O ensino de estatística na formação inicial do professor de Matemática

Documentos relacionados
Leônidas Siqueira Duarte 1 Universidade Estadual da Paraíba UEPB / leonidas.duarte@hotmail.com 1. INTRODUÇÃO

UNIVERSIDADE ESTADUAL DO CENTRO-OESTE - UNICENTRO CURSO DE PÓS GRADUAÇÃO EM MÍDIAS NA EDUCAÇÃO JULIANA LEME MOURÃO ORIENTADOR: PAULO GUILHERMETI

A Orientação Educacional no novo milênio

CENTRO UNIVERSITÁRIO SENAC Diretoria de Pós-graduação e Pesquisa

Atividades práticas-pedagógicas desenvolvidas em espaços não formais como parte do currículo da escola formal

TABLETS COMO RECURSO DE ENSINO: UM ESTUDO COM PROFESSORES DE MATEMÁTICA NUMA ESCOLA PÚBLICA DA PARAÍBA

UNIVERSIDADE FEDERAL DE ALAGOAS UFAL Coordenadoria Institucional de Educação a Distância - CIED

Inclusão de pessoas com deficiência no mercado trabalho: implicações da baixa escolarização

Introdução

FORMAÇÃO DOCENTE NA PERSPECTIVA DA EDUCAÇÃO INCLUSIVA DO CENTRO UNIVERSITÁRIO UNIRG

PROJETO PROLICEN INFORMÁTICA NA ESCOLA : A FORMAÇÃO DO PROFESSOR DE MATEMÁTICA E O ENSINO MÉDIO PÚBLICO

Características do professor brasileiro do ensino fundamental: diferenças entre o setor público e o privado

Probabilidade e Estatística

USO DO AUDIO-IMAGEM COMO FERRAMENTA DIDÁTICO PEDAGÓGICA EM ATIVIDADES EM SALA DE AULA.

A CONFLUÊNCIA ENTRE A FORMAÇÃO DO PROFESSOR E O CURRÍCULO: A INCLUSÃO EDUCACIONAL DO ALUNO SURDO.

I ENCONTRO DE PRÁTICAS PEDAGÓGICAS NOS CURSOS DE LICENCIATURA LICENCIATURA EM PEDAGOGIA: EM BUSCA DA IDENTIDADE PROFISSIONAL DO PEDAGOGO

REGULAMENTO DE PRÁTICA EDUCACIONAL / PROJETOS INTERDISCIPLINARES Curso de Letras Português e Inglês Licenciatura Currículo: LPI00001

PARTICIPANDO DA CONSTRUÇÃO DA AGENDA 21 DA UFFS, CAMPUS CERRO LARGO, RS

A IMPORTÂNCIA DO LÚDICO NO ENSINO DA MATEMÁTICA NOS ANOS INICIAIS

UM JOGO BINOMIAL 1. INTRODUÇÃO

VIII Oficinas de Formação A Escola na Sociedade da Informação e do Conhecimento praticar ao Sábado. E-learning. 3 de Março de 2007

Comitê Científico do Enangrad

Período ATIVIDADE OBJETIVO Responsabilidade Local

PROGRAMA INSTITUCIONAL DE BOLSA DE INICIAÇÃO À DOCÊNCIA PIBID

PLANO DE ENSINO PROJETO PEDAGÓCIO: Carga Horária Semestral: 40 h Semestre do Curso: 3º

EDITAL DE SELEÇÃO PARA MESTRADO 2016 PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ENGENHARIA DE PRODUÇÃO (UNIFEI)

COMUNIDADE VIRTUAL DE APRENDIZAGEM

RELATÓRIO FINAL - INDICADORES - DOCENTES ENGENHARIA AMBIENTAL EAD

PLANO DE TRABALHO DO PROFESSOR

ENADE: OS RESULTADOS INFLUENCIAM NA GESTÃO ACADÊMICA E NA QUALIDADE DOS CURSOS

GEOGRAFIA ESCOLAR E O LÚDICO: ALGUMAS APROXIMAÇÕES NO ENSINO FUNDAMENTAL II

Identidade e trabalho do coordenador pedagógico no cotidiano escolar

Os Registros na Pesquisa. Christiane Zubler

DISSERTAÇÃO DEFENDIDA EM FEVEREIRO DE MAIS EDUCAÇÃO NO MUNICÍPIO DE MESQUITA - RJ

O ensino da música através da criação e sonorização de uma história para a produção de um vídeo educativo

MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO SECRETARIA DE EDUCAÇÃO PROFISSIONAL E TECNOLÓGICA INSTITUTO FEDERAL DE EDUCAÇÃO, CIÊNCIA E TECNOLOGIA FARROUPILHA

PARALISIA CEREBRAL: UMA REVISÃO BIBLIOGRÁFICA ACERCA DA INCLUSÃO ESCOLAR

A UTILIZAÇÃO DO SOFTWARE GEOGEBRA E SUAS CONTRIBUIÇÕES NO ENSINO E NA APRENDIZAGEM EM MATEMÁTICA

PROJETO BRINCANDO SE APRENDE

Rodrigo Claudino Diogo 1, Valéria A. Ribeiro de Lima 2, Vanusa Maria de Paula 3, Rosymeire Evangelista Dias 4

RELATÓRIO GERENCIAL AVALIAÇÃO DE DESEMPENHO DOCENTE, CURSO E COORDENADOR DE CURSO GRADUAÇÃO PRESENCIAL

PODER JUDICIÁRIO JUSTIÇA DO TRABALHO CONSELHO SUPERIOR DA JUSTIÇA DO TRABALHO

O USO DE SOFTWARE DE GEOMETRIA DINÂMICA: DE PESQUISAS ACADÊMICAS PARA SALA DE AULA

EDUCADOR, MEDIADOR DE CONHECIMENTOS E VALORES

ENSINO-APRENDIZAGEM DA CARTOGRAFIA: OS CONTEÚDOS COM BASES MATEMÁTICAS NO ENSINO FUNDAMEANTAL 1

A TECNOLOGIA DO ENSINO MÉDIO: UMA FERRAMENTA DIDÁTICO-PEDAGÓGICA Rosimeire Cabral Romeiro COSTA 1 Mário Augusto Andreta CARVALHO 2

A PROPOSTA DIDÁTICO-PEDAGÓGICA DOS PROFESSORES TITULARES DAS SÉRIES/ANOS INICIAIS DO ENSINO FUNDAMENTAL PARA AS AULAS DE EDUCAÇÃO FÍSICA

FACULDADE DE ARARAQUARA IESP Instituto Educacional do Estado de São Paulo Rua Miguel Cortez, 50, Vila Suconasa, Araraquara/SP Tel:

O Papel do Gerente/Administrador Financeiro das Empresas

RELATÓRIO DE AVALIAÇÃO DEPARTAMENTO DE EDUCAÇÃO PRÉ ESCOLAR. Ano Letivo 2014/ º Período

REGULAMENTO DAS ATIVIDADES COMPLEMENTARES DO CURSO SUPERIOR DE TECNOLOGIA EM SISTEMAS PARA INTERNET


Sala de Jogos da matemática à interdisciplinaridade

INCLUSÃO EDUCACIONAL DE ALUNOS COM DEFICIÊNCIA VISUAL: DESAFIOS E PERSPECTIVAS.

ESTRATÉGIAS PEDAGÓGICAS PARA ALUNOS COM DIFICULDADES DE APRENDIZAGEM

Preparo de aula - Professor. Andrew Graham

GIL, Antonio Carlos. Como elaborar projetos de pesquisa. São Paulo, Editora Atlas,

Análise e Projeto de Sistemas

ESTADO DA PARAÍBA SECRETARIA DE ESTADO DA SAÚDE EDITAL Nº. 02 /2015/SES/CEFOR-PB

Licenciatura em Gestão de Recursos Humanos (LRH)

1 Sobre os aspectos legais da abrangência da Lei de 29/07/2013

PROJETO DE LEI Nº., DE DE DE 2012.

A CONTAGEM DE ESTRELAS COMO TEMA TRANSVERSAL EM ASTRONOMIA

PROFUNCIONÁRIO CURSO TÉCNICO DE FORMAÇÃO PARA OS FUNCIONÁRIOS DA EDUCAÇÃO.

Panorama da Inovação no Brasil. Hugo Ferreira Braga Tadeu 2014

Os requisitos para aprovação de cursos novos de mestrado deverão ser suficientes, no mínimo, para o conceito 3 (qualificação regular).

