LOTEAMENTOS IRREGULARES EM ÁREAS DE PRESERVAÇÃO PERMANENTE E SEUS IMPACTOS SÓCIO-AMBIENTAIS. Camillo Kemmer Vianna ONG MAE



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Transcrição:

LOTEAMENTOS IRREGULARES EM ÁREAS DE PRESERVAÇÃO PERMANENTE E SEUS IMPACTOS SÓCIO-AMBIENTAIS Camillo Kemmer Vianna ONG MAE Juliana Barata Procopio ONG MAE, UEL Laila Pacheco Menechino ONG MAE camillovianna@gmail.com juliana_barata@hotmail.com lailamenechino@gmail.com RESUMO A pesquisa aborda a problemática das ocupações urbanas em Áreas de Preservação Permanente (APP), que, por sua irregularidade ambiental, proporcionam danos ao meio ambiente e por conseqüência à saúde humana, ferindo gravemente à dignidade de quem nesses espaços reside e a toda sociedade, vez que é o meio ambiente bem difuso. Na tentativa de atender às necessidades sociais e ambientais e, a partir da realidade já consolidada, o Conselho Nacional do Meio Ambiente (CONAMA) editou a Resolução de n. 369/2006, permitindo a intervenção em APP em casos de utilidade pública, interesse social, ou de baixo impacto ambiental. Tal resolução abriu espaço para a discussão de ocupações nestas regiões, as quais, em outra realidade, seriam concebidas com o mínimo de mata nativa a ser mantida para a necessária proteção do ambiente ecologicamente equilibrado. Nesse sentido, analisa-se a resolução enquanto alternativa para as ocupações irregulares das áreas protegidas pelo Código Florestal. 1

Palavras Chaves: loteamento irregular, áreas de preservação permanente, planejamento urbano. Key-Words: irregular land division, areas of permanent preservation, urban planning. INTRODUÇÃO O presente artigo tem como objetivo demonstrar a importância da regularização fundiária urbana para efetivação das APPs (artigo 2º e 3º do Código Florestal, Lei n.º 4771/65), a partir das normas e princípios do Direito Ambiental. Desde a observação da constituição da paisagem de grandes metrópoles brasileiras, como São Paulo, até o contato empírico direto com diferentes realidades de ocupações irregulares urbanas no município de Londrina por meio das atividades do Grupo de Direito Ambiental (GDA) da Ong Meio Ambiente Equilibrado (MAE), possibilitaram uma abordagem transdisciplinar ao tema Gestão Ambiental Urbana. O GDA estuda e atua em casos de construção de loteamentos privados em áreas de preservação do município, geralmente autorizadas pelos órgãos públicos, prática que traz não só prejuízos ao meio ambiente como risco à saúde e segurança dos moradores, nestes casos vítimas diretas da degradação ambiental. As ocupações em encostas de morro, marginais a cursos d água, ao redor de nascentes trazem graves problemas ecológicos e urbanísticos, ambientais e sociais. Afinal, é justamente por isso que o Código Florestal visou proteger a vegetação ali existente ao defini-la como de preservação permanente e proibir edificações em tais áreas. No entanto, a norma não foi devidamente observada e respeitada no planejamento de muitas cidades brasileiras, atentando contra princípios fundamentais como à dignidade da pessoa humana, à moradia, à saúde e a proteção do meio ambiente ecologicamente equilibrado, entre outros. São tipificadas como APPs no artigo 2º do Código Florestal, as florestas e demais formas de vegetação situadas ao longo de rios e cursos d água, ao redor de lagoas, nas nascentes, nos topos de morros, montanhas e suas 2

encostas, nas restingas, entre outras; bem como diversas legislações extravagantes as normatizam como áreas não edificáveis, tal as normas referentes ao parcelamento, uso e ocupação do solo. Observa-se que em tais locais, não é permitido haver ocupação, pois sua preservação é imprescindível à boa qualidade do meio ambiente e em conseqüência à sadia qualidade de vida. Assim, tem-se a percepção de que tal questão é primordial para a gestão ambiental urbana. O Direito Ambiental é a vertente jurídica que tutela elementos do meio ambiente e seus indicadores de qualidade. Cada um dos fatores, como clima, ciclo hidrológico, proteção mecânica do solo, qualidade da água, ar e solo, biodiversidade, encontram-se intimamente ligados e sofrem alterações que implicam diretamente nas condições ambientais. Dessa forma, ao reconhecer o meio ambiente ecologicamente equilibrado como bem jurídico de uso comum do povo, a Constituição Federal, artigo 225, o institui como bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, conceituando o chamado bem ambiental, de titularidade difusa. Difuso é o bem que não se confunde com os bens individuais, nem com os coletivos, porque pertence a todos sem distinção, tanto às presentes como às futuras gerações. São valores diretamente proporcionais, previstos na Constituição Federal, que prescindem de uma visão holística e transdisciplinar para serem efetivados. 1 DIREITO AMBIENTAL E GESTÃO TERRITORIAL O Direito Ambiental ocupa-se de garantir o ambiente devidamente equilibrado e viabilizar a manutenção da qualidade de vida da coletividade através da tutela da qualidade de seus elementos constitutivos, a qualidade do solo, do patrimônio florestal, da fauna, do ar atmosférico, da água, entre outros. O reconhecimento a um meio ambiente sadio configura-se, na verdade, como extensão do direito à vida, quer sob enfoque da própria existência física e saúde dos seres humanos, quer quanto ao aspecto da dignidade desta existência a qualidade de vida -, o que faz com que valha a pena viver. (MILARÉ, 2001, p. 96) 3

