Satisfação conjugal, parentalidade e vinculação pré e pós-natal: um estudo longitudinal

Documentos relacionados
BARÓMETRO DE OPINIÃO PÚBLICA: Atitudes dos portugueses perante Leitura e o Plano Nacional de Leitura

Tipos de investigação educacional diferenciados por:

Estatística Analítica

Transições familiares Processos biológicos X psicológicos adaptativos Bárbara Figueiredo bbfi@psi.uminho.pt

Avaliação Econômica do Projeto de Microcrédito para a população da Zona Norte de Natal/RN

O PAPEL DA ESCOLA E DO PROFESSOR NO PROCESSO DE APRENDIZAGEM EM CRIANÇAS COM TRANSTORNO DE DÉFICIT DE ATENÇÃO E HIPERATIVIDADE (TDAH) Introdução

Indicadores Sociais Municipais Uma análise dos resultados do universo do Censo Demográfico 2010

Depressão na gravidez e período pós-natal nos dois progenitores: Dados de um estudo exploratório com casais portugueses

Curso de. Direito. Núcleo de Prática Jurídica. Direito de Família.

II SEMINÁRIO DE PRÁTICA DE PESQUISA EM PSICOLOGIA Universidade Estadual de Maringá 28 a 30 de Novembro de 2012

Projeto 10Envolver. Nota Técnica

O JOVEM COMERCIÁRIO: TRABALHO E ESTUDO

Questionário de avaliação diagnóstica / Preliminary questionnaire

Panorama da Inovação no Brasil. Hugo Ferreira Braga Tadeu 2014

Programa: Enquadramento; Dinâmicas e processos associados à violência conjugal; A lei e o combate à violência doméstica questões legais.

A dependência entre a inflação cabo-verdiana e a portuguesa: uma abordagem de copulas.

Principais resultados do estudo de avaliação do nível de satisfação dos turistas no Município de Bragança

Parcerias entre a escola e a comunidade: uma análise a partir da avaliação externa das escolas

DISTRIBUIÇÕES ESPECIAIS DE PROBABILIDADE DISCRETAS

Ano Lectivo 2009/2010

O CONFRONTO COM O BEBÊ REAL PRÉ-TERMO: PRINCIPAIS DIFICULDADES APRESENTADAS POR MÃES EM UNIDADE DE TERAPIA INTENSIVA NEONATAL.

O OBREIRO E O RELACIONAMENTO FAMILIAR Ef 5:22-23 Ef 6:1-4 I Pe 3:1-7 I Cor 7:3-5 I Cor 7:33-34

NOTA SOBRE A TEORIA DA ESTABILIDADE DO EQUILÍBRIO EM MERCADOS MÚLTIPLOS: JOHN HICKS

Projeto de reflexão, investigação e debate: O papel das empresas na comunidade

Comissão avalia o impacto do financiamento para as regiões e lança um debate sobre a próxima ronda da política de coesão

PESQUISA OPERACIONAL -PROGRAMAÇÃO LINEAR. Prof. Angelo Augusto Frozza, M.Sc.

A partir da avaliação ex-ante: oportunidades e desafios do POCH

I CONGRESSO BRASILEIRO DE ENFERMAGEM NEONATAL Bioética e Biodireito na Atenção Neonatal FILIAÇÃO UNISSEXUAL. Profª Drª Luciana Moas

Dados internacionais de catalogação Biblioteca Curt Nimuendajú

CURSO INTENSIVO DE BANCA PARA RECÉM-LICENCIADOS

O ESTILO DE VIDA E A PRÁTICA DE ATIVIDADE FÍSICA DOS FUNCIONÁRIOS DA REITORIA / UFAL PARTICIPANTES DO PROGRAMA DE GINÁSTICA LABORAL

#PESQUISA CONEXÃO ABAP/RS E O MERCADO PUBLICITÁRIO GAÚCHO NOVEMBRO DE 2015

Adaptação à gravidez: Um estudo biopsicossocial (*)

VOLUME 3 / 7 RELATÓRIO FINAL DE RESULTADOS SEGMENTO: USUÁRIOS DE TELEFONES RESIDENCIAIS (STFC-R)

CRITÉRIOS DE AVALIAÇÃO DO ENSINO BÁSICO

INSTRUÇÕES: Crédito imagem: metasinergia desenvolvimento de pessoas

Inclusão de pessoas com deficiência no mercado trabalho: implicações da baixa escolarização

IDENTIFICAÇÃO E CLASSIFICAÇÃO DE CONTEÚDO DIGITAL PARA O USO NA EDUCAÇÃO DE PESSOAS COM NECESSIDADES ESPECIAIS

Palavras-chave: Segurança, sons, tranquilidade, transgressor, transtornos. Hudson Gonçalves Neves 2,Luciene da Silva Dias 3.