DIVULGAÇÃO CIENTÍFICA - A VACINAÇÃO CONTRA O PAPILOMA VÍRUS HUMANO (HPV)

(Eixo Temático: Formação de tradutores/intérpretes de língua de sinais)

Cronograma - Seguindo o plano de metas da USP para 2015

MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO CONSELHO NACIONAL DE EDUCAÇÃO. RESOLUÇÃO do CNE (ainda depende Homologação do Ministro da Educação)

Piraí é mais Cultura. Categoria do projeto: I Projetos em andamento (projetos em execução atualmente)

FUNDAÇÃO CARMELITANA MÁRIO PALMÉRIO FACIHUS FACULDADE DE CIÊNCIAS HUMANAS E SOCIAIS Educação de qualidade ao seu alcance

A DISCIPLINA DIDÁTICA NOS CURSOS DE LETRAS DAS UNIVERSIDADES PÚBLICAS DE MATO GROSSO DO SUL

Proposta Wizard Nova Veneza

Dados internacionais de catalogação Biblioteca Curt Nimuendajú

UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS FACULDADE DE EDUCAÇÃO. Elaborado por Gildenir Carolino Santos Grupo de Pesquisa LANTEC

Plano de Trabalho Docente Ensino Técnico

FORMAÇÃO CONTINUADA ONLINE DE PROFESSORES QUE ATUAM COM ESCOLARES EM TRATAMENTO DE SAÚDE Jacques de Lima Ferreira PUC-PR Agência Financiadora: CNPq

Eliana Lúcia Ferreira Coordenadora do Curso.

PROGRAMA DE CONSCIENTIZACAO DA SOCIEDADE CIVIL

Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade de Ribeirão Preto USP Departamento de Economia

Análise Qualitativa no Gerenciamento de Riscos de Projetos

SERVIÇO PÚBLICO FEDERAL - MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO UNIVERSIDADE FEDERAL DE UBERLÂNDIA FACULDADE DE EDUCAÇÃO

CIBERESPAÇO E O ENSINO: ANÁLISE DAS REDES SOCIAIS NO ENSINO FUNDAMENTAL II NA ESCOLA ESTADUAL PROFESSOR VIANA

Respostas dos alunos sobre o curso

MBA em Gerenciamento de Projetos. Teoria Geral do Planejamento. Professora: Maria Erileuza do Nascimento de Paula

ASSUNTO: Solicitação de Impugnação de Edital Concorrência SEBRAE/TO Nº 008/2014

RESOLUÇÃO Nº. 206 DE 14 DE DEZEMBRO DE 2011.

O PAPEL DA ESCOLA E DO PROFESSOR NO PROCESSO DE APRENDIZAGEM EM CRIANÇAS COM TRANSTORNO DE DÉFICIT DE ATENÇÃO E HIPERATIVIDADE (TDAH) Introdução

O ENSINO DE ARTES VISUAIS NA EDUCAÇÃO INFANTIL MUNICIPAL DE JOÃO PESSOA/PB

O USO DO STOP MOTION COMO RECURSO PEDAGÓGICO PARA TORNAR MAIS LÚDICO O ENSINO DE BIOQUÍMICA NO ENSINO MÉDIO

Musicalização para bebês na UFPel: novas possibilidades

MODELO SUGERIDO PARA PROJETO DE PESQUISA

Plano de Articulação Curricular

Os recursos tecnológicos na Educação de Jovens e Adultos: um diferencial no processo ensino aprendizagem.

A FORMAÇÃO DO DOCENTE E O ENSINO DE ESTATÍSTICA NAS ESCOLAS PÚBLICAS E PRIVADAS NA CIDADE DE PALMEIRA DOS ÍNDIOS- AL.