Igual entendimento expressa José Gustavo de Oliveira Franco (2005, p.80), afirmando que (...) a legislação ambiental visa à proteção da vida em todas as suas formas, direta ou indiretamente, através do equilíbrio ambiental. Prescreve o artigo 3º, inciso I da Política Nacional do Meio Ambiente (Lei nº 6938/81) que meio ambiente é o conjunto de condições, leis, influências, alterações e interações de ordem física, química e biológica que permite, abriga e rege a vida em todas as suas formas. Nesta dimensão, Paulo Affonso Leme Machado (2005, p. 119) define o equilíbrio ecológico: É o estado de equilíbrio entre os diversos fatores que formam um ecossistema ou habitat suas cadeias tróficas, vegetação, clima, microorganismos, solo, ar, água, que pode ser desestabilizado pela ação humana, seja por poluição ambiental, por eliminação ou introdução de espécies animais e vegetais. [...] O equilíbrio ecológico não significa permanente inalterabilidade das condições naturais. Contudo, a harmonia ou a proporção e a sanidade entre os vários elementos que compõem a ecologia populações, comunidades, ecossistemas e biosfera hão de ser buscadas intensamente pelo Poder Público, pela coletividade e por todas as pessoas. (MACHADO, 2005, p. 119) Existe vasta legislação para regulamentar e delimitar as áreas ambientalmente protegidas, conforme programa a Constituição Federal, artigo 225, 1º. Tais regiões demandam maior atenção, monitoramento e fiscalização, quanto ao cumprimento de restrições impostas e cuidados necessários. Conforme a Lei Maior, é então dever do Poder Público definir as áreas ambientalmente protegidas, e, do Poder Público e de toda coletividade, protegê-las, com o fim, entre outros, de proporcionar a sadia qualidade de vida a todos. No propósito de uma visão holística do ambiente, o físico e filósofo Fritjof Capra (1982, p.316) mostra a inter-relação entre o ambiente e a saúde: (...) podemos discernir, em especial, três níveis interdependentes (de saúde): ecológico, social e individual. O que não é saudável para o indivíduo tampouco é saudável, geralmente, para a sociedade e para o ecossistema global. (CAPRA, 1982, p. 316) Além de cuidar da proteção do meio ambiente em prol de uma melhor qualidade de vida da sociedade atual, resguarda também as futuras gerações, aspecto que caracteriza o sentimento de solidariedade, violado sempre que constatada à violação à norma ambiental. Nesse sentido, parte-se do pressuposto que a gestão territorial deverá necessariamente partir do respeito às normas ambientais vigentes. Três elementos básicos compõem uma análise acerca da gestão territorial: espaço, 4

poder e sociedade. O básico é compreender que o espaço é anterior ao território. O território se apóia no espaço, mas não é o espaço. É uma produção a partir do espaço" (RAFFESTIN, 1988, p. 143-144). Na análise de Foucalt (1979), o poder não é algo que se detém como uma coisa, uma propriedade. Não há de um lado os que têm o poder e de outro aqueles que não o têm. Poder é constituído em relação, algo que se exerce e se efetua, funcionando como uma máquina social que não está em lugar privilegiado, mas se dissemina por toda a estrutura social. A relação de apropriação do espaço pelo poder é normatizada pelas políticas públicas, um palco de relações conflituosas: interesses do Estado, de empresários e investidores, da população. Como visto, é obrigação do Poder Público elaborar e implantar planos estratégicos para atender à demanda social, garantir o direito de todos à vida, à saúde, à moradia e ao meio ambiente ecologicamente equilibrado. Entretanto, as políticas que seriam responsáveis pela equidade social têm ficado reiteradamente em segundo plano face ao interesse do capital privado, que vezes se apropria do território para alojar suas redes de interesse. É o que ocorre em Londrina nos loteamentos acompanhados pelo GDA Neman Sayhun, Vale Verde e Loren Sahyun, entre outros, reflexos do total descaso do Poder Público frente à especulação imobiliária elevada em atendimento à densa pressão demográfica, gerando potenciais problemas sócio-ambientais, como baixas condições de salubridade e acessibilidade. Figueiredo (2005, p. 128) conclui que no plano da distribuição dos espaços, o capitalismo não sustentável caracteriza-se pela simultânea degradação do meio ambiente e pelo aprofundamento da desigualdade econômica. Desta forma, em grande parte das cidades brasileiras, a legislação ambiental pertinente é totalmente desrespeitada. Saule Jr (1999, p. 46) constata que a gestão de municípios da Grande São Paulo não regulamenta e não aplica instrumentos urbanísticos necessários para garantir o cumprimento das funções sociais da cidade e da propriedade urbana: Os padrões urbanísticos de parcelamento, de uso, de ocupação, e de edificação do solo urbano estabelecidos na legislação urbanística, são padrões elitistas que atendem os interesses da parcela da população que tem renda na cidade. Estes padrões historicamente 5