Fundamentação teórica da Clínica de Psicologia da Unijuí

Consumo como alcance da felicidade Julho/2015

ATENDIMENTO EDUCACIONAL ESPECIALIZADO. O aluno com deficiência intelectual

Comandos de Eletropneumática Exercícios Comentados para Elaboração, Montagem e Ensaios

Álgebra Linear Aplicada à Compressão de Imagens. Universidade de Lisboa Instituto Superior Técnico. Mestrado em Engenharia Aeroespacial

Agradeço a atenção e espero a aprovação desta petição e a criação do DIA NACIONAL DOS SONHOS.

Unidade 1. jcmorais 09

Instituições de Ensino Superior Docentes Pertencentes a Unidades FCT. Indicadores Bibliométricos Física e Astronomia

Pós-Graduação em Computação Distribuída e Ubíqua

Obtenção Experimental de Modelos Matemáticos Através da Reposta ao Degrau

Longitudinais. Análise de Dados. XIX Congresso da Sociedade Portuguesa de Estatística. M. Salomé Cabral M. Helena Gonçalves

A GESTÃO DA INFORMAÇÃO NO VAREJO 1

Hóspedes, dormidas e proveitos mantêm crescimento significativo

PROJETO DE LEI Nº., DE DE DE 2012.

1 Visão Geral. 2 Instalação e Primeira Utilização. Manual de Instalação do Gold Pedido

Deutsch für die Schule. Aprender alemão no ano antes da entrada no jardim de infância. Informações para pais

Análise do valor informacional em imagens de reportagens de capa da revista Superinteressante¹

Envolvimento paterno aos três anos da criança em situação de depressão paterna

UMA ANÁLISE BAYESIANA DO PERFIL COR/RAÇA DOS INDIVÍDUOS QUE TEM CURSO SUPERIOR NO BRASIL

A dissertação é dividida em 6 capítulos, incluindo este capítulo 1 introdutório.

PODER JUDICIÁRIO JUSTIÇA DO TRABALHO CONSELHO SUPERIOR DA JUSTIÇA DO TRABALHO

Métodos Estatísticos Avançados em Epidemiologia

UTILIZAÇÃO DAS TECNOLOGIAS DE INFORMAÇÃO E COMUNICAÇÃO PELAS FAMÍLIAS 2001

Oito coisas para abandonar em busca da felicidade


Probabilidade. Evento (E) é o acontecimento que deve ser analisado.

Intervenção da Presidente da Câmara Municipal de Almada na Inauguração do 2º troço da 1ª fase da Rede do Metro Sul do Tejo. 15 de Dezembro de 2007

UM JOGO BINOMIAL 1. INTRODUÇÃO

Aula de Exercícios - Teorema de Bayes

Pessoa com Deficiência. A vida familiar e comunitária favorecendo o desenvolvimento

Febre periódica, estomatite aftosa, faringite e adenite (PFAPA)

CALHETA D ESPERANÇAS

MAPEAMENTO DA SITUAÇÃO EDUCACIONAL DOS SURDOS NA REGIÃO DE ABRANGÊNCIA DO NÚCLEO REGIONAL DE EDUCAÇÃO DO MUNICÍPIO DE IRATI/PR

MODELOS INTUITIVOS DE VIGAS VIERENDEEL PARA O ESTUDO DO DESEMPENHO ESTRUTURAL QUANDO SUJEITAS A APLICAÇÃO DE CARREGAMENTOS

Inteligência Artificial

CIÊNCIA, CIDADANIA E DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL: CONCEPÇÕES DE PROFESSORES DO 1º CICLO

Análise e Resolução da prova de Agente de Polícia Federal Disciplina: Raciocínio Lógico Professor: Custódio Nascimento

2.2 Estruturar ação de oficina de integração com gestores, trabalhadores, usuários e familiares da RAPS, redes de saúde e rede intersetorial.