Curso de Engenharia de Produção. Organização do Trabalho na Produção

CRITÉRIOS DE AVALIAÇÃO DO ENSINO BÁSICO

Mini-MBA de Especialização de Marketing Coordenador/Formador: José Guimarães

MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO E CULTURA CONSELHO FEDERAL DE EDUCAÇÃO

Transcrição:

O ensino de estatística na formação inicial do professor de Matemática Amari Goulart Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia de São Paulo Brasil moivre2@yahoo.com.br Resumo O presente artigo tem por objetivo trazer algumas reflexões que constituem um recorte inicial de nossa tese de doutorado, em andamento. Ele consiste de uma pesquisa documental e bibliográfica cujo objetivo é levantar subsídios para responder a seguinte questão: quais abordagens seriam adequadas ao ensino de Estatística na formação inicial do professor de Matemática? Inicialmente, trazemos a importância da Estatística na sociedade atual e o porquê ela deve se tornar objeto de ensino na educação básica. Em seguida, apresentamos um pequeno panorama do ensino desta disciplina nos cursos de licenciatura em Matemática no Brasil para iniciarmos as discussões sobre duas propostas de ensino de Estatística em cursos de graduação que, embora não estejam voltadas para a formação de professores, elas fornecem subsídios para discutirmos o ensino de Estatística nas licenciaturas em Matemática. Palavras chave: educação estatística, formação inicial de professores de Matemática, currículo. Introdução Atualmente a estatística é uma ferramenta de grande importância para a nossa sociedade. Exemplos de sua amplitude encontramos no mundo empresarial, em que ela é importante ferramenta para o auxílio na tomada das decisões mais acertadas, além disso, segundo Cordani (2001) no mundo acadêmico atual, praticamente todas as carreiras têm em seu currículo uma disciplina introdutória de Estatística. Mas talvez o seu mais importante papel esteja na construção da cidadania pelo cidadão comum em sua vida cotidiana, pois numa simples leitura diária de jornais, e na mídia como um todo, encontramos diversos termos estatísticos que expõem fatos sociais e econômicos desvendando realidades do país e do mundo. Média salarial, taxa de desemprego, índice de crescimento, gráficos e tabelas são elementos que podem quando compreendidos fundamentar a formação da consciência crítica meta absoluta do ensino básico. Portanto, a Estatística deve ser tratada com maior atenção desde o início e em toda a educação básica e consolidar o seu espaço na nossa sociedade com vistas a uma formação

Estatística na formação inicial do professor de Matemática 2 escolar que enriqueça a cultura geral dos cidadãos. A partir disto, cabe verificar e discutir o ensino de estatística na formação inicial dos professores de Matemática. 1. O ensino de estatística na educação básica No Brasil, o ensino de Estatística entra na educação básica a partir da publicação dos Parâmetros Curriculares Nacionais que determinam que ela deva ser ensinada durante toda a Educação Básica, desde as séries iniciais. Além disto, estes conteúdos são exigidos em exames oficiais tais como, SAEB, SARESP e ENEM conforme apontam os trabalhos de Goulart (2007) e Silva (2007). Entretanto, pesquisas apontam que grande parte dos professores não trabalha estes conteúdos na educação básica. Em uma pesquisa realizada por Santos (2005) com 52 professores participantes do programa Teia do Saber, no Estado de São Paulo, aponta-se que 76% destes professores não trabalham com a idéia de Estatística no Ensino Fundamental e 66% não a trabalham no Ensino Médio. Os motivos alegados por eles foram: os livros didáticos não abordam este assunto, não estudaram estes tópicos durante a graduação, o assunto é complexo e eles não têm domínio destes conteúdos. Em outra pesquisa, Bayer et al (2005) entrevistaram 80 formandos de cursos de Licenciatura Plena em Matemática no Estado do Rio Grande do Sul, Brasil, e 52% deles declararam que o curso não os preparou suficientemente para lecionar Estatística. De maneira geral, os resultados observados por estes autores, entre outros, apresentam-se significativamente convergentes. 2. O ensino de estatística nos cursos de licenciatura plena em Matemática As Diretrizes Curriculares Nacionais para os cursos de Matemática, modalidade Bacharelado e Licenciatura - DCN, (Brasil, 2001), trazem orientações para a estruturação destes cursos. Neste documento descreve-se o perfil dos formandos, as competências e as habilidades que devem ser desenvolvidas, os conteúdos curriculares, e deliberam sobre o estágio e as atividades complementares. No entanto pela leitura atenta desses documentos, chama-nos a atenção o fato de que, em relação aos conteúdos descritos como comuns a todos os cursos de Licenciatura, há uma ausência de estudos relativos à Probabilidade e à Estatística. Esta ausência foi apontada por Viali (2008) em um estudo que tinha por objetivo verificar a presença e a carga horária destinada às disciplinas de Probabilidade e Estatística nos cursos de Licenciatura Plena em Matemática. Este autor analisou uma amostra de 125 currículos de cursos de Licenciatura em Matemática, selecionados aleatoriamente de um total de 539 cursos existentes no Brasil. A conclusão deste trabalho foi que os tópicos relacionados à Probabilidade e a Estatística ocupam, em média, 2,5% da carga horária total das Licenciaturas em Matemática, considerando-se um curso de 2400 horas, que é a carga mínima legal. Os resultados obtidos por Viali (2008) e as determinações contidas nas Diretrizes Curriculares Nacionais para os cursos de Licenciatura e Bacharelado em Matemática indicam a existência de um descompasso entre a formação inicial do professor de Matemática e o que eles devem ensinar na educação básica, no que se refere aos temas de probabilidade e estatística. Nesse sentido concordamos com Viali (2008) quando ele afirma que: Por um lado os PCN