tem sido definidos visando os interesses do mercado imobiliário, que define as áreas nas cidades que devem ter um padrão elevado ou razoável de qualidade de vida ambiental e urbano (oferta de infraestrutura, equipamentos e serviços), gerando a valorização imobiliária destas áreas em razão dos investimentos públicos realizados, bem como para proteger os interesses da população dos bairros que contém um padrão de qualidade de vida ambiental razoável ou elevado. (SAULE JUNIOR, 1999, p. 46) A conseqüência deste tipo de política é a segregação da população de baixa renda em sub-habitações edificadas em locais de preservação ambiental, cuja função é justamente proteger recursos naturais como o solo e a água e ser um refúgio para a biodiversidade. Esses locais, por suas características estruturais, são inviáveis para a instalação de vias de circulação e de equipamentos urbanos. Criam-se áreas isoladas, carentes dos serviços essenciais como saneamento básico 1, água tratada, galerias de águas pluviais. Tornam-se verdadeiros labirintos de acesso único, favorecendo inclusive a criminalidade. Para evidenciar tal situação, observa-se o recente problema enfrentado por municípios do litoral norte do estado de São Paulo diante do anúncio de novas jazidas de petróleo na bacia de Santos. Diante de duplicações de rodovias e a previsão de novas obras da indústria petrolífera na região, tais quais gasodutos e petróleo dutos, desde logo surge a ameaça de novas ocupações irregulares na Serra do Mar. A expansão da construção civil para edificações de condomínios de luxos para veraneio em áreas de encostas e morros tem efeito duplicado: a mão de obra migrante para servir a essas construções acaba por habitar outras encostas e morros, aumentando o número de favelas à beira das rodovias do litoral norte de São Paulo, não sendo, entretanto, beneficiadas das mesmas estruturas urbanas 2. Esta segregação do espaço contraria o objetivo geral da Política Nacional do Meio Ambiente (...) a preservação, melhoria e recuperação da qualidade ambiental propícia à vida, visando assegurar, no país, condições ao desenvolvimento sócio-econômico, aos interesses da segurança nacional e à proteção da dignidade humana (MILARÉ, 2001, p. 291). Para Saule Jr (1999, p. 44), é preciso resgatar a função do Judiciário de promover a Justiça social, o que significa tomar iniciativa na solução do conflito (...), para que haja o combate à especulação imobiliária e redistribuição da 6

renda imobiliária urbana, por meio da interlocução, discussão e negociação com todos os agentes envolvidos, públicos, privados e sociais. (...) somente uma fiscalização efetiva apta a constatar a irregularidade no seu início será capaz de redirecionar a forma pela qual se dá hoje o uso e a ocupação do solo urbano [...] o descaso dos agentes público, proposital ou não, necessita ser firmemente combatido, pois dele que resulta a formação de inúmeros núcleos urbanos, muitas vezes sem qualquer condição de regularização e com irreparáveis prejuízos ao meio ambiente (MONTEIRO DOS SANTOS apud FIGUEREDO, 2005, p. 252-253). Assim, diante da complexidade dos conflitos ambientais urbanos, o Judiciário deveria estabelecer uma interlocução entre os diversos setores da sociedade envolvidos: os governos e suas esferas, as instituições da administração da Justiça (Ministério Público, Defensoria Pública, Procuradorias); os agentes privados (empreendedores imobiliários, loteadores, empresas da construção civil, empreiteiras, proprietários de terras), e moradores de bairros, movimentos populares, organizações nãogovernamentais, associações e sindicatos. Quanto à responsabilização pela ocupação irregular dessas áreas, primeiramente, deve ser atribuída aos beneficiários imediatos pela prática do ato ilícito, que são aqueles que obtêm proveito, principalmente econômico, à custa de irregularidades ambientais e sociais, os loteadores. Contudo, o Município não se exime da responsabilidade, pois era seu dever constitucional (art. 30, inciso VIII) zelar pelo adequado e correto ordenamento territorial quanto ao parcelamento, ocupação e uso do solo urbano. 1.1 OCUPAÇÃO DE ÁREAS DE PRESERVAÇÃO PERMANENTE URBANAS E SEUS IMPACTOS SÓCIO AMBIENTAIS: A CIDADE PLANEJADA PELAS ÁGUAS O aqüífero freático composto pelas camadas de solo e rocha alterada, com características geológicas de sedimentos argilosos, constitui-se em um meio poroso relativamente homogêneo, geralmente pouco espesso e com baixa profundidade do nível saturado, o que gera as inundações na área de estudo pelo afloramento de águas na própria superfície plana. 7

