que adotou exclusivamente o filho; e filiação não-biológica em face do pai que autorizou a inseminação artificial heteróloga. (NETTO LÔBO, 2004). Ver-se-á a seguir as espécies de filiação não biológica. 2.4.2.1 Filiação socioafetiva

25 Rolf Madaleno (2008, p. 372) conceitua a filiação socioafetiva como uma: [...] nova estrutura da família brasileira que passa a dar maior importância aos laços afetivos, e aduz já não ser suficiente a descendência genética, ou civil, sendo fundamental para a família atual, a integração dos pais e filhos através do sublime sentimento da afeição. De forma inovadora, o CC/2002, ao se pronunciar acerca das formas de se estabelecer as relações de parentesco, trata em seu art. 1.593 que dispõe: O parentesco é natural ou civil, conforme resulte de consanguinidade ou de outra origem. (BRASIL, 2002). Lívia Ronconi Costa (2011) elucida que na expressão outra origem do art. 1.593 se encontra a filiação socioafetiva, sendo uma relação que decorre de uma verdade aparente, sem levar em consideração o vínculo biológico ou civil, mas apenas o convívio afetivo. Nesta senda, Luiz Roberto de Assumpção (2004, p. 53) esclarece que: A família sociológica é aquela em que existe a prevalência dos laços afetivos, em que se verifica a solidariedade entre os membros que a compõem. Nessa família, os responsáveis assumem integralmente a educação e a proteção das crianças, que, independentemente de algum vínculo jurídico ou biológico entre eles, criam, amam e defendem, fazendo transparecer a todos que são os seus pais. Vale ressaltar que na filiação socioafetiva existem duas verdades. Uma ligada à verdade biológica, em que o filho não porta a herança genética do pai ou da mãe, e por outro lado a verdade socioafetiva, que se constitui na manifestação do afeto e cuidados comuns a qualquer filiação, preponderando nessa espécie de filiação à verdade socioafetiva (COELHO, 2009a, p. 160). 2.4.2.2 Filiação adotiva A filiação adotiva é aquela estabelecida pela adoção, sendo um processo judicial [...] que importa a substituição da filiação de uma pessoa (adotado), tornando-a filha de outro homem, mulher ou casal (adotantes). (COELHO, 2009a, p. 162).

26 A adoção é regida pela Lei n. 8.069/90 (ECA) quando o adotado tem até doze anos incompletos, ou entre doze e dezoito anos. Passados dezoito anos, a adoção rege-se pelo CC/2002 em seus arts. 1.618 a 1.628 (COELHO, 2009a, p. 162). Na mesma esteira, Maria Helena Diniz (2002a, p. 423) conceitua de modo amplo a adoção como sendo: [...] ato jurídico solene pelo qual, observados os requisitos legais, alguém estabelece, independentemente de qualquer relação de parentesco consanguíneo ou afim, um vínculo fictício de filiação, trazendo para sua família, na condição de filho, pessoa que, geralmente lhe é estranha. Para haver a adoção é levado em consideração o princípio da proteção integral à criança e ao adolescente, por isso a posição de filho será definitiva para todos os efeitos legais, e cria verdadeiro laço de parentesco entre o adotado e a família que o adotou (DINIZ, 2002a, p. 424). 2.5 RECONHECIMENTO DA FILIAÇÃO O CC/2002 traz, em seus arts. 1.607 a 1.617, o tema reconhecimento de filhos, antes tratado pela Lei n. 8.590/1992, que estabelecia a lei de investigação de paternidade, que se encontra parcialmente em vigor, no que tange a matéria processual (TARTUCE; SIMÃO, 2008, p. 334). No mesmo norte, Maria Helena Diniz (2002a, p. 395) dispõe que reconhecimento de filho é ato declaratório, pois com sua confirmação gera efeitos jurídicos após instituir o vínculo de parentesco entre pai e filho. Em estudo sobre o tema, Fábio Ulhoa Coelho (2009a, p. 171) discorre: O reconhecimento de filhos é ato ligado essencialmente à filiação biológica. Não pode ter por objeto a instituição de filiação adotiva ou sócio-afetiva. Tem lugar quando o registro de nascimento de filho não confere com a verdade biológica de sua concepção, por parte da mãe ou do pai [...]. Nessa senda, importante mencionar que o reconhecimento é direito personalíssimo, indisponível e imprescritível, podendo ser praticado contra os pais e seus herdeiros, sem quaisquer limitações (DINIZ, 2002a, p. 399).