Estatística na formação inicial do professor de Matemática 3 prevêem que tanto Estatística quanto Probabilidade façam parte do ensino desde as primeiras séries, por outro lado as diretrizes curriculares dos cursos de graduação falharam em não refletir essas exigências. (p. 7). A ausência dos tópicos de Probabilidade e Estatística nas DCN, a baixa carga horária destes tópicos nos cursos de licenciatura em matemática apontada por Viali (2008), o sentimento de despreparo dos licenciandos, apontado por Bayer (2005) e o fato de grande parte destes professores não incluírem estes tópicos em suas aulas na educação básica, apontado por Santos (2005), nos faz concluir que é necessário repensar o ensino de estatística na formação inicial do professor de Matemática e buscar formular uma proposta que contemple uma necessidade por ora desatendida. 3. Uma proposta para o ensino de estatística na formação inicial do professor de Matemática Para construirmos uma proposta para o ensino de Estatística na formação inicial do professor de Matemática da escola básica, partimos da hipótese que o principal objetivo do ensino desta disciplina na educação básica é a construção do pensamento estatístico e o consequente letramento estatístico e probabilístico dos alunos, futuros cidadãos e profissionais das mais diversas áreas. Nestes termos, quando falamos em construção do pensamento, letramento, cidadania e mundo do trabalho, estamos falando em educação e, sobretudo, na profissão professor, e lembramos Lopes (2008, p. 66), para quem, na formação do professor, faz-se necessária uma combinação adequada entre conhecimento sobre o conteúdo matemático a ser ensinado e o conhecimento pedagógico e didático de como ensiná-lo. Portanto, uma das questões a serem refletidas é a seguinte: Quais são os conteúdos de Estatística que devem ser trabalhados e quais as características da abordagem necessária na formação inicial do Professor de Matemática, para que ele possa desenvolver adequadamente os conhecimentos estatísticos específicos e didáticos? Isto posto, apresentaremos duas propostas para o ensino de estatística em cursos de graduação. 4. Duas propostas interessantes Em nossa revisão bibliográfica até o presente momento, encontramos dois trabalhos que contêm propostas interessantes para o ensino de Estatística em cursos de graduação, porque até o presente momento não encontramos nenhum trabalho que abordasse o ensino desta disciplina em cursos de Licenciatura em Matemática. O primeiro deles foi desenvolvido por Cordani (2001), que propôs um programa de ensino para a primeira disciplina de Probabilidade e Estatística para os cursos universitários. Nessa proposta, o curso deve começar com a análise de dados (trabalhando preferencialmente com dados reais), em seguida com o cálculo de probabilidades, que segundo a autora, servirá como base para o pensamento inferencial. Na sequência, passa-se para a apresentação do conceito de variável aleatória e algumas distribuições, para finalmente introduzir-se a noção de inferência estatística, trabalhando com as abordagens da escola clássica e da escola bayesiana. A disciplina terminaria com uma análise crítica de artigos científicos inerentes a área do curso em que a