O artigo segundo, alínea c, do Código Florestal determina que são consideradas de preservação permanente as florestas e demais formas de vegetação situadas nas nascentes, ainda que intermitentes e nos chamados olhos d água, qualquer que seja a situação topográfica, num raio de 50 (cinqüenta) metros de largura. Em tese, não deveria haver qualquer ocupação nas APPs, para sua efetiva proteção e para que cumpra os objetivos para os quais foram especialmente protegidas. Contudo, é sabido pela maioria da população que há ocupação irregular em áreas urbanas consideradas de preservação permanente. Quando se fala em ocupações irregulares, deve-se atentar para seu histórico traçado há anos e sua relação com as políticas públicas adotadas pelo governo. Entretanto, as políticas públicas adotadas são deficitárias, seja por não atribuir valor correto para bens ambientais, deixando a desejar no que tange à gestão ambiental; seja pela falta de consciência (da população em geral e dos dirigentes que coordenam e elaboram políticas públicas) da necessidade de proteção a esses bens tão imprescindíveis para a continuidade da biodiversidade e da vida neste planeta, sob um aspecto mais drástico. E, por conseqüência, como o Estado não tem instrumentos capazes de cumprir com seus deveres plena e igualitariamente, como garantir a todos o direito à moradia, quem, na maioria das vezes, suporta as conseqüências do desatendimento do Estado são as camadas economicamente menos favorecidas da população. Ademais, outra provável hipótese, para as ocupações irregulares nas áreas de preservação permanente ser principalmente pela população de baixa renda, é a pressão demográfica proveniente dessa parcela populacional aliada a não valorização da área, diante de diversas restrições e proteções ambientais ali impostas, o que, conseqüentemente, acarreta baixo interesse em especulação pela área pela maioria do setor privado, ou quando houver o interesse, não são atendidas pontualmente todas as restrições ambientais, e há desrespeito às normas. Como bem pontua Figueiredo (2005, p. 244): Sob o aspecto econômico e imobiliário, a ocupação humana de áreas de mananciais decorre da pressão demográfica por parte de uma 8

larga faixa da população economicamente menos favorecida sobre imóveis localizados em regiões onde não ocorreu uma valorização imobiliária suficiente para motivar a proteção do patrimônio privado pelos interessados, fator que se alia à omissão do Poder Público no seu dever de zelar pela incolumidade dessas áreas. (FIGUEIREDO, 2005, p. 244) Além disso, outros fatores contribuem para a manutenção dessa irregularidade: loteadoras, cientes da situação, ultrapassam as exigências legais, obtém licenciamentos não confiáveis, e começam seus empreendimentos em desatenção às restrições ambientais, direcionados às camadas economicamente menos favorecidas face à pressão habitacional por elas exercidas. Com a ocupação destas regiões, há danos, tanto prejuízos à qualidade da água, do solo, de vegetações, desaparecimento de biodiversidade, como também, pela irregularidade, não serão providas da prestação de serviços básicos como abastecimento de água, esgoto, coleta de lixo, serviços sociais como educação, de saúde. Conseqüentemente, sem a adequada prestação e atendimento às necessidades básicas da vida, os direitos à dignidade da pessoa humana não serão aplicados. Nos loteamentos analisados pelo GDA, as casas construídas sobre as áreas de nascentes apresentam além de grande umidade, infiltrações, problemas estruturais e em alguns casos, perigo de desabamento. Os moradores não foram avisados das más condições de habitação e estão expostos a sérios riscos de saúde pública. Fere-se o princípio da dignidade da pessoa humana, e uma lista de tantos outros. O descumprimento da norma ambiental do Código Florestal e o uso impróprio da área causam danos imediatos e mediatos e impedem o atendimento às necessidades sociais contemporâneas diretamente vinculadas à satisfação de princípios constitucionais dos direitos ambientais e humanos. A mata ciliar contribui com o aspecto paisagístico referente à área. Promove o equilíbrio daquele micro ecossistema e garante um resultado positivo de forma generalizada. Uma paisagem harmoniosa e limpa é garantia da sensação de conforto à população residente. Surte efeitos construtivos e causam o bem-estar da população. 9