QUALIDADE DE VIDA NO IDOSO - WHOQOL OLD

CURRICULUM VITAE. Ano [Year] Grau académico [Degree] Classificação [Classification] Aprovado por Unanimidade com Muito Bom

ActivALEA. ative e atualize a sua literacia

O AMAMENTAR PARA MÃES COM NECESSIDADES ESPECIAIS

RELATÓRIO FINAL - INDICADORES - DOCENTES ENGENHARIA AMBIENTAL EAD

INCLUSÃO SOCIAL DO DEFICIENTE POR MEIO DO AMPARO JURÍDICO

2 Conceitos Básicos. onde essa matriz expressa a aproximação linear local do campo. Definição 2.2 O campo vetorial v gera um fluxo φ : U R 2 R

Ondas EM no Espaço Livre (Vácuo)

CENTRO DE BEM ESTAR INFANTIL NOSSA SENHORA DE FÁTIMA ANO LECTIVO 2007/2008

ALTERAÇÕES NA SATISFAÇÃO DA IMAGEM CORPORAL A PARTIR DA INTERVENÇÃO COGNITIVO-COMPORTAMENTAL EM UM PROGRAMA DE REEDUCAÇÃO ALIMENTAR MULTIDISCIPLINAR.

SONDAGEM ESPECIAL. Exportações ganham importância para indústria brasileira. Comércio Exterior. Opinião CNI

Universidade Federal do Rio de Janeiro Campus Macaé Professor Aloísio Teixeira Coordenação de Pesquisa e Coordenação de Extensão

PARALISIA CEREBRAL: UMA REVISÃO BIBLIOGRÁFICA ACERCA DA INCLUSÃO ESCOLAR

Kit para os Participantes

Fundamentos de Teste de Software

Exercício. Exercício

Experiência: Gestão Estratégica de compras: otimização do Pregão Presencial

Festa Sagrada Família

Impactos da redução dos investimentos do setor de óleo e gás no PIB

Transcrição:

Satisfação conjugal, parentalidade e vinculação pré e pós-natal: um estudo longitudinal Autora: Ana Paula Forte Camarneiro; e-mail: paula.camarneiro@gmail.com Instituição: Escola Superior de Enfermagem de Coimbra Resumo O nascimento dos filhos, principalmente o primeiro, reduz a qualidade conjugal, obrigando a uma adaptação complexa e à realização de uma variedade específica de tarefas desenvolvimentais (Belsky & Rovine, 1990), embora o vínculo ao bebé não fique comprometido. Foram objetivos do estudo: Comparar a satisfação com a vida conjugal nos casais na gravidez e depois do nascimento; Comparar a vinculação pré e pós-natal de cada progenitor; Conhecer a associação entre a satisfação conjugal e a vinculação materna e paterna pós-natal. Realizou-se um estudo quantitativo longitudinal, com 134 sujeitos (67 casais); utilizou-se um questionário sócio-demográfico e clínico, a escala de satisfação conjugal e a escala de vinculação pré e pós-natal. As avaliações foram realizadas no 2º trimestre de gravidez e 8 meses após o nascimento. Os resultados mostraram que a satisfação conjugal não é diferente entre os membros dos casais, quer na gravidez quer depois do nascimento, embora as mulheres estejam, em média, menos satisfeitas com a conjugalidade do que os homens. Do período de gravidez para o período pós-natal, a satisfação conjugal decresce nas mulheres e nos homens. Entre os dois períodos, na mulher não se encontraram diferenças na vinculação ao filho. No homem, a vinculação aumenta no período pós-natal embora os valores continuem mais elevados nas mulheres do que nos maridos, dentro do casal. A correlação entre a satisfação conjugal e a vinculação parental é positiva. Conclui-se que depois do nascimento do filho a satisfação conjugal decresce para ambos os cônjuges. A vinculação ao filho mantém-se estável nas mulheres em ambos os períodos. Nos homens, aumenta depois do nascimento. Palavras-chave: satisfação conjugal, vinculação pré-natal, parentalidade.