Estatística na formação inicial do professor de Matemática 4 disciplina está sendo desenvolvida. Além deste trajeto, a autora sugere que na apresentação dos tópicos de inferência estatística, estes sejam ministrados com um viés epistemológico e não apenas de maneira técnica. A proposta de Cordani (2001) para a disciplina inicial de Estatística mostra um grande avanço, se compararmos com o que é praticado atualmente na maior parte das Licenciaturas em Matemática, onde o futuro professor é exposto a um ensino com uma abordagem essencialmente algorítmica totalmente desvinculada do seu contexto e com exemplos bem distantes de sua área de interesse e com pouca ou nenhuma relação com o que futuramente terá que ensinar conforme nos aponta Viali (2008). Observe-se ainda que a proposta de Cordani contempla a construção dos conhecimentos necessários à atuação docente na escola básica, articulando aspectos específicos dos conteúdos estatísticos com seus aspectos didáticos e epistemológicos. O segundo trabalho foi desenvolvido por Ara (2006) que propõe um novo programa para a disciplina de Probabilidade e Estatística nos cursos de graduação em Engenharia, onde se procura um equilíbrio entre os aspectos determinísticos e aleatórios da realidade. De acordo com este autor, o aluno ingressante no ensino superior chega com uma visão determinista da realidade, devido ao caráter excessivamente determinista dos currículos escolares que ainda é predominante na Educação Básica. Embora o programa seja pensado para cursos de Engenharia, ele pode servir de inspiração para os cursos de Licenciatura em Matemática porque, mais do que qualquer outro profissional, o professor de Matemática deve ter clareza sobre os aspectos determinísticos e aleatórios da realidade. Isto se deve ao fato de que, conforme nos aponta Branco (2000): O raciocínio típico da Estatística é diferente do que se usa em Matemática e daí que seja legítimo tentar evitar que o ensino de Estatística se faça adotando uma orientação semelhante à que é seguida quando se ensina matemática. Segundo Shaughnessy (2006), a estatística tem suas próprias ferramentas e formas de pensar, e os estatísticos são insistentes ao afirmar que aqueles de nós que ensinam matemática percebem que estatística não é matemática, nem mesmo um campo da matemática. (p.78, tradução nossa). Tal diferença necessita ser muito bem trabalhada nos cursos de licenciatura de maneira que os professores assim formados possam orientar seus alunos na construção e desenvolvimento desse tipo especial de pensamento e raciocínio, que leva em conta o aleatório e a variabilidade, contrariamente ao determinismo matemático. A questão é que, na Educação Básica, o ensino de Estatística é atribuição do Professor de Matemática e, portanto, cabe a ele conhecer, de maneira clara, as diferenças entre os dois tipos de raciocínio. Então, um aspecto a ser ressaltado refere-se a como estes conteúdos devem ser ensinados, e a resolução de problemas - princípio norteador da aprendizagem da matemática - segundo Lopes (2008, p. 65), pode possibilitar o desenvolvimento com estatística e probabilidade em sala de aula. Outro aspecto que deve ser considerado é a utilização da filosofia da análise exploratória de dados, na qual, de acordo com Coutinho e Miguel (2007), busca-se construir modelos a partir do estudo de dados observados pelo uso simultâneo de duas ou mais representações desses dados. Os resultados de pesquisas envolvendo a análise de livros didáticos como Friolani (2007) e Simone Neto (2007) indicam que esses materiais ainda não exploram tal abordagem, cabendo ao professor completar seu plano de aula com as atividades desejadas.