27 A seguir estudar-se-ão as possibilidades de reconhecimento de filhos. 2.5.1 Reconhecimento voluntário O reconhecimento de filho é voluntário, também chamado de perfilhação, quando por manifestação dos pais, ou por um deles, é declarado conforme a lei, a vontade de ter certa pessoa como seu filho (DINIZ, 2002a, p. 395). O reconhecimento é ato personalíssimo dos genitores, não podendo ser realizado por avós ou tutores, gerando efeitos pela simples manifestação da vontade, se feito por um dos pais, o outro a ele não pode se opor (GONÇALVES, 2009, p. 308). Os filhos gerados dentro do casamento não necessitam ser reconhecidos, pois o casamento pressupõe as relações sexuais dos cônjuges e fidelidade da mulher, o filho gerado deste matrimônio tem por pai o marido da sua mãe. Caracterizando, portanto, a presunção pater is est quem iustae nuptiae demonstrant, presume-se filho o concebido na constância do casamento. (GONÇALVES, 2009, p. 306). Quando se trata da maternidade, o art. 1.608 do CC/2002 regulamenta nos seguintes termos: Quando a maternidade constar do termo do nascimento do filho, a mãe só poderá contestá-la, provando a falsidade do termo, ou das declarações nele contidas. (BRASIL, 2002). Esta norma é utilizada em casos extraordinários, devida à regra de mater semper certa est, ou seja, maternidade é sempre certeza (TARTUCE; SIMÃO, 2008, p. 334). O filho não é favorecido com a presunção de paternidade quando havido fora do casamento, por mais que entre pai e filho [...] exista o vínculo biológico, falta o vínculo jurídico de parentesco, que só surge com o reconhecimento. (GONÇALVES, 2009, p. 306). 2.5.1.1 Possibilidades de reconhecimento voluntário O reconhecimento voluntário será feito conforme art. 1.609 do CC/2002:

28 Art. 1.609. O reconhecimento dos filhos havidos fora do casamento é irrevogável e será feito: I - no registro do nascimento; II - por escritura pública ou escrito particular, a ser arquivado em cartório; III - por testamento, ainda que incidentalmente manifestado; IV - por manifestação direta e expressa perante o juiz, ainda que o reconhecimento não haja sido o objeto único e principal do ato que o contém. (BRASIL, 2002). No registro de nascimento, os genitores, em conjunto ou separadamente, perante o oficial de Registro Público, podem comparecer ao cartório e proceder ao registro do filho em nome de ambos. Caso este filho já esteja registrado em nome de um genitor, o outro poderá reconhecê-lo mediante pedido da parte ou averbação por determinação judicial (GONÇALVES, 2009, p. 309). De acordo com Fábio Ulhoa Coelho (2009a, p. 172), o filho registrado sem menção ao nome do pai poderá ser reconhecido mediante escritura pública ou escrito particular, arquivando este instrumento e lançando o nome do pai no assento de nascimento. No fato de haver falsidade dos dados fornecidos, [...] a alteração do registro depende de ordem judicial, ou seja, pressupõe processo em que seja produzida a prova de que o genitor ou genitora voluntariamente reconheceu o filho. (COELHO, 2009a, p. 172). Eduardo de Oliveira Leite (2005, p. 230) alega que o reconhecimento por testamento, ou ato de última vontade, é válido e irrevogável, se o testador indica determinada pessoa como seu filho, ele assume a condição de herdeiro e herda a legítima. Se houver a revogação do testamento, este não atinge o reconhecimento do filho, pois [...] uma vez realizado passa a integrar o âmbito da tutela jurídica do perfilhado, convertendo-se em direito subjetivo deste. (LEITE, 2005, p. 230). Este entendimento está previsto no art. 1.610 do CC/2002. E por fim, dentro dessas possibilidades, o reconhecimento pode ser feito por manifestação direta e expressa perante o juiz, ainda que o reconhecimento não haja sido o objeto único e principal do ato que o contém (GONÇALVES, 2009, p. 311). elucida: Em estudo sobre o tema, Carlos Roberto Gonçalves (2009, p. 311) O ato no qual se dá a manifestação voluntária de reconhecimento de filho pode resultar de qualquer depoimento em juízo prestado pelo genitor, incidentalmente e tomado por termo, ainda que a finalidade desse depoimento seja outra, como por exemplo, a de reduzir o valor da pensão