Introdução A transição para a parentalidade é uma situação nova para aqueles que vão ser pais, pela primeira vez ou em cada nova parentalidade, levando à complexa adaptação da conjugalidade e à realização de uma variedade específica de tarefas desenvolvimentais (Belsky & Rovine, 1990). Este período assinala uma das crises importantes do processo evolutivo (e normativo) da família, uma vez que a ênfase na função parental obriga à reorganização das relações familiares, com criação, negociação e definição de novos papéis e funções. Os elementos do par conjugal são os elementos fundamentais na gestão do significado e do valor dessa transição (Relvas & Lourenço, 2001). A compreensão da parentalidade, segundo Houzel (1999), é feita a partir de três eixos: exercício, experiência subjetiva e prática. O primeiro refere-se aos direitos e deveres de todos os pais face ao nascimento de um filho (investimento, sobrevivência, proteção, educação e saúde). Este inclui o nível simbólico dos lugares parentais e a filiação, numa genealogia que se estrutura numa dada sociedade. O segundo eixo, da experiência, contempla toda a experiência psicológica subjetiva, como por exemplo sentir-se ou não pai daquela criança. Este eixo implica a fantasia e as emoções, podendo haver aqui diferenças entre o bebé imaginário e o bebé real. O eixo da prática, o terceiro, compreende os atos concretos da vida quotidiana, como sejam as tarefas domésticas, os cuidados, a educação e a socialização. A parentalidade é a resposta de ambos os pais às necessidades do seu filho comum. De acordo com Cowan e Cowan (1995), as trajetórias da mulher e do homem são significativamente diferentes nestes processos. A transição para a parentalidade, no primeiro filho ou nos seguintes, torna a estrutura e a dinâmica da família mais complexa (Golse, 2005), sendo muitas vezes desorganizadora, com efeitos pessoais, conjugais e familiares (Relvas & Lourenço, 2001). A nível conjugal, esta transição pode ser um tempo muito stressante para

alguns (Houts, Barnett-Walker, Paley, & Cox, 2008) pois obriga, necessariamente, à reorganização das modalidades anteriores de relacionamento e à preparação para a tarefa partilhada de cuidar do bebé (Figueiredo, 2005). Gerir a proximidade e a distância ao longo do tempo, entre o casal entre si e entre o casal e o filho, requer um trabalho redobrado de integração e de ajustamento aos novos papéis (Gerner, 2005). Segundo Narciso e Ribeiro (2009) a satisfação conjugal é o ponto nodal do bem-estar ou da felicidade conjugal e refere-se, normalmente, a uma avaliação positiva do cônjuge e da relação feita por cada um dos cônjuges. A qualidade conjugal tem um impacto muito positivo no bem-estar físico e psicológico e é o maior preditor para a felicidade em geral. Acontece que, durante a gravidez e a partir desta, a satisfação conjugal tem grandes possibilidades de decrescer. Parke (1996) assegura que desde a gravidez e até aos seis meses pós-parto há um decréscimo modesto da satisfação conjugal nos homens e, entre os seis e os dezoito meses pós-natais, um acentuado declínio nessa satisfação. Nas mulheres, o declínio com a satisfação conjugal é linear e mais acentuada. Tem início no período pós-parto e continua ao longo dos dois primeiros anos. A transição para a parentalidade declina a qualidade conjugal em cerca de 30% das famílias (idem). No entanto, há casais que melhoram a sua relação conjugal e a tornam mais estável neste período, assim como há recém-nascidos com algumas características que contribuem para o aumento da satisfação conjugal e há casais para quem ter filhos não afeta as suas relações conjugais (Gerner, 2005). O conflito conjugal tem poder preditivo da qualidade conjugal no ajustamento materno e paterno face ao nascimento de um filho, no período pós-natal. Em casais com casamentos harmoniosos, a chegada de um filho não tem impacto significativo na qualidade conjugal a longo prazo. Nos casais que apresentam mais dificuldades no período pré-natal, a probabilidade de experimentar problemas depois do nascimento é maior (Houts et al., 2008).

Assim, uma relação insatisfatória com o companheiro pode tornar-se um impedimento sério na satisfação com a gravidez e na adaptação ao papel de mãe ou de pai (Brown, 1994). Sentimentos positivos de vinculação materno-fetal durante a gravidez foram associados com a concordância do marido face à gravidez (Cohn, Silver, Cowan, Cowan, & Pearson 1992; Cranley, 1981). Wilson, White, Cobb, Curry, Greene, e Popovich (2000) anunciaram que mulheres que relatam intimidade nas relações conjugais e familiares parecem ter maior vinculação ao feto e Siddiqui, Hagglof e Eisemann (1999) referiram que as mães com experiências positivas nas relações com os maridos/companheiros expressam mais vinculação ao seu bebé antes de nascer. Para os pais, pode ser mais difícil viver com o bebé real após o nascimento do que algum dia, durante a gravidez, eles puderam imaginar (Colman & Colman, 1994). O encontro com o recém-nascido, no período pós-parto, desencadeia sentimentos e emoções face a si próprios e ao bebé que se relacionam com o processo de ajustamento parental. Os sentimentos são, geralmente, de felicidade, de alegria e de gratificação, mas também de ansiedade e medo, principalmente, quando é a primeira vez que ambos são pais (Mendes, 2009). Logo a seguir ao parto é muito importante que os pais conciliem a criança imaginária e fantasmática com o bebé real e que criem um universo interativo, enriquecedor e satisfatório. A supremacia quer de uma criança quer da outra, poderá produzir, respetivamente, uma fixação inadequada de interesse, mesmo que distante da realidade do recém-nascido, ou dar origem a uma relação sem afeto (Golse, 2005). Muitos estudos têm mostrado que vinculações seguras entre os pais e os filhos e atitudes parentais de sensibilidade estão ligadas à qualidade das relações conjugais e, pelo contrário, conflitos no casamento estão ligados a problemas de comportamento nas crianças (Gerner, 2005).