Estatística na formação inicial do professor de Matemática 5 5. Algumas considerações Do que foi exposto percebe-se a necessidade de uma nova abordagem no ensino de Estatística na Licenciatura em Matemática. O que existe atualmente tem se revelado insuficiente, o que leva a grande maioria dos professores a não trabalharem com este conteúdo na escola básica e, aqueles que trabalham, o fazem de maneira excessivamente algorítmica, o que não favorece o desenvolvimento do pensamento estatístico por parte dos alunos. Levantamos até o momento duas propostas para uma nova maneira de se ensinar Estatística em cursos de graduação, a de Cordani (2001), que vai ao encontro com a filosofia da análise exploratória de dados proposta por Coutinho e Miguel (2007) e a de Ara (2006), cuja ênfase nos aspectos determinísticos e aleatórios da realidade, nos aponta a grande tarefa da formação inicial do professor que vai ensinar Estatística e Matemática na educação básica, como o desafio de desenvolver, no mesmo indivíduo, dois raciocínios distintos e que, a primeira vista, parecem idênticos. A nosso ver, as duas propostas poderiam ser complementares e, embora não sejam propostas voltadas para a Licenciatura em Matemática, nos apontam caminhos. Maiores aprofundamentos na revisão bibliográfica nos levarão a incrementar estas propostas ou construir novas, a partir de estudos referentes ao ensino e à aprendizagem da estatística, à construção do pensamento e raciocínio estatístico, aos conteúdos a ensinar na escola básica e à análise curricular nos levarão a estabelecer critérios para lapidar estas propostas ou beneficiarmos nossos estudos a partir da contribuição de suas bases para construir novas. O que será apresentado e discutido no Pôster Duas propostas Cordani (2006) Ara (2006) Contempla a construção dos conhecimentos necessários à atuação docente na escola básica, articulando aspectos específicos dos conteúdos estatísticos com seus aspectos didáticos e epistemológicos dos mesmos. Equilíbrio entre os aspectos determinísticos e aleatórios da realidade Construção de nova proposta Figura 1: Proposta da apresentação e discussão do pôster

Estatística na formação inicial do professor de Matemática 6 Bibliografia e Referências ARA, A. B. O ensino de Estatística e a busca do equilíbrio entre os aspectos determinísticos e aleatórios da realidade. Tese de Doutorado. São Paulo, 2006. Faculdade de Educação, Universidade de São Paulo. BAYER, A. et al. Preparação do formando em Matemática-Licenciatura para lecionar Estatística no Ensino Fundamental e Médio. V ENPEC (Encontro Nacional de Pesquisa em Ciências). 2005. BRANCO, J. Conferência plenária. Estatística no Secundário: O Ensino e seus problemas. Ensino e Aprendizagem da Estatística. Organização: Loureiro, C.; Oliveira, F.; Brunheira, L. Universidade de Lisboa, 2000. BRASIL. CNE/MEC. Diretrizes Curriculares Nacionais para os cursos de Matemática, Bacharelado e Licenciatura. Parecer n. CNE/CES 1.302/2001. DOU 5/3/2002. CORDANI, L. K. O ensino da Estatística na Universidade e a controvérsia sobre os fundamentos da inferência. Tese de Doutorado. São Paulo, 2001. Faculdade de Educação, Universidade de São Paulo. COUTINHO, C. Q. S.; MIGUEL, M. I. R. Análise exploratória de dados: Um estudo diagnóstico sobre concepção de professores. Disponível em:<http://www.anped.org.br/reuniões/30ra/trabalhos/gt19-2910--int.pdf>. Acessado em 14 jan. 2011. FRIOLANI, L. C. O pensamento estocástico nos livros didáticos do Ensino Fundamental. Dissertação de Mestrado Profissional. São Paulo, 2007. PUC-SP. GOULART, A. O discurso sobre os conceitos probabilísticos para a escola básica. Dissertação de Mestrado. São Paulo, 2007. PUC-SP. LOPES, C. E. O ensino de probabilidade e estatística na educação básica e a formação de professores. Caderno Cedes, Campinas, vol. 28, n. 74, p. 57-73, jan./abr. 2008. BRASIL. Parâmetros Curriculares Nacionais. Ensino Fundamental. Brasília. MEC, 1998. SANTOS, C. R. O tratamento da informação: Currículos prescritos, formação de professores e implementação em sala de aula. Dissertação de Mestrado Profissional. São Paulo, 2005. PUC-SP. SHAUGHNESSY, J. M. Research on Students Understanding of some big concepts in Statistics. In Burrill, G.F. (eds), Thinking and Reasoning with and chance. p. 77-98. NCTM. 2006. SILVA, J. C. Conhecimentos estatísticos e os exams oficiais: SAEB, ENEM e SARESP. Dissertação de Mestrado Profissional. São Paulo, 2007. PUC-SP. SIMONE NETO, F. Análise do letramento estatístico nos livros didáticos do ensino médio. Dissertação de Mestrado Profissional. São Paulo, 2008. PUC-SP. VIALI, L. O ensino de Estatística e Probabilidade nos cursos de Licenciatura em Matemática. XVIII SINAPE (Simpósio Nacional de Probabilidade e Estatística). 2008.