Conforme Levy e Menechino (2007), os conflitos sobre a aplicabilidade do Código Florestal em área urbana no que se refere à APP são desvios de interpretação que podem indicar a falta de visão sobre a complexidade ambiental, já que A Área de Preservação Permanente APP não é um favor da lei, é um ato de inteligência social (...) (MACHADO, 2005, p. 700). Sobre o papel ecológico e urbanístico das APPs, Levy e Menechino (2007, p. 168) questionam: Como poderíamos defender a supressão das matas ciliares nas áreas urbanas, enquanto a civilização cresce desenfreadamente, ocupando áreas cada vez mais extensas, formando metrópoles e megalópoles? Se por um lado as matas ciliares, ainda que em áreas urbanas, consistiriam em corredores permitindo o fluxo da natureza em coexistência com o homem, suprimi-las significaria condenar as cidades a formarem verdadeiras barreiras ao fluxo da natureza. Não é difícil prever as conseqüências desta atitude, por exemplo no Estado de São Paulo, em que o crescimento das cidades formam agrupamentos extensos de áreas urbanas. (LEVY; MENECHINO, 2007, p. 168) Os autores revelam que em Londrina o preservacionismo assumiu caráter inovador em relação às APP urbanas, tendo, nesse sentido, importância o Código de Obras da cidade, editado em 1951, pelo político e urbanista Francisco Prestes Maia: (...) que propôs a preservação dos fundos de vale como resposta técnica ao escoamento das águas, por apresentarem alta declividade e serem impróprios à edificação [...] Tais características urbanísticas de Londrina denotam que a existência hoje de áreas livres em faixa ao longo dos cursos d água, deve-se a uma concepção de planejamento urbano, e não ao respeito ao Código Florestal, pois tais áreas foram devastadas e ainda hoje são objeto de degradação (LEVY; MENECHINO, 2007, p. 169). Londrina tem características geológicas, hidrológicas e uma preservação ambiental como poucas cidades brasileiras do mesmo porte apresentam, em que pese os inúmeros problemas ambientais e o risco social e urbano flagrantes na cidade. A malha hidrológica do município tem cerca de 600 rios, ribeirões e córregos, que convergem para o Rio Tibagi de onde é captada 65% da água doce usada em Londrina e Cambé. A mancha urbana - a área de ocupação real da cidade - corresponde a apenas cerca de 30% do território total do município. É neste espaço urbano onde estão 80 córregos e fundos de vale, em todas as regiões da cidade. A maioria dos cursos d água urbanos tem largura menor que 10 metros, e, portanto, devem ser preservados no mínimo os 30 metros de vegetação em 10

torno dos córregos e rios. A área urbana plana, dividida por espigões igualmente planos como divisores de águas, é entrecortada por vales, fazendo com que os recursos hídricos estejam muito presentes na vida da população. A Política Nacional de Recursos Hídricos, instituída pela lei 9.433 em 8 de janeiro de 1997, estabelece como primeiro objetivo assegurar à atual e às futuras gerações a necessária disponibilidade de água, em padrões de qualidade adequados aos respectivos usos (art. 2 o, I). Também estabelece a bacia hidrográfica como unidade básica de planejamento e gestão urbana e ambiental uma nova forma de ver e organizar o espaço, com referências territoriais nos recursos hídricos. Em âmbito municipal, leis de parcelamento do solo contidas no Plano Diretor de 1998, para fins urbanos de uso, ocupação e expansão urbana definem as áreas de fundo de vale como Áreas Especiais de Fundo de Vale e de Preservação Ambiental, onde, a exemplo da lei federal, devem-se respeitar as margens dos corpos de água no mínimo em 30 metros de cada lado. Esses locais visam à preservação aquática, faunística e florística. Então, tem-se inicialmente que a delimitação das zonas urbanas e rurais são atribuições do Município, que deverá fazê-lo de acordo com critérios técnicos, geográficos, sociais, políticos e ambientais. Neste contexto, é imprescíndível ressaltar o papel das APPs numa visão de estabelecer a Bacia Hidrográfica como unidade de planejamento das áreas urbanas. 1.2 RISCOS AMBIENTAIS EM ÁREAS DE PRESERVAÇÃO E RESTRIÇÃO DE USO PELA DECLIVIDADE E PROTEÇÃO DOS AQÜÍFEROS SUBTERRÂNEOS Neste ponto, revelam-se os aspectos de inclinação ou declividade das áreas loteáveis, buscando analisar de acordo as inter-relações entre a ocupação habitacional e a variação altimétrica da superfície terrestre de forma a prever e prevenir o dano ambiental pelo mau planejamento do uso do solo. O Código Florestal define como áreas de preservação permanente aquelas com inclinação igual ou superior a 45º, e áreas de uso restrito do solo, onde não se deve desproteger se superior a 25º de inclinação. Também a Lei 11