Os objetivos delineados para este estudo foram: Comparar a satisfação com a vida conjugal nos casais na gravidez e depois do nascimento; Comparar a vinculação pré e pósnatal de cada progenitor; Conhecer a associação entre a satisfação conjugal e a vinculação materna e paterna pós-natal. Metodologia Realizou-se um estudo quantitativo descritivo-correlacional e longitudinal, com 134 sujeitos que constituem 67 casais. As avaliações foram realizadas no 2º trimestre de gravidez e 8 meses após o nascimento do bebé. No primeiro tempo utilizou-se um questionário sóciodemográfico e clínico, a escala de satisfação com a vida conjugal - ESAVIC (Narciso & Costa, 1999), com duas dimensões, amor e funcionamento conjugal, e três zonas de satisfação, com o próprio, com o outro e com o casal, e a escala de vinculação pré-natal materna e paterna - EVPNMP (Camarneiro & Justo, 2007, 2010, adaptação da MPAAS de Condon, 1993). Esta escala tem um valor total e duas dimensões, a qualidade da vinculação e a intensidade da preocupação. No segundo tempo utilizou-se um questionário clínico, a escala de satisfação conjugal - ESAVIC e a EVPósNMP (adaptação da EVPNMP ao período pósnatal), ambas com as respetivas dimensões. A análise estatística dos dados foi efetuada com recurso ao software PASW Statistics, SPSS, versão 18. Resultados Os casais participantes neste estudo são maioritariamente casados (76.1%). As mulheres são mais novas do que os homens (em média, respetivamente, 30 e 32 anos). As mulheres são mais escolarizadas, com média de 13.5 anos de escolaridade (DP = 3.13), os homens frequentaram, em média, 11.6 anos de escolaridade (DP =3.88). A categoria profissional (Graffar, 1956) das mulheres é superior à dos homens. Na categoria 1, encontram-se 43.3% das mulheres e 25.4% dos homens. Na categoria 3, há 28.4% das mulheres e 61.2% dos homens. Quando se trata da categoria 4, voltam a ser mais frequentes

as mulheres (20.9%) do que os homens (7.5%). Nas categorias 2 e 5, há um reduzido número de sujeitos. Ao longo da gestação, a maior parte das grávidas (75.7%) manteve uma gravidez saudável. Os bebés do sexo masculino foram mais frequentes (61.2%). Nenhum bebé foi separado da mãe após o nascimento. Para comparar a satisfação conjugal nos pares conjugais na gravidez e, depois, na parentalidade aplicámos o teste de medidas repetidas. Na gravidez, a satisfação com a vida conjugal não apresenta diferenças significativas entre os membros do casal, no total, nas dimensões funcionamento conjugal e no amor e nas zonas focadas no outro e no casal. A zona focada no próprio é exceção na satisfação conjugal na gravidez, pois nesta há diferenças significativas entre os cônjuges, com as mulheres menos satisfeitas do que os seus maridos/companheiros. As diferenças de idade e de escolaridade não influenciam a satisfação conjugal, nem no total, nem nas dimensões analisadas. Após o nascimento, na parentalidade, a satisfação com a vida conjugal não é significativamente diferente entre os membros dos casais, tal como se constatou na gravidez, embora as mulheres estejam também neste período, em média, menos satisfeitas na conjugalidade global e nas suas dimensões do que os homens. Os resultados obtidos foram os seguintes: satisfação conjugal total, F (62, 1) = 0.56, p =.457; funcionamento conjugal, F(62, 1) = 1.43, p =.237; amor, F (63, 1) = 0.12, p =.735; zona focada no casal, F(63, 1) = 0.64, p =.42; no outro, F(63, 1) = 1.33, p =.254 e no próprio, F (62, 1) = 0.02, p =.893. Em seguida, aplicando o teste t de Student para amostras emparelhadas fizemos a comparação de médias da satisfação conjugal e suas dimensões, obtidas nas mulheres nos períodos pré e pós-natal. Esta satisfação decresceu significativamente no período pós-natal, em comparação com o tempo de gravidez, quer globalmente (t (66) = 5.25, p =.000), quer nas dimensões avaliadas, o funcionamento conjugal (t (66) = 5.77, p =.000) e o amor (t (66) = 4.32, p =.001), e zonas focadas no casal (t (66) = 5.53, p =.000) e no outro (t (66) = 4.92, p