29 alimentícia paga a outros filhos, como pode decorrer ainda de qualquer manifestação dos autos, seja na contestação, seja nas alegações finais ou nas razões de recurso. O juiz, diante do reconhecimento manifestado, encaminhará certidão ao cartório de Registro Civil, para que seja providenciada a averbação no registro de nascimento do filho. filhos. No próximo item ver-se-á a outra possibilidade de reconhecimento de 2.5.2 Reconhecimento forçado O reconhecimento forçado, judicial ou coativo, é aquele em que, não possível o reconhecimento voluntário, o filho pode a partir de um processo de investigação de paternidade obter a decisão judicial da verdade biológica de sua concepção (LISBOA, 2006, p. 352). Em estudo sobre esta ação, elucida Maria Helena Diniz (2002a, p. 406): A investigação de paternidade processa-se mediante ação ordinária movida pelo filho (legitimidade ad causam), ou seu representante legal (legitimidade ad processam), se incapaz, contra seu genitor ou seus herdeiros ou legatários, podendo ser cumulada com a de petição de herança, com a de alimentos e com a de anulação de registro civil. A investigação de paternidade é direito personalíssimo e indisponível, conforme dispõe o art. 27 do ECA: O reconhecimento do estado de filiação é direito personalíssimo, indisponível e imprescritível, podendo ser exercitado contra os pais ou seus herdeiros, sem qualquer restrição, observado o segredo de justiça. (BRASIL, 1990). Ainda que a investigação de paternidade seja imprescritível, o filho pode a qualquer tempo propô-la, mesmo que os efeitos patrimoniais do estado da pessoa prescrevam, por esta razão preceitua a Súmula 149 do Supremo Tribunal Federal (STF): É imprescritível a ação de investigação de paternidade, mas não o é a de petição de herança. (GONÇALVES, 2009, p. 317). Logo, Gonçalves (2009, p. 317) explica que o filho pode intentar a ação, para se fazer reconhecer, sem ter, contudo, direito à herança. Nessa senda, havendo dúvidas quanto à filiação, o interessado pode ingressar em juízo para investigar sua paternidade biológica, por ter o direito a sua identidade genética. Nessa ação, bastante difícil é a questão das provas da filiação,

30 devendo-se contar com indícios e presunções. Além do exame de DNA, que é a solução mais confiável, temos a prova baseada na posse do estado de filiação, que será tratado no próximo item (DINIZ, 2002a, p. 409). 2.5.3 Posse de estado de filiação Denomina-se posse de estado de filiação, quando a pessoa não dispõe de meios de comprovação formal do registro de nascimento, podendo demonstrar por outros métodos a existência do vínculo de filiação, quais sejam: a reputatio, ou seja, a aparência social de existência de uma relação de filiação entre um ascendente e um descendente; a nominatio, caracterizada pela adoção do apelido ou do patronímico da família perante terceiros; e a tratactus, revelada externamente pelo tratamento dispensado entre o que aparenta ser ascendente e o descendente. (LISBOA, 2006, p. 345) A posse de estado de filiação atribui àquela situação em que [...] uma pessoa desfruta do status de filho em relação à outra pessoa, independentemente dessa situação corresponder à realidade legal. (LÔBO, 2011, p. 236). O CC/2002, em seu art. 1.605 (antigo art. 349 do Código Civil de 1.916), dispõe que: Na falta, ou defeito, do termo de nascimento, poderá provar-se a filiação por qualquer modo admissível em direito: I - quando houver começo de prova por escrito, proveniente dos pais, conjunta ou separadamente; II - quando existirem veementes presunções resultantes de fatos já certos. (BRASIL, 2002). Em estudo sobre o assunto, Daniel Blikstein (2008, p. 53) discorre que se não comprovada pelas formas descritas neste artigo, [...] a paternidade pode ser verificada pelos meios de prova existentes no processo civil, tais como: prova testemunhal, prova documental e prova pericial ou científica. Essas provas são complementares aos dois requisitos presentes no artigo antecedente, não cumulativos. Considera-se começo de prova por escrito, proveniente dos pais, quaisquer documentos que evidenciem a relação de filiação, [...] como cartas, autorizações para atos de benefícios de filhos, declaração de