n.º 6.766/79 define que não é permitido o parcelamento de áreas com declividade superior a 30%. A impermeabilização do solo decorrente da urbanização e das casas sem áreas verdes leva o movimento hídrico a ganhar mais volume e força, gerando enxurradas que depositam sedimentos nas partes baixas do terreno, ocasionando a saturação das fossas sépticas. A viabilidade técnica de instalação de loteamentos com tais características físicas exibem o descaso com a saúde pública. A acumulação de águas de chuvas em áreas mais baixas com encharcamento de fossas tecnicamente consideradas como rasas conduzem contaminantes pelo aqüífero livre e até para dentro das casas. Já os aqüíferos são massas rochosas com alta porosidade e permeabilidade, contida entre pacotes de rochas impermeáveis, que acumula água subterrânea em quantidade e com vazão elevadas. Permitem a exploração em fontes naturais ou por perfuração de poços em profundidade. O solo brasileiro, muito rico em águas subterrâneas, localiza a região de Londrina sob o aqüífero Serra Geral: um sistema hídrico que corre entre a rocha confinante e o solo superficial localizado, em alguns pontos, a dois metros da superfície. Mas a região é de fato singular: um segundo e permanente aqüífero o Guarani - fica embaixo da rocha confinante a aproximadamente mil metros de profundidade É justamente essa água, que corre sob a rocha confinante e embaixo das casas ali construídas que aflora na região de várzea. Dependendo dos índices pluviométricos afloram também nas áreas aterradas para dar lugar aos lotes. Atualmente ao uso da água subterrânea para abastecimento doméstico e industrial cresce mundialmente em escala acentuada, fator originado na carência e a degradação das fontes superficiais, mais expostas e vulneráveis à contaminações e exploração. Por outro lado, a água subterrânea, também por efeito da urbanização e pelas vantagens para consumo torna-se uma das principais alternativas para o problema do abastecimento. Com o aumento da demanda, surgiram também os efeitos negativos deste processo por ações que afetam a quantidade e qualidade dos aqüíferos, 12

agora mais vulneráveis ante à hipótese de exploração. Retiradas excessivas, desmatamento, a impermeabilização de vastas áreas urbanas, poluição derivada de aterros sanitários, de lançamentos de efluentes industriais e domésticos e infiltrações em tanques de combustíveis enterrados são exemplos de ações que afetam as reservas subterrâneas. A ocupação urbana, em loteamentos sem redes de abastecimento de água propicia, ainda, uma concentração de poços rasos. Além de a contaminação mostrar reflexos imediatos na saúde de qualquer pessoa que venha a consumir esta água, pode também causar danos irreversíveis para o aqüífero permanente, o Guarani, comprometendo irreversivelmente o abastecimento futuro. Configurando uma flagrante ameaça, que impossibilita a definição de quais pessoas ou populações terão, proximamente, a saúde afetada. 2 REGULARIZAÇÃO FUNDIÁRIA URBANA O direito fundamental à moradia, inseridos no texto constitucional pela Emenda Constitucional 26/2000, bem como o direito à regularização fundiária e urbanização de áreas ocupadas, definidos pelo Estatuto da Cidade (Lei n. 10.257/2002), estabelecem a necessidade dos municípios adotarem medidas para solucionar os conflitos decorrentes de ocupações para fins habitacionais de interesse social em áreas destinadas à preservação ambiental nas cidades. Conforme o Estatuto da Cidade: Artigo 2º. A política urbana tem por objetivo ordenar o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e da propriedade urbana, mediante as seguintes diretrizes gerais: (...) XIV - regularização fundiária e urbanização de áreas ocupadas por população de baixa renda mediante o estabelecimento de normas especiais de urbanização, uso e ocupação do solo e edificação, consideradas a situação socioeconômica da população e as normas ambientais (...). A eventual regularização ocorra a partir de critérios técnicos e legais, os quais deverão sempre ter como objetivo a harmonização da ocupação urbana com a proteção ambiental. Não se trata, sob nenhuma hipótese, de ato para a 13

simples regularização administrativa ou formal de ocupações irregulares frente ao poder público. A Resolução 369/2006 do CONAMA impõe requisitos para a possibilidade, em circunstâncias excepcionais, da ocupação, supressão ou intervenção em áreas de preservação permanente, permitindo-se estas em casos onde incida a utilidade pública, interesse social ou baixo impacto ambiental. A regularização fundiária sustentável insere-e na hipótese de interesse social. Como já amplamente demonstrado, a ocupação irregular nas áreas de proteção ambiental causam severos impactos ao meio ambiente e à saúde humana, razão pela qual, é de interesse da sociedade a solução de tais problemas. Considerando que, em muitos casos, as circunstâncias das ocupações irregulares já consolidadas impedem que de fato exista a possibilidade de recuperação ambiental como determina as regras gerais do direito ambiental, há que se viabilizar outros meios, medidas que tornem a vida de quem ocupa tais locais mais digna: com saneamento básico adequado, ruas asfaltadas - a ponto de possibilitar a passagem de uma ambulância, por exemplo, serviços de iluminação e de educação. Neste sentido, como forma de solucionar o passivo sócio-ambiental decorrente de tais ocupações, é preciso intervir nestes locais, através da regularização fundiária urbana, permitindo a recuperação do local, realizando obras necessárias ao ambiente urbanístico, tais como, instalação de galerias e redes de esgoto adequadas, coleta de resíduos, escoamento adequado de águas pluviais, desassoreamento dos córregos e nascentes, diminuição da impermeabilização do solo urbano. Com essas melhorias, não será recuperada a APP totalmente e os bens ambientais protegidos pelo Código Florestal e demais legislações; contudo, será possível a minimização da degradação ambiental, de forma que o estrago já feito não será potencializado e os efeitos causados poderão ser mitigados. Isto porque a idéia é inibir o assoreamento de córregos, a eliminação irregular de resíduos, formando certo nível de consciência ambiental acerca do modo 14