=.001). A zona da satisfação conjugal cujo foco é o próprio não mostra diferenças de médias significativas entre os dois momentos, embora a significância seja marginal (p =.053, com t (66) = 1.97) e, tal como os restantes fatores, com média inferior no período pós-natal (cf. Quadro 1). Quadro 1. Teste t para amostras emparelhadas em mulheres no período pré (1) e pós-natal (2), observadas na EASAVIC e suas dimensões. EASAVIC/ Dimensões Grupo M DP t GL p Funcionamento 1 82.39 13.08 5.77 66.000 Conjugal 2 73.36 13.51 Amor 1 132.39 15.40 4.32 66.000 2 122.16 21.99 Casal 1 73.18 11.43 5.53 66.000 2 64.81 13.22 Próprio 1 69.22 9.02 1.97 66.053 2 66.13 10.56 Outro 1 70.40 8.83 4.92 66.000 2 64.58 11.03 Total 1 214.78 26.83 5.25 66.000 2 195.52 33.43 O mesmo procedimento estatístico foi utilizado com a subamostra masculina. Os homens, depois do nascimento dos filhos estão significativamente menos satisfeitos com a vida conjugal global (t (64) = 2.26, p =.027), com o amor (t (65) = 2.92, p =.005), com a zona focada no casal (t (65) = 2.04, p =.046), no próprio (t (65) = 2.56, p =.013) e no outro (t (65) = 2.11, p =.039). Na dimensão funcionamento conjugal não há diferenças significativas entre os dois momentos (cf. Quadro 2). Quadro 2. Teste t para amostras emparelhadas de homens no período pré (1) e pós-natal (2), observadas na EASAVIC e suas dimensões EASAVIC/Dimensões Grupo M DP t Gl p Funcionamento Conjugal Amor Casal Próprio Outro Total 1 77.39 13.00 1.01 64.318 2 75.55 15.24 1 129.36 17.03 2.92 65.005 2 122.00 21.72 1 68.80 11.20 2.04 65.046 2 65.71 13.28 1 69.63 8.76 2.56 64.013 2 66.34 10.85 1 68.38 9.59 2.11 65.039 2 65.33 12.19 1 207.03 28.27 2.26 64.027 2 197.88 34.84 Quando estudamos, com o teste t de student para amostras emparelhadas, a vinculação materna e a vinculação paterna, entre os períodos pré-natal e pós-natal, na mulher, não

encontramos diferenças estatisticamente significativas, como comprovam os resultados seguintes: vinculação total (t (66) = 0.55, p =.586), qualidade da vinculação (t (66) = - 0.44, p =.663) intensidade da preocupação (t (66) = 1.03, p =.309). Nos homens, a análise dos resultados mostra que a vinculação ao bebé é significativamente diferente, conforme o período seja pré-natal (filho ainda feto) ou pós-natal (bebé interativo), estando, em média, os pais muito mais vinculados ao bebé no período pósnatal do que durante a gravidez, quer na qualidade da vinculação paterna (t (65) = - 5.59, p =.000), na intensidade da preocupação paterna (t (65) = - 3.80, p =.000) ou na vinculação prénatal paterna total (t (65) = - 5.67, p =.000). A relação entre a satisfação conjugal e a vinculação dos pais ao bebé no período prénatal e no período pós-natal foi analisada para dar resposta ao último objetivo do estudo. A satisfação conjugal pré-natal está correlacionada positiva e significativamente com a vinculação pré-natal em todas as dimensões e totais (p <.001) nas mulheres e nos homens da amostra. No período pós-natal, nas mulheres, a correlação entre a satisfação conjugal e a qualidade da vinculação pós-natal (QVM2) é significativa e positiva (p <.05) mas não há correlação significativa entre a satisfação conjugal e a intensidade da preocupação materna pós-natal (IPM2) ou com a vinculação pós-natal total. Estes resultados mostram que a maior satisfação com a conjugalidade na mulher está associada a qualidade da vinculação materna pós-natal mais elevada (Quadro 3), mas a satisfação conjugal não se associa às restantes dimensões e total. Nos homens, os resultados são semelhantes aos resultados apresentados pelas mulheres, exceto no caso do amor e da zona focada no outro que não tem correlação significativa com a qualidade da vinculação paterna pós-natal (Quadro 3).

Quadro 3. Correlações de Pearson entre a vinculação pós-natal materna e a satisfação com a vida conjugal materna e entre a vinculação pós-natal paterna e a satisfação com a vida conjugal paterna, no período pós-natal Escala/dimens QVM2 IPM2 EVPósNM2 Total EASAVIC-Fem r p r p r p Total Fun.conj Amor Casal Próprio Outro.32.25.23.24.36.33.009.044.007.056.003.006 -.004 -.10.06 -.07 -.05 -.02.977.403.639.580.665.874.13.02.18.04.19.15.307.858.147.723.128.221 QVP2 IPP2 EVPósNP2 Total EASAVIC-Mas r p r p r p Total Fun.conj Amor Casal Próprio Outro.27.33.20.29.28.19.032.008.116.019.026.121 -.16 -.24 -.09 -.20 -.16 -.12.204.054.456.115.210.348.03 -.001.04.01.02.02.836.994.768.927.789.889 Estes resultados permitem inferir que a qualidade da vinculação do pai com o bebé não está associada de forma importante à satisfação conjugal na zona do outro, ou seja, em relação à companheira, assim como não se correlaciona significativamente com a dimensão amor. Contudo, há correlações positivas e significativas entre a qualidade da vinculação paterna pósnatal e a satisfação conjugal total, o funcionamento conjugal, a zona do casal e a zona do próprio. Discussão de Resultados A Satisfação conjugal é semelhante nos casais, quer na gravidez quer oito meses pósparto e é significativamente mais baixa oito meses após o parto para ambos os cônjuges. Este resultado está de acordo com a literatura que aponta no sentido do declínio da satisfação conjugal (em cerca de 30% das famílias) que começa no período pré-natal (Belesky, Lang & Rovine, 1985; Parke, 1996). A satisfação conjugal do homem declina do período pré-natal para o período pós-natal (seis meses pós-parto) (Lee & Doherty, 2007) com acentuado declínio entre os seis e os dezoito meses pós-natais (Parke, 1996). Nas mulheres, o declínio com a satisfação conjugal é linear e muito maior. Tem início no período pós-parto e continua ao longo dos primeiros dois anos. Há diminuição de sentimentos amorosos e aumento de conflitos durante o puerpério (Belesky, Lang, & Rovine, 1985).

No que se refere à vinculação ao bebé, durante a gravidez a mulher está mais vinculada do que o homem. A mulher está igualmente vinculada na gravidez e no período pós-natal. O homem fica mais vinculado depois de o bebé nascer, mas menos do que as mulheres na intensidade da preocupação com o bebé. Estes resultados são corroborados, por exemplo, nos estudos de Condon (1993), Figueiredo (2005) e Muller (1993) A ideia de maior união conjugal com a chegada dos filhos refere-se à estabilidade conjugal e não tanto à qualidade e ao bem-estar ou à satisfação com a vida conjugal, uma vez que o número de separações neste período, embora elevado, é menor do que cinco anos após o nascimento dos filhos. A nível conjugal, a transição para a parentalidade obriga, necessariamente, à reorganização das modalidades anteriores de relacionamento e à preparação para a tarefa partilhada de cuidar do bebé (Figueiredo, 2005). Conclusão A satisfação conjugal entre os pares conjugais é semelhante quer na gravidez quer no período pós-natal. Contudo, do período de gravidez para o período pós-natal, a satisfação conjugal decresce tanto nas mulheres como nos homens. Entre os dois períodos, nas mulheres não se encontraram diferenças significativas na vinculação ao filho. Nos homens, a vinculação ao bebé aumenta no período pós-natal, mas os níveis continuam mais elevados nas mulheres do que nos maridos, dentro do casal. No período pós-natal, a satisfação com a vida conjugal está associada à qualidade da vinculação ao bebé, nas mulheres e nos homens. Nos homens, o amor e a zona focada no outro não se associam à qualidade da vinculação ao bebé. A intensidade da preocupação e a vinculação total ao bebé não estão associadas à satisfação com a conjugalidade, nas mulheres e nos homens. Psicólogos e demais profissionais de saúde podem ajudar os pais nesta difícil transição das suas vidas.