com que a interferência antrópica sem controle prejudica a qualidade de vida de todos, alterando a própria existência do homem e do meio em que vive. Com a adequação dessas situações, busca-se garantir ao homem seu direito à dignidade, uma vez que não mais estará em condições de habitações subumanas. Busca-se, por fim, uma harmoniosa convivência entre os elementos da relação que constitui o meio ambiente. Os requisitos para permitir a regularização fundiária ambiental sustentável estão regidos no artigo 9º da resolução 369/2006, devendo o local atender os critérios de condição fática e temporal das ocupações, bem como de planejamento para recuperação e melhoria do local a ser regularizado. Muito embora sejam relevantes todos os requisitos estabelecidos, merece ser ressaltado o disposto no inciso VI e alíneas, como condições à regularização, a realização e apresentação, pelo poder público, do planejamento da área, que deverá contemplar dados completos sobre a bacia hidrográfica do local. Vanêsca Buzelato Prestes (2007, p. 408), explica: O Plano de Regularização Fundiária Sustentável consiste em um estudo detalhado da área objeto da regularização e das medidas a serem adotadas para tal regularização. Deve identificar a situação fática e apontar as soluções urbanísticas (obras) e jurídicas para regularização. (PRESTES, 2007, p. 408) Informações acerca dos passivos ambientais, restrições e potencialidades ambientais deverão ser levantadas. Dados e caracterização dos elementos sócio-culturais, incluindo-se as questões físicas e econômicas da região tem que ser avaliadas. A constatação e especificações dos sistemas urbanos existentes devem ser relatadas. Também, regras para a recuperação ambiental dos locais não passíveis de regularização haverão de ser préestabelecidas no plano, inclusive com a comprovação das melhorias das condições de sustentabilidade urbano-ambiental e habitabilidade dos moradores. Por fim, definiu-se a exigência de realização de audiência pública. Porém, destaca-se que exigiu a resolução 369/2006, para casos excepcionais, o que de fato deveria ser regra geral. A informação produzida servirá à sociedade como instrumento para a aplicação das ações necessárias, mas, indo além do planejamento como 15

política pública, pois, exige-se de imediato a definição das necessidades e comprovação dos resultados sócio-ambientais obtidos. Necessário ressaltar que seguindo as conclusões de inabitabilidade das áreas de preservação, seja de mata ciliar, declividade ou de aqüíferos, pelos riscos sociais oferecidos em razão da incompatibilidade da ocupação dessas áreas com a saúde humana, conforme já demonstrado a relação direta entre proteção ambiental e qualidade de vida, muito pouco poderá ser relativizado em relação as regras gerais de preservação ambiental. Em exemplo de caso concreto, observando a realidade dos loteamentos Neman Sahyun e Vale Verde, situados na zona sul de Londrina, se delimitados os locais de declividade acentuada, de alagamento das matas ciliares, solo raso, entre outras, pouco território sobraria apto à ocupação humana. Neste sentido, sob ponto de vista vivenciado no GDA, tais locais seriam caracterizados como área adequada exclusivamente à conservação, tal qual é o exemplo da Fazenda Refúgio adquirido pela companhia de habitação de Londrina, inicialmente para implantação de conjuntos habitacionais, e atualmente abandonada e degradada, mas reconhecida como de relevante interesse ecológico, pela sua ligação como área de extensão do Parque Arthur Thomas, unidade de conservação municipal. Se, futuramente, a fazenda for finalmente anexada ao Parque a fim de fomentar a restauração de um corredor para transição da biodiversidade na área urbana de Londrina até o Rio Tibagi, será necessária a adoção de políticas de regularização fundiária no entorno da área, visto que a região é caracterizada por adensamentos populacionais irregulares, em áreas de declividade acentuada e nascente. Importante observar que o próprio Jardim Vale Verde está na área de entorno da Fazenda Refúgio. Nesse sentido, evidencia-se a importância de um zoneamento ecológico estabelecido no Plano Diretor Municipal, com o objetivo de identificar no Plano de Regularização de Área Sustentável as áreas passíveis de adequação, por estarem consolidadas e não apresentarem risco, diferentemente dos casos dos loteamentos Neman Sahyun e Vale Verde. Então, a regularização fundiária surge como instrumento imprescindível para a efetivação das áreas protegidas 16

pelo Código Florestal, conforme princípio 3 da Carta JusAmbiental de São Paulo de 2005, a qual preconiza a necessidade de realizar o zoneamento segundo o conceito de cidades sustentáveis. Do exposto, resta inequívoco que são significativos os impactos sócioambientais proporcionados pelas ocupações irregulares, mas que não há alternativa se não a solução de tais conflitos através da perspectiva da harmonização entre as relações ambientais, servindo a regularização fundiária como tal, desde que observados os requisitos da resolução Conama 369/2006. Este é um comprometimento com a realidade e com o futuro das cidades. CONCLUSÃO O direito ao meio ambiente equilibrado, esculpido no artigo 225 da Constituição Federal tem íntima ligação com os direitos humanos, uma vez que a qualidade do meio ambiente implica direta e indiretamente na qualidade de vida do homem. As políticas públicas de ordenamento da ocupação do espaço urbano, bem como sua efetiva implantação e fiscalização, são essenciais aos direitos sociais vinculadas à qualidade de vida, à saúde, à moradia e ao meio ambiente sadio e equilibrado e a integração social. A efetividade destas políticas torna-se indispensável na medida em que sua falta infringe, necessariamente, as normas estabelecidas pelo direito ambiental e pelos direitos humanos, impondo à coletividade o ônus dos prejuízos sócio-ambientais decorrentes. Em muitos municípios constata-se como ocupação irregular em APP loteamentos residenciais, direcionados tanto à população de baixa renda como à construção de luxuosos condomínios de veraneio. Sem qualquer planejamento, moradias são edificadas ao redor de nascentes, marginais a cursos d água, em encostas de morro, dentre outras, sem haver preocupação em analisar a possibilidade e viabilidade de ali utilizar. Além de loteamentos, há que se lembrar das habitações precárias e favelas, as quais são consolidadas pelo Poder Público em sua ineficiência no combate ao déficit habitacional. 17

As APPs devem ser preservadas de loteamentos habitacionais, não só em virtude das imposições normativas constitucionais e legais, mas, sobretudo como local de utilização saudável do ambiente, com o fim de aproximar moradores a essas áreas e propiciar o conhecimento do ecossistema. Nesse sentido, nos casos como os descritos pelo artigo 9º da resolução 369/2006 do CONAMA, a regularização fundiária sustentável se impõe medida de proteção e harmonização das relações ambientais, tendo em vistas que nestas circunstâncias os prejuízos sócio-ambientais resultantes trazem danos ao meio ambiente e à sociedade, indiscriminadamente. Por isso, o zoneamento ambiental e o plano de regularização fundiária para as ocupações do entorno das áreas protegidas serviriam significativamente à proteção ecológica da cidade, amenizando os efeitos destrutivos destas ocupações, seja a degradação ambiental, a irregularidade administrativa, a ilegalidade da própria ocupação e os problemas sociais. REFERÊNCIAS BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil: promulgada em 5 de outubro de 1998. 43 ed. São Paulo: Saraiva, 2007. CAPRA, Fritjof. O Ponto de Mutação. São Paulo: Editora Cultrix, 1982. FOUCAULT, Michel. Microfísica do Poder. Rio de Janeiro: Editora Graal, 1979. FRANCO, José Gustavo de Oliveira. Direito Ambiental. Matas Ciliares: conteúdo jurídico e biodiversidade. Curitiba: Juruá Editora, 2005. LEVY, Carlos Eduardo. MENECHINO, Laila Pacheco. As matas ciliares em seu papel ecológico e urbanístico: planejamento urbano e código florestal na cidade de Londrina PR. P. 163-171. In: Congresso Internacional de Direito Ambiental. Meio ambiente e acesso a Justiça: flora, reserva legal e APP. São Paulo: Imprensa Oficial do Estado de São Paulo, 2007. 18

MACHADO, Paulo Affonso Leme. Direito Ambiental Brasileiro. São Paulo: Malheiros Editora, 2005. MEDAUAR, Odete (org). Coletânea de legislação de direito ambiental. São Paulo:.Ed. Revista dos Tribunais, 2007. MILARÉ, Edis. Direito do Ambiente. São Paulo: Revista dos tribunais, 2001. PRESTES, Vanêsca Buzelato. A resolução Conama n.º 369/2006 na perspectiva do direito intertemporal: A hipótese de regularização fundiária sustentável. In: Congresso Internacional de Direito Ambiental. Meio ambiente e acesso a Justiça: flora, reserva legal e APP. São Paulo: Imprensa Oficial do Estado de São Paulo, 2007. RAFFESTIN, Claude. Por uma geografia do Poder. São Paulo: Editora Ática, 1988. SAULE JR, Nelson. Direito à Cidade: Trilhas Legais para o Direito às Cidades Sustentáveis. São Paulo: Max limond, 1999. 19

1 Londrina atualmente apresenta 75% de rede de coleta de esgoto, de acordo com dados da Companhia de Saneamento do Paraná, Sanepar. Com novos investimentos anunciados, conforme matéria publicada no Jornal de Londrina de 22/11/2007, a rede de esgoto cobrirá 97% da cidade em 2008. Esses 3% que não irão receber o serviço de saneamento básico representam áreas de ocupações irregulares, onde não há condições físicas para instalação da rede coletora. Disponível em <http://portal.rpc.com.br/jl/manchete/conteudo.phtml? tl=1&id=715268&tit=rede-de-esgoto-cobrira-97-da-cidade-em-2008>. Acesso em 22/11/2007. 2 Vide Boom do petróleo ameaça piorar favelização no litoral, Folha de S. Paulo, 18/11/2007. Disponível em <http://www1.folha.uol.com.br/fsp/cotidian/ff1811200701.htm>. Acesso em 18.11.2007.