Referências Bibliográficas Belsky, J., Lang, M. E., & Rovine, M. (1985). Stability and change in marriage across the transition to parenthood: a second study. Journal of Marriage and Family, 47, 855-865. Belsky, J. & Rovine, M. (1990). Patterns of marital changes across the transition to parenthood: pregnancy to three years postpartum. Journal of Marriage and Family, 52, 5-19. Brown, M-A. (1994). Marital discord during pregnancy: a family systems approach. Family Systems Medicine, 12(3), 221-233. Camarneiro, A. P. (2007). Vinculação materna pré-natal e prematuridade: que relação? Comunicação In J. Justo (coord.). Simpósio Investigação e Intervenção Psicológica na Gravidez Saudável e na Gravidez de Risco. Congresso Família, Saúde e Doença. Universidade do Minho, Braga, 18 e 19 de Outubro. Camarneiro, A. P. & Justo, J. (2010). Padrões de vinculação pré-natal. Contributos para a adaptação da Maternal and Paternal Antenatal Attachment Scale em casais durante o segundo trimestre de gestação na região Centro de Portugal. Revista Portuguesa de Pedopsiquiatria, 28, 7-22. Cohn, D. A., Silver, D.H., Cowan, C.P., Cowan, P.A., & Pearson, J. (1992). Working models of childhood attachment and couple relationships. Journal of Family Issues, 13, 432-449. Colman, L., & Colman, A. (1994). Gravidez - a experiência psicológica. Lisboa: Colibri. Condon, J. T. (1993). The assessment of antenatal emotional attachment: development of a questionnaire instrument. British Journal of Medical Psychology, 66, 167-183. Cowan, C., & Cowan, P. (1995). Interventions to ease the transition to parenthood: why they are needed and what they can do. Family Relations, 44, 412-423. Cranley, M. S. (1981). Development of a tool for the measurement of maternal attachment during pregnancy. Nursing Research, 30 (5), Sep-Oct, 281-284. Figueiredo, B. (2005). Psicopatologia da maternidade e da paternidade. Revista População e Sociedade, Ed. Afrontamento, 12, 83-102. Gerner, L. (2005). Exploring prenatal attachment: factors that facilitate paternal attachment during pregnancy. PhD Dissertation. California School of Professional Psychology. Fresno Campus. Golse, B. (2007). O ser-bebé. Lisboa: Climepsi. Houts, R.M., Barnett-Walker, K.C, Paley, B., & Cox, M.J. (2008). Patterns of couple interaction during the transition to parenthood. Personal Relationships, 15 (1), 103-122.

Houzel D. (1999). Les enjeux de la parentalité. Paris: Editions Erès. Lee, C-Y. L. & Doherty, W. (2007). Marital satisfaction and father involvement during the transition to parenthood. Fathering, 5(2), 75-96. Mendes, I. (2009). Ajustamento materno e paterno: experiências vivenciadas pelos pais no pós-parto. Coimbra: Mar da Palavra. Muller, M. E. (1993). Development of the prenatal attachment inventory. Western Journal of Nursing Research, 15 (2), 199-215. Narciso, I. & Costa, M. E. (1996). Amores satisfeitos mas não perfeitos. Separata dos Cadernos de Consulta Psicológica. 12, FPCEUP. Narciso, I. & Ribeiro, M.T. (2009). Olhares sobre a Conjugalidade. Lisboa: Coisas de Ler. Parke, R. D. (1996). Fatherhood. Cambridge: Harvard University Press. Relvas, A. P. & Lourenço, M. C. (2001). Uma abordagem familiar da gravidez e da maternidade. Perspectiva sistémica. In M. C. Canavarro (Coord.). Psicologia da Gravidez e da Maternidade, Coimbra: Quarteto, 105-132. Siddiqui, A., Hagglof, B., & Eisemann M. (1999). An exploration of prenatal attachment in Swedish expectant mothers. Journal of Reproductive and Infant Psychology, 17 (4), 369-380. Wilson, M. E., White, M. A., Cobb, B., Curry, R., Greene, D., & Popovich, D. (2000). Family dynamics, parental-fetal attachment and infant temperament. Journal of Advanced Nursing, 31 (1), 204